Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
603/12.0GAVVD.G1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONTAGEM DE PRAZO
PROCESSO URGENTE
NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
DIREITOS DE DEFESA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / PRAZOS PARA A PRÁTICA DOS ACTOS ( PRAZOS PARA A PRÁTICA DOS ATOS ) / COMUNICAÇÃO DOS ACTOS ( COMUNICAÇÃO DOS ATOS ) / NULIDADES - RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 103.º, N.º 2, 104.º, N.ºS 1 E 2, 105.º, N.º 1, 107.º, N.º 5, 107.º-A, 113.º, N.ºS 2 E 10, 119.º, 120.º A 123.º, 138.º, N.º1, 411.º, N.º 1, 414.º, N.º 2, 420.º, N.º 1.
LEI N.º 112/09, DE 16-09: - ARTIGO 3.º, ALÍNEA B), 28.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA:

-DE 25/09/2008, PROCESSO N.º 2300/08.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 275/06, DE 2 DE MAIO DE 2006.
-N.º 158/12, DE 28 DE MARÇO.
Sumário :

I - O art. 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 112/09, de 16-09, estabelece que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, e que a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 103.º do CPP.

II - Estando em causa, no caso vertente, um processo por crime de violência doméstica, facto típico pela autoria do qual o recorrente foi condenado em 2 anos e 6 meses de prisão, daí resulta que o processo tem natureza urgente, muito embora não haja arguidos presos, a significar que correm em férias os respectivos prazos processuais, incluindo o prazo para interposição de recurso.

III - Tendo sido o recorrente notificado por via postal registada do acórdão recorrido, na pessoa do seu mandatário, enviada no dia 18 de Dezembro de 2015, tendo-lhe sido remetida cópia do mesmo, certo é que a notificação presume-se feita no dia 23 daquele mês e ano, conforme preceito do n.º 2 do artigo 113° (terceiro dia útil posterior ao do envio).

IV - É de considerar intempestivo, o recurso interposto pelo arguido decorridos mais de 30 dias após a data da notificação do acórdão recorrido, uma vez que o prazo de interposição de recurso corre em férias, atenta a natureza urgente do processo, prazo esse, cuja contagem é feita de acordo com as regras do processo civil de forma contínua (n.º 1 do art. 104.º do CPP e primeira parte do n.º 1 do art. 138.º do CPP).

V - A falta de notificação do acórdão recorrido nos termos do n.º 10 do art. 113.º, na pessoa do recorrente, não constitui invalidade.

VI - A considerar-se aquela omissão uma nulidade, em caso algum se poderia qualificar como nulidade insanável, por não prevista como tal no art. 119.º ou em qualquer outro preceito da lei adjectiva penal, nem sequer se poderia considerar como nulidade dependente de arguição pelos mesmos motivos, razão pela qual se teria de considerar como irregularidade.

VII - A considerar-se como nulidade dependente de arguição ou como irregularidade, certo é que há muito estaria sanada - arts. 120.º a 123.º -, tanto mais que o recorrente ao interpor o recurso ora em apreciação aceitou expressamente os efeitos do pseudo acto anulável, para além de que, entretanto, já decorreu há muito o prazo de arguição da suposta invalidade (10 dias a considerar-se nulidade - n.º 1 do art. 105.º -,3 dias a considerar-se irregularidade - n.º 1 do art. 123.º).

VIII - O TC no Acórdão 275/06, de 02-05-2006, não julgou inconstitucional “a norma que resulta da conjugação dos arts. 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, 425.º, n.º 6, do CPP, interpretada no sentido de o prazo para interposição de recurso para o STJ se contar a partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido”.

IX - Não é inconstitucional a norma do art. 28.º, da Lei 112/09, por alegada limitação e diminuição dos direitos de defesa do arguido, na medida em que a atribuição de natureza urgente aos processos por crime de violência doméstica não tem em vista a tutela do arguido, antes da vítima, cujo interesse é o de que o processo seja tramitado o mais rápida e eficazmente possível, evidentemente, sem embargo do rigoroso respeito pelos prazos processualmente fixados, prazos que garantem plenamente o exercício pelos sujeitos processuais, designadamente pelo arguido, dos direitos procedimentais adjectivamente previstos, maxime do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso.

X - O TC no seu Acórdão 158/12, de 28-03, decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 28.º, n.ºs l e 2, da Lei 112/09, de 16-09, interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.

XI - O legislador pretendeu ao estabelecer a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, foi tutelar os direitos das vítimas, assegurando a sua protecção célere e eficaz, razão pela qual, o processo não perde a sua natureza de urgente pela circunstância de no seu objecto se incluírem outros crimes, mais ou menos graves, mais ou menos concretamente punidos.
Decisão Texto Integral:

                                        *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo supra referenciado da comarca de Braga – ... Secção Criminal, ... – o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de violência doméstica e de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, respectivamente, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão.

Mais foi condenado a pagar à demandante BB indemnização montante de 25.000,00€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde 13 de Julho de 2015, data em que a decisão foi proferida.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 17 de Dezembro de 2015, foi integralmente confirmada a decisão impugnada.

O arguido recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]:

               
I. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... que, erroneamente, porque se limitou a confirmar o acórdão proferido pela ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ...,  decidiu negar provimento ao recurso.
II. Entende o Arguido AA que se trata de  um erro judiciário persistente grave, perigoso, e por isso profundamente injusta e inaceitável.
III. A prova dos factos objecto de julgamento poderá ser decorrente de prova direta ou, ao invés, de prova indireta. O uso da prova indireta reclama do julgador uma particular cautela, a fim de evitar erros judiciários cujas consequências serão tão mais devastadoras quanto maior for a gravidade da conduta e da consequência jurídica aplicada.
IV. Do acervo probatório produzido em audiência de julgamento não resulta nada que pudesse criar a convicção inequívoca de que o Recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado ao contrário do que se entendeu no douto Acórdão recorrido.
V.  A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados tem de resultar da análise crítica e conjugada da prova produzida em julgamento, a saber, prova documental, verbal e pericial realizadas em audiência de julgamento e não foi isso que sucedeu nos presentes autos.
VI. Como se sabe, a prova em processo penal não se basta, para suportar uma condenação criminal, com indícios e muito menos com indícios que na sua conjugação não são unívocos, pelo que um "non liquet" tem de se traduzir inevitavelmente no favorecimento do Arguido nos termos do princípio do in dúbio pro reo, como emanação do princípio constitucional da presunção de inocência - v. nesse sentido o Ac. da Rel. de Lisboa de 1/2/2011 pro 153/08.
VII. Por isso a fundamentação da convicção do tribunal é muito escassa no que respeita ao Recorrente, quando era aí que competia ao julgador fundamentar em que meios de prova direta e principalmente indireta, baseou a sua convicção e não bastava remeter para o depoimento da ofendida, era necessário justificar porque razão isso foi determinante.
VIII. Avaliada a fundamentação do douto Acordão do  Tribunal de Guimarães não parece resultar uma sustentação de prova, validamente justificada,  resumindo-se tudo ao vertido naquele acórdão que se passa a citar:  “ Ora tratando-se de saber se o arguido cometeu ou não o crime de abuso sexual da menor, pela própria natureza das coisas, terá de se atender de forma essencial ao depoimento da vitima, porque este é, por excelência, o crime que se comete sem testemunhas.”
IX.  Consequentemente houve erro na valoração de prova produzida.
X. É hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz.
XI. O douto Acordão  em crise é vago  em fundamentação, deixa de se pronunciar sobre questões que devi pronunciar-se, escolheu aquelas que melhor deram jeito para justificar que tinha de ser feito á luz da razão.
XII. Trata-se de uma medida privativa de liberdade de um pai de família com filhos menores para criar,  snedo ele o sustento da casa.
XIII. Não se pode   proferir uma decisão sustentada em indícios, provas indiretas e sobretudo apenas e só  na livre apreciação da prova e na declarações da ofendida, sem que se sustente, sobretudo nestas questões de penas privativas de liberdade, a  razão que lhes subjaz, de forma cabal e fundadamente.
XIV. Parece que todo o esforço argumentativo do arguido em  provar a sua inocência deixa de ter sentido em face da facilidade com  que se tiram ilações sem apreciar e  sem haver pronuncia sobre fatos que se reputam essenciais como infra se verá.
XV.  Não houve, inequivocamente, qualquer prova produzida donde se pudesse retirar sem qualquer dúvida de que o Recorrente cometeu o  crime de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal do Código Penal.
XVI.  Violou-se assim, inequivocamente, o princípio constitucional da presunção da inocência com a condenação do Recorrente.
XVII. Salvo o melhor e devido respeito, quer a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... quer o Tribunal a quo não examinaram convenientemente a matéria de facto - nos termos das alíneas a) a c) do n.º 3 do art. 412º do C.P.P., então invocada, nem procederam ao exame da matéria de direito (a que estavam obrigados).
XVIII.  Não andou bem a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ...  e por inerência o Tribunal da Relação ao aderir in totum áquela decisão, que limitou-se a condenar com base no depoimento da ofendida/assistente, Não fez, no nosso entendimento, a correcta subsunção do direito aos factos considerados provados. Nem andou bem o Tribunal a quo que, alertado para tais vícios, não os conheceu.
XIX. Reputa o recorrente o acórdão recorrido como injusto e insuficiente, à luz dos princípios básicos que regem o processo penal, de lógica e de bom senso e, sobretudo, à luz de critérios elementares de justiça material ou distributiva.
XX. Na verdade, todas as questões e perplexidades invocadas na motivação (a qual se dá por reproduzida na integra) restam, ainda, sem solução no acórdão recorrido.
XXI. Ora, com tal decisão e com a sua fundamentação não pode o arguido conformar-se, no seu se e no seu como, porquanto a mesma não relevou, nem da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo estadual.
XXII. O recorrente invoca a nulidade de todo o processado, no que a si concerne, impugna a matéria de facto considerada provada, evidencia o erro no enquadramento jurídico dos factos, invoca a violação do princípio in dúbio pro reo e insurge-se contra a medida da pena encontrada.
XXIII. Cumpre referir que, a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... baseou a sua convicção, única e exclusivamente em critérios  indiretos, sustentados em todo o enredo que a ofendida criou.
XXIV. Estes depoimentos não podiam ter o bastante valor probatório que o tribunal a quo lhe conferiu.
XXV. Assim, viola o princípio da presunção da inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração do depoimento da ofendida.
XXVI. O Tribunal da relação  devia abster-se de considerar como factos assentes e absolver o ora recorrente atenta a manifesta violação do princípio da presunção de inocência.
XXVII. O recorrente entende muito humildemente que a sua  condenação do Arguido incorre num erro judiciário persistente grave, perigoso, e por isso profundamente injusta e inaceitável.
XXVIII.O douto Acordão agora posto em crise, na sua fundamentação, faz  uma cópia fiel do Acordão do ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ..., ao ponto de a Ex.ma Sra Juiz Desembargadora/Relatora considerar que,  passa-se a citar: “Ora tratando-se de saber se o arguido cometeu ou não o crime de abuso sexual da menor, pela própria natureza das coisas, terá de se atender de forma essencial ao depoimento da vitima, porque este é, por excelência, o crime que se comete sem testemunhas.

XXIX. Refere aquele douto Tribunal da realção que, passa-se a citar: Assim ouvindo-a, atendendo e considerando o modo como a mesma depõe, o que relata e a forma como o faz, os pormenores que espontaneamente introduz no discurso narrativo, tudo isso e o mais que aos julgadores é dado percepcionar com a imediação da prova (os gestos, os modos, a forma como olha e se posiciona durante o interrogatório e uma miríade de outros sinais alguns dos quais de difícil tradução escrita) o tribunal forma a sua convicção credibilizando ou não o seu depoimento.
XXX. Ou seja, apenas e só se valorou o depoimento da ofendida/assistente, e, sustentou-se a decisão na livre apreciação da prova!
XXXI. Ora, o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da 1.ª parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP.
XXXII.  Omitindo o tribunal esteve dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – arts. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
XXXIII. O arguido entende que deveriam ser “reavaliadas” da forma possível (na ausência de oralidade, imediação e concentração) as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida, sendo que, para a hipótese de se considerar a existência de alguma insuficiência nas indicações prescritas, sempre haveria que lançar mão do mecanismo corrector do n.º 3 do art. 417.º do CPP.
XXXIV. O arguido está ciente que o Acordão recorrido não se debruçou sobre a questão suscitada sobre matéria de facto, sendo, portanto, nulo, por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto (arts. 379.º, n.º 1, e 425.º, n.º 4, do CPP).
XXXV. Por isso mesmo  o arguido pelo presente pretende nos termos e para os efeitos do artº 410º, n.º 2 e 3 que a matéria de facto seja apreciada.
XXXVI. Como é jurisprudência pacífica, são de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ 450, 72), que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP
XXXVII. Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros.
XXXVIII. Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 17-05-2007, processo n.º 1397/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197 (citando o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 59/2006, de 18-01-2006, proferido no processo n.º 199/2005, da 2.ª secção); de 05-12-2007, processo n.º 3406/07 - 3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 2075/07 - 3.ª e processo n.º 4457/07 - 3.ª; de 17-01-2008, processo n.º 2696/07-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206 (fazendo aquela mesma citação do acórdão n.º 59/2006); de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 205; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 14-05-2008, processo n.º 1139/08 – 3.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1126/08 - 3ª; de 18-06-2008, processo n.º 1971/08 – 3.ª; de 20-11-2008, processo n.º 3269/08 - 5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2031/04 - 3.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2894/08 – 3.ª; de 23-10-2008, processo n.º 2869/08 – 5.ª; de 29-10-08, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 27-01-2009, processo n.º 3978/08 – 3.ª (trata-se de um julgamento de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas); de 26-02-2009, processo n.º 3270/08 - 5.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05 - 3.ª e processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1 - 3.ª
XXXIX.  Ora  o arguido recorrente perante o Tribunal da relação impugnou a matéria de fato e indicou precisamente com menção a provas e fatos.
XL.  Aquele tribunal fez tábua rasa a todo o arrasoado argumentativo do recorrente, balizando a decisão exatamente na esteia da decisão de 1º instancia.
XLI. A técnica consagrada no acórdão recorrido consistiu em remeter os concretos problemas levantados pelo recorrente e confrontá-los com a fundamentação do acórdão proferido em 1º instância, num tipo de discurso que se traduz em generalizar, para evitar apreciar o caso concreto.
XLII. Não podia o tribunal da Relação afirmar que o Tribunal recorrido de forma cabal explicitou o modo como avaliou a prova perante  si  se produziu, procedeu de forma logica e detalhada ao exame critico da prova, concluindo que a impugnação dos fatos pretendida pelo recorrente soçobra totalmente, sem que se justifique  tal decisão.
XLIII. Veja-se que se limita a aderir aos fundamentos da decisão da ... secção Criminal do Tribunal judicial de ... – ..., Instancia Central – ...,  colhendo aqui e acolá excertos de depoimentos de algumas testemunhas, sempre com fundamento indireto, para justificar a atuação do arguido.
XLIV. Entende o ora recorrente, que o Tribunal da ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ...  quando deu como provados os factos descritos nos artigos º 2,3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 41, 43, e 69 fez errado julgamento da matéria de facto, isto porque, no entender do recorrente, inexiste prova objetiva , suficiente para a convicção da sua ocorrência, cingindo-se quase na sua totalidade ao depoimento da ofendida/assistente, abundando nos autos elementos probatórios que permitem concluir pela verosimilhança na inocência, atenta à fragilidade, à incongruência, ao caracter contraditório que alicerçou  a convicção do tribunal recorrido e que é agora posta em crise, (redundando-se quase exclusivamente no depoimento da ofendida), ao grau de contradição e incoerência no depoimento da assistente/ofendida ao longo do processo, atento ao perfil psicológico da ofendida (manipuladora, mentirosa, rebelde, vingativa, incapaz de interiorizar “nãos” e de gerir a contrariedade), atento ao perfil parental do recorrente ( pai autoritário e pouco permissivo),  que tornam altamente plausível estarmos perante represálias e vingança para com o progenitor;
XLV. Estão incorretamente julgados os factos provados nº 2,3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 41, 43, e 69  no Acordão prferido pelo coletivo da  ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... a que o Acórdão agora sindicado adere, quando atribuem ao arguido os factos e condutas aí descritos por toda a prova produzida foi frágil, insuficiente, contraditório, incongruente, discrepante , e assim impunha com carácter premente a dúvida razoável.
XLVI. Veja-se que o depoimento da ofendida é díspar daquilo que  o normal neste tipo de crimes. Neste tipo do  depoimento não é normal que a vítima tenha iniciativa de narrar, mais respondendo sim ou não ao que lhe é perguntado.
XLVII. No caso, a ofendida nem precisa que lhe sejam colocadas perguntas. Ela inicia voluntariamente uma narração detalhada, longa, descritiva, fantasiosa,, interrompendo muitas vezes as instancias dos intervenientes processuais para acrescentar mais informação, como se estivesse a contar uma qualquer historia e se deleita-se com os pormenores. E ainda que se pense seja tal facto demonstrativo de uma elevada capacidade de resiliência, o próprio relatório de psicologia forense atesta que a ofendida sofre de um condicionalismo psíquico que afecta negativamente a sua capacidade de resiliência;
XLVIII. Fez tabua rasa o coletivo da  ...secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ..., bem como no Acórdão agora sindicado, ao fato por exemplo de a arguida ter dito que contou a uma amiga que o pai a violava,e, essa amiga que prestou depoimento em Tribunal negou tal fato.
XLIX. Omite o o coletivo da  ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ..., bem como no Acórdão agora sindicado, que a ofendida  na casa da Testemunha ..., não só não havia “ candeieiros cor de rosa, como inclusive apontou para uma porta como sendo o quarot e era  o WC.

L. Veja-se que a ofendida, em audiência e discussão de julgamento relata uma versão, na qual o pai não lhe toca antes de a penetrar, e terão passado alguns dias ao passo que relatório diz que o pai lhe tocou e que terão mediado semanas entre o primeiro acto e o segundo;

LI. A ofendida faz uma menção importante em sede de audiência e discussão de julgamento que não faz em qualquer outro momento em que tenha prestado declarações, fosse no referido relatório de psicologia forense fosse nos autos de inquérito constantes dos presentes autos que se reporta à situação em, que refere que o recorrente , no final desta segunda descrita investida sexual lhe deixa cerca de €20 na mesinha de cabeceira,   Depoimento da ofendida gravada no sistema Habilus deste tribunal no dia 3/2/2015 com inicio ás 11:04 , ao minuto 12:20

LII. Dá o tribunal por assente no seu ponto nº 7 ) que “  A partir dessa altura, com uma frequência semanal e depois com uma frequência quase diária e até Outubro de 2012, o arguido passou a procurar a ofendida para manter consigo relações sexuais, oferecendo-lhe em troca diversos presentes, como roupa, sapatilhas, carregamentos de telemóvel e dinheiro, dizendo-lhe que se quisesse mais coisas “já sabia o que fazer”, pelo que aquela passou a aceder aos seus intentos” Uma vez mais a única prova em que o tribunal se estriba para dar como assente o ponto 7) é o depoimento da ofendida e nada mais. Aliás  questione-se se É factualmente plausível que durante dois anos, numa casa composta por 6 irmãos, a mãe e um avÔ nunca se tenha presenciado qualquer facto contundente a uma situação de abuso pelos restantes membros sendo que a mãe e o avô passavam os dias inteiros em casa, ele por ser reformado e ela por ser doméstica?
LIII. Aliás, ficou demonstrado que a ofendida dormia com a irmã ... no mesmo quarto, conforme resulta dos depoimentos que ora se transcrevem:DEPOIMENTO da testemunha do arguido... de 10:45:28 a 11:01:33 do dia 18-03-2015
LIV. Da Matéria de facto dada como provada nos pontos 2,3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 41, 43, e 69 parte de um erro notório e evidente de julgamento desde logo por não atender i)  incredibilidade subjetiva derivada das relação entre o recorrente e a ofendida, ii) ao perfil/quadro psicológico da ofendida constante no relatório de perfil psicológico forense e da prova testemunhal já referida supra que a assume como mentirosa, impulsiva, manipuladora, incapaz de lidar com a contrariedade e o não, inconformação com o estilo de vida que sempre levou; iii)  à dinâmica familiar onde se insere toda a contextualização dos factos que cumpria provar nos termos supra desenvolvidos, numa casa com mais 7 pessoas para além do arguido e ofendida sem que durante dois anos se tenham apercebido de qualquer apontamento ou indicio de ocorrer uma situação de abuso sexual, quando alegadamente a pratica era frequente “quase diariamente” iv)   a  inverosimilhança do testemunho cheio de contradições, incongruências,  v)  impersistência na incriminação, quando a ofendida manifestou intenção de voltar para casa alegando já ter perdoado o pai, ausentando-se meses das instituições o que a determinada altura determinou o arquivamento dos autos de inquérito, vi)  a mensagem enviada pela ofendida à mãe onde assume “não vou retirar nada se não quem passa por mentirosa sou eu”, v) o resultado da inspecção ao local demonstrativo de imprecisão relativamente ao local onde ocorriam os abusos ( a ofendida erra na porta que leva ao quarto) , atenta à decoração ( dizia existir uma cama de casal quando existe uma cama de solteiro, dizia existir um candeeiro
LV. Tudo isso são fatos que estão narrados na motivação do recurso do recorrente e que nem sequer foram objeto de apreciação.
LVI. Ocorre desde já  assim uma  Nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do artº 379º nº 1 alinea c) dado que o tribunal deixou de apreciar questões que devesse apreciar, e não conheceu de questões de que podia tomar conhecimento, nulidade que expressamente se invoca.
LVII. Crê o recorrente que a existirem ou subsistirem dúvidas insupríveis na avaliação da prova, tais dúvidas não podem ser valoradas contra si.
LVIII. E não se queira justificar o indefensável, imputando a prática do crime,  de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal nos autos, se  nem sequer existe prova que o arguido, ora recorrente, tenha  penetrado a ofendida ou visto em qualquer lugar que seja com a mesma.  
LIX. Lamentavelmente, errou na qualificação jurídica do crime, por manifesta inadequação, e na aplicação, ainda que dúvidas existissem (in dúbio pro reo).
LX. Nunca é demais repetir, que: "1. Nos termos do n.º2 do artigo 32º da Constituição da República, «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa». Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 (cuja autoridade interpretativa e integradora em matéria de direitos fundamentais está estabelecida no artigo 16º, n.º 2 da Constituição da República), estatui, no n.º 1 do seu artigo 11º, que «toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas». De igual modo, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1976, estabelece-se que «qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida» (artigo 14º, n.º 2), e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, estabelece-se que «qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada» (artigo 6º, n.º 2)." Vd. O Principio da Presunção de Inocência do Arguido no Actual Processo Penal Português, AAFDL, Rui Patrício, 2000.

LXI. Pelo exposto, o tribunal recorrido ao não ter aplicado o princípio in dúbio pro reo, não procedeu em conformidade com os princípios que norteiam a apreciação da prova, princípio este que assim deverá ser, caso se julgue necessário, aplicado por V. Ex.as na apreciação da matéria que motiva o presente recurso.
LXII. Da leitura atenta dos autos, da prova produzida em audiência e julgamento e pelo ora invocado na motivação (que damos por integralmente reproduzida), jamais se poderá considerar configurada a prática do crime de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal do Código Penal.
LXIII. O recorrente, assim, reitera tudo o que já alegou em sede de motivação, porquanto no caso em apreço não se encontram preenchidos os pressupostos objectivos e, muito menos, os pressupostos subjectivos para que possa existir condenação por crime de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal
LXIV. Ora, dispõe o art. 374.º, n.° 2 do C.P.P. (Requisitos da Sentença), aplicável ex vi do art. 425.º, n.º 4 do CPP que: "2- Ao relatório segue-se a fundamentação (...), bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão. (...)"

LXV. Dispondo, por sua vez, o art. 379.º (Nulidade da Sentença) o seguinte: "1. É nula a sentença:
31.
Que não contiver as menções referidas no art.° 374º, n.º 2 e 3, alínea b); c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".
LXVI. Ora, embora a lei não determine o grau ou a extensão da fundamentação, não basta dizer que sim ou que não; é preciso o tribunal debater-se perante cada questão especificamente colocada pelo recorrente e apresentar uma solução, especificando o porquê, em que se funda o seu sentido.
LXVII. A fundamentação deve ser um desenvolvimento das premissas previamente enunciadas, para que, mais do que vencer, a decisão logre convencer e demonstrar-se perante os seus destinatários como plena, racional e motivada.
LXVIII. Parafraseando Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 293:
“É hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso que todos os Códigos modernos exigem a
fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito”.
LXIX.  (...)“A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias: permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça (...)”.
LXX.  Ora, da decisão recorrida, restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o Tribunal a quo se limita, superficialmente, a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções e generalidades, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar.
LXXI.  Pelo que a não apreciação de tais questões conforma omissão de pronúncia, a implicar a declaração de invalidade do acórdão recorrido.
LXXII. Deste modo, à imagem do acórdão condenatório proferido pela Vara Mista, padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal recorrido quo deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação que devem revestir todas as decisões judiciais.
LXXIII. A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos termos gerais do art.º 379º, n.º 1, al. c) do C.P.P. acima mencionados, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32º n.º 1, 203º e 205º, n.º 1 da C.R.P., inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.
LXXIV. O recorrente entende que,  face  á inexistência de prova em sede de audiência de julgamento,  e em claro respeito ao principio in dúbio pro reo), o arguido deveria ter sido absolvido.
LXXV. ;as se assim não se entender,  o acórdão condenatório devia ser considerado nulo, devendo proceder-se a novo julgamento.
LXXVI. Sem conceder, e caso V. Ex.as não acolham o teor da presente motivação, cumpre analisar a medida da pena encontrada.
LXXVII. O recorrente não tem antecedentes criminais.
LXXVIII. Com efeito, perante a prova produzida em audiência e julgamento e a que se transferiu para a motivação, tal pena afigura-se manifestamente injusta, desajustada e desproporcional.
LXXIX.  «As penas serão tanto mais justas quanto maior for a liberdade que o soberano conserve aos indivíduos e quanto mais sagrada e mais inviolável for ao mesmo tempo a segurança de todos.» - C. Beccaria, "Dei delitti e delle pene", in Opere, II, Firenze, 1958, pág.49.

LXXX. Preceitos violados: arts 70º, 71º, 72º, 131º, 132º do CP. e 125º, 127º, 374º n.º 2, 379º n.º 1 al. a) do CPP e, ainda, 13ª e 32º n.º 1 da C.R.P..


Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente:
A) Ser o arguido absolvido;
B) Caso assim não se entenda, Declarar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação;
C) Alterar a decisão sobre matéria de direito verificando a inexistência dos elementos subjectivo e objectivo do crime de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal.
D) Ordenar a realização de novo julgamento;
E) Sindicar-se o princípio da “livre apreciação da prova”, enquanto princípio jurídico, de apreciação de prova, logo, matéria de direito, para concluir pela inadmissibilidade da prova por concatenação geral, aplicada no presente caso, por não derivar das regras da lógica e da experiência comum;
F) Não valorar de forma determinante o depoimento da ofendida;
G) Aplicar-se o princípio in dúbio pro reo;
H) Por último, caso não se acolha a fundamentação expressa no presente recurso, deve revogar-se o douto Acórdão recorrido substituindo-se por outro que absolva o Arguido ou em alternativa o condene numa pena não superior a 5 anos, suspensa na sua execução ou em pena proporcional ao seu caráter, culpa e participação no crime inferior à confirmada no Acórdão recorrido.

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público alegou:

           

Por douto acórdão proferido na Instância Central, ... Secção Criminal – ..., da Comarca de ..., constante de folhas 686 a 739 foi o arguido AA condenado como autor material de:

- um crime de violência doméstica, na pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva, nos termos do artigo 152º, nº 1 e 2, al. d) do Código Penal;

 - um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, na pena de sete anos e seis meses de prisão efetiva, nos termos dos artigos 171º, nºs 1 e 2 , 172º, nº 1 e 177, nº 1, al. a), todos do Código Penal;

- em cúmulo jurídico das penas acima referidas, foi o arguido condenado na pena única de oito anos e seis meses de prisão.

Mais foi condenado a pagar:

- à demandante BB uma indemnização no valor de 25.000,00€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde 13 de julho de 2015, a data em que a decisão foi proferida;

- as custas do processo tendo a taxa de justiça sido fixada em 4,5 UCs e as custas referentes ao pedido civil deduzido.

Não satisfeito com esta decisão dela veio o arguido recorrer para o Tribunal da Relação de ....

Por decisão de 17 de dezembro de 2015, constante de folhas 956 a 1010 dos autos, esta Relação julgou o recurso improcedente e confirmou integralmente a decisão proferida.

Mais uma vez, não concordando com esta decisão dela recorreu o arguido AA, nos termos das suas doutas alegações de folhas 1016 a 1168.

            Por douto despacho de folhas 1307 foi o recurso rejeitado por se mostrar extemporâneo.

 Mediante reclamação apresentada no Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Vice Presidente ordenou que o recurso fosse admitido, devendo a questão de saber se o recurso é ou não extemporâneo ser apreciada pelos Senhores Conselheiros a quem o processo for distribuído.

  Verifica-se, no entanto, que o recurso pelo arguido interposto entrou neste Tribunal da Relação um dia depois de o prazo legal ter terminado.

            Por se tratar de um processo em que um dos crimes em análise é de violência doméstica, o processo é urgente, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 103º, nº 1 al. g) e 104º do Código de Processo Penal, o processo corre termos mesmo durante as férias judiciais.

            Veja-se neste sentido, a seguinte jurisprudência:

Decisão Sumária do TRC de 18-04-2012 : O disposto no n.º 2, do art.º 104º, do C. Proc. Penal, sobre a contagem dos prazos de actos processuais («Correm em férias os prazos»), aplica-se aos processos por crime de violência doméstica, por força da remissão do art.º 28º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-09-2014
Processo n.º 627/09.5PBCTB.C1
Relator: Desembargador Fernando Chaves.
A Lei n.º 112/2009, de 16/9, ao consagrar no artigo 28.º, a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica e a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, quis que os prazos de atos processuais, nomeadamente a interposição de recurso, corressem em férias, como estipula o artigo 104.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Ac. TRE de 20-01-2015 : Os processos relativos a crimes de violência doméstica assumem, todos eles, natureza urgente, independentemente de haver arguidos á sua ordem sujeitos a medidas de coação privativas de liberdade, e os prazos, que lhes dizem respeito, correm durante as férias judiciais.

            Dispõe o artigo 104º do Código de Processo Penal:
1- “Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as disposições da lei do processo civil.
2- Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do artigo anterior”.

Por sua vez, o artigo 138º do Código de Processo Civil, com o título “regras da continuidade dos prazos”, estabelece:
1 – “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 – Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 – Os prazos para a propositura de ações previstas neste código seguem o regime dos números anteriores”.

Diz ainda a este respeito o artigo 139º do mesmo diploma legal:
5 – “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:”.

Visto agora o presente caso, verifica-se que, no dia 18 de dezembro de 2015, foi enviada via postal registada ao mandatário do arguido a notificá-lo do acórdão proferido

tendo-lhe sido remetida cópia do mesmo e informado que a notificação se presumia feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, de acordo com o estipulado no artigo 113º, nº 2 do Código de processo Penal – vd. fls. 1013.

   Seguindo as regras acima expostas, tendo a via postal sido enviada no dia 18 de dezembro de 2015, presume-se feita a notificação no dia 21 do mesmo mês, uma segunda-feira.

   Sobre esta matéria, notificação por via postal registada, veja-se o que escreve Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição, página 302, anotação 3, posição com que concordamos inteiramente, “a notificação por via postal registada presume-se feita no terceiro dia útil posterior ao do envio pelo funcionário judicial (isto é, posterior à data constante da quota que regista o envio pelo funcionário judicial). Só o último dia dos três tem de ser útil, ou seja, tem de ser dia de distribuição do correio, à imagem do que prevê também o artigo 254º, nº 3 do CPC, (hoje artigo 248º) não tendo o legislador pretendido estabelecer diferenças em matéria de prazos e notificações entre o processo civil e o penal, como resulta explicitamente da exposição de motivos da proposta de lei nº 157/VII …” – sublinhado nosso.

            O arguido podia ainda praticar o ato nos três dias úteis seguintes, de acordo com o disposto no artigo 139º, nº 5 do Código de Processo Civil, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 107-A do Código de Processo Penal, ou seja, nos dias 22, 23 e 24 de dezembro de 2015, mas como no dia 24 de dezembro houve tolerância de ponto, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 28 de dezembro, uma segunda-feira, já que o dia 25 foi feriado, o dia 26 foi sábado e o dia 27 domingo.

  Sendo o prazo para a interposição do recurso de 30 dias e começando esse prazo a contar-se “a partir da notificação da decisão”, nos termos do disposto no artigo 411º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, atento o acima exposto, começou o prazo a contar no dia 29 de dezembro de 2015, pelo que terminou no dia 27 de janeiro de 2016.

            Uma vez que o recurso pelo arguido interposto deu entrada via correio eletrónico, no dia 28 de janeiro de 2016, pelas 21 horas e 29 minutos, como se pode verificar a folhas 1015, mostra-se extemporâneo.

Dispõe o artigo 414º, nº 2 do Código de Processo Penal que o recurso não é admitido, entre outras outros motivos, “quando for interposto fora de tempo”.

            Por sua vez, o artigo 420º do mesmo código estabelece que:

            1 – “O recurso é rejeitado sempre que:

                b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º”.

            Como acima se demonstrou, o recurso interposto pelo arguido AA foi interposto fora de prazo, pelo que deve ser rejeitado.

Igual posição expressou a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu.

É do seguinte teor a resposta do recorrente:


1. Salvo o devido respeito, que é muito não pode o arguido concordar com a opinião perfilhada pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Publico.
2. O Digníssimo Magistrado do Ministério Publico estriba-se e protege-se nas questões processuais ancestrais que não se compadecem com os  dias de hoje e que da forma como se apresentam podem levar a injustiças ao ponto de coartar a um arguido defender-se de uma pena privativa de liberdade.
3. Nem tão pouco sequer são atendidos os argumentos do arguido, no fato de  este douto Tribunal partir  do princípio que no caso dos autos, estamos perante um processo de natureza urgente, atendendo a que neles também se discute um crime de violência doméstica.
4. Mas estamos em crer que sem razão, e, o  Digníssimo Magistrado do Ministério Publico deveria ter pelo menos apreciado esta questão porque é pertinente e  permitira  alongar o prazo de defesa de um arguido com pena privativa de liberdade.
5. Como resulta da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido, a este foi imputada a prática, em  concurso efectivo , de, em primeiro lugar,  um crime de abuso sexual de menores dependente agravado na forma continuada previsto e punido pelos artigo 30º, 172º, 171º n.º1 e 2. 177º n.º1 al a) todos do Código Penal e ainda, em segundo lugar,  um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º  n.º1 al. A) e n.º2 do Código Penal.
6. Ora, no que para a causa importa, nos presentes discute-se para além de um crime de violência doméstica, um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, sendo este, nos autos o crime de maior gravidade, atendendo a sua moldura penal.
7.  Assim sendo, como o é, o crime de violência doméstica, com relação ao crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, assume ou reveste caracter secundário.
8. Dir-se-á que o crime de abuso sexual de menores dependentes agravado consome o crime de violência doméstica.
9. Sendo que relativamente ao crime previsto e punido pelo artigo 172º, 171º n.º1 e 2. 177º n.º1 al a), nenhuma lei ou disposição legal lhe atribui a natureza urgente
10. Como tal, no âmbito dos processos em que se discute o referido tipo legal de crime, os atos processuais são praticados nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais, tal como dispõe o artigo 103º n.º1 do Código de Processo Penal.
11. O Digníssimo Magistrado do Ministério Publico Interposição é tempestiva, tendo em conta que a notificação do douto Acórdão foi colocada no correio por via postal registada em 18 de Dezembro de 2015, numa sexta-feira, considerando-se por essa via o recorrente notificado no dia 23 de Dezembro de 2015.
12. A notificação ocorre, efetivamente no período de férias judiciais, as quais tiveram o seu início no dia 22 de Dezembro de 2015 (inclusive) e o seu termo no dia 03 de Janeiro de 2016 (inclusive), mantendo-se desde o dia 23 de Dezembro até ao 3 de Janeiro o prazo suspenso. 
13. Disponha, assim,  o arguido o prazo de 30 dias  . contados desde o dia 4 de Janeiro de 2016 - para a apresentação do recurso do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, e tendo este mesmo recurso sido apresentado no dia 28 de Janeiro de 2016, constata-se ser a sua interposição tempestiva.
14. Mas ainda que se entende-se que o crime de abuso sexual não consome o crime de violência doméstica, sempre se dirá que o recurso apresentado pelo arguido, é igualmente tempestivo.
15. Com efeito a Lei 112/2009, de 16/9, é uma lei especial, essencialmente substantiva, que consagrou uma regra de direito adjetivo aplicável apenas aos processos com arguidos presos, tendo igualmente criado uma indesejável dualidade de critérios relativamente a direitos fundamentais, prazos de defesa e tratamento urgente, criando um regime especial diminutivo dos prazos processuais e dos direitos, liberdades e garantias, em função do tipo de crime imputado ao agente e não de circunstâncias específicas, designadamente medidas cautelares e preventivas que, no prudente arbítrio do julgador, possam tornar o processo urgente.
16. Por conseguinte, por via dessa mesma lei os atos praticados no âmbito dos processos de violência doméstica têm natureza urgente, porque esta lei especial lhe atribui essa qualidade.
17. No entanto, o nº 2 do art. 103º do CPP determina quais os atos que se praticam em férias.
18. Entre os quais estão previstos, na respetiva al. g), os atos considerados urgentes em lei especial, ou seja, onde se incluem os atos respeitantes aos crimes de violência doméstica.
19. Por seu turno, o art.º 104º do CPP dispõe sobre a contagem dos prazos de atos processuais, prevendo especialmente no seu nº 2 quais os prazos que correm em férias.
20. O art.º 103º do CPP dispõe sobre quando os atos processuais podem ser praticados, enquanto o art.º 104º dispõe sobre a contagem dos prazos para a prática desses atos.
21. Ora, nos termos do nº 2 do art.º 104º, são especificados quais os prazos que correm em férias
22.  Assim, dispõe esta norma que "correm em fé rias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do nº 2º do art.º 103º.
23. Conclui-se portanto que, todos os atos relativos aos processos de crimes por violência doméstica que não impliquem o decurso de qualquer prazo, poderão ser praticados nas férias judiciais (máxime, uma audiência de discussão e julgamento). Porém, todos os atos cuja prática esteja sujeita ao decurso de um prazo, terá que respeitar a suspensão do mesmo nas férias judiciais.
24. Entendimento contrário, não pode colher, sob pena de estarmos a desprezar o princípio da segurança e certeza jurídica, (tão importantes no nosso Estado de Direito, e ainda mais importantes no domínio do direito penal) e a sobrepormo-nos às funções do legislador.
25. "O princípio da confiança é violado quando haja uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos (Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 287/90, 303/90, 625/98, 634/98, 186/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)".
26.  Por outro lado, nao dizer-se que o disposto neste nº 2 do Artº 104º do C.P.P. abrange a al. g) do nº 2 do Artº 103°, apenas porque o legislador "não teve o cuidado de verificar que o aditamento [dessa alínea], que ocorreu na última fase do processo legislativo (...) implicava a correspondente adequação do Artigo 104º, nº 2 (...)", para além de se entender que o legislador legisla de forma perfeitamente descuidada, tratando coisas sérias com desleixo, deverá sempre entender-se que se está a adivinhar o que possa ter acontecido, sem outro fundamento que não o do descuido do legislador.
27. Com efeito, é obrigação do legislador corrigir tal descuido, e não do julgador suprimir aquilo que, verdadeiramente, não se sabe se foi ou não um descuido
28. A este propósito, e como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional já mencionado, "a tarefa de estabelecer o regime jurídico do processo penal por via geral e abstrata é competência do legislador e só dele. Aos tribunais cabe a aplicação do direito aos casos que lhe são submetidos, designadamente, a aplicação dessas normas que estabeleçam a tramitação processual".
29. O mesmo é dizer que, para que aquele entendimento venha a ter aplicação no âmbito do Direito Penal, necessário se toma que se proceda a uma alteração legislativa, sob pena de estarmos perante uma sobreposição de poderes, e, em ultima instância, perante uma interpretação extensível inadmissível no Direito Penal Português.
30. Não esqueçamos, por outro lado, que o legislador quis afastar expressamente, também, os atos descritos na al. f) do nº 2 do art.º 103º do CPP. O que nos pode levar a concluir que, efetivamente, não houve qualquer descuido do legislador, não houve qualquer lapso legislativo, mas que quis que assim fosse. Se posteriormente chegou à conclusão de que o não deveria ter feito, então terá agora que suprir essa intenção por via legislativa.
31. Por ultimo, não pode deixar de se dizer que, embora por raciocínio académico, havendo o entendimento de que no conceito de prática de atos processuais se inclui o decurso dos prazos para essa prática, no que não se concorda e não se concede, sempre teria que se considerar a natureza especial do nº 2 do art. º 104º relativamente ao regime geral do nº 2 do art.º 103º. Quer isto dizer que, em matéria de decurso de prazos, a norma específica afastou a norma geral.
32. Atentos os argumentos ora expostos, entendemos que o recurso apresentado pelo arguido é pois TEMPESTIVO.
33. O douto acórdão posto em crise, proferido em 17 de Dezembro de 2015, por este douto Tribunal foi somente notificado ao defensor do arguido, que apresentou a motivação do recurso que se pretendia interpor em 28.01.2016.
34. Sendo que à data em que o mesmo foi apresentado ainda corria o prazo para a sua interposição, porquanto, não só mas também, o arguido ainda não tinha sido notificado daquela decisão
35. E com o devido respeito, ao arguido tinha de ser notificado o acórdão proferido, porque assim o impõe o artigo 113º n.º 9 do Código de Processo Penal, valendo como termo inicial de qualquer prazo para a prática de acto processual subsequente.
36. Ora, a decisão sumária aqui questionada, com todo o devido respeito enferma de todos os vícios apontados, estando ferida inconstitucionalidade e de total ilegalidade que se deixam, desde já, invocadas para todos os legais efeitos.
37. Entende o arguido, salvo douta opinião em contrário que o Exmo. Senhor Juiz Relator, sustentou a sua decisão, numa corrente doutrinária, ainda que minoritária, que defende não ser necessária uma notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores.
38.  No entanto, a doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado, maioritariamente, em sentido diverso.
39. Com efeito, tem sido entendido que “não são constitucionalmente admissíveis a fixação do inicio do prazo para interposição de recurso da decisão condenatória com a notificação ao defensor, independentemente da notificação pessoal ao arguido (…)”.in Comentário do Código Processo Penal -2º edição actualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
40. Com efeito, postula esta teoria que nos processos de natureza criminal, “o início do prazo de interposição e motivação do recurso depende sempre, (“em qualquer caso”) de o arguido ter tido “conhecimento efectivo” da decisão e da “oportunidade do arguido poder perante esse conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso”, devendo para esse efeito o arguido ser sempre notificado pessoalmente daquela decisão (…) in Comentário do Código Processo Penal -2º edição actualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
41. Defende esta corrente um princípio de oportunidade de acesso pessoal, conhecimento efectivo e objetivo do arguido ao teor da sentença/acórdão que foi proferido.
42. Pois só assim, pode o arguido preparar e organizar convenientemente a sua defesa
43. Na realidade, “dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os Réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º1 do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, pois os interessados vêem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso.” Acórdão do Tribunal Constitucional n.º199/86 
44. Aliás, o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre esta questão, no Acórdão n.º476/04, de 2 de Julho de 2004, publicado no Diário da República de 13 de Agosto de 2004., considerou que os artigos 113º n.º9, 425º n.º6 e 411º n.º1 do Código de Processo Penal eram contrários ao artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, relativo ao direito de defesa, quando interpretados no sentido de que não seria  necessária uma notificação pessoal ao arguido quando estivesse em causa o direito ao recurso.
45. Pelo que a notificação das decisões condenatórias, sobretudo daquelas que, podem contender com a sua liberdade, é um direito do arguido e um dever dos Tribunais e da Justiça, sejam elas decisões de primeira instância, sejam elas, decisões dos tribunais superiores.
46. Entende o arguido, que só com a notificação da sentença/acórdão é que tem um conhecimento cabal do seu conteúdo.
47. Pelo que não se afigura conforme á Constituição o entendimento de que o prazo para a interposição de recurso corra e finde antes da notificação da sentença/recurso ao arguido.
48.  Tanto mais que, o n.º9 do artigo 113º da C.P.P consagra a obrigatoriedade de notificação da sentença, sendo que tal omissão constitui nulidade insuprível.
49. Acresce ainda que, só assim, entenda-se com a notificação das decisões condenatórias, ainda que proferidas pelos Tribunais Superiores, fica o arguido a conhecer totalmente das razões de facto e de direito que levaram a que estes mantivessem/confirmassem a decisão de primeira instância
50. Estando em causa direitos, liberdades e garantias, mormente a liberdade de um cidadão, não nos podemos compadecer com menos do que uma certeza absoluta e eficaz garantia de todos os direitos de defesa do arguido.
51. Entende o ora recorrente, que só após a notificação ao arguido ficam preservados os seus direitos de defesa, garantindo-lhe o conhecimento da decisão proferida
52. Caso assim não fosse, estar-se-ia “a ficcionar uma realidade, já que nada garante que tal conhecimento tenha efectivamente ocorrido”. – Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 6.10.04..
53. O artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, pressupõe que o regime legal estabelecido, neste caso o Código de Processo Penal, assegure, em termos bastantes, o direito de defesa do arguido, o que só se consegue com a notificação ao mesmo das decisões que lhe dizem respeito sobretudo as de condenação em pena privativa da liberdade.
54.  Salvo douta opinião em contrário, o entendimento plasmado na decisão sumária eclipsou o disposto no nº 9 do artº 113º do Código de Processo Penal, a partir de “ Ressalvam-se”
55. Dispõe aquele nº 9 do artº 113º do Cód. Proc. Penal que “ As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, (…) as quais, porem, devem igualmente ser notificadas ao advogado e ao seu defensor.   (Sublinhado nosso)
56. Sendo certo que a lei ao referir-se a “ sentença”, refere-se naturalmente também aos acórdãos, quer proferidos em primeira instância quer aos acórdãos proferidos pelos “Tribunais de Recurso”
57. A interpretação daquele nº 9 do artº 113º do CPP  é clara ao dizer que a Sentença, entenda-se sentenças e acórdãos quer dos Tribunais de 1ª Instância quer dos Tribunais de 2ª instância devem igualmente ser notificados aos defensores e advogado, ou seja, para alem da obrigatoriedade ressalvada de notificação ao  sujeito processual também deve ser notificado o seu advogado ou defensor.
58. Aquele nº 9 do artº 113º do CPP não prevê uma faculdade mas uma obrigatoriedade sob pena de nulidade.
59. Veja-se aliás o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código Processo Penal -2º edição actualizada – pág. 289 onde refere no ponto 6. da anotação ao artº 113º querefere“ O artº 113º resolve também  uma outra questão: a do critério da notificação dos advogados. A lei estabelece três situações diferentes: a) Decisões relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, medidas de coação e de garantia patrimonial, pedido de indemnização civil: elas devem ser feitas aos sujeitos processuais por ela visados e aos respectivos advogados, valendo a data da ultima notificação ( ou a do sujeito ou do seu advogado) como termo inicial de qualquer prazo para a pratica de acto processual subsequente. b) Todas as  demais decisões  que visem o arguido, assistente ou parte civil representada por advogado: elas devem ser notificadas aos advogados dos sujeitos processuais por ela  visados ( por exemplo, a notificação para pagar a taxa de justiça devida pela interposição de recurso só tem de ser feita ao advogado, como conclui o acórdão do TRP de 30.06.2004 n CJ XXXIX, 3, 221); c) Todas as demais decisões que visem o arguido ou a parte civil não representada por advogado: elas devem ser notificadas aos próprios visados.
60. O Código de Processo Penal presentemente impõe um regime obrigatório de notificação ao arguido das decisões, designadamente das sentenças e dos acórdãos. – artº 113º nº 9 do Cód de Proc. Penal
61.  Só assim ficam preservados os seus direitos de defesa, garantidos não só pelo artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa e pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
62. Voltando ao caso dos autos, constata-se efetivamente que o recurso apresentado pelo arguido é tempestivo na medida em que, o mesmo ainda não tinha sido assim como não foi notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o que desde já se requerer.
63. Sendo certo que para efeitos de contagem de prazo se considera a notificação feita em último lugar.
64. De tudo o que ficou dito, e pese embora as oscilações da doutrina e da jurisprudência é maioritário o entendimento de que o arguido tem direito a ser notificado das decisões proferidas, inclusivamente das decisões de condenação, ou que confirmem a decisão de condenação, sendo que para efeitos de contagem de prazo para interposição de recurso da decisão condenatória começa a contar a partir da notificação da sentença ao arguido.
65. Reitera-se que, não obstante as “decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ora de inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional atendeu sempre á efectiva possibilidade de exercício de direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório que o afecta na concretização dessa oportunidade”.  – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º476/2004.
66. Dispunha o arguido de trinta dias para apresentar o recurso e a sua motivação, sendo certo que seria com a sua notificação que se marcaria o início e o termo do mesmo.
67.  Do exposto resulta que o recurso da decisão condenatória interposto pelo arguido foi devida e atempadamente apresentado.
68. No limite a decisão de extemporaneidade (o que também não se concebe) teria de ter como fundamento “a apresentação antecipada do recurso”, na medida em que o arguido não foi notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
69. Deveria pois o Exmo. Senhor Juiz Relator determinar o respectivo recebimento e prosseguimento da demais e normal tramitação processual.
70. O artigo 28º n.º 1 e 2 da Lei 112/2009, de 16 de Setembro que atribui a natureza urgente aos crimes de violência doméstica é, manifestamente INCONSTITUCIONAL, inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se invoca para todos e os devidos efeitos legais.
71. Com efeito, atribuir a natureza urgente ao processo de violência doméstica, em prejuízo da celeridade processual que deve ser imprimida em qualquer processo judicial consubstancia uma diminuição/limitação dos direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da Republica Portuguesa
72. Ora, a decisão recorrida ao considerar estarmos na presença de um processo de natureza urgente, por via da existência de um crime de violência doméstica, aplicando aos autos o que dispõe o n.º2 do artigo 28º, impossibilitou o arguido de reagir ao Acórdão proferido, contrariando desta forma o princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado expressamente como Direito Fundamental.
73. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, o n.º2 do artigo 28º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro é de igual forma INCONSTITUCIONAL por violação do principio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa, o qual dispo  no seu número umTodos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
74. Não se vislumbram quais as razões do pelas quais se deve considerar mais urgente, um processo onde o crime em causa é a violência doméstica do que um processo no qual se discuta, a titulo de exemplo, como é o cado dos autos, um abuso sexual de menores, um homicídio, ou outro de maiir gravidade.
75. Sempre ressalvando o devido respeito, o critério não pode ser o tipo de crime mas os pressupostos que no caso concreto, determinem perigo para as pessoas ou para o bem jurídico que se pretenda proteger.
76. A norma em análise, designadamente o artigo 28º n.º2 da Lei 112/2009, de 16.09, viola a Constituição da Republica Portuguesa, designadamente o direito ao recurso, que a qualquer condenado assiste, diminuindo-lhe o prazo de recurso.
77. Mais, a norma em apreço, acarreta desigualdades, entre os arguidos condenados por crimes igualmente graves, que poderão aguardar o transito em julgado, beneficiando da suspensão dos prazos em férias judiciais, e com prazo de recurso mais dilatado.
78.  E nem se diga que os motivos subjacentes a classificação do crime de violência doméstica como urgente são essencialmente de proteção das vítimas, porque se assim fosse outro tipo de crimes igualmente ou mais graves, também mereceriam essa chancela.
79. O artigo 28º n.º2 do Código de Processo Penal é inconstitucional nas dimensões do principio da igualdade, (artigo 13º) da Dignidade da Pessoa Humana (1ºda CRP) e na dimensão do direito ao recurso e garantias de prazo compatível com as garantias de defesa.
80. Todos os crimes são censuráveis e todos eles violam bens jurídicos especialmente protegidos. O poder do Estado de censurar e de punir criminalmente condutas não pode de modo algum, sobrepor-se ao que dispõe a Constituição da Republica Portuguesa, designadamente ao que dispõe o artigo 32º e ao que dispõe a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente o seu artigo 6º,  em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias.
81.  Dispõe  o artº 6º da CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM que, “  Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser
público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça”.

82.  Ora, salvo o devido respeito,  ao não se notificar o arguido de um Acórdão que o priva da liberdade, ao  não lhe conceder um prazo justo e equitativo, em virtude da  complexidade do crimes em apreço, encurtando-lhe o prazo para recurso me comparação com crimes de gravidade superior, que não tem carater urgente, violou-se o disposto no artº 6 da convenção dos direitos do Homem.
83. Veja-se que o Tribunal da Comarca ... – Instância Central –... Secção Criminal – ..., proferiu  Acórdão que decidiu:1 condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica na pena de dois anos e seis meses de pena de prisão efectiva, nos termos do artigo 152º n.º1 do Código Penal ; 2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado na pena de sete anos e seis meses de prisão efectiva nos termos do artigo 171º n.s 1 e 2, 172º n.º1 e 177n.º1 al.a) todos dos código Penal.
84. Veja-se que o crime de maior relevo foi o crime de abuso sexual de menor dependente agravado,  na pena de sete anos e seis meses de prisão efectiva,
85.  Tendo  no  crime de violência doméstica  recaído  pena de dois anos e seis meses de pena de prisão efectiva.
86. Ou seja, o crime de maior relevo nem sequer  está previsto como crime de natureza urgente,
87. Pelo que, entender que ao arguido deve ser aplicado a natureza urgente, é diminuir as suas garantias de defesa, situação  absolutamente inconstitucional.
88. Normas violadas: artigos 13º, 20º, 29º, 32º, 205º da CRP, artigos 113º n.º9, 425º n.º6 e 411º n.º1 do Código de Processo Penal, artigos 30º, 103º e 104º do Código Penal e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 2º do Protocolo 7
89. Assim, não se pode concordar, face ao exposto, com a visão do Sr Procurador, limitativa dos direitos e liberdades e garantias de uma arguido que apenas quer que se faça justiça.

No exame preliminar deixou-se consignado que o recurso deve ser rejeitado por interposto fora de prazo, decisão que se relegou para conferência.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

                                         *

Estabelece o n.º 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal[2] que o recurso é rejeitado sempre que:

- For manifesta a sua improcedência;

- Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414º; ou

- O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417º.

Segundo preceitua o n.º 2 do artigo 414º:

O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente 10 dias após ser convidado a fazê-lo.

De acordo com o n.º 1 do artigo 411º, o prazo de interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:

- A partir da notificação da decisão;

- Tratando-se sentença, do respectivo depósito na secretaria;

- Tratando-se de decisão oral reproduzida na acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

Em matéria de prática dos actos processuais dispõe o artigo 103º:

«1. Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.

2. Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;

g) Os actos considerados urgentes em legislação especial».

Sendo que o n.º 2 do artigo 104º textua que correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devem praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do artigo anterior.

O artigo 28º, da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro (n.ºs 1 e 2), estabelece que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, e que a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103º do Código de Processo Penal.

No caso vertente estamos perante processo por crime de violência doméstica, facto típico pela autoria do qual o recorrente foi condenado em 2 anos e 6 meses de prisão, daí resultando que o presente processo tem natureza urgente, muito embora não haja arguidos presos, a significar que correm em férias os respectivos prazos procedimentais, incluindo pois o prazo para interposição de recurso.

Tendo sido o recorrente notificado por via postal registada do acórdão recorrido, na pessoa do seu Exmo. Mandatário, enviada no dia 18 de Dezembro de 2015, tendo-lhe sido remetida cópia do mesmo, certo é que a notificação presume-se feita no dia 23 daquele mês e ano, conforme preceito do n.º 2 do artigo 113º (terceiro dia útil posterior ao do envio).

Uma vez que o prazo de interposição de recurso é de 30 dias, correndo em férias, atenta a natureza urgente do processo, aquele prazo no caso vertente, cuja contagem é feita de acordo com as regras do processo civil, isto é, de forma contínua (n.º1 do artigo 104º do Código de Processo Penal e primeira parte do n.º 1 do 138º do Código de Processo Civil), terminou no dia 22 de Janeiro de 2016, sendo que ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 107º e 107º -A, o recurso ainda poderia ser apresentado nos dias 25, 26 e 27 de Janeiro, mediante pagamento da multa correspondente.

Sendo certo que o requerimento de interposição de recurso deu entrada em juízo no dia 28 de Janeiro, ter-se-á de considerar intempestivo, ou seja, fora de tempo, como tal não admissível.

Alega o recorrente, porém, que não tendo sido notificado do acórdão recorrido na sua pessoa, tão só o seu Exmo. Mandatário, o prazo para interposição de recurso não se pode ter por iniciado, designadamente com a notificação ao mandatário, porquanto a omissão da notificação na sua própria pessoa constitui nulidade insuprível, nos termos do n.º 9 do artigo 113º, mostrando-se violado o seu direito de defesa, tal qual consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, pois só a sua notificação pessoal asseguraria e garantiria o seu direito ao recurso.

Mais alega que o artigo 28º, da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro, ao atribuir natureza urgente aos processos por crime de violência doméstica, é manifestamente inconstitucional, uma vez que a celeridade processual que imprime ao procedimento constitui uma diminuição e limitação dos direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República, impossibilitando-o de reagir ao acórdão recorrido em igualdade de circunstâncias com os demais arguidos em idêntica situação, reduzindo-lhe o prazo para interposição de recurso, o que diminui as garantias de defesa consagradas no n.º 1 do artigo 32º da lei fundamental, e colide com o que dispõe o artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que concede a todos o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável.

Finalmente alega que, não sendo o crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, o de maior relevo, sendo antes o crime de abuso sexual de menor dependente agravado, crime este pelo qual foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, nunca se justificaria a atribuição de natureza urgente ao processo.

Decidindo as questões suscitadas pelo recorrente, dir-se-á.

Na óptica do recorrente a falta de notificação do acórdão recorrido ao próprio, ou seja, na sua pessoa, conduz a que se não possa ter por iniciado o prazo para daquela decisão interpor recurso, visto que tal omissão constitui nulidade insanável, pelo que se mostra violado o seu direito ao recurso a considerar-se fora de prazo o recurso por si interposto através do seu Exmo. Mandatário, o que posterga as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

Primeira observação a fazer é a de que a falta de notificação do acórdão recorrido nos termos do n.º 10[3] do artigo 113º, ou seja, na pessoa do recorrente, não constitui invalidade, como este Supremo Tribunal vem decidindo maioritariamente[4].

Segunda observação a fazer é a de que a considerar-se aquela omissão uma nulidade, em caso algum se poderia qualificar como nulidade insanável, por não prevista como tal no artigo 119º ou em qualquer outro preceito da lei adjectiva penal. A verdade é que nem sequer se poderia considerar como nulidade dependente de arguição pelos mesmos motivos, razão pela qual se teria de considerar como irregularidade. Seja como for, a considerar-se como nulidade dependente de arguição ou como irregularidade, certo é que há muito estaria sanada – artigos 120º a 123º –, tanto mais que o recorrente ao interpor o recurso ora em apreciação aceitou expressamente os efeitos do pseudo acto anulável, para além de que, entretanto, já decorreu há muito o prazo de arguição da suposta invalidade (10 dias a considerar-se nulidade – n.º 1 do artigo 105º –, 3 dias a considerar-se irregularidade – n.º 1 do artigo 123º).

Terceira observação a fazer é a de que o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 275/06, de 2 de Maio de 2006, não julgou inconstitucional «a norma que resulta da conjugação dos artigos 113º, n.º 9[5], 411º, n.º 1, 425º, n.º 6, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de o prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se contar a partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido».

Relativamente à alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 28º, da Lei n.º 112/09, por limitação e diminuição dos direitos de defesa do arguido, certo é que a atribuição de natureza urgente aos processos por crime de violência doméstica não tem em vista a tutela do arguido, antes da vítima, cujo interesse é, obviamente, o de que o processo seja tramitado o mais rápida e eficazmente possível, evidentemente, sem embargo do rigoroso respeito pelos prazos processualmente fixados, prazos que garantem plenamente o exercício pelos sujeitos processuais, designadamente pelo arguido, dos direitos procedimentais adjectivamente previstos, maxime do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso.

                            Como estatui o artigo 3º, alínea b), da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro a presente lei estabelece um conjunto de medidas que têm por fim consagrar os direitos das vítimas, assegurando a sua protecção célere e eficaz.

E daí que o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 158/12, de 28 de Março, tenha decidido não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 28º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro, interpretada no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.

Quanto à alegação do recorrente de que, não sendo o crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, o de maior relevo, sendo antes o crime de abuso sexual de menor dependente agravado, crime este pelo qual foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, nunca se justificaria a atribuição de natureza urgente ao processo, é por demais evidente que tal argumentação se mostra desprovida de sentido. Como se consignou, o que o legislador pretendeu ao estabelecer a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, foi tutelar os direitos das vítimas, assegurando a sua protecção célere e eficaz, razão pela qual, como é óbvio, o processo não perde a sua natureza de urgente pela circunstância de no seu objecto se incluírem outros crimes, mais ou menos graves, mais ou menos concretamente punidos.

                                          *

Termos em que se acorda rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 5 UC nos termos do n.º 3 do artigo 420º.

                                          *

Oliveira Mendes (Relator)

Pires da Graça

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, corresponde ipsis verbis ao constante dos autos.
[2] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
[3] - Actualmente é o n.º 10 e não o n.º 9 do artigo 113º que regula esta concreta matéria.
[4] - Cf. por todos, o acórdão de 08.09.25, proferido no Processo n.º 2300/08.
[5] - Actual n.º 10.