Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1185/09.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
RELEVÂNCIA JURÍDICA
REQUISITOS
CESSAÇÃO DA UNIÃO
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / INTERPRETAÇÃO DA LEI - DIREITO DA FAMÍLIA / UNIÃO DE FACTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS - PROCESSOS ESPECIAIS / PROVIDÊNCIAS RELATIVAS AOS CONJUGES.
Doutrina:
- Antunes Varela, Direito da Família, 1980, p. 13.
- Baptista Machado, Introdução ao Direito, 1987, p. 187 e ss..
- França Pitão, Uniões de Facto e Economia Comum, 2ª edição, p. 94/95, 98.
- Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3ª ed., 1978, pp. 127 e ss. e 138 e ss..
– Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação da Lei, 2ª edição, pp. 9 e 10.
- Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1978, p. 350.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, I, 4ª ed., p. 58 e segs..
- Telma de Carvalho, I Volume, título “A União de Facto: A Sua eficácia Jurídica”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, p. 224.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 1577.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 685º-B, 712.º, N.º1, A), E Nº2, 1411º, Nº2, 1413.º.
LEI 7/2001, DE 11.5 (LUF): - ARTIGOS 1.º, N.º1, 2.º, AL. C), 3.º, 4.º. 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.6.2007, PROC. 07A2003, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Estando à data da cessação da união de facto um dos unidos que vivia em situação adulterina, já liberto do vínculo conjugal por ter sido decretado o divórcio por sentença transitada em julgado, menos de dois anos antes da data de cessação da união de facto, esse facto não integra a excepção impeditiva da atribuição de efeitos jurídicos à união de facto prevista no art. 2º c) da Lei 7/2001, de 11.5. 

II – O requisito de estabilidade da união de facto que a lei coloca no período de dois anos não exige que a dissolução do casamento de um dos membros que viveu em união de facto tenha ocorrido há pelo menos dois anos em relação à data em que cessou, consensualmente, a união de facto que, no caso, perdurou cerca de 14 anos.

III – Tendo a união de facto cessado quando um dos membros dessa união já estava divorciado não se exige que o estado de divorciado perdure há dois anos, não existindo, no caso vertente, possibilidade de concorrência ou disputa de direitos, por exemplo, previdenciais ou outros, como a atribuição da casa de morada de família entre o cônjuge e o unido de facto.

Decisão Texto Integral:

Proc.1185/09.6TVLSB.L1.S1.

R-412[1]

Revista.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


            AA intentou, em 31.5.2009, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, com distribuição à 2ª Vara, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

 BB

 Pedindo que seja declarada judicialmente a dissolução da união de facto que existiu entre ambos e que lhe seja atribuído o direito à titularidade da casa de morada de família.

Citado, veio o réu contestar por impugnação e excepção, invocando a este título a incompetência material do tribunal para a acção que diz caber à jurisdição administrativa.

Na réplica apresentada, sustentou a autora a competência dos tribunais civis para a acção.

Foi proferido despacho que considerou ser o processo de jurisdição voluntária o adequado à pretensão deduzida e que negou a competência das Varas Cíveis de Lisboa para a sua apreciação, ordenando a remessa dos autos aos Juízos Cíveis de Lisboa.

Aqui veio a determinar-se que os autos seguissem como acção especial para atribuição de morada de família, ao abrigo do artigo 1413.° do Código de Processo Civil.

Gorou-se a conciliação tentada na diligência a que aludem os artigos 1407.° e 1413.° do Código de Processo Civil.

Realizaram-se várias diligências e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas.

Julgou-se improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal, deduzida pelo réu e teve-se como não verificada a também por ele invocada excepção inominada de irregularidade do patrocínio por parte da patrona da autora.


***


            A final, foi proferida sentença, julgando-se a acção procedente:

a) - Reconheceu-se a dissolução da união de facto mantida entre a Autora e o Réu, com efeitos reportados ao período de Julho e Agosto de 2006;

b) - Atribuiu-se à Autora o direito à casa de morada de família, correspondente ao fogo municipal T2 sito na Rua ..., Lt. …, …, ..., em Lisboa, objecto de cedência pela Câmara Municipal de Lisboa.


***

Inconformado, o Réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 24.4.2012 – fls. 220 a 237 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.


***

De novo inconformado, recorreu o Réu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Formação a que alude o art. 721º, nº3, do Código de Processo Civil admitido a revista excepcional.


***

Alegando formulou as seguintes conclusões:

I – O presente recurso vem interposto do acórdão proferido nos autos de apelação pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual confirmou, sem voto de vencido, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

II – A acção que, após algumas vicissitudes, tomou a forma de processo de jurisdição voluntária, foi proposta pela Autora ora Recorrida, consistindo o seu pedido na atribuição da morada de família, com fundamento na cessação da União de Facto entre a mesma e o Ré ora Recorrente.

III – A sentença, em 1ª instância, considerando a acção procedente, atribuiu o direito à morada de família à Autora.

IV – O Recorrente não se conforma e, não obstante a “dupla conforme”, dada a improcedência da apelação, vem recorrer em revista excepcional, nos termos do n. °1 do art. 721.°-A do Código de Processo Civil, por se verificarem os requisitos da alínea a) e c) do mesmo.

V – Verifica-se a previsão da alínea a) porquanto, a questão de direito a apreciar, apesar da sua simplicidade, seja: se os dois anos previstos na Lei da união de facto, Lei 7/200] (1ª versão), art. 1°, nº1, podem ter decorrido no período de tempo em que, já vivendo juntos, um dos membros da união de facto esteve casado com pessoa diversa, mostra-se necessária para uma melhor aplicação do direito, sobretudo pela relevância social da união de facto na actualidade e sendo previsíveis frequentes situações equivalentes ao caso dos autos.

Sendo que a actual versão da Lei 7/2001 é igualmente equívoca, quanto à questão jurídica em causa, sendo que a sua apreciação tem interesse e repercussão geral na sociedade, sendo que a própria fundamentação de direito nessa matéria pela sua extensão quer no Tribunal a quo, quer na 1ª instância demonstra a amplitude da controvérsia e dificuldade de fundamentar a solução que vingou.

VI – Verifica-se a previsão da alínea c) porquanto, o acórdão ora em recurso, na mesma questão de direito enunciada no item anterior, ou seja na interpretação dos artigos 1º. 2.° e 3.° da Lei 7/2001, decidiu no sentido de que os dois anos previstos no art. 1º, n.°1, não têm de decorrer após o divórcio de um dos membros da união de facto, sendo suficiente, que no momento da cessação qualquer deles não se encontre casado, e tenham vivido juntos em condições análogas a cônjuges por período superior a dois anos.

E, ao decidir nesse sentido, na mesma questão de direito e na vigência e aplicação das mesmas normas, está em contradição com a interpretação e o decidido no Acórdão de 18.01.2007, já transitado, proferido no âmbito do processo ordinário especial n.°9435/06-2, na 2ª Secção Cível do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, decidiu no sentido de que (Sumário) “O prazo mínimo de dois anos relevante para a união de facto, deve ter decorrido quando qualquer dos sujeitos envolvidos não tenha impedimentos de “casamento anterior não dissolvido”.

VII – O presente recurso tem por objecto matéria de direito e, não conhecendo o Supremo Tribunal de Justiça de matéria de facto, versa ainda sobre vícios da decisão que, a não terem ocorrido, levariam à procedência da apelação, tendo ainda por objecto matéria nova e alteração de circunstâncias relevantes.

VIII – Nos presentes autos, foi invocada e aplicada a Lei da União de Facto, Lei n.°7/2001, de 11 de Maio, na versão anterior à alteração pela Lei n.°23/2010 de 30 de Agosto, por ser essa versão que vigorava ao tempo da cessação e da propositura da acção.

IX – Na acção, a autora invocou a necessidade e interesse próprio e da filha de ambos.

X – O Recorrente contestou, invocando a não aplicação da Lei da União de Facto e direitos previstos na mesma, por não haverem decorrido dois anos após o divórcio do mesmo até à cessação da União.

XI – Invocou ainda, ser titular do arrendamento, reduzidos rendimentos, não ter outra morada.

XII – Invocou que a Recorrida constituiu outra união de facto.

XIII – E que propôs a acção mais de dois anos após a cessação da união.

XIV – De facto, a Recorrida propôs a presente acção em 25.05.2009, tendo a União cessado em Julho/Agosto de 2006.

XV – Ambos, cerca de catorze anos, viveram em condições análogas a cônjuges.

XVI – Porém, o Réu era casado, só vindo a divorciar-se em ……..20….

XVII – A morada em causa foi atribuída ao Recorrente na sequência de realojamento da sua família.

XVIII – O douto Acórdão em recurso, interpretou os artigos 1.º, n° 1, 2. ° al. c), 3º al. a) e 4º, nº4, da Lei n.°7/2001, de 11 de Maio, no sentido de que, apesar de não terem decorrido dois anos após o divórcio, a referida Lei é aplicável à situação, não havendo qualquer impedimento aos efeitos jurídicos, ou direitos que a mesma confere aos unidos de facto, nomeadamente os previstos no art. 3º e 4º da mesma Lei.

XIX – Na perspectiva do Recorrente, a Lei 7/2001, na versão original, que é sempre a que está em causa e se tem em vista, não é aplicável ao caso dos autos, por não estar preenchido o requisito de dois anos de união de facto, previsto no art. 1.º, n.°1, da mesma Lei, não tendo assim a recorrida direito à atribuição da morada, ao contrário do decidido no douto acórdão que sufragou a sentença proferida.

XX – Ao decidir dessa forma o, não obstante, douto acórdão não efectuou uma correcta interpretação dos preceitos legais em causa, nomeadamente do art. 1.º, n.°1, da Lei.

XXI – Por outro lado, já noutro âmbito, o Recorrente, viu rejeitado na apelação o Recurso da Matéria de Facto, com invocação de não admissibilidade, por não ter sido gravada a audiência e o Apelante não remeter para os concretos pontos da gravação que pretendia ver apreciados.

XXII – Porém, as provas indicadas pelo mesmo constam do processo, o que a testemunha disse está referido expressamente na fundamentação da sentença, e na apelação o Recorrente transcreveu exactamente essa parte da fundamentação, conforme indicou supra nas alegações.

XXIII – Assim, o Recorrente invocou o concreto meio de prova que está documentado no processo, o qual é insusceptível de ser destruído por quaisquer outras provas, nos termos do art. 712.° n.°1 b), pelo que, o recurso relativo à matéria de facto é admissível nos termos do art. 685.° - B do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria impugnada consta do processo.

XXIV – Ao ter rejeitado o recurso o Tribunal a quo violou os artigos 685.°-B Código de Processo Civil e art. 712.º, n°1, b), que o admitiam, deixando de pronunciar-se sobre matéria que devia apreciar, preenchendo a causa de nulidade da decisão prevista no art. 668º, n.° 1 d), a qual se invoca.

XXV – Noutro âmbito, atento a matéria de facto dada como provada em 1ª instância, ou seja, que o Réu, titular do arrendamento, não tem outra morada e possui escassos rendimentos, donde resulta não ter possibilidade e ter necessidade, só por si justificava de forma notória a improcedência da acção, pois, o art. 1793.° Código Civil determina ter em conta as necessidades de cada um dos ex-membros da união de facto, pelo que, face à notoriedade mencionada, e pretensão do requerente, deveria o mesmo ter decidido de improcedência da acção.

XXVI - Tanto mais que nem lhe foi arbitrada qualquer compensação por parte da Recorrida.

XXVII – O Recorrente invocou na apelação esses factos, dados como provados, hábeis e suficientes para a improcedência da acção, o douto acórdão, ao não ter revisto a sentença, e em contrapartida fazer proceder o recurso, efectuou uma inadequada subsunção dos factos ao direito, pois podendo ex-oficio pronunciar-se e decidir, por maioria de razão, perante a invocação e pretensão do apelante, violando assim o art. 1793.° n.°1, Código Civil, bem como o art. 1105.°, n° 2, do Código Civil.

XXVIII – Por outro lado, o douto acórdão determina que nada há a apreciar ou a decidir quanto à questão suscitada pelo apelante, na conclusão VIII, pois o mesmo não teria formulado qualquer pretensão com base nos argumentos que invoca.

XXIX – Pois, refere o douto acórdão, o apelante insurgiu-se contra o facto de o despacho de fls. 130 ter indeferido o rol de testemunhas por si apresentado a fls. 128, sustentando que, em face da decisão proferida sobre os factos, se constata a necessidade desses elementos probatórios.

XXX – Ora, havendo factos por provar, constata-se que essas testemunhas eram necessárias, pelo que deveriam ter sido admitidas, ainda que já em fase de julgamento, como o permite a forma de processo de jurisdição voluntária.

XXXI – Assim, o douto acórdão efectuou um incorrecto julgamento e apreciação dos pedidos formulados pelo apelante.

XXXII – Justificando-se, nesses termos, a substituição da decisão, ou, ainda que assim não se entenda, o reenvio ao tribunal a quo, para decisão conforme pedido formulado.

            XXXIII – Como factos novos e supervenientes, cuja inserção se justifica, tendo em conta os valores em causa, que é o direito à habitação, e à segurança jurídica, entre os quais avulta a certeza do direito, importa fazer referência aos seguintes factos:

1 - A filha de ambos, Recorrente e Recorrida, nascida a … de … de 19…, completou 18 anos, atingindo assim a maioridade.

XXXIV – 2 – A Recorrida, aliás acompanhada da filha de ambos, no transacto dia 11 de Maio de 2012, acompanhada de outros intervenientes, apoderou-se por esbulho, da morada em causa nestes autos, sita na Rua ..., Lt. …, …, … em Lisboa, subtraindo-a à posse e domínio pacífico do ora Recorrente, tendo este proposto Procedimento Cautelar de Restituição provisória da posse, no dia 14 de Maio de 2012, o qual tomou o n.° 1036/12.4TVLSB, correndo termos na Vara Cível do Tribunal de Lisboa, não tendo havido decisão até ao presente.

XXXV – Tais factos demonstram a menor necessidade e pertinência da decisão de atribuição da morada à Recorrida (mesmo abstraindo da situação económica e habitacional do Recorrente) e por outro, – em negativo – demonstram melhor o carácter e conceito do cumprimento da lei e do direito por parte da mesma, sendo que não cuidando este alto por Supremo Tribunal das questões de facto, salvo melhor parecer, não deixarão de ilustrar a valoração da matéria factual como ponto de partida.

Nestes termos, o acórdão do Venerando Tribunal a quo, não efectuou uma correcta aplicação do direito aos factos sub judice, devendo com os fundamentos de facto e direito explanados nas motivações e resumidos nas conclusões supra, ter decidido nos termos peticionados pelo Apelante, quer nas conclusões, quer no pedido a final formulado, pelo que, neste tempestuoso tempo que devia ser sereno de recurso, com um aluvião de alteração de circunstâncias e situações com multíplices solicitações, que o presente não deixará de reflectir, põe ênfase no douto suprimento.

Nos termos expostos, deverá o presente recurso ser admitido como revista excepcional, e ser julgado procedente, e em consequência, revogado o acórdão proferido em apelação, e substituído por outro que considere a acção de atribuição da morada de família, com fundamento em união de facto, improcedente, ou, reenviado ao mesmo Tribunal a fim de proferir decisão sobre a matéria de facto recorrida e rejeitada, ou ordenar o envio do processo para julgamento em 1ª instância, com admissão das testemunhas arroladas e não admitidas, por esse meio de prova se mostrar necessário à boa decisão da causa, ou ainda ser directamente anulada a sentença e ordenada repetição do julgamento.

 

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora AA e o Réu BB viveram juntos, em comunhão de mesa, leito e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante 14 anos, tendo a relação entre ambos cessado em data indeterminada do período compreendido entre os meses de Julho e Agosto de 2006.

 

2. A Autora e o Réu têm uma filha em comum, CC, nascida em … de … de 19…, encontrando-se o respectivo poder paternal judicialmente atribuído à Autora.

3. O Réu casou com DD, em … de … de 19…, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 8 de Novembro de 2005, transitada em julgado em 18 de Novembro de 2005.

4. Por despacho da Câmara Municipal de Lisboa de 3 de Janeiro de 2000 foi aprovada a cedência do fogo municipal T2, sito em R…., Lt. … – …, correspondente à morada do Réu, sujeita ao pagamento da taxa mensal de 11.684$00, no seguimento de um processo de realojamento da família do Réu.

5. Nos termos do ofício de atribuição do fogo referido em 4., foram autorizados a residir no mesmo, o Réu, na qualidade de titular, a Autora como sua companheira, e a filha de ambos.

6. No seguimento de pedido apresentado para o efeito, por ofício datado de 13 de Janeiro de 2009, a “Gebalis” indeferiu o pedido de desdobramento apresentado pela Autora relativamente à atribuição de um fogo, com fundamento em existirem situações semelhantes de agregados que por situação de divórcio/separação solicitam desdobramento, acrescentando que a requerente poderia solicitar a atribuição de morada de família junto do tribunal.

7. O Réu foi condenado no Processo n.°65/08.7PZLSB da 2ª Secção do 1.° Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de Maio de 2009, pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da Autora, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.

8. A Autora no seguimento da relação conflituosa que mantinha com o Réu, deixou a habitação onde residia com o Réu acompanhada da filha.

9. A Autora após a separação esteve a viver durante cerca de cinco meses, entre Setembro de 2006 e Janeiro de 2007, com o novo companheiro e a filha numa casa sita em ..., tendo regressado a Lisboa e passado a residir com a mãe, na residência desta sita no Bairro ....

10. A filha da Autora e do Réu, depois de regressar do Alentejo, chegou a viver com o Réu no fogo referido em 4. durante alguns meses, acabando por entrar em conflito com o pai devido às regras que este lhe impunha, e regressado ao agregado familiar da mãe, sendo nos últimos tempos os contactos entre o Réu e a filha ocasionais e por telefone.

11. Com referência a Agosto de 2010, a Autora encontra-se a residir em casa da mãe, numa habitação social de tipologia T3, sita no Bairro ..., em Lisboa.

12. Para além da Autora, aí residem a filha CC, o novo companheiro da Autora e a filha de ambos, nascida no início de 2010, a progenitora da Autora e dois irmãos desta, um dos quais portador de deficiência.

13. A habitação está distribuída da seguinte forma: um quarto é ocupado pela Autora e pelo companheiro, outro quarto é ocupado pela mãe da Autora e pelo irmão desta portador de deficiência, e outro é ocupado pelo restante irmão da Autora. A filha menor da Autora e do actual companheiro dorme alternadamente entre a cama dos pais e da avó, enquanto a filha da Autora e do Réu dorme no sofá da sala.

14. A filha da Autora e do Réu não possui um espaço próprio que lhe proporcione conforto e privacidade, dispondo no quarto da avó de uma secretária onde executa os trabalhos escolares.

15. A filha da Autora e do Réu frequentou no ano lectivo de 2009/2010 o Curso de Educação e Formação de Jovens na área de Acompanhamento de Crianças, na Escola EB, com aproveitamento, tendo-lhe sido atribuído diploma profissional com equivalência ao 9.° ano de escolaridade.

16. A filha da Autora e do Réu encontra-se em situação de vulnerabilidade comprometedora do seu desenvolvimento saudável que se centra na relação conflituosa entre os progenitores e na qual a mesma se encontra envolvida, representando a situação habitacional vivenciada pela mesma um factor de vulnerabilidade e fragilidade na dinâmica e rotinas familiares.

17. A Autora encontra-se desempregada, tendo anteriormente trabalhado na área da restauração, e é titular da prestação pecuniária de Rendimento Social de Inserção, desde Setembro de 2007, no valor de € 373,18, sem que disponha de outro meio de subsistência.

18. O companheiro da Autora encontra-se desempregado desenvolvendo trabalhos na área da construção civil de carácter irregular.

 

19. Têm como despesas fixas dois empréstimos, um de compra de uma viatura automóvel no valor de € 200,00 mensais e um crédito pessoal no valor de € 135,00 mensais, sendo os encargos da habitação suportados pela mãe da Autora.

20. Em nome da Autora encontra-se registado um veículo automóvel de marca ..., modelo ..., do ano de 2001, com a matrícula ...RL.

21. A Autora é comproprietária, com dois outros titulares, de um prédio misto, composto por cultura arvense e oliveiras e um edifício de r/c com superfície coberta de 30 m2, sito na freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém, sob o n.° …, e inscrito na matriz rústica e urbana, com o valor patrimonial de € 596,77.

22. Com referência a Agosto de 2010, o Réu encontra-se a residir sozinho no fogo referido em 4., de tipologia T2, o qual dispõe de condições de higiene, salubridade e organização e possuindo este dois quartos.

23. O Réu mantém um relacionamento há cerca de 3 anos com uma mulher de nome EE, a qual tem dois filhos menores a cargo.

24. O Réu pernoita, por vezes, em casa desta, o inverso sucedendo noutras ocasiões, sem que ambos coabitem ou possuam uma economia comum.

25. O Réu sempre trabalhou na área da construção civil como ladrilhador de primeira, tendo desde 2007 sentido dificuldades em arranjar trabalho ou rendimentos fixos, tendo declarado cerca de € 200,00 de média mensal de rendimentos.

26. Encontra-se com vários meses de atraso no pagamento da taxa mensal devida pela cedência do fogo referido em 4. e não cumpre a obrigação de pagamento da pensão de alimentos de € 50,00 mensais em favor da sua filha.

27. Tem registados em seu nome três veículos automóveis, e encontra-se a pagar um crédito pessoal no valor de € 194,00 mensais relativamente a um dos veículos.

28. No fogo referido em 4. chegou a viver temporariamente o irmão mais novo do Réu.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a Autora beneficia da lei que rege a união de facto, tendo de acordo com a sua pretensão direito à casa de morada de família, e se a Relação decidiu com acerto ao não reapreciar a matéria de facto.

As partes não discutem que a Autora e o Réu viveram juntos, em comunhão de mesa, leito e habitação, em condições análogas às dos cônjuges durante 14 anos, tendo a relação entre ambos cessado em data indeterminada do período compreendido entre os meses de Julho e Agosto de 2006.

Este facto considerado provado revela que os pleiteantes viveram em união de facto sendo aplicável, atenta a data do início e cessação dessa relação, a Lei 7/2001, de 11 de Maio.

 A Autora, tendo considerado que a relação afectiva com o Réu, de quem tem uma filha, cessou, pretendeu obter para si a atribuição da casa de morada de família ao abrigo do art. 4º, nº4, da citada Lei.

O nº1 do art.1º da referida lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos.

O artigo 2.º elenca situações de excepção impeditivas dos efeitos jurídicos da lei, ou seja, requisitos que, se verificados, não permitem conferir a protecção que a lei dispensa à união de facto, tal como é definida no art. 1º, nº1.

“São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei:

a) Idade inferior a 16 anos;

b) Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;

c) Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens;

d) Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;

e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro”.

No caso, a querela centra-se em torno da interpretação da al. c) “casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens”.

Um dos direitos que a Lei confere às pessoas que vivem em união de facto é a protecção da casa de morada de família – a) do nº3, conjugado com o art.4º.

O recorrente pretende que a correcta interpretação da c) do nº2 da Lei 7/7001, deve ser no sentido que o período de tempo em que um dos membros da união esteve casado só é contado como união de facto para os efeitos da mesma Lei se houver separação judicial de pessoas e bens; e, por isso, a autora não beneficia da protecção da Lei, já que na data da cessação da relação de vivência em comum não tinham ainda decorrido dois anos sobre a data em que fora dissolvido, por divórcio, o casamento do apelante com outrem.

Com efeito, o Réu não estava divorciado há mais de dois anos no momento em que cessou a relação de facto que os uniu por cerca de catorze anos.

Como se acha provado, o Réu casou com DD, em 8 de Março de 1987, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 8 de Novembro de 2005, transitada em julgado em 18 de Novembro de 2005.

A questão que as instâncias foram chamadas a decidir e que é objecto deste recurso consiste em saber, como bem assinala a decisão da 1ª instância – “se os dois anos exigidos pela lei para o reconhecimento de efeitos jurídicos à união de facto apenas podem ser contados desde o momento em que transitou em julgado a decisão que decretou o seu divórcio, mesmo que o início da relação de união de facto tenha tido ocorrido em momento anterior e tenha perdurado para além deste”.

Como as instâncias assinalam, há que interpretar a lei como recurso às regras de hermenêutica jurídica previstas no art. 9º do Código Civil.

A interpretação não se satisfaz com a mera análise lógica, ou gramatical dos textos.

           

A interpretação da lei — tem por objecto descobrir, de entre os possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo – Manuel de Andrade, in “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação da Lei”, 2ª edição, páginas 9 e 10.

 Antunes Varela, in “Direito da Família”, 1980-13, ensina que a interpretação (da lei) não se reduz a uma simples análise gramatical ou lógica dos textos. A formulação do pensamento legal obriga, não a esse puro trabalho de exegese literal, mas a uma reconstituição histórica do conflito de interesses subjacente a cada norma, à inventariação “das várias soluções teoricamente possíveis do conflito versado e á descoberta da razão determinante da opção real ou presuntivamente feita pela lei”.

Pires de Lima e Antunes Varela ensinam que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei “Código Civil Anotado” I, 4ª ed., págs. 58 e segs.

A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei – “Introdução ao Direito”, 1987, págs. 187 e ss.

Ou, como ensina Oliveira Ascensão, “a letra não é só ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito” – O Direito – Introdução e Teoria Geral, 1978, pág. 350.

Francesco Ferrara, in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 3ª ed., 1978, págs. 127 e ss. e 138 e segs., afirma que para apreender o sentido da lei, “A interpretação socorre-se de vários meios: em primeiro lugar busca reconstituir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa.

As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.

Na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica”.

            Não sendo a união de facto equiparável ao casamento, mas admitindo-se que possa ser fonte de relações familiares, o legislador tem vindo a conferir-lhes, acompanhando a realidade histórica e sociológica, cada vez mais sólida e efectiva protecção.

            Telma de Carvalho, no Estudo publicado no I Volume das “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977” – com o título “A União de Facto: A Sua eficácia Jurídica”, escreve na pág. 224:

 “Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (anotação ao artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, J.J. Gomes/Moreira, Vital — Constituição da República Portuguesa Anotada; vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora (1984), p. 220), consideram que a redacção do referido preceito não permite “a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento”, consideram que este preceito permite abarcar as uniões de facto, nomeadamente porque “Constitucionalmente o casal nascido da união de facto também é família, e ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes”.

Concluem assim que o preceito constitucional dá uma certa abertura ao reconhecimento constitucional das uniões de facto.”

O art. 2º c) da Lei 7/2001, de 11.5, ao aludir a casamento anterior não dissolvido, como factor impeditivo da relevância jurídica da união de facto, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens, desde logo não se refere à exigência de qualquer prazo relacionado com a cessação do estado de casado, mas apenas as duas modalidades em que o vínculo conjugal subsiste, mas se acha de certo modo menos forte como é da essência da separação judicial de pessoas e bens.

            A questão que se coloca, é saber se os dois anos que, no mínimo são o lapso de tempo indicativo da constituição da união de facto como factor de estabilidade de uma relação que postula uma vivência análoga à dos cônjuges, também é de exigir em relação ao momento em que ocorre a cessação do vínculo do casamento, ou seja, deverá ser interpretado como requisito em relação ao cônjuge que foi casado e que tenha visto romper o vínculo do casamento há menos de dois anos, em relação à data em que cessa a união de facto por consenso dos seus membros?

 Pode na realidade ocorrer, que na união de facto um dos seus membros tenha permanecido casado e à data da cessação consensual da união, tenham mediado menos de dois anos sobre, por exemplo, a data do divórcio de um deles.

Esta é a querela dos autos.

Quando cessou a longa união de facto, entre a Autora e o Réu, algures entre Julho e Agosto de 2006, este já estava divorciado por sentença de 8 de Novembro de 2005, transitada em julgado em 18 de Novembro de 2005.

O recorrente sustenta que, não tendo decorrido dois anos entre a cessação da união de facto e a data em que ocorreu a dissolução do seu casamento pela via do divórcio, a união de facto não produziu efeitos, sendo a situação abarcada pela previsão do art. 2º c) da Lei 7/2001.

           

            Antes de respondermos à questão, vejamos alguns aspectos do regime legal da união de facto à luz da Lei 7/2001, de 11.5 (LUF).

            No art. 3º a Lei, reconhecendo efeitos fiscais aos membros da união de facto, não faz depender o regime que prevê de qualquer período temporal mesmo em caso de um dos membros do união viver como seu companheiro ou companheira, subsistindo o estado de casado com terceira pessoa.

 Também assim quanto ao direito a pensões por acidentes de trabalho ou doença profissional – al. e) do citado art. 3º.

            A alínea c) do art. 2º da Lei 7/2001 é idêntica ao preceito que constava da Lei 135/99, de 28.8, que, por sua vez, reproduz parcialmente o impedimento dirimente absoluto ao casamento previsto no art. 1601º, c)[2] do Código Civil “c) o casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respectivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil”.

            A ratio legis da al. c) do nº2 da Lei nº7/2001, não é, como no casamento, evitar a bigamia já que na união de facto não é assimilável ao estatuto jurídico daquele contrato – art. 1577º do Código Civil – com os inerentes direitos e deveres conjugais.

Como ensina França Pitão, in “Uniões de Facto e Economia Comum” – 2ª edição – pág. 94/95:

 “No caso em análise, quanto a nós, porque se trata e se regula apenas uma situação de facto, está em causa a defesa da moralidade, no sentido de não atribuir quaisquer efeitos a uma relação de facto quando um dos seus membros ainda se encontra vinculado por casamento anterior não dissolvido.

Trata-se, assim de evitar uma bigamia apenas no plano material e já não no plano jurídico, na medida em que a lei não estende ao companheiro efeitos previstos para o cônjuge, o que, a acontecer, seria gerador de conflitualidade…Tanto é assim que o impedimento não abrange a separação judicial de pessoas e bens, muito embora seja ponto assente que esta não dissolve o vínculo conjugal. Ou seja, neste caso, e apesar da subsistência do casamento, a verdade é que não há impedimento ao reconhecimento dos efeitos jurídicos da união do facto, ao contrário do que sucede com o impedimento ao casamento, que não a excepcionou.

Nem podia fazê-lo, na medida em que, neste caso, o casamento não se encontra dissolvido.”

Na pág. 98, abordando à questão que nos ocupa, escreve:

“Resta ainda uma breve reflexão sobre a definição do âmbito do reconhecimento dos efeitos da união de facto face à exigência da sua durabilidade superior a dois anos, quando confrontada com o impedimento do casamento anterior não dissolvido. Trata-se de saber se tal reconhecimento impõe a verificação cumulativa destas duas condições, no sentido de ser necessário que os companheiros vivam em união de facto, por período superior a dois anos, sempre no estado de não casados. Ou se, pelo contrário, poderá ser contabilizado neste prazo o tempo em que viveram juntos naquelas condições, muito embora ainda “dependentes” de casamento anterior não dissolvido de um deles.

Parece que devemos optar por esta segunda hipótese.

Na verdade, o legislador apenas pretende evitar o reconhecimento de eficácia se algum dos membros da união de facto ainda se encontrar casado, sobretudo por razões de ordem moral e social.

Por isso, bastará o trânsito em julgado da sentença que decrete o divórcio (ou separação judicial de pessoas e bens) para que se possa aproveitar todo prazo já decorrido desde o início da união, para que esta possa produzir os seus efeitos, pois nessa a altura já desapareceu o fundamento impeditivo destes.”

            Sufragando esta opinião e tendo em consideração que ela é mais protectora dos unidos de facto, em caso de cessação da união, e que estando à data da cessação da união um dos cônjuges que vivia em situação adulterina, liberto do vínculo conjugal por divórcio decretado por sentença com trânsito em julgado antes de dois anos, tal facto não integra a excepção impeditiva da atribuição de efeitos jurídicos à união de facto, por o requisito de estabilidade da união, que a lei coloca no período de dois anos, não exigir que a dissolução do casamento de um dos membros, que viveu em união de facto, esteja divorciado há pelo menos, dois anos.

Mesmo que o divórcio tenha ocorrido antes de dois anos sobre a data da cessação da união de facto, tendo esta cessado quando um dos membros já estava divorciado, não existe a possibilidade de concorrência de disputa de direitos, por exemplo, previdenciais ou outros, como a atribuição da casa de morada de família, entre o cônjuge e o unido de facto.

Relevante é que a data em que cessa a união de facto juridicamente relevante, o membro dessa união que vivia numa relação de adultério, esteja já divorciado, não se exigindo que esteja no estado de não casado há pelo menos dois anos.

            Como bem se refere no douto Acórdão recorrido, a fls. 231/232, apelando ao elemento sistemático como critério de interpelação da lei:

“O regime aludido no art. 5° da mesma Lei (7/2001, de 11.5), preceito que deu nova redacção ao art. 85°, n° 1, c) do Dec-Lei n° 321-B/90, de 15 de Outubro, onde se estabelecia que o arrendamento para habitação não caducava por morte do primitivo arrendatário no caso de lhe sobreviver pessoa que, nessa data, com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, desde que o falecido arrendatário não fosse casado ou estivesse separado judicialmente de pessoas e bens.

Também aqui, para a produção do efeito jurídico instituído se exigia que a união de facto durasse há mais de dois anos, constituindo-se o direito na esfera jurídica do membro sobrevivo, desde que o falecido não fosse casado, ou estivesse separado judicialmente de pessoas e bens. Era a união de facto que à data da morte do inquilino devia durar há mais de dois anos, e não, também, o seu estado civil de não casado ou de separado judicialmente de pessoas e bens.

                O mesmo se diga do art. 2020° do Código Civil, para o qual remete o art. 6°, n°1, da citada lei, onde se atribui o direito a exigir alimentos da herança de pessoa falecida não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, àquele que, à data da sua morte, com ela vivesse há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.

Mais uma vez o período de mais de dois anos respeita apenas à duração da relação de união de facto”.

  

O recorrente afirma que o Acórdão é nulo por omissão de pronúncia – art. 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil, por não ter reapreciado a matéria de facto.

Não tem razão, salvo o devido respeito.

 Como consta da acta de audiência de discussão e julgamento – fls. 133 – a prova testemunhal não foi gravada o que, desde logo, exclui a possibilidade da sua reapreciação pela Relação como resulta dos arts. 685º-B e 712º, nº1, a) e nº2 do Código de Processo Civil.

            No que se refere à atribuição da casa de morada de família à Autora, questão a jusante daqueloutra de saber se a união de facto tinha relevância jurídica, permitindo-lhe requerer a atribuição da casa ao abrigo do art. 4º da Lei 7/2001, de 11 de Maio (versão original), não tem este Tribunal que se pronunciar uma vez que a acção, como foi decidido por despacho transitado em julgado – fls. 74 a 76, de 14.2.2009 –, seguiu a tramitação de processo especial de jurisdição voluntária e tendo sido a atribuição da casa à recorrida, foi-o com base em razões de oportunidade e conveniência, não admitindo a decisão recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – art. 1411º, nº2, do Código de Processo Civil.

            O art. 1413º do Código de Processo Civil, regula os processos especiais de atribuição de casa de morada de família, direito reconhecido aos unidos de facto nos termos do disposto no art. 3º a) e 4º do mesmo diploma legal.

Nestes termos o recurso soçobra.

Sumário – art. 713º, nº7, do Código de Processo Civil

I. Estando à data da cessação da união de facto um dos unidos que vivia em situação adulterina, já liberto do vínculo conjugal por ter sido decretado o divórcio por sentença transitada em julgado, menos de dois anos antes da data de cessação da união de facto, esse facto não integra a excepção impeditiva da atribuição de efeitos jurídicos à união de facto prevista no art. 2º c) da Lei 7/2001, de 11.5.

 

II – O requisito de estabilidade da união de facto que a lei coloca no período de dois anos não exige que a dissolução do casamento de um dos membros que viveu em união de facto tenha ocorrido há pelo menos dois anos em relação à data em que cessou, consensualmente, a união de facto que, no caso, perdurou cerca de 14 anos.

III – Tendo a união de facto cessado quando um dos membros dessa união já estava divorciado não se exige que o estado de divorciado perdure há dois anos, não existindo, no caso vertente, possibilidade de concorrência ou disputa de direitos, por exemplo, previdenciais ou outros, como a atribuição da casa de morada de família entre o cônjuge e o unido de facto.

            Decisão.

            Nega-se a revista.

            Custas pelo Autor/recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Maio de 2013

Fonseca Ramos (Relator)

Salazar Casanova

Fernandes do Vale

__________________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Salazar Casanova.
Conselheiro Fernandes do Vale.
[2] “A razão de ser do impedimento dirimente da alínea c) do art. 1601.º do Código Civil, é garantir o princípio da natureza monogâmica da instituição matrimonial. A separação judicial de pessoas e bens, não dissolvendo, embora, o casamento releva para os deveres pessoais de coabitação e de assistência — sem prejuízo do direito a alimentos — e equivale à dissolução quanto aos bens. Como deveres de vinculação pessoal — o art. 2020.° do Código Civil e as Leis nºs 135/99 e 7/2001, excluem a separação judicial de pessoas e bens dos factos ditos impeditivos do reconhecimento legal da união de facto. Tal não acontece quando existe casamento válido, não dissolvido e sem que decretada separação judicial de pessoas e bens, só assim se evitando conflitos de interesses e direitos conflituantes entre casamento e união de facto, que é uma forma atípica de constituir família….”- Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26.6.2007, Proc. 07A2003, in www.dgsi.pt.