Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/18.1GBILH-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CARTA DE CONDUÇÃO
LICENÇA DE CONDUÇÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
FUNDAMENTOS
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O presente recurso, interposto pelo arguido, tem por objeto a sentença de 23-05-2018 que condenou o arguido pela prática de um crime sem habilitação legal, nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03-11; a decisão transitou em julgado a 25-06-2018. Porém, à data dos factos (02-04-2018), o arguido era titular da licença de condução para veículos de categoria AM, o que, nos termos do art. 62.º, n.º 1 e 2, do DL n.º 138/2012, de 05-07, e do art. 123.º, n.º 4, do Código da Estrada, deveria ter levado a que o Tribunal qualificasse os factos não como um crime, mas como uma contraordenação (o que, consequentemente, determinaria a aplicação de uma coima e não a aplicação de uma pena de prisão, substituída por uma pena de suspensão da execução da pena de prisão).
II - O elemento que se apresenta agora como sendo fundamentador de uma revisão da decisão não pode ser considerado novo, nem para o arguido, nem para o Tribunal que dele devia ter tido conhecimento, pelo que não está preenchido o requisito para a admissibilidade do pedido de revisão à luz do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 122/18.1GBILH-B.S1


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca de …….. (Juízo de competência genérica de …………., Juiz 1), no âmbito do processo n.º 122/18.1GBILH, por sentença de 23.0.2018, transitada em julgado a 25.06.2018 (cf. certidão junta aos autos), em processo sumário, foi decidido:
«Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.° n.°1 e 2 do Decreto-Lei n.°2/98, de 3 de Novembro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na execução por igual  período, com a condição de, no prazo de 1 (um) ano demonstrar nos autos a inscrição em  escola de condução, a frequência do número de aulas necessário para se poder submeter a exame de código e a submissão a este mesmo exame (cfr. art. 50.° e 52.° n.°1 alínea c) do C.P.), condição que deverá ser acompanhada e fiscalizada pela DGRSP.»
2.1. Desta decisão vem o arguido, por si [de acordo com o disposto no art. 450.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal], em peça manuscrita, interpor o recurso de extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no art. 449.º, do Código de Processo Penal. Alega que, sendo titular da licença de condução de categoria AM desde 02.09.1997 (e com validade até 22.09.2034), e por força do disposto no art. 123.º, n.º 4, do Código da Estrada (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 05.07), não poderia ter sido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal numa pena de prisão de 1 anos suspensa pelo mesmo período e sujeita a condições. Informa ainda que já realizou o exame de condução para a categoria B e B1, tendo sido aprovado a ...06.2019, e o título adquirido terá a validade até ...06.2034.
Junta:
- certidão do IMTT a atestar a titularidade de licença de condução para veículos de categoria AM (motociclos <= 50 cm3), desde ...09.1997 e válida até ...09.2031, de categoria B (ligeiros) e B1 (triciclo ou quadriciclo) desde ...06.2019 e válida até ...06.2034;
- cópia do art. 124.º, do Código da Estrada;
- cópia da carta de condução.
2.2. O arguido foi ouvido a 17.09.2020: negou os factos, afirmando que não estava a conduzir o automóvel; quem tinha conduzido o veículo até àquele local tinha sido a sua mulher, porém após ter avariado a mulher foi para casa no veículo da sogra, e AA ficou à espera do reboque sentado no banco do condutor; quando a militar da GNR o abordou já estava parado há cerca de 10 minutos.
3. No Tribunal Judicial da Comarca de …………, o Ministério Público pronunciou‑se sobre o recurso interposto considerando que:
«(...) 3. Neste caso, em data posterior à prolação da supra referida sentença - e por conseguinte à apreciação da prova efectuada pela Mm.ª Juiz de 1.ª instância no julgamento que ali teve lugar - adveio aos autos o conhecimento de factos novos bem como de novos meios de prova que permitem concluir pelo não cometimento do crime em causa por parte do arguido e por conseguinte pela injustiça da decisão da condenação que lhe foi imposta nos autos.
4. Isto porque o recorrente juntou, efectivamente, um novo elemento de prova que, aquando do julgamento não foi conhecido, a saber, a licença de condução emitida pela Câmara Municipal ………….., explicando ainda, quando ouvido, que, em sede de julgamento nada disse sobre isso por não ter sido questionado pelo Tribunal.
5. Assim, conjugando o disposto nos artigos 62º, nº 1 e 2 do DL nº 138/2012, de 05¬07 que aprovou o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir e artigo 123º, nº 4 do Código da Estrada, na redacção dada pelas alterações introduzidas pelo citado diploma, conclui-se que, caso fosse conhecido o facto de o recorrente ser titular de licença para conduzir veículos da categoria AM, o mesmo nunca incorreria na prática de um crime de condução sem habilitação legal, mas sim, na prática da contra-ordenação prevista no 123º, nº 4 do Código da Estrada.
6. Ora, tal como se decidiu no aresto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2010 que versa sobre um caso idêntico aos destes autos:
«IV. Representa um facto novo, quer para o MP, quer para o tribunal, à data do julgamento, que a arguida fosse titular de carta de condução na data dos factos que motivaram a sua condenação.
V. Tendo embora a arguida conhecimento desse facto à data do julgamento, tem o MP legitimidade e fundamento para invocar esse desconhecimento e para pedir a revisão da sentença, actuando em benefício da condenada e da sociedade, pois seria intolerável que ficasse estabilizada na ordem jurídica uma decisão baseada num facto falso que o tribunal declarara provado com base em informação transmitida pela entidade pública competente, existindo, nessa medida, fundamento para a revisão.» (proferido no processo n.º 706/04.5GNPRT-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.).
Em conformidade, entendemos que a informação obtida consubstancia um novo meio de prova, que suscita grave dúvida sobre a justiça da condenação dos autos principais, motivo pelo qual se nos afigura que deverá ser concedido provimento ao recurso de revisão.»
4. A Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de …………. (de Competência Genérica de …………., Juiz 1) apresentou a informação a que alude o art. 454.º, do CPP, nos seguintes termos:
«I – Por sentença, datada de 23.05.2018, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.° 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de novembro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na execução por igual período, com a condição de, no prazo de 1 (um) ano demonstrar nos autos a inscrição em escola de condução, a frequência do número de aulas necessário para se poder submeter a exame de código e a submissão a este mesmo exame – cfr. artigo 50.° e 52.° n.° 1, alínea c) do Código Penal –, condição que deverá ser acompanhada e fiscalizada pela DGRSP – cfr. refª. eletrónica n.° 102339848, dos autos principais.
Esta sentença transitou em julgado no dia 25.06.2018, sem que tivesse sido objeto de recurso ordinário – cfr. refª. eletrónica n.° 102883277, dos autos principais.
Por despacho, datado de 14.10.2020, a pena em que o arguido foi condenando nestes autos foi julgada extinta pelo seu cumprimento – cfr. refª. eletrónica n.° 113027316, dos autos principais.
Do cotejo do requerimento de interposição do presente recurso de revisão apresentado pelo arguido, constato que o central fundamento por si invocado assenta na alegação de que é titular de uma carta de condução, válida para a categoria “AM” (veículos motociclos até à cilindrada de 50cm3), desde ...09.1997 até ...09.2031, o que não foi considerado pelo Tribunal da condenação, razão pela qual deveria ter sido absolvido da prática do crime de condução sem habilitação legal em que foi condenado.
*
O Ministério Público entendeu que o conhecimento nos autos de que o arguido é titular de uma licença de condução emitida pela Câmara Municipal de …………, configura um facto novo, que suscita grave dúvida sobre a justiça da condenação dos autos principais, motivo pelo qual pugna pelo provimento ao recurso de revisão apresentado – cfr. refª. eletrónica n.° 112749563.
*
II – Cumpre apreciar:
Dispõe o artigo 449.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (...) c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.»
Verdadeiramente, o recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado constitui o meio processual adequado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, em ordem a sobrepor o princípio da justiça material à segurança do direito e à força do caso julgado, cuja sua consagração se nos apresenta de amplitude constitucional, nos termos do artigo 29.°, n.° 6, da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, tendo sempre como pano de fundo a certeza jurídica do trânsito em julgado material, o predito recurso de revisão apresenta um caráter excecional, mostrando-se balizado pela legalidade e taxatividade das suas causas.
In casu, por sentença, datada de 23.05.2018, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.° 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de novembro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na execução por igual período, com a condição de, no prazo de 1 (um) ano demonstrar nos autos a inscrição em escola de condução, a frequência do número de aulas necessário para se poder submeter a exame de código e a submissão a este mesmo exame – cfr. artigo 50.° e 52.° n.° 1, alínea c) do Código Penal –, condição que deverá ser acompanhada e fiscalizada pela DGRSP – cfr. refª. eletrónica n.° 102339848, dos autos principais, assente na demonstração, além do mais, dos seguintes factos:
No dia 2/04/2018, pelas 16h31m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-FM, na Via da ………., na …………., sem que possuísse licença de condução.
O arguido sabia que não podia conduzir o referido veículo, numa via pública, sem possuir o necessário documento que legalmente o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo.
Agiu de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida pela lei penal.
Da análise da motivação subjacente à demonstração dos preditos factos concluiremos que a mesma assentou na concatenação entre as declarações prestadas pelo arguido em sede de julgamento, e no teor das declarações da militar da GNR, BB, que confirmou o auto de notícia por si elaborado, e, bem assim, no teor da prova documental junta aos autos, onde, de resto, se inclui o resultado da pesquisa on line realizada junto do IMTT, da qual resulta que o arguido não é titular de carta de condução, sendo, contudo titular de licença que o habilita a conduzir veículos da categoria AM, motociclos <= 50 cm3, emitida a ...09.1997 e válida até ...09.2031 – cfr. fls. 10, dos autos principais.
Como já se escreveu a predita sentença transitou em julgado, sem que o arguido tivesse dela recorrido, impondo-se, nessa medida, a conclusão de que o arguido se conformou com ela.
Verdadeiramente, considerando que o arguido não confessou os factos que lhe haviam sido imputados na acusação pública deduzida pelo Ministério Público e, bem assim, que à data da prolação da sentença condenatória já se encontravam nos autos, como se disse, prova bastante que permitisse a conclusão de que o arguido não obstante não ser titular de carta de condução de veículos automóveis, ser titular de licença que o habilita a conduzir veículos da categoria AM, motociclos <= 50 cm3, emitida a 02.09.1997 e válida até 22.09.2031, da leitura conjunta do disposto nos artigos 62°, n° 1 e 2 do DL n° 138/2012, de 05-07 que aprovou o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir e artigo 123°, n° 4 do Código da Estrada, nos transportaria apenas para a sua responsabilização a título contraordenacional, impondo, nessa medida, a sua absolvição do crime de condução sem habilitação legal.
Poderemos estar, neste caso, diante de um erro judiciário, com o qual o arguido se conformou, inexistindo, pois, qualquer novidade no meio de prova em que o arguido se sustenta para beneficiar da revisão da sentença – cfr. alínea d) do n° 1 do artigo 449.° do Código de Processo Penal.
Ou, tendo como pano de fundo a realização da justiça material, considerar que tal meio de prova – ainda que à data da prolação da sentença condenatória poder ter sido considerado pelo tribunal – tem a força e a segurança suficiente para abalar o caso julgado da sentença proferida nos autos principais.
Contrabalançando os direitos e interesses em contraposição – a inexistência de qualquer novidade probatória ou factual e a segurança e a certeza das decisões transitadas em julgado –, salvo melhor e mais avisada opinião em contrário, entendo que não assiste razão ao arguido, aqui recorrente.
Todavia, caso os Senhores Juízes Conselheiros entendam que existe novidade no meio de prova que serve de fundamento ao recurso ou que há uma violação clamorosa da mais elementar justiça, terão, necessariamente, de se concluir em sentido contrário.
III – Pelo que, entendo que o pedido de revisão requerido pelo arguido AA deverá improceder e, em consequência, deverá ser negada a revisão da decisão condenatória proferida nos autos principais
*
Contudo, Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, farão, certamente, a melhor Justiça.».
4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no art. 455.º, n.º 1, do CPP, manifestou-se, igualmente, no sentido de não ser autorizada a revisão porquanto:
«(...)5- A factualidade subjacente à pretensão do recorrente não integra nenhum dos fundamentos previstos no n° 1, do art. 449, designadamente o da al. d).
Com efeito e tal como se afirma na informação prestada nos termos do disposto no art. 454, do CPP, cujas considerações subscrevemos, não estamos perante qualquer facto novo ou qualquer novo meio de prova. Os factos agora invocados constavam já do processo e eram também do conhecimento do arguido. Apesar disso e estando regularmente representado por advogado, o arguido não interpôs recurso ordinário da sentença, tendo a mesma transitado em julgado. (...)
O recurso de revisão é um recurso “extraordinário” que como atrás referimos, só é admissível em casos específicos e não pode ter como fundamento questões que pudessem ter sido invocados, em recurso ordinário, de outro modo tornar-se-ia num expediente fácil e frequente, pondo em causa a estabilidade do caso julgado e subvertendo a sua própria razão de ser.
*
Em conformidade com o exposto, consideramos que se não verificam os fundamentos para que se determine a revisão da decisão recorrida e emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.»
5. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II
Fundamentação
A. Matéria de facto
1. Na decisão recorrida são dados como provados os seguintes factos (apenas se transcrevem os relevantes para esta decisão):
«1. No dia ../04/2018, pelas 16h31m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-FM, na Via da ………, na …………….., sem que possuísse licença de condução.
2. O arguido sabia que não podia conduzir o referido veículo, numa via pública, sem possuir o necessário documento que legalmente o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo.
3. Agiu de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida pela lei penal. (...)».

B. Matéria de direito
1. O presente recurso, interposto pelo arguido, tem por objeto a sentença de 23.05.2018 que condenou o arguido pela prática de um crime sem habilitação legal, nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.11; a decisão transitou em julgado a 25.06.2018. Porém, à data dos factos (02.04.2018), o arguido era titular da licença de condução para veículos de categoria AM, o que, nos termos do art. 62.º, n.º 1 e 2, do Decreto Lei n.º 138/2012, de 05.07, e do art. 123.º, n.º 4, do Código da Estrada, deveria ter levado a que o Tribunal qualificasse os factos não como um crime, mas como uma contraordenação (o que, consequentemente, determinaria a aplicação de uma coima e não a aplicação de uma pena de prisão, substituída por uma pena de suspensão da execução da pena de prisão).
Mas, o que distingue estes factos concretos de outros já julgados neste Supremo Tribunal, e em que o recorrente/arguido é o mesmo[1], é a circunstância de, ao tempo da decisão, e tal como refere a informação da Meritíssima Juíza, o Tribunal ter conhecimento de que o arguido detinha a licença de condução de veículos AM, sem que, contudo, fosse dado qualquer relevo a esta informação (junta aos autos tal como refere a Meritíssima Juíza na informação junta) aquando da decisão[2].
Vejamos.
O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.
Atendendo ao carácter excecional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o Código de Processo Penal prevê, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do artigo 449º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.
São elas:
- falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado;
- sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
- inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
- descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
- condenação com fundamento em provas proibidas;
- declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação; ou
- sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.
2.1. A partir da prova junta aos autos, verifica-se que o Tribunal tinha nos autos informação sobre a titularidade, pelo arguido, de licença de condução de veículo de categoria AM, o que, subsumindo os factos ao direito então vigente, determinaria a conclusão de que a infração cometida era uma infração contraordenacional e não um crime. Sabendo que a admissibilidade do recurso de revisão com base no disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, impõe que os factos sejam novos, constituindo factos novos aqueles que não puderam ser ponderados pelo Tribunal aquando da decisão. Ora, o elemento que se apresenta agora como sendo fundamentador de uma revisão da decisão não pode ser considerado novo, nem para o arguido, nem para o Tribunal que dele devia ter tido conhecimento (trata-se, pois, de uma situação distinta da que foi julgada por este Supremo Tribunal, no âmbito do proc. n.º 25/18.0GDAVR-A.S1 a 17.06.2020, e em que foi concedida a revisão; porém, nesta outra situação, o Tribunal não teve conhecimento da licença de condução de veículos AM, e ter-se-á bastado com a confissão do arguido, que terá afirmado que não tinha título habilitante para a condução de veículos de outra categoria que não a AM, sem que mais fosse averiguado pelo Tribunal).
Porém, dado que nos autos principais deste processo constava informação de que o arguido era titular de licença de condução de veículos AM, não podemos considerar estarmos perante um elemento novo a justificar uma revisão da sentença, pese embora a injustiça da decisão (decorrente de um erro de julgamento). Mas, não pode deixar de se referir que o arguido sempre poderia ter recorrido da decisão que o condenou antes do seu trânsito em julgado, fazendo valer os argumentos que agora apresenta. Contudo, não o tendo feito, e perante o caso julgado, sem que se possa subsumir o caso a nenhuma das situações de admissibilidade do recurso de revisão, nada mais pode este Tribunal fazer; sendo os requisitos de admissibilidade da revisão taxativos, não pode este Tribunal decidir contra a lei.
Por seu turno, as declarações prestadas pelo arguido no âmbito deste recurso de revisão em nada diferem das anteriormente prestadas em julgamento, onde também negou que tivesse conduzido o veículo, pelo que não foram juntos (através destas declarações) quaisquer factos novos que possam obstar à negação deste pedido de revisão.
III
Conclusão
Nos termos expostos, acordam, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, em negar o pedido de revisão formulado pelo arguido.

Custas pelo recorrente em 3 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 10 de dezembro de 2020
Os juízes conselheiros,

Helena Moniz


Francisco Caetano


Manuel Braz

_______________________________________________________


[1] Cf. acórdão de 08.10.2020, proc. n.º 475/02.3GAALB-A. S1, Relatora: Cons. Isabel São Marcos, e de 03.12.2020, Proc. n.º 244/03.3GTAVR-A.S1, Relator: Cons. António Gama.
[2] Também este Supremo Tribunal de Justiça já decidiu situação sobreponível à aqui em discussão o acórdão de 01.10.2020, proc. n.º 31/18.4GTAVR-A.S1, Relator: Cons. Francisco Caetano.