Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P578
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
DIREITOS DE DEFESA
DIREITO AO RECURSO
ESCUTAS TELEFÓNICAS
PROIBIÇÃO DE PROVA
REGRAS DE PRODUÇÃO DE PROVA
NULIDADE
SANAÇÃO
DEVER DE LEALDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DIREITO AO SILÊNCIO
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA AUTO-INCRIMINAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE
GRAU DE PUREZA
FACTOS GENÉRICOS
IN DUBIO PRO REO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Nº do Documento: SJ20080402005783
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - A questão da aplicação temporal da lei processual penal é regulada no art. 5.º do CPP, que proclama a imediata aplicação daquela, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, com as duas excepções consignadas no n.º 2 daquele normativo, a saber: quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo, ou agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
II - O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. Para Figueiredo Dias a concessão daqueles autónomos direitos processuais, legalmente definidos, corresponde ao reconhecimento do arguido como sujeito, e não como objecto, do processo. Os actos processuais do arguido deverão ser, assim, expressão da sua livre personalidade e da cidadania.
III - Como sujeito processual penal assistem ao arguido relevantes direitos, entre os quais os de audiência, de presença, de assistência do defensor e o direito à interposição de recursos. Aspecto importante da sua defesa material é exactamente o seu direito de, em qualquer momento e em qualquer fase do processo, apresentar requerimentos, exposições ou memoriais que tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, desde que se contenham dentro dos limites do processo, e tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
IV - O facto de a lei nova retirar ao arguido o direito a um recurso que estava inserido no seu complexo de direitos e garantias, se aplicada a lei antiga, leva-nos a considerar que, por aplicação do art. 5.º do CPP, é a mesma lei aplicável ao caso vertente, sendo admissíveis os recursos interpostos [de acórdão condenatório proferido em recurso pela Relação, em processo por crime a que é aplicável pena de prisão superior a 8 anos, mas em que as penas aplicadas são inferiores a tal medida].
V - Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção telefónica efectuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP. Nesta hipótese o meio de prova foi autorizado e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova.
VI - As proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição, e mesmo de uma permissão. É que toda a regra relativa à averiguação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação.
VII - A proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art. 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, e que o art. 126.º do CPP manteve, sem alargar.
VIII - Diferentemente, as regras de produção da prova – cf., v.g., o art. 341.° do CPP – visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (...) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.
IX - Admitindo que a circunstância de não ter sido determinada a destruição das intercepções telefónicas não transcritas, conforme determina o art. 188.º, n.º 3, do CPP, constitua uma nulidade processual, é manifesto que, pelo facto de não ter sido, oportunamente, suscitada a arguição de nulidade, se produziu a convalidação do acto processual imperfeito.
X - É que, para além da teleologia do processo penal, é o próprio dever de lealdade processual de todos os intervenientes no processo que impõe que a imperfeição seja suscitada por forma a causar o menor dano na tramitação processual e não como último argumento que se mantém resguardado para se utilizar como último recurso caso o resultado final não agrade.
XI - Aliás, e em última análise, se a intercepção utilizada consubstanciava virtualidades probatórias não concedidas em sede de inquérito pelo juiz de instrução, mas escrutinadas em audiência, então o vício praticado não foi a não destruição das intercepções, mas sim o facto de as mesmas não terem sido decididamente valoradas e consideradas como relevantes pelo mesmo juiz instrutório.
XII - O art. 8.º da CEDH permite a ingerência de uma autoridade pública, com finalidade preventiva ou repressiva, na área dos direitos fundamentais, desde que devidamente respeitadas duas condições essenciais: a legalidade, e a sua necessidade face a interesses particularmente protegidos. Assim, se forem observadas as regras de produção de prova legalmente consignadas nada impede que as intercepções telefónicas constituam o único meio de prova a fundamentar a convicção do tribunal.
XIII - Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in CRP Anotada), para além dos pressupostos de previsão constitucional expressa e salvaguarda de direito ou interesse constitucionalmente protegido, o terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que se designa por princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: o da adequação, o da necessidade ou indispensabilidade e o da proporcionalidade. O denominador comum aos três é exactamente o de equacionar a restrição que constituem em termos de direitos fundamentais com os interesses que se pretende prosseguir. Porém, tal adequação de perfil superior em termos de admissibilidade e ponderação constitucional nada tem a ver com um inusitado pressuposto processual penal de que um determinado meio de prova, desacompanhado de outro, não tem relevância para fundamentar a convicção do Tribunal.
XIV - A afirmação da recorrente de que o seu direito ao silêncio é violado pela utilização das intercepções telefónicas tem subjacente uma deturpação da teleologia do processo penal, quando não uma visão alheia a princípios fundamentais – entre os quais se encontra o da procura da verdade, seguindo pelos caminhos delimitados pelo respeito dos direitos e garantias dos intervenientes processuais, que, diga-se de passagem, não se resumem aos direitos do arguido e que, em última análise, é o direito da própria comunidade à exigência de um processo justo.
XV - A arguida tem o direito de não se auto-incriminar. Tal direito começa e acaba aí e, sendo respeitado pelo Tribunal, em nada colide com o dever de procura da verdade material que impende sobre o mesmo. Levado às últimas consequências o raciocínio da recorrente, a partir do momento em que o arguido invocasse o seu direito ao silêncio não seria possível fazer mais prova da sua responsabilidade criminal porque tal afrontaria o estatuto do mesmo arguido.
XVI - A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado de tráfico de estupefacientes, p. e p., respectivamente, pelos arts. 21.º, n.º 1, e 25.º do DL 15/93, de 22-01, reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativos para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar ínsitos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude». As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas.
XVII - A inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga. Esta última constitui aqui um elemento de importância vital, revelando-se como um instrumento técnico (às vezes único) para demonstrar o destino para terceiros do estupefaciente possuído. É preciso que nos fundamentemos na quantidade da substância, quando outros dados não existem, sendo que a apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter qualitativo, avultando o grau de pureza da substância estupefaciente e seu perigo para a saúde, porque não é o mesmo ter 100 g de heroína ou de cocaína do que ter 100 g de haxixe.
XVIII - A imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e relativamente à matéria em relação à qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e experiência comum, são permitidas pela prova produzida, mas dentro daqueles limites.
XIX - Assim, a prova da venda em quantidade indeterminada a vários consumidores, e durante vários meses, desacompanhada de outro elemento coadjuvante, não poderá ser valorada na dimensão mais gravosa para o arguido: se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal, a dúvida sobre ela – e acerca das demais circunstâncias que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos dois tipos legais em apreço – tem de ser equacionada de acordo com o princípio in dubio pro reo.
XX - O art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, caracteriza-se por uma estrutura progressiva, pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
XXI - Em relação à progressividade de condutas abarcadas no tipo legal fundamental, a opção que a jurisprudência consagrou tem como paradigma a teoria das condutas alternativas, que radica na consideração de que as diversas condutas não são autónomas em si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas.
XXII - Assim, o facto de o recorrente deter em seu poder quase 1 kg de haxixe assume a perfeita integração do tipo do art. 21.º daquele diploma. Por outro lado, tal quantidade em circunstância alguma poderá ser perspectivada como de menor dimensão ou revelando uma menor ilicitude.
XXIII - Numa situação em que, em concreto, está determinado que o recorrente AM vendeu ao LC 10 g de heroína em 08-02-2005, o que, considerado isoladamente como um simples facto atomístico, não reveste as características relevantes para a integração dos elementos constitutivos do art. 21.º do DL 15/93, subsiste uma integração daquele acto numa colaboração com o arguido AF, que só terá relevo caso se concretizem premissas de facto que conduzam àquele juízo conclusivo sobre a colaboração do recorrente. E, na verdade, a materialidade provada não é apta a suportar um juízo de comparticipação criminosa do mesmo recorrente em relação aos factos concretos praticados pelo AF.
XXIV - Porém, concatenando aquela venda com o contacto para aquisição de droga feito pelo JP em 15-07-2005 e com a circunstância de este em três das nove vezes que se deslocou a A… para adquirir haxixe e cocaína o ter feito ao recorrente, já começa a ganhar coloração concreta aquela genérica imputação de colaboração. Estamos perante factos concretos que considerados isoladamente não possuem virtualidade para densificar a ilicitude inscrita no tipo do art. 21.º, mas que, perspectivados no seu conjunto, já traduzem uma inserção numa actividade sedimentada de tráfico e, portanto, impressas no tipo base, sendo assim de concluir que o crime praticado é o do art. 21.º do DL 15/93.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Os arguidos AA; BB; CC e DD interpuseram recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no segmento em que pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C os condenou, respectivamente, na pena de de 6 (seis) anos de prisão; na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; na pena de 6 (seis) anos de prisão; na pena de 7 (sete) anos de prisão;
As razões de discordância encontram-se expressas nas respectivas conclusões de motivação de recurso onde se refere que:
AA
1° - Pelos motivos invocados considera o Recorrente que a medida da pena aplicada foi manifestamente exagerada;
2° - Que deveriam ter sido consideradas as circunstâncias retro referidas e cujo traslado se efectua, e que militam a favor do Recorrente;
3° - Peticiona o Recorrente que, até com base no artigo 70° do C.P., a medida concreta da pena lhe seja reduzida, de forma a permitir a aplicação da suspensão da execução nem que seja pelo período máximo, com o que de todo continuarão a satisfazer as necessidades de prevenção e constituirão decerto forma dissuasora da prática e continuação de actividade ilícita.
Arguida CC
1- O Tribunal não fez boa interpretação e aplicação do Direito, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e demais elementos de prova constantes do processo, pelo que o acórdão recorrido nos merece ampla
censura;
2- A Recorrida interpõe o presente recurso, pese embora a alteração da lei processual penal que sempre lhe seria mais desfavorável, ao abrigo do art. 400~ 410; 432° e 5° nº al.a) do CPP, este último que determina a aplicação da lei processual penal no tempo, e expressamente refere a não aplicabilidade imediata daquela no caso de agravamento da situação da Arguida e limitação ao seu direito de defesa, como aconteceria in casu.
3- Dos despachos proferidos pelo ExMº Sr. Dr. Juiz de Instrução dos presentes autos, foi expressamente omitida a ordem de destruição das intercepções telefónicas não transcritas para os autos, em violação do art.188° nº3 (ora nº6) do CPP.
4- A entendermos que tal meio de prova não foi destruído pelo eventual interesse probatório que reveste, sempre aquele só poderia relevar em beneficio da Recorrente e não em seu prejuízo.
5- A omissão de tal formalidade configura uma nulidade insanável, arguida em qualquer prazo, pois caso contrário estaríamos a esvaziar o art.189° do CPP (ora 190 de qualquer sentido, já que o que se pretende é estabelecer uma verdadeira proibição de prova de escutas telefónicas, caso as mesmas sejam utilizadas em detrimento de princípios basilares e constitucionais e em desrespeito das formalidades previstas na lei.
6- O Tribunal justifica a condenação da Recorrente em prova que resultou da confrontação do teor das escutas difundidas em audiência reaberta.
7- As intercepções telefónicas ouvidas naquela audiência, deviam, por força de lei, ter sido destruídas em momento oportuno, não se retirando daquelas qualquer matéria de relevo para os autos, antes se tratando de conversa que abrange o foro pessoal/profissional da Arguida, ora Recorrente.
8- Extrapola, por isso, o uso de tais sessões escutadas, o objecto dos autos e determina a ingerência do Tribunal em matérias da vida pessoal da Arguida, sendo que tais sessões sequer foram determinantes para aferir da prática do crime de que vem acusada a Arguida.
9- Para o Tribunal aferir da utilização dos dois números de telemóvel pela Arguida, com base unicamente na voz, teria sempre de tal confirmação ser sujeita a um juízo técnico e profissional, e não por meio de juízo discricionário e obtido mediante meio de prova ilegal.
10- O Tribunal violou a lei ao reabrir a audiência com fundamento que não cabe na previsão legal (Arts. 371° e 369° do CPP), inexistindo fundamento legal para a produção de prova nos termos ordenados pelo Tribunal.
11-Fez uso de prova obtida por meio contrário à lei, logo ilícita, utilizando um meio proibido de prova (arts.32° nº8, 34° da CRP, art, 126° nº3, 188° nº3 e 189° do CPP na anterior versão);
12- As intersecções telefónicas ouvidas em audiência constituem prova não valorável em termos adjectivos (art.188°nº3, 189° e 126° nº3 do Código de Processo Penal) que encontra consagração nos art.32° nº8 e 34° da nossa Constituição, e devem ser nesse prisma analisado, configurando, assim, violação dos direitos da Arguida, e como tal prova nula por ser prova proibida.
13- A decisão de que se recorre é sustentada em escutas telefónicas não confirmadas no terreno e desapoiadas de outros elementos, violando-se assim o principio da subsidiariedade daquelas, uma vez que o recurso às mesmas só deve ser ordenado quando indispensável à descoberta da verdade.
14- A escuta transcrita é entendida como prova documental junta aos autos, que não obstante não valerá como prova absoluta, necessitando de ser confirmada por outros elementos de prova. A escuta só prova a existência da conversa escutada, não a efectiva concretização daquela.
15- O Tribunal não apurou as quantidades de produto destinadas ao alegado tráfico e ao consumo próprio, os produtos em concreto consumidos, as pessoas envolvidas, renegando o poder de investigação que lhe está cometido.
16- O Tribunal não atendeu, a entender-se pela tese de trafico, factos fundamentais, que determinariam a qualificação dos factos ao abrigo de norma punitiva menos grave (art.26° ou 25~ traficante - consumidor ou tráfico de menor gravidade).
17-Sendo que os elementos que apodíctica e inabalavelmente constam do processo apontam sempre: para a situação de consumidor - dependente da recorrente; para envolvimentos de muito pequena escala, quer em volume de produto, quer pelos meios económicos envolvidos.
18- Não foram efectuadas buscas ou apreensões directamente à Arguida; a Recorrente é sempre referenciada como "companheira" de um seu co-arguido; é consumidora de produto estupefaciente, e fortemente dependente de heroína; destinava os produtos estupefacientes que adquiriu (transacções e quantidades não identificadas nem individualizadas) em parte ao seu consumo pessoal; iniciou tratamento no CAT de Leiria em 14.07.1999, tendo consultas médicas com regularidade e tratamento psicológico; não tem antecedentes criminais.
19- Tais elementos só poderiam configurar - a entender-se pela existência de matéria com dignidade penal - a previsão do artigo 26° do DL 15/93, ou na pior das hipóteses, na previsão do artigo 25° do mesmo diploma.
20- O tribunal não relevou factos que deu como provados, demonstrativos do anterior comportamento da Arguida, licenciada em Línguas e literaturas Modernas, não atendendo como devia aos valores que inspiram a determinação da medida da pena ( adequação da pena á medida da culpa e ás demais circunstâncias concretas do agente a da acção) e os fins das penas ( art . 40°, n° 1 e 2 do CP );
21- Violou, por isso o Tribunal o disposto, entre outros, nos art.61.al. c), 126° nº3, 127,188°nº3, 189, 343, 355, 360. 361, 369° e 370° do CPP, art.70, 71 e 73° do Código Penal, arts.21, 25° e 26° do DL. 15/93 de 22 de Janeiro e arts.32 e 34° da CRP.
Arguido BB
1- O Arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, nº 1 do Dec - Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela l-C ao mesmo, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
2- Foi apreendido produto estupefaciente ao arguido/recorrente - haxixe -, designado como uma "droga leve", por isso, considerado como um dos produtos estupefacientes menos perniciosos à saúde dos cidadãos.
3- Não foi considerado provado pelo tribunal recorrido da 1 a instância, que ao arguido/recorrente fosse imputada a venda directa de produto estupefaciente, designadamente haxixe, a consumidores.
4- O tribunal a quo considerou o arguido/recorrente como consumidor de haxixe, que efectivamente era desde muito novo.
5- O crime pelo qual foi qualificado, quanto a nós erradamente, o ilícito praticado pelo arguido/recorrente, encontra-se previsto e punido no artigo 21 do D.L. 15/93 de 22/01.
6- A base deste ilícito " ... está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico" (Cfr.Ac.do STJ de 4/512005, proferido no âmbito do Proc. 05P4737, in );
7- Pelo que os factos provados devem ser subsumidos à regra do art.25° do Decreto-lei 15/93 de 22/1.
8- A circunstância de estar eu causa uma droga "leve", associada ao facto de não se ter provado que o arguido BB tenha colaborado a venda directa de estupefaciente aos consumidores, não se pode afigurar irrelevante ao contrario do que entende o douto acórdão recorrido.
9- Pois que, tais factos devem ser ponderados e não considerados irrelevantes para a determinação da medida da pena a aplicar ao arguido/recorrente
10- A ilicitude dos factos, salvo melhor entendimento, mostra-se consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias específicas, objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, sendo certo que, não se tendo provado que o arguido tivesse colaborado com o arguido AA, na venda de produto estupefaciente directamente aos consumidores.
11- Por outro lado, tal como resulta do disposto no art. 25° DL 15/93 de 22/1, o privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes verifica - se, atento a quantidade e qualidade de produto estupefaciente detido e as modalidades de cometimento do crime, tendo em conta que considera ainda que o douto acórdão recorrido que o grau de ilicitude é um pouco abaixo da média.
12- A pena aplicada ao arguido BB, atendendo ao caso em concreto não considera o referido no artigo 400 e 71 do Código penal, nem satisfaz os critérios de politica criminal a nível de sociabilização do arguido e da sua reintegração social, que tanto se divulga e inculca realizar socialmente
13- O arguido está actualmente a frequentar formação profissional com equivalência escolar ao 9° ano pela delegação regional do centro de emprego de Leiria, - Curso de empregado de mesa - (vide doc. nº 1 e 2 que se juntam) tendo o mesmo informado o Tribunal de 1.a Instância que no decurso do julgamento estava a aguardar o inicio do mesmo, conforme documentos juntos aos autos.
14- Pelo que, insistir na manutenção de uma pena privativa da liberdade, muito prejudicaria o arguido/recorrente, numa altura que se encontra em franca recuperação da toxicodependência e com a sua vida profissional, familiar e social encaminhada.
15- Os antecedentes criminais do arguido - roubo, furto qualificado e condução sob o efeito de álcool - ao tempo em que foram praticados, associado ao esforço de reinserção por parte do arguido na vida em sociedade, manifestado pela frequência actualmente, do mesmo, num curso de empregado de mesa, conforme documento que se junta como doc. nº 1 e nº 2, é revelador da intenção e vontade de o mesmo se afastar no presente como no futuro da pratica de novos crimes.
16- O artigo 50° do Código Penal diz que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos - redacção actual - se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
17 - Pese embora a gravidade dos factos, em si mesmos e perante a lei, existe ainda uma margem de valoração da conduta do arguido posterior à pratica do crime, que permite, justifica e cumpre os fins, da suspensão da execução da pena aplicada
18- A norma do artigo 50° do C.P. distingue diferentes modalidades de suspensão, nomeadamente, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova.
19- Além disso, o instituto da suspensão da pena pretende ser, do mesmo passo, um "meio de correcção", uma "medida de ajuda social" e "meio sócio-pedagógico activo" sendo a sua aplicação "um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador"' (Maia Gonçalves, C. Penal, p. 203)
20- Entendemos que o tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, através da manifestação de um juizo de prognose favorável, suspendendo a pena de prisão.
21- Ora, atendendo ao supra exposto, a decisão ora recorrida não pode senão ponderar o caso concreto e conjugar o mesmo em função das necessidades que se lhe apresentem, fixando o quantum concreto e adequado de prevenção, quer especial, quer geral, em relação ao arguido/recorrente e ilícito praticado.
Conclui requerendo a este Supremo Tribunal de Justiça o reequacionar não só a qualificação jurídica do 25° do Decreto Lei 15/93 de 22/01 em vez do art. 21° do mesmo Decreto-lei, mas sobretudo a suspensão da pena de prisão na sua execução;
Considerando que o tribunal ad quo não tem elementos suficientes para proferir acórdão condenatório com pena de prisão efectiva, quanto à autoria e culpa do arguido/recorrente;
Justifica-se requerer a suspensão da aplicação de uma pena de prisão não superior a 4 (quatro) anos, constatada que foi a verificação dos pressupostos
Arguido DD
1. O douto acórdão recorrido considera ter actuado - sempre - o recorrente "a mando" do arguido EE e de ter sido apenas um mero "colaborador" deste último.
2. Reduzindo-se o tempo da descrita colaboração a cerca de quatro meses, com muito reduzida intervenção - no que ao tráfico de droga diz respeito - por banda do ora recorrente.
3. O douto acórdão recorrido faz alusão clara (a fls, 84 5.0 parágrafo) ao facto de o recorrente ter optado por não prestar declarações quando lhe foi perguntado se tinha mais algo a declarar, o que não deveria revelar - como parece ter relevado - parta a manutenção da pesada condenação que lhe fora imposta na 1. a instância.
4. A escassa e pouco demorada actividade delituosa do recorrente - que terá agido sempre a mando do EE- não deveria ser sancionada pelo art.º 21.0 do DL 15/93 mas antes ser subsumível ao enquadramento tipificado inserto no art. o 25.0 da mesma lei, dado tratar-se, indubitavelmente, de um crime de tráfico de menor gravidade, atentos os escassos e artesanais meios utilizados e a "mera" colaboração desenvolvida a pedido e sob forte solicitação do EE.
5.0 douto acórdão recorrido violou, assim, por erro de interpretação manifesto, o sentido e o alcance do artº 21.0 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
6.0 recorrente deveria ser punido, nos termos do artº 25. do citado DL em pena de prisão não superior a quatro anos.
Respondeu o Ministério Público propondo a confirmação da decisão recorrida.
Nesta instância o EXºMº Sr.Procurador geral Adjunto emitiu parecer constante de fls. 5513 considerando que o recurso interposto não é admissível
Os autos tiveram os vistos legais.
*
Face á decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. No período de tempo compreendido entre 24-11-2004 e 04-04-2005, o arguido EE procedeu à venda directa de produtos estupefacientes e utilizou o arguido DD para efectuar uma entrega de produto estupefaciente ao arguido FF;
2. O arguido EE era conhecido pelas alcunhas de “Maxicado” e “Tchuco”;
3. Para os contactos com os seus clientes de produtos estupefacientes e com o arguido DD, o arguido EE usava os telemóveis com os cartões n.os ………. e ………..;
4. No referido período temporal, o arguido EE conduziu a viatura da marca Ford, modelo Orion, de cor castanha, com a matrícula …-…-…, sem que fosse titular de qualquer documento legal que lhe permitisse conduzir veículos automóveis em Portugal;
5. O arguido EE utilizou residências situadas no interior do Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para esconder produtos estupefacientes e para realizar transacções, quer com os seus “clientes” quer com os seus “fornecedores”;
6. O arguido EE adquiriu produtos estupefacientes, designadamente haxixe, cocaína e heroína;
7. Após, o arguido EE forneceu tais produtos estupefacientes, quer directamente aos consumidores que o procuravam para adquirir as doses para o respectivo consumo, quer a outros indivíduos que adquiriam para revenda;
8. Para o efeito, o arguido EE, contou com a colaboração do arguido DD, que teve como incumbência guardar produtos estupefacientes e proceder a uma entrega de droga ao arguido FF, a mando do primeiro;
9. O arguido AA contou com a colaboração da arguida CC, sua companheira, para proceder à venda de produto estupefaciente directamente aos consumidores;
10. O António GG dedicou-se à distribuição de produtos estupefacientes na zona do Algarve, abastecendo-se dos mesmos junto do arguido EE;
11. O arguido EE teve como seus compradores regulares de produtos estupefacientes os arguidos FF, AA, CC e HH;
12. No dia 14-09-2005, numa residência que foi utilizada pelo arguido EE, sita na Rua do …. n.º …-1-A, no Bairro 6 de Maio, Damaia, Amadora, aquele tinha guardados:
- Uma balança de precisão;
- Um papel manuscrito com os dizeres “ EE – Matchicado”;
- Diversos plásticos com indícios de resíduos de produto estupefaciente;
13. No dia 04-04-2005, na Rua ……, na Venda Nova, Amadora, cerca das 22h30, no interior de um café, o arguido Antonino Furtado tinha na sua posse:
- Um telemóvel Nokia, com o IMEI ……, contendo introduzido o cartão telefónico ………..;
- Um telemóvel Nokia, com o IMEI …………, contendo introduzido o cartão telefónico ………..;
- 39 pacotes de cocaína, com o peso total de 10,500 gramas;
- 7 pacotes de heroína, com o peso total de 1,252 gramas;
- € 14,25 (catorze euros e vinte e cinco cêntimos);
- Um fio em ouro amarelo de malha grossa com cerca de 60 cm de comprimento, uma pulseira em ouro de malha grossa com 21 cm de comprimento, uma aliança e três anéis em ouro, tudo no valor de cerca de €1.000,00 (mil euros); e
- Uma pistola de calibre 8 mm, com cano de 12,5 cm, adaptada para calibre 7,65mm, contendo seis munições no carregador e uma na câmara, apta a efectuar disparos;
14. No período temporal referido no ponto 1. a arguida II era companheira do arguido EE;
15. O arguido DD, conhecido por “Samir”, foi colaborador do arguido EE na actividade de tráfico de estupefacientes;
16. O arguido DD contactou com o arguido EE através do cartão telefónico com o n.º ….., utilizado pelo primeiro, para receber indicações para ir buscar produto estupefaciente ou para entregar produto estupefaciente ao arguido FF;
17. O arguido HH, que começou por contactar com o arguido EE e por se deslocar de Leiria até ao Bairro 6 de Maio para adquirir a este produto estupefaciente, posteriormente contactou o arguido DD e adquiriu a este produto estupefaciente;
18. No dia 27-09-2005, o arguido DD tinha na sua posse:
- Um telemóvel Nokia, com o IMEI ……, com o cartão telefónico ………….; e
- Diversos comprovativos de pagamentos efectuados através de multibanco referentes aos cartões telefónicos …….., ….. e …….;
19. O JJ, conhecido por Beto, era titular do cartão telefónico com o n.º …….., o qual utilizava nos seus contactos telefónicos com o arguido EE;
20. No dia 23-02-2005, o JJ regressou a Portugal, transportando consigo cocaína com o peso líquido de 1.159,500 gramas dissimulada na sola de uns ténis;
21. O JJ foi detido no aeroporto de Lisboa e o referido produto estupefaciente apreendido;
22. Os factos descritos nos pontos 20. e 21. que antecedem deram origem ao NUIPC 5/05.5ADLSB, que correu termos no DIAP de Lisboa;
23. O GG, conhecido pela alcunha de Mascarenhas, contactou telefonicamente com o arguido EE com vista à aquisição de produto estupefaciente, designadamente heroína;
24. Até à data em que o arguido EE foi detido, o António Sanches abasteceu-se de produto estupefaciente junto daquele e distribuiu tal produto;
25. O arguido FF foi um dos “clientes” do arguido EE, que contactou através dos números telefónicos n.os …… e ….., utilizados pelo segundo, informando quando se iria deslocar ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, a fim de adquirir produto estupefaciente, nomeadamente heroína;
26. Para o efeito, entre 21-12-2004 e 31-03-2005, o arguido FF deslocou-se por onze vezes (em 21-12-2004, 24-12-2004, 27-12-2004, 07-01-2005, 11-01-2005, 05-02-2005, 08-02-2005, 15-02-2005, 05-03-2005, 10-03-2005 e 31-03-2005) desde Leiria até ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, na sua viatura da marca VW, modelo Golf, de cor vermelha, com a matrícula …-…-…;
27. No Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, o arguido FF adquiriu em cada uma daquelas ocasiões cerca de 10 gramas de heroína;
28. Os negócios foram sempre feitos com o arguido EE, embora na ocasião de 08-02-2005, por indicação daquele, o arguido FF recebeu o produto estupefaciente do arguido DD;
29. No dia 31-03-2005, o arguido FF foi interceptado na posse de 10,620 gramas de heroína, que havia adquirido momentos antes ao arguido EE, no Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora;
30. Na sua residência, no Sítio da Quinta do ……, Lote …, …º F, em Leiria, o arguido FF, tinha ainda:
- Duas caixas de cigarrilhas, dois canivetes e uma faca com vestígios de heroína e de canabis;
- Um dossier;
31. O arguido FF tinha ainda na sua posse um telemóvel com o cartão com o n.º ………., que utilizou para contactar o arguido EE com vista à compra de produto estupefaciente;
32. O arguido FF destinava o produto estupefaciente que adquiria, em parte, à venda a terceiros, com intuito lucrativo e, em parte, ao seu consumo pessoal;
33. Em número de vezes não apurado, o arguido FF forneceu heroína, na zona de Leiria, à LL e esta pagou por cada dose o valor de € 10,00 (dez euros);
34. Em número de vezes não apurado, quando o arguido FF se deslocou à zona de Lisboa para adquirir produto estupefaciente, a MM entregou àquele € 50,00 (cinquenta euros) para o mesmo adquirir cerca de 1 grama de heroína destinado ao consumo da segunda;
35. O arguido AA residiu com a arguida CC e ambos dedicaram-se, em comunhão de esforços, à compra e venda de produtos estupefacientes entre 24-11-2004 e 15-04-2005;
36. O arguido AA utilizou os cartões telefónicos com os n.os …., ……., ……. e …….. nos contactos com os seus fornecedores de produtos estupefacientes;
37. O arguido AA era um dos compradores de heroína, de cocaína e de haxixe ao arguido EE;
38. No período de tempo referido no ponto 35. que antecede, o arguido AA deslocou-se por dezanove vezes (em 24-11-2004, 01-12-2004, 05-12-2004, 11-12-2004, 14-12-2004, 18-12-2004, 21-12-2004, 25-12-2004, 30-12-2004, 13-01-2005, 28-01-2005, 03-02-2005, 11-02-2005, 21-02-2005, 26-02-2005, 20-03-2005, 24-03-2005, 05-04-2005 e 15-04-2005) de Leiria até ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para se abastecer de produto estupefaciente, fazendo-o na viatura do seu pai da marca BMW, modelo 320D, de cor azul, com a matrícula …-…-…, normalmente acompanhado da arguida CC;
39. Em doze destas ocasiões, o produto estupefaciente foi vendido pelo arguido EE;
40. As transacções do produto estupefaciente foram efectuadas na residência do arguido EE situada no Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora;
41. No dia 15-04-2005, o arguido AA efectuou a sua deslocação desde Leiria utilizando a viatura da marca BMW, modelo 320D, com a matrícula …-…-…, para se abastecer de heroína;
42. Nesse mesmo dia, de regresso a Leiria, o arguido AA foi interceptado junto à sua residência na posse de 19,487 gramas de heroína;
43. Juntamente como arguido AA, encontrava-se o arguido BB, que havia acompanhado aquele para adquirir haxixe e que trazia consigo 990,910 gramas desse produto estupefaciente;
44. Na sua residência, sita na Rua ……, Lote …., em Marrazes, Leiria, que partilhava com a arguida CC, o arguido AA tinha, entre outros, os seguintes objectos:
- Uma balança de precisão com vestígios de heroína;
- 55,958 gramas de haxixe;
45. O arguido AA tinha ainda na sua posse:
- Um telemóvel Nokia 6100, com o IMEI …….., tendo introduzido o cartão telefónico …….;
- Um telemóvel Nokia 6610, com o IMEI …….., com o cartão telefónico 917 868 045;
- Um telemóvel SAMSUNG SGH-A800, com o IMEI ……, com o cartão telefónico …….;
46. A heroína, a cocaína e o haxixe adquiridos pelo arguido AA foram por este destinados, em parte no que respeita à heroína, à venda a terceiros, o que fazia com intuito lucrativo, juntamente com a sua companheira, a arguida CC e, em parte também no que tange à heroína, ao seu consumo pessoal e ao da arguida CC;
47. Por vezes, quando a LL não tinha heroína para o seu consumo, os arguidos AA e CC deixaram aquela fumar tal produto estupefaciente juntamente com os mesmos;
48. A arguida CC utilizou os cartões telefónicos com os n.os …… e ….., tendo feito uso do primeiro para contactar com o arguido EE, com vista à aquisição de produto estupefaciente, designadamente heroína, cocaína e haxixe;
49. O arguido BB adquiriu em 21-02-2005 e em 15-04-2005 haxixe para, em parte revender na zona de Leiria e, em parte, consumir;
50. Em 15-03-2005, o arguido BB acompanhou o arguido AA para aquisição de estupefaciente;
51. O arguido BB utilizou o cartão telefónico com o n.º …. para tratar da aquisição de produto estupefaciente;
52. O arguido HH utilizou os cartões telefónicos com os nºs ……, …… e ……. para contactar com os arguidos EE e DD, seus fornecedores de produto estupefaciente;
53. No período de tempo compreendido entre 26-11-2004 e 15-07-2005, o arguido HH deslocou-se por nove vezes (em 30-11-2004, 07-12-2004, 15-12-2004, 22-03-2005, 28-03-2005, 03-04-2005, 27-06-2005, 05-07-2005 e 15-07-2005) ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para se abastecer de produto estupefaciente, nomeadamente de cocaína e de haxixe, junto do arguido EE, em seis ocasiões, e do arguido DD, em três ocasiões;
54. O arguido HH destinou a cocaína e o haxixe que adquiriu, em parte à venda a terceiros e, em parte, ao seu consumo pessoal;
55. Em número de vezes não apurado, o arguido HH vendeu cocaína na sua residência, sita na Rua do ….., n.º …., em Moinhos da Barosa, Leiria;
56. O arguido HH residia com a arguida Fernanda Rico, que era sua companheira;
57. No dia 15-07-2005, pelas 21h41, o arguido NN contactou telefonicamente o arguido DD e informou este que pretendia adquirir produto estupefaciente, tendo-se deslocado ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para o efeito;
58. Após ter adquirido o produto estupefaciente, cerca das 00h30 subsequentes, de regresso a casa, na viatura da marca Mercedes, modelo C220 CDI, de cor cinzenta, com a matrícula 09-23-XT, o arguido HH foi interceptado pela Polícia Judiciária;
59. O arguido HH não imobilizou o veículo que conduzia e abalroou uma viatura policial, da marca Citröen, modelo Sxara, que lhe barrava a passagem, colocando-se em fuga;
60. Mais tarde, o arguido HH foi localizado pela GNR de Leiria, altura em que foi detido e a referida viatura Mercedes com a matrícula …-…-… apreendida;
61. Nesse momento, o arguido HH já não trazia consigo qualquer produto estupefaciente;
62. Na posse do arguido HH encontravam-se:
- Um telemóvel SHARP GX25, com o IMEI ……, tendo introduzido o cartão telefónico ………..;
- Um cartão de segurança da Vodafone, referente ao número ………;
- Um cartão de segurança da TMN, referente ao número ………;
- Um cartão de segurança da TMN, referente ao número …….;
63. Na sua residência, o arguido João Pereira tinha ainda:
- Um telemóvel Nokia 8310, com o IMEI …….., tendo introduzido o cartão telefónico ……….;
- Um documento da TMN, referente ao cartão telefónico ……..;
- Diversos documentos da Vodafone, referentes ao cartão telefónico ………….;
- Uma factura de compra, referente à aquisição de um telemóvel Nokia 8310, com o IMEI ……….., com o número ………..;
- Um cartão de segurança da TMN, referente ao número ………;
- Um pedaço de canabis (resina), com o peso líquido de 1,846 gramas e um pedaço de canabis, com o peso líquido de 0,135 gramas;
- Uma embalagem de comprimidos Noostan;
- Um maço de tabaco, contendo no seu interior €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);
- Um saco, contendo no seu interior €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
64. O arguido HH usava os comprimidos Noostan como “produto de corte” da cocaína por si adquirida;
65. O dinheiro apreendido ao arguido HH era resultante de vendas de cocaína e de haxixe por si efectuadas;
66. Os arguidos EE, DD, FF, AA, CC, BB e HH tinham conhecimento dos factos acima descritos a cada um dos mesmos respeitantes e, ainda assim, quiseram agir da forma mencionada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
67. O arguido EE foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos em 05-04-2005;
68. Em 03-06-2005, o arguido EE foi desligado destes autos e ligado ao processo comum colectivo com o n.º 1099/98.3SRLSB da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa, a fim de cumprir o remanescente de 2 (dois) meses e 12 (doze) dias da pena de prisão em que foi condenado nesse processo;
69. Após, o arguido EE foi desligado do processo comum colectivo com o n.º 1099/98.3SRLSB da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa e ligado aos presentes autos em 15-08-2005, tendo a partir desta data voltado a ser executada a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi imposta no presente processo;
70. O arguido EE é um de cinco filhos de um casal de modesta condição sócio-económica e cresceu inserido no agregado do pai que, desde muito cedo, ficou encarregue dos filhos, por entretanto a mãe ter emigrado para a Suíça;
71. Apesar da distância, manteve-se a proximidade afectiva entre a progenitora e a família constituída, uma vez que ela se deslocava regularmente a Cabo Verde;
72. O arguido EE tem ainda quatro irmãos mais novos, fruto de um outro relacionamento afectivo mantido pelo pai;
73. Actualmente, a mãe do arguido EE, juntamente com uma das irmãs deste, continua a residir na Suíça, e alguns dos irmãos daquele fixaram residência no nosso país;
74. O pai do arguido EE faleceu há cerca de 5 anos;
75. Apesar do crescimento do arguido EE ter decorrido em contexto monoparental, a dinâmica familiar caracterizar-se-ia por afectividade entre os vários elementos e por mecanismos de protecção desenvolvidos pelo pai para com a sua prole, pese embora as dificuldades económicas com que o agregado se debateu no seu quotidiano;
76. O arguido EE completou por volta dos 14/15 anos de idade o 7º ano de escolaridade, desistindo de estudar, por opção própria, para iniciar-se laboralmente, como servente de pedreiro, situação que se manteve até à data da sua deslocação para Portugal, em meados de 1991;
77. Em Cabo Verde, o arguido EE deixou dois filhos, de um relacionamento entretanto terminado, vivendo os mesmos com a respectiva mãe;
78. Já no nosso país, o arguido EE passou a partilhar a habitação com um dos irmãos, já aqui residente, durante os primeiros anos, tendo, posteriormente, abandonado o agregado desse familiar, para passar a coabitar com uma namorada;
79. Algum tempo após a sua chegada a Portugal, o arguido trabalhou como servente de pedreiro, de modo descontínuo;
80. Aos 26 anos de idade o arguido EE iniciou o consumo de estupefacientes (heroína e cocaína inalada);
81. Os hábitos aditivos do arguido EE acentuaram-se com o início do relacionamento com uma companheira, também ela consumidora de drogas;
82. Desta união, o arguido EE tem mais três descendentes, ainda menores, sendo que actualmente dois deles estão a viver na Suíça com uma das irmãs daquele e um outro foi entregue para adopção;
83. Por volta dos 28 anos de idade, o arguido EE efectuou uma tentativa de desintoxicação em Espanha, sem sucesso, após o que regressou a Portugal;
84. O arguido EE passou a beneficiar do apoio de um cunhado, que o acolheu, bem como à sua nova companheira, também laboralmente inactiva, e filho de ambos, situação que se manteve até passar a cumprir uma pena de prisão;
85. O arguido EE trabalhou durante alguns meses de 2004 em obras localizadas na zona de Lisboa;
86. No estabelecimento prisional, o arguido EE tem mantido uma conduta institucional correcta e discreta, não se encontrando, apesar de o ter solicitado, laboralmente activo, ocupando o seu tempo em actividades no recreio ou no convívio com outros companheiros de cela;
87. O arguido EE beneficia de visitas regulares de um dos irmãos, da cunhada, da actual companheira e do filho de ambos (que continuam a habitar conjuntamente) e também de alguns amigos, que lhe têm prestado um apoio afectivo consistente;
88. Actualmente, o arguido EE não consome produtos estupefacientes;
89. Por sentença proferida em 14-12-1999 nos autos de processo comum singular com o n.º 145/96.0SRLSB da 1ª Secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa, o arguido EE foi condenado pela prática em 07-02-1996 de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 18 meses de prisão;
90. Por acórdão proferido em 24-06-1999 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 1099/98.3SRLSB da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido EE foi condenado pela prática em 02-10-1998 de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos;
91. Na sequência de recurso interposto desta decisão, por acórdão da Relação de Lisboa, de 20-01-2000, decidiu-se revogar o acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo com o n.º 1099/98.3SRLSB da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa, na parte em que decretou a expulsão do arguido EE do território nacional pelo período de 10 anos;
92. Nos autos de processo comum colectivo com o n.º 1099/98.3SRLSB da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas referidas nos pontos 89. e 90. que antecedem, tendo o arguido EE sido condenado na pena única de 4 anos de prisão;
93. O arguido EE cumpriu esta pena única de prisão entre 02-10-1998 e 22-01-2001 e entre 03-06-2005 e 15-08-2005;
94. O arguido DD encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 28-09-2005;
95. O arguido DD é natural da ilha de Santiago, Cabo Verde, e o processo de socialização do mesmo decorreu no agregado da avó materna e de outros familiares, já que a mãe, com parcos recursos económicos e vários descendentes, não teve possibilidade de se responsabilizar pelo seu processo educativo;
96. O pai do arguido DD, por seu lado, emigrou para Portugal quando aquele era ainda criança, deixando desde aí de cumprir a sua função paternal;
97. Em Cabo Verde, o arguido DD registou um trajecto pessoal regular, dentro dos padrões sócio-económicas e culturais do seu país, tendo também beneficiado de uma dinâmica familiar estável;
98. O arguido DD iniciou o percurso escolar com 7 anos de idade e, com cerca de 11/12 anos de idade abandonou o sistema de ensino por desinteresse pessoal, tendo completado apenas o primeiro ciclo do ensino básico;
99. Logo que abandonou a escola, o arguido DD iniciou actividade labaral, embora não remunerada, no sector agrícola, ajudando os familiares;
100. Mais tarde, o arguido DD trabalhou na indústria da construção civil;
101. Em 1987, na prossecução de um melhor nível de vida, o arguido DD veio para Portugal, tendo sido apoiado por um tio que já aqui se encontrava imigrado e inserido familiar e profissionalmente;
102. O arguido DD residiu em casa deste familiar e de um outro, tendo ainda estado radicado na zona do Algarve, onde trabalhou;
103. Em Portugal, o arguido DD trabalhou, embora com irregularidade e sem vínculo contratual, fundamentalmente no sector da construção civil e, durante algum tempo, numa padaria localizada na zona de Benfica, onde teve a função de ajudante;
104. À data da sua primeira prisão, ocorrida em 1995, o arguido DD residia indocumentado em Quarteira, conjuntamente com uma companheira, que viria a ser também condenada no âmbito do processo então em questão;
105. Após ser colocado em liberdade, o arguido DD manteve-se integrado no agregado de um tio, residente na Damaia, trabalhou no sector da construção civil, na zona da grande Lisboa, sempre por períodos relativamente curtos;
106. Mais recentemente, o arguido DD passou a residir, também na Damaia, com uma companheira, natural de Timor Leste, com quem mantém uma ligação há 3 ou 4 anos e de quem tem uma filha, actualmente com 2 anos de idade;
107. Quando foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos, o arguido DD estava inactivo há já vários meses;
108. Nessa altura, a sobrevivência económica do agregado do arguido DD era assegurada, fundamentalmente, pelo rendimento auferido pela sua companheira como empregada de limpeza;
109. No estabelecimento prisional, o arguido DD tem denotado uma postura conforme as normas e ao meio institucional, mantendo-se inactivo e não frequentando qualquer curso ali a decorrer;
110. O arguido DD tem sido visitado, se bem que de modo irregular, pela companheira e, mais esporadicamente, por outros familiares;
111. Por acórdão proferido em 10-06-1997 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 5/97.7FBLLE do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, o arguido Augusto Moreira foi condenado pela prática em 05-11-1995 de um crime de tráfico de estupefacientes agravado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
112. Por sentença proferida em 01-06-2004 nos autos de processo sumário com o n.º 382/04.5PDAMD da 2ª Secção do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o arguido DD foi condenado pela prática em 25-05-2004 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em pena de multa;
113. Por sentença proferida em 01-04-2005 nos autos de processo sumário com o n.º 147/05.7PQLSB da 2ª Secção do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o arguido DD foi condenado pela prática em 13-03-2005 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
114. Por sentença proferida em 23-11-2005 nos autos de processo abreviado com o n.º 512/04.7PQLSB da 1ª Secção do 2º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o arguido DD foi condenado pela prática em 07-10-2004 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 anos;
115. O arguido FF encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 01-04-2005;
116. O arguido FF nasceu de relação afectiva pontual dos pais e o seu desenvolvimento psicossocial decorreu num contexto familiar estável, existindo um relacionamento de grande proximidade entre aquele e o avô materno que, na ausência da figura paterna, assumiu esse tipo de funções;
117. A mãe do arguido FF manteve-se integrada no agregado de origem até ao seu casamento, indo posteriormente viver para outra zona do país, tendo o arguido FF, então com 10 anos de idade, permanecido junto dos avós, que se responsabilizaram pelo seu acompanhamento educativo e que adoptaram uma atitude algo permissiva;
118. Com cerca de 4 anos de idade, o arguido FF frequentou o ensino pré-primário do sector privado e, até ao 1° ano do antigo ciclo preparatório, ano em que reprovou, o seu percurso decorreu de forma regular;
119. Aos 13/14 anos de idade, desmotivado, o arguido FF inscreveu-se no ensino nocturno, não tendo no entanto conseguido prosseguir a sua formação académica, completando apenas o 7° ano do antigo ensino liceal;
120. Através dos relacionamentos sociais mantidos pelo avô, que beneficiava de alguma diferenciação sócio-profissional, o arguido FF iniciou, aos 15/16 anos de idade, ocupação laboral, numa empresa do ramo automóvel, aí permanecendo cerca de 2 anos, a trabalhar no sector de electricidade;
121. O arguido FF tinha 18 anos de idade quando conheceu o pai e, devido ao problema de consumo de drogas que se acentuou desde a fase em que contactou com substâncias aditivas - com 13/14 anos de idade - passou, com a aprovação do avô materno, a integrar o agregado do pai, que vivia na zona da Amadora;
122. Nesta fase do seu trajecto pessoal, o arguido FF estabeleceu união afectiva e conseguiu prosseguir durante cerca de 2/3 anos um estilo de vida minimamente integrado, tendo profissionalmente colaborado com o pai, proprietário de uma empresa de peças de automóveis, ocupando-se no sector de vendas e distribuição;
123. Após a separação da sua companheira, o arguido FF passou a residir num quarto que arrendou e a sua subsistência foi assegurada pelo trabalho que desempenhou como segurança, durante quase três anos;
124. Neste período e, na sequência do agravamento da dependência aditiva, o arguido FF foi, com 27 anos de idade, viver com a mãe, que residia na zona de Leiria;
125. Quando foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos, o arguido FF vivia com uma companheira e com o filho de ambos, actualmente com 7 anos de idade, numa habitação arrendada, situada num local próximo da habitação da mãe e irmãs, o que permitiu a manutenção de um regular convívio familiar;
126. Não obstante os hábitos aditivos do arguido FF, a sua dinâmica familiar decorreu com algum equilíbrio e estabilidade afectiva;
127. Desde 2004, o arguido FF passou a integrar no CAT de Leiria o programa de substituição opiácea;
128. No plano laboral, o arguido FF evidenciou competências pessoais para, ainda que no quadro de alguma instabilidade pessoal, manter alguma integração sócio-profissional, embora tenha desempenhando essencialmente trabalhos indiferenciados, nomeadamente no sector da restauração e num armazém da empresa do grupo Atlantis, na Marinha Grande, razão por que recebeu subsídio de desemprego durante cerca de um ano;
129. Desde 2003, o arguido FF exerceu actividade laboral como distribuidor independente da empresa “H…., I…. P…….”;
130. No estabelecimento prisional, o arguido FF tem evidenciado competências de relacionamento interpessoal e adopta um comportamento ajustado ao normativo vigente, prosseguindo ocupação laboral na biblioteca e tendo anteriormente frequentado um curso de formação em informática;
131. No plano familiar, o arguido FF tem usufruído de suporte afectivo por parte da mãe e das irmãs que, na sequência do recente luto do arguido, por morte da companheira, parecem estar especialmente sensibilizadas para lhe proporcionar todo o tipo de apoio de que este vier a necessitar;
132. O arguido FF tem recebido visitas regulares destes familiares e ainda do filho;
133. O filho menor do arguido FF reside com a avó paterna e tias;
134. O arguido FF tem prosseguido no estabelecimento prisional um programa de substituição opiácea;
135. Por sentença proferida em 31-10-2002 nos autos de processo comum singular com o n.º 1853/01.0PBLRA do 2º Juízo Criminal de Leiria, o arguido FF foi condenado pela prática em 26-11-2001 de dois crimes de furto em pena de multa;
136. O arguido HH encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 16-07-2005;
137. O arguido HH é o mais novo de três filhos de um casal de modesta condição social e viveu sempre integrado no agregado de origem;
138. Com o falecimento do pai, quando o arguido HH contava apenas 6 anos de idade, a dinâmica familiar alterou-se de forma significativa, passando a mãe a constituir-se tanto como única fonte de sustento como responsável exclusiva pelo processo educativo dos filhos;
139. Apesar das limitações económicas com que a família do arguido HH se confrontou no seu quotidiano, aquele teve um processo evolutivo estável, marcado por laços de afectividade entre os vários elementos do agregado;
140. O percurso escolar do arguido HH, iniciado na idade normal, viria a terminar por volta dos 13/14 anos de idade, ao concluir o ensino primário;
141. O abandono do sistema de ensino, por iniciativa do arguido HH, esteve associado à acentuada desmotivação sentida pelas matérias escolares, mas também pela necessidade de colaborar no suporte das despesas do agregado, dado que o rendimento que a mãe auferia como vendedora num mercado era manifestamente insuficiente;
142. O percurso laboral do arguido HH, iniciado nesta fase, caracterizou-se pela estabilidade e continuidade, sempre como serralheiro civil;
143. Nos primeiros dez anos, o arguido HH trabalhou para a empresa A….. e S….., Lda., inicialmente como aprendiz e depois como serralheiro profissional;
144. Por forma a conseguir uma remuneração salarial mais satisfatória, o arguido HH passou a trabalhar noutra oficina – S…. e F….., Lda. -, onde manteve as mesmas funções por mais cinco ou seis anos, altura em que a empresa faliu;
145. O tempo de inactividade daqui decorrente para o arguido HH foi relativamente curto, após o que passou a trabalhar na empresa M….. e S….., Lda., em Leiria, criada em sociedade por alguns dos empregados que, tal como aquele, haviam ficado desempregados, tendo passado a beneficiar desde o início de vinculo efectivo;
146. Aos 28 anos de idade, o arguido HH iniciou-se no consumo de haxixe, em contexto de convívio com alguns amigos;
147. A conduta aditiva do arguido HH agravou-se com consumos de cocaína, embora de forma esporádica (cerca de uma vez por mês);
148. Desde cinco anos antes de estar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos, o arguido HH trabalhou para a empresa referida no ponto 145., ultimamente como encarregado, auferindo um salário mensal de cerca de € 1.000,00;
149. A nível familiar, o arguido HH estabeleceu desde há aproximadamente 10 anos uma união de facto com a arguida NN, havendo deste relacionamento um filho, actualmente com 5 anos de idade;
150. No estabelecimento prisional, o arguido HH tem revelado um comportamento adequado às regras institucionais e não se encontra laboralmente ocupado por ausência de vagas;
151. O arguido HH recebe visitas regulares da companheira e de outros familiares, que o têm apoiado de forma consistente;
152. O arguido HH não tem antecedentes criminais;
153. O arguido AA não tem antecedentes criminais;
154. A arguida CC não tem antecedentes criminais;
155. Por sentença proferida em 16-02-1996 nos autos de processo comum singular com o n.º 267/95 do 2º Juízo Criminal de Leiria, o arguido BB foi condenado pela prática em 01-08-1994 de um crime de roubo na pena de 24 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
156. Por acórdão proferido em 19-03-1998 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 26/97 do Tribunal de Círculo de Pombal, o arguido BB foi condenado pela prática em 16-03-1994 de um crime de furto qualificado na pena de 8 meses de prisão, que foi declarada perdoada;
157. Por sentença proferida em 19-03-2001 nos autos de processo abreviado com o n.º 720/00.0PBLRA do 3º Juízo Criminal de Leiria, o arguido BB foi condenado pela prática em 20-05-2000 de um crime de condução sob o efeito de álcool em pena de multa.
*
II.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Da acusação do Ministério Público não se provou que:
a) O arguido EE procedeu à importação de produtos estupefacientes;
b) Na actividade referida no ponto 1. dos factos provados, o arguido EE usou o nome falso de Virgílio Borges Furtado;
c) Para efectuar deslocações tendo em vista a realização de transacções de produtos estupefacientes e para contactar os respectivos compradores, o arguido EE fez-se transportar na viatura da marca Ford, modelo Orion, de cor castanha, com a matrícula …-…-…;
d) O arguido EE usou as seguintes residências:
- Rua das ….., …., na Damaia, Amadora;
- Rua das ……., …, na Damaia, Amadora;
- Rua do ….., …., no Bairro 6 de Maio, Damaia, Amadora;
- Rua ….., …, no Bairro da Serafina, Lisboa;
e) O arguido EE introduziu em território nacional os produtos estupefacientes referidos no ponto 6. da factualidade provada, provenientes de Cabo Verde;
f) Para o efeito de actuar pela forma descrita no ponto 7. dos factos provados, o arguido EE contou com a colaboração da arguida II e esta tinha como incumbência não só guardar o produto estupefaciente como também proceder a entregas, sempre a mando do primeiro;
g) O JJ actuou como “correio” para o arguido EE, efectuando o transporte de produto estupefaciente a mando e sob as orientações deste;
h) O arguido AA contou com a colaboração do arguido BB para proceder à venda de produto estupefaciente directamente aos consumidores;
i) O arguido HH contava com o auxílio da arguida MM, sua companheira, para proceder à venda de produto estupefaciente na ausência do primeiro;
j) Os arguidos OO e PP receberam produto estupefaciente do arguido EE e procederam à introdução e posterior venda de tal produto no interior do Estabelecimento Prisional de Alcoentre;
k) O arguido EE teve como seu comprador regular de produto estupefaciente o arguido BB;
l) O arguido EE residiu com a arguida II na residência mencionada no ponto 12. da factualidade provada e a segunda procedeu a entregas de produto estupefaciente a indivíduos que ali a procuravam, na ausência do primeiro e a mando deste;
m) Na ocasião descrita no ponto 13. dos factos provados, o arguido EE preparava-se para entregar produto estupefaciente a um grupo de indivíduos;
n) A arguida II era conhecida pelas alcunhas de “Tchuca” e de “Catarina”;
o) A arguida II guardava e efectuava transacções de produto estupefaciente, a mando do arguido EE;
p) A arguida II contactava e era contactada pelo arguido EE para o cartão telefónico ……, através do qual recebia as indicações para ir buscar ou entregar produto estupefaciente a alguém;
q) O arguido DD foi conhecido por “Alex”;
r) O arguido DD possuiu residência na Rua do ….., n.º …-A, no Bairro 6 de Maio, Damaia, Amadora, e na mesma efectuou transacções de produto estupefaciente a mando do arguido EE;
s) O arguido DD forneceu por diversas vezes produto estupefaciente aos arguidos AA e CC, depois de o arguido AA contactar o primeiro através do telemóvel com o n.º ……. para o telemóvel com o n.º …………, indicar as quantidades pretendidas e marcar o dia e a hora para a entrega;
t) Após a detenção do arguido EE, no dia 04-04-2005, o arguido Augusto Moreira assumiu a parte do negócio de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelo arguido EE, na distribuição de produto estupefaciente aos clientes do Bairro 6 de Maio e do Bairro das Fontaínhas;
u) O arguido DD passou a contactar directamente com os clientes através dos cartões de telemóvel com os n.os …., …. e ……;
v) Entre os dias 03-02-2005 e 04-02-2005, o JJ e o arguido EE efectuaram vários contactos entre si para preparação e acerto dos pormenores relativos ao transporte de 2 a 5 quilos de produto estupefaciente proveniente de Cabo Verde;
w) A encomenda foi feita pelo arguido EE, que encarregou o JJ de efectuar o transporte;
x) No dia 04-02-2005, conforme combinado, o JJ adquiriu passagem para Cabo Verde, tendo embarcando no próprio dia pelas 22h00;
y) O produto estupefaciente a que se alude no ponto 20. da factualidade provada foi encomendado pelo arguido EE ao JJ;
z) Após a detenção do JJ, o arguido EE foi visitá-lo à Zona Prisional junto da Polícia Judiciária e deu àquele indicação de nada ter a ver com a apreensão a que se alude no ponto 21. dos factos provados;
aa) O arguido OO, quando necessitava de produto estupefaciente, designadamente óleo de haxixe ou heroína, para distribuir no interior do estabelecimento prisional, contactava com o arguido EE, por forma a combinar a data e a forma de introdução do produto no local;
ab) O arguido EE dirigia-se ao Estabelecimento Prisional de Alcoentre, inscrevendo-se como visita do arguido OO e, por forma não apurada, passava-lhe o produto estupefaciente;
ac) Entre os dias 16-01-2005 e 18-01-2005, o arguido EE contou com a colaboração do arguido PP, também recluso no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, que transportou pelo menos 10 gramas de heroína para o interior daquele local, tendo entregue metade ao arguido OO;
ad) O arguido FF actuou pela forma descrita no ponto 26. dos factos provados desde pelo menos meados do ano de 2004, cerca de duas vezes por semana;
ae) O arguido FF despendeu em cada uma das ocasiões mencionadas no ponto 26. dos factos provados € 300,00 (trezentos euros) para pagamento da heroína;
af) O arguido FF adquiriu a heroína referida no ponto 29. dos factos provados pelo valor de € 300,00 (trezentos euros);
ag) Para além de adquirir produto estupefaciente ao arguido EE, o arguido FF adquiriu também heroína ao arguido AA;
ah) O arguido AA procedeu à entrega de produto estupefaciente ao arguido FF depois de se fazer transportar num veículo automóvel da marca BMW, modelo 320D, de cor azul;
ai) O arguido FF vendeu heroína à MM;
aj) O arguido FF vendeu heroína ao QQ;
ak) Os arguidos AA e CC actuaram pela forma descrita no ponto 35. dos factos provados desde pelo menos o início do ano de 2004;
al) A mando do arguido EE, o arguido AA recebeu por vezes produto estupefaciente da arguida II e do arguido DD, a quem passou a contactar directamente após a detenção do arguido EE;
am) Os arguidos AA e BB adquiriram os produtos estupefacientes referidos nos pontos 42. e 43. dos factos provados ao arguido DD;
an) O arguido AA, juntamente com a arguida CC, forneceu heroína e haxixe ao arguido FF;
ao) O arguido AA, juntamente com a arguida CC, forneceu heroína ao RR;
ap) O arguido AA, juntamente com a arguida CC, forneceu haxixe ao SS;
aq) O arguido DD entregou produtos estupefacientes à arguida Ana Paixão a mando do arguido EE;
ar) O arguido HH adquiriu produto estupefaciente pelo menos desde Maio de 2004, pelo menos duas vezes por mês;
as) O arguido HH deslocou-se ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para se abastecer de heroína;
at) De cada vez, o arguido HH adquiriu, em média, 10 gramas de heroína e 50 gramas de haxixe, pagando cerca de € 20,00 por cada grama de heroína e € 10,00 por cada 5 gramas de haxixe;
au) O arguido HH procedeu à venda de produtos estupefacientes em alguns cafés próximos da sua residência, nomeadamente num, denominado “Os R…..”, sito na G….. dos O….., em Leiria;
av) A arguida NN entregou produtos estupefacientes a consumidores;
aw) A arguida NN sabia que o arguido HH se deslocava regularmente ao Bairro 6 de Maio na Damaia, ou ao Bairro da Cova da Moura, para se abastecer de produtos estupefacientes e depois os vender com intuito lucrativo;
ax) A arguida NN colaborou com o arguido HH na divisão em doses do produto estupefaciente que este adquiriu.
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Questão prévia.
Relativamente á questão suscitada pela ExªMª Srª Procuradora Geral Adjunta dir-se-á que:
-Na redacção anterior a 15 de Setembro de 2005, dispunha o artigo 400 alínea f) do Código de Processo Penal que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirmassem decisão de primeira instância em processo crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Com a redacção introduzida pela lei 48/84 operou-se uma modificação substancial alterando-se a pena aplicável pela pena efectivamente aplicada.
Significa o exposto que o presente recurso, sendo admissível á luz da lei antiga, deixou de o ser em face da lei nova.

Questão de aplicação da lei no tempo sobre a qual regula o artigo 5 do Código de Processo Penal que proclama a imediata aplicação da lei processual penal, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
Á regra geral sucedem duas excepções consignadas no número 2 do normativo em causa e que se referem:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
b)Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
Pela forma citada consagra-se o principio “tempus regit actum” o qual se conjuga com o princípio do respeito pelo anterior processado.
Sobre tal conjugação se pronunciou Castanheira Neves referindo que o problema da aplicação das leis no tempo só surge, portanto, porque certas circunstâncias podem, porventura, justificar o pretender-se que esta distribuição natural de tempos e domínios de vigência não coincida com o campo de aplicação das normas a que esses domínios de vigência se referem.
Por outras palavras, acrescenta, pode em certos casos pretender-se que a "solução natural" sofra excepções: ou aplicando-se a lei a factos que decorreram num período anterior ao da sua vigência (i. é, retroactivamente), ou deixando de aplicar-se a factos que se verificam nesse período (não sendo assim, ou nesses casos, a lei de aplicação imediata). E porque a primeira pretensão vai geralmente referida ao direito material - pretende-se submeter a uma nova e diferente apreciação um facto anterior ou os seus efeitos -, e a segunda tem sobretudo a ver com o direito processual - pretende-se ou põe-se a questão de saber se um acto ou situação processual embora actual, mas integrada na unidade de um processo que teve o seu início num período anterior de vigência, não deverá continuar a regular-se pela lei anterior -; porque é assim, porque essa pretensão excepcional relativamente ao direito material é o da retroactividade, e a pretensão excepcional relativamente ao direito processual é a de não aplicação imediata, é que se enunciam os princípios que se lhes opõem (i. é, que visam negar, em gerai, a validade e as excepções - para o princípio da não-retroactividade, para aqui o princípio da vem algo mais do que a solução natural - aquela que sem eles se imporia pela própria natureza temporal das leis na medida em que visam repelir em geral aquelas excepções.
Nestes termos, adianta o mesmo Mestre, o problema em direito processual (criminal) põe-se assim: "a lei só dispõe para o futuro", mas no "futuro", i. é, depois do início do seu domínio de vigência, é naturalmente só ela que dispõe - por outras palavras, é de aplicação imediata.
As excepções decorrem em primeiro lugar, do próprio princípio de que resulta que os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "processo" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e de justiça, porque esteja dominada a nova lei, seja intolerável a persistência da lei anterior.
Em segundo lugar, não fica excluído que se justifiquem excepções à aplicabilidade imediata da nova lei por aquelas mesmas razões que levam a excluí-la também em direito criminal - para dar plena eficácia aos princípios nullum crimen ... , nulla poena ... (recorde-se que a nova lei criminal já será de aplicação imediata se daí resultar benefício para o autor do delito). É assim que se deverá excluir a aplicação da nova lei processual sempre que essa aplicação a um processo pendente pudesse traduzir-se indirectamente numa incriminação ou numa agravação, insusceptíveis de se verificarem pela aplicação da lei processual anterior - pense-se, p. ex., na atribuição do processo agora a um tribunal especial cujo estatuto fizesse prever aquelas consequências.
O sentido desta justificação dar-nos-á também, em terceiro lugar, o critério por que se deverá, no problema em causa, decidir a qualificação (como material ou processual) de alguns institutos mistos de efeitos materiais e processuais. Assim 1) a prescrição (fundamento de exclusão de pena e pressuposto processual) 2) a denúncia e a acusação particular (condição de punibilidade e condições de procedibilidade); 3) o caso julgado (extinção do jus puniendi e excepção processual); 4) a exterritorialidade (fundamento de exclusão de punibilidade e impedimento de procedibilidade)
Pronunciando-se sobre o tema em apreço Taipa de Carvalho acentua a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais materiais formais tornado tal distinção o eixo da resolução da questão de aplicação da lei processual penal no tempo.
Insurgindo-se contra a aceitação superficial do principio da aplicação imediata das leis processuais penais na sua globalidade o mesmo Autor chama á colação os cultores de visão imediatista, segundo a qual toda a norma que directamente condicionasse (p. e., queixa e prescrição), orientasse (p. e., espécies de prova) ou pressupusesse (p. e., prisão preventiva) o processo era uma norma exclusivamente processual, partiam para a afirmação indiscutível do princípio da aplicação imediata.
Tal aplicação imediata, no seu entender, menospreza as rationes jurídico-política e politico-criminal da aplicação da lei penal favorável e descura a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais penais formais. Esquecem-se, adianta Taipa de Carvalho, que as primeiras (de que são exemplos, como já referimos, a queixa, a prescrição, as espécies de prova, os graus de recurso, a prisão preventiva, a liberdade condicional) condicionam a efectivação da responsabilidade penal ou contendem directamente com os direitos do arguido ou do recluso, enquanto que as segundas (de que são exemplos as formas de citação ou convocação, a redacção dos mandados, as formas de audição e registo dos intervenientes processuais: estenografia, video, etc., prazos de notificação do arguido, formalidades e prazos dos exames periciais, formalidades e horários das buscas), regulamentando o desenvolvimento do processo, não produzem os efeitos juridico-materiais derivados das primeiras.
De tal pressuposto arranca o mesmo Autor para afirmar a sujeição das normas processuais penais materiais ao princípio constitucional da aplicação da lei penal favorável: proibição da retroactividade desfavorável e imposição da retroactividade favorável (CRP, Arts. 18.0, nº 2 e 3, 29.nº 4 - 2.a Parte, 282. nº3 2ª. Parte; CP, ART. 2º, nº4)
Argumenta com a circunstância de a ratio de garantia política do cidadão face a possíveis decisões legislativas ou judiciais arbitrárias ou mesmo persecutórias, ao mesmo tempo que determinou a consagração constitucional da proibição da retroactividade da lei penal posterior desfavorável, determina a sua aplicabilidade às referidas normas processuais penais materiais - ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio. Também nestas, os direitos do arguido e do recluso estão em causa, não deixando, portanto, de estar sempre presente a possibilidade de o poder punitivo tentar servir-se de alterações legislativas posteriores ao tempus delicti para agravar retroactivamente a situação jurídica dos referidos arguido ou recluso.
A ratio político criminal constitucionalmente consagrada na lei fundamental portuguesa conduz, por sua vez, á aplicação retroactiva das normas processuais penais materiais favoráveis. Favoráveis, quer quando da sua aplicação resulta a impossibilidade ou redução das possibilidades de aplicar a pena (caso do encurtamento dos prazos de prescrição ou da exigência de queixa) em consequência da nova concepção politico criminal que a lei nova incarna quer quando da sua aplicação aumentam direitos de defesa do arguido (p. e., aumento dos graus de recurso ou eliminação da suficiência probatória de determinado meio de prova) ou as possibilidades de o recluso ver, efectivamente, reduzida a pena (p. e., aumento do período de liberdade condicional).
Ainda segundo o mesmo Autor o principio da irretroactividade desfavorável e da retroactividade favorável da lei penal- em que se incluem as normas processuais penais materiais - afirmado no citado art. 29º da Constituição- não será mais do que a concretização, no campo jurídico-penal, das razões de garantia politica e da máxima restrição possível das intervenções estaduais nos direitos, liberdades e garantias, proclamadas pelo artigo 18 do mesmo diploma fundamental.
Deste modo, tem de concluir-se que a sucessão de leis processuais materiais rege-se pelos princípios constitucionais de proibição de retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável. Estes princípios que foram, pelo art. 29.0 da CRP elevados à dignidade penal, estão consagrados no art. 2º nº4 do Código Penal.
No desenvolvimento do seu argumentário conclui que o artigo 5 do Código de Processo Penal tem um campo de aplicação limitado ás normas processuais formais o que aliás é expresso na sua afirmação de que “apesar de o inovador art. 5º do novo Código de Processo Penal de 1988 (421) referir, no n. ° 2-a), a aplicabilidade da lei processual vigente no inicio do processo penal, quando da aplicação imediata. da lei nova resultar um «agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa», há que afirmar claramente que todo este artigo só é aplicável às leis (normas) processuais penais formais. Nestas, sim, o princípio geral é o da aplicação imediata - tempus regit actum (CPP, 5.°, 1 -, sendo a excepção a aplicação da L.N. só aos processos iniciados depois da sua entrada em vigor, o que significa a ultraactividade da LA (CPP, 5.°, 2, b))”.
Tese sem dúvida sugestiva, e acentuando uma destrinça fundamental, tem contra si a circunstância de efectuar uma interpretação restritiva do artigo 5 do Código de Processo Penal que não tem fundamento na letra ou no espírito da lei e que, ao invés do adequado método dedutivo de interpretar a lei e concluir, antes elabora, em primeiro lugar, a conclusão para em seguida induzir a interpretação adequada a tal conclusão.
Na verdade, a questão de aplicação de aplicação da lei processual penal é regulada no citado artigo 5 em qualquer uma das facetas policromáticas que apresenta e quer estejam em causa normas processuais materiais quer formais. Como já bem acentuava Figueiredo Dias o eixo fundamental de decisão da mesma questão é a posição processual do arguido e, nomeadamente, o seu direito de defesa.
Na verdade, para este Mestre a aplicação temporal da lei processual penal acentua-se em regra que ela "só dispõe para o futuro", mas que esta regra será respeitada logo que a lei nova se aplique a actos processuais que tenham lugar já no seu domínio de vigência, mesmo que o processo tivesse sido instaurado (ou a infracção a que se refere tivesse sido cometida) no domínio da lei antiga.
Para alguns, adianta, o princípio da legalidade só tem incidência substantiva e não processual, a que acresceria o carácter instrumental e a natureza publicistica das normas processuais. Quando muito haveria que ressalvar aqui, como em geral, o valor que a lei antiga atribuiu a actos praticados e a situações verificadas no seu domínio de vigência e que agora não deveria ser posto em causa
Esta doutrina não merece o inteiro aplauso de Figueiredo Dias que, pronunciando-se sobre a mesma, refere que é a dominante; mas não parece que seja a melhor.
Assim, adianta, logo que a circunstância de o processo ser constituído por uma longa e complexa tramitação, em que os diversos actos se encadeiam uns nos outros de forma por vezes inextricável, pode conduzir a que se deva aplicar uma alteração legislativa processual apenas aos processos iniciados na vigência da lei nova - mesmo que a solução contrária não conduza directamente a pôr em causa o valor de um certo acto ou situação constituído à sombra da lei antiga
Em segundo lugar, e sobretudo, sabemos já que - para além do nulo valor da invocação da <<instrumentalidade» do processo - o princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal. Aqui deparamos com o essencial: tal como vimos suceder no problema da analogia, importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa.

Temos, assim, por adquirido que, face ao artigo 5 do Código de Processo Penal, a não aplicação imediata da alteração cominada no processo penal pela Lei 48/87 apenas se poderá sufragar numa das duas situações previstas no número 2 ou seja:
Quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo
Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido nomeadamente um limitação do seu direito de defesa.


O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. Para Figueiredo Dias a concessão daqueles autónomos direitos processuais, legalmente definidos, corresponde ao reconhecimento do arguido como sujeito, e não como objecto de processo. Os actos processuais do arguido deverão ser, assim, expressão da sua livre personalidade e da cidadania.
Como sujeito processual penal assistem ao arguido relevantes direitos entre os quais o direito de audiência; o direito de presença; direito de assistência do defensor e direito à interposição de recursos. Aspecto importante da sua defesa material é exactamente o seu direito de, em qualquer momento e em qualquer fase do processo, apresentar requerimentos exposições ou memoriais que tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, desde que se contenham dentro dos limites do processo, e tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
O facto de a lei nova retirar ao arguido o direito a um recurso que estava inserido no seu complexo de direitos e garantias, se aplicada a lei antiga, leva-nos a considerar que, por aplicação daquele artigo 5 é a mesma lei aplicável ao caso vertente sendo admissíveis os recursos interpostos.

Sobre a matéria de recurso
I
AA
A discordância em relação á medida da pena formulada pelo recorrente centra-se no facto de ser toxicodependente á altura da prática dos factos e de ter abandonado tal prática. Igualmente entende que não foi devidamente valorada a inexistência de antecedentes criminais.
A decisão recorrida, por seu turno, pronuncia-se pela seguinte forma:
Constata-se, pois, que o acórdão impugnado teve, expressamente, em devida conta o que acaba de se enunciar.
Não restando dúvidas de que foi atendida a circunstância do grau de ilicitude, no que concerne ao presente recorrente, se situar numa projecção média, tendo o mesmo agido com culpa também mediana, a qual revestiu a modalidade de dolo directo.
Importa, por outra via, considerar, de igual modo, as prementes necessidades de prevenção geral no que concerne a uma actividade tão perniciosa para a saúde pública e até para a liberdade das pessoas, atendendo à dependência que o consumo de drogas sempre gera nos respectivos utilizadores.
Além disso, a mira de lucro fácil à custa da saúde de considerável número de pessoas, sobressaindo como fim determinante da conduta do predito recorrente, revela uma especial censurabilidade.
Em face do que acaba de se exarar, pese embora não ter antecedentes criminais, mostra-se, iniludivelmente, de escasso relevo tudo aquilo que o mesmo alega em sua defesa e que se prende, sobremaneira, com a circunstância de ser consumidor de drogas, actualmente, em tratamento.
O que decorre até da circunstancia de não poderem deixar de merecer especial consideração os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma desrespeitada, atendendo à frequência e intensidade com que estão a ser conhecidas violações dos bens jurídicos em causa.
Nestes termos, mais nada nos resta senão concluir que é de manter a pena que foi infligida ao supra mencionado recorrente em 1ª instância, ou seja, a de seis anos de prisão.
Pelo que, nada mais nos resta senão extrapolar, também, que esta nunca poderia, nem pode, ser suspensa na sua execução, conforme indubitavelmente decorre do previsto quer na anterior, quer na actual redacção, do Art.º 50º do C.P.Penal.
Face ao quadro exposto é manifesta a conclusão de que a decisão recorrida valorou devidamente o fato de o recorrente não ter antecedentes criminais.
Por outro lado a toxicodependência inscrevendo-se no mesmo universo factual não assume uma relação, senão residual, com a prática do tráfico de droga. Nem todos os traficantes são toxicodependentes nem todos os toxicodependentes são traficantes.

É assim que, compulsando a mesma decisão e a estabilização dos factores de medida de pena ali constantes, se chama á colação Figueiredo Dias (1) quando refere que o dever jurídico substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo-total nos Tribunais da Relação, limitado ás questões de direito no caso do Supremo Tribunal- da decisão sobre a determinação da pena.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inad­missíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição, defendida por aquele Mestre igualmente é aquela que tem sido sustentada em diversas decisões deste Supremo Tribunal.
Só não será assim, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (2)
Sindicando agora a decisão recorrida verifica-se que a mesma equaciona devidamente a determinação do fim das penas no caso vertente e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa; de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção.
Elencados estão, ainda, os elementos fácticos relevantes para individualização penal.
Patente na mesma decisão está, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas.
Assim sendo, e encontrando-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena, não se vislumbra qualquer razão para, no que concerne, colocar em causa a decisão recorrida.


CC
A requerente CC vem invocar o facto de existir uma patologia processual relacionada com a circunstância de não ter sido determinada a destruição das intercepções telefónicas não transcritas conforme determina o artigo 188 nº3 do Código de Processo Penal.
Configurando tal patologia como nulidade insanável igualmente é certo que aponta a circunstância de, em sede de audiência, terem sido ouvidas intercepções telefónicas que deveriam ter sido destruídas com as consequências legais.

Entendemos que, na parte que recaiu sobre esta matéria o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é insusceptível de recurso.
Com efeito, trata-se de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela alínea c) do nº 1 do art° 400°, por referência da alínea b) do art° 432°, ambos do CPP.
É evidente que o acórdão recorrido contém outras decisões que puseram termo à causa e susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, tratando-se, sem dúvida, de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes poderem ser objecto de recurso para este Tribunal. Como se considerou, por exemplo, no Ac. de 22.09,05, p. nº 1752/05-5, embora o problema das escutas acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme.
Este entendimento, respeitando a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime dos recursos traçados pela Reforma de 1998 para o Supremo Tribunal de Justiça que obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa. A excepção é a prevista na alínea e) do art° 432°, à qual não é subsumível a hipótese em apreço.
Nesta parte, encontra-se o recurso interposto incurso no condicionalismo apto a declarar a sua rejeição.
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Lateralmente, importa, ainda, referir que o recorrente ultrapassa a invocação da mera nulidade para invocar a existência de eventual prova proibida valorada em sede decisão recorrida com a inevitável referência de inconstitucionalidade.
Importa precisar:
-A imperfeição do acto processual penal poderá apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe está na génese e que se poderá situar entre a mera irregularidade e a inexistência. Entre os dois extremos encontram-se os vícios que dão lugar á nulidade que, por sua vez, se subdivide em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.
Seguindo de perto o entendimento proposto por João Conde Correia (Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais) dir-se– á que o nosso Código de Processo Penal veio consagrar um sistema de nulidades taxativas. O princípio está denunciado de forma inequívoca-artigo 118 do Código referido- e é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição. Mesmo a existência de uma cláusula geral que, sob a epígrafe irregularidades abarca todas as imperfeições que não constituem nulidade, não é óbice á sua afirmação.
O C.P.P. trata as irregularidades como uma subespécie das nulidades submetendo-as, entanto, a um regime de arguição muito limitado. Mais do que a figura dogmática das irregularidades, que não afectam a validade nem a eficácia dos actos processuais praticados este regime revela uma figura distinta do género das nulidades das quais se distingue do ponto de vista penal e, principalmente, processual. No plano substancial correspondem-lhe vício de menor gravidade.
No plano formal as irregularidades denotam mecanismos de arguição muito limitados quer em termos temporais, quer em termos pessoais. O seu poder destrutivo acaba por ser drasticamente reduzido. Em muitas situações, apesar do termo utilizado pelo legislador, estamos perante outra forma de funcionamento da invalidade que não se confunde com as nulidades insanáveis, nem com as nulidades dependentes de arguição nem, ainda, com a figura dogmática da irregularidade.

Por seu turno merece todo o aval o entendimento sufragado por Helena Mourão RPCC (3) no sentido de que a proibição de prova deve ser equacionada sobre a perspectiva de que todo o processo penal é a resultante do labor de ponderação entre direitos fundamentais e outros interesses constitucionalmente protegidos, como a realização da justiça e outros valores socialmente relevantes, tensão que se manifesta também em sede probatória, e que o regime processual penal das nulidade é já resultado e expressão dessa ponderação.
Assim, com a consagração constitucional-artigo 32 nº8-8, a Constituição parece ter pretendido ir ainda mais longe, transcendendo a normal ponderação de valores inerente ao processo penal e criando um regime reforçado para alguns direitos fundamentais. Erigiu um núcleo duro de direitos fundamentais e dotou-o de um regime específico, fundado na estreita conexão de tais direitos com a dignidade da pessoa humana e na relevância processual penal que assumem em matéria probatória: as proibições constitucionais de prova.
Nesta sequência a proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no artigo 32/8 da Lei Fundamental e que o artigo 126 do Código de Processo Penal manteve, sem alargar .
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É assim evidente a diferença de planos em que se inscreve a questão do aferir de nulidade processual em relação á utilização de meio proibido de prova.
A recorrente tenta transpor tal questão como tema central de recurso neste segmento invocando a existência de uma indevida valoração de prova proibida, chamando á colação o artigo 126 nº3 do Código de Processo Penal.
Pensamos que existe uma incorrecta compreensão de conceitos que radica na sobreposição conceptual da prova obtida através de intromissão nas telecomunicações, sem autorização de qualquer tipo, em relação á prova obtida através da intercepção telefónica que não obedeceu aos requisitos legais. Na verdade, não tem sido objecto de uma destrinça concisa as situações que caem na alçada do artigo 126 nº3 em relação ao definido no artigo 189 do Código de Processo Penal.
Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção efectuada á revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o artigo 187 do Código de Processo Penal. Nesta hipótese o meio de prova foi autorizado, e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova.
Reportando-nos ao ensinamento de Costa Andrade entende-se que a necessária delimitação temática e precisão conceitual obriga a referenciar e tentar clarificar a fronteira separa as proibições de prova das meras regras de produção da prova (Beweisregelungen ou Beweisverfahrensregeln). Invocando Gossel, acentua o mesmo Autor, que as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade.
Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão. É que, como assinala, toda a regra relativa à averiguação dos factos proíbe ao mesmo as vias não permitidas de averiguação.
Diferentemente, as regras de produção da prova - cfr. v. g. o artigo 341.° do CPP - visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram, na caracterização de FIGUEIREDO DIAS, «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova ( ... ) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.
Resumidamente, e como afirma Peters, as regras de produção prova são «ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo». Na caracterização convergente de Amelung: «muitas normas de conduta que os órgãos perseguição penal têm de observar nos actos de intromissão na informação, não tutelam, porém, o domínio sobre a informação do portador do direito atingido, mas outros interesses. Daí que a inobservância de tais normas de conduta não determine, só por si, uma distribuição ilícita da informação.
É essa compreensão que terá de estar subjacente a qualquer análise do regime legal das escutas telefónicas, não confundindo as patologias que colidem com étimos e princípios inultrapassáveis, pois que integram o cerne dos direitos individuais com inscrição constitucional, e aquelas que se traduzem por mera irregularidade produzida no contexto amplo de um meio de prova que foi autorizado.
Quando o que está em causa é forma como foram efectuadas as intercepções telefónicas produzidas no âmbito de meio de prova autorizado e perfeitamente definido carece de qualquer fundamento, sendo despropositada, a referência a uma prova proibida e/ou viciada por violação da Constituição.

Aqui chegados, e admitindo que a não destruição das intercepções consubstancia uma nulidade processual, subsiste a questão invocada pela decisão recorrida nomeadamente quando afirma que “Sendo certo que o legislador, por razões que se prendem com os interesses públicos da economia processual, da segurança e certeza jurídicas, optou pelo princípio da conservação dos actos imperfeitos, segundo o qual se "atribui precariamente ao acto inválido os mesmos efeitos do acto válido. Para que cesse tal estado de precariedade importa a declaração de invalidade ou que essa invalidade seja sanada, o que importará a eliminação ex tunc dos efeitos precários ou a sua normalização - sempre ex tunc - destes efeitos" (cfr. Germano Marques da Silva, Processo Penal, Tomo II, Edição de 1993, Pág. 59 e, também, Acórdão do 8.T.J. de l7-01-2001, C. J. – Acórdãos do 8.T.J., Ano IX - 2001, Tomo 1, Págs. 210 e segs.).”
Como refere João Conde Correia Obra citada pag 126 uma análise cuidada dos diversos sistemas legais revela que, no domínio processual penal, o termo nulidade é utilizado para designar vicios sanáveis, quer pela verificação de uma causa de sanação stricto sensu, quer pelo trânsito em julgado da decisão final. O acto defeituoso ainda pode ser aproveitado, acabando por produzir os efeitos que teria gerado se fosse, desde o início, perfeito. O vício cometido torna-se ina­tacável se não for declarado até à ocorrência de uma causa de sanação ou à formação de caso julgado. A partir desses momentos o acto fica sanado e tem tanta eficácia como aqueles que, desde o início, são perfeitos. Pelo contrário, se a imperfeição for decretada dentro daqueles limites, o acto é destruído e os efeitos que, eventualmente, tenha produzido são apagados.
Este aproveitamento jurídico dos actos processuais penais imperfeitos, fundamentado, no essencial, por razões de segurança e economia processual, coloca duas questões importantes: por um lado, a determinação dos efeitos dos actos nulos no período de tempo compreendido entre a sua prática e a declaração de nulidade ou a ocorrência das causas de sanação; por outro lado, a sua escolha e modos de funcionamento .
Entre a prática do acto processual e a declaração judicial da sua nulidade ou a sua sanação pode mediar um curto período de tempo, mas também um longo intervalo. Nalguns casos o vício que constitui causa de nulidade é arguido e declarado logo após a sua prática; noutros, por esquecimento e mesmo por estratégia de algum sujeito processual, muito tempo depois. Além disso, algumas causas de sanação intervêm muito rapidamente, enquanto outras só ocorrem com o trânsito em julgado da decisão final. Se o legislador não regulasse este período os actos imperfeitos só produziriam efeitos jurídicos estáveis a partir da verificação das causas de sanação e os efeitos práticos que tivessem sido produzidos não teriam qualquer valor jurídico. Um tal sistema, independentemente da duração daquele intervalo, comprometeria, em termos definitivos, as exigências de conservação dos actos inválidos. A economia processual seria sacrificada, em particular, quando o acto nulo e todos aqueles que dele dependessem tivessem que ser renovados. Os interesses dos sujeitos processuais não intervenientes na prática de um acto nulo poderiam ser prejudicados; vendo os actos que tivessem praticado em consequência e na convicção da validade de um acto inválido reduzidos a nada. O processo perderia eficácia, celeridade e segurança.
Consciente desta problemática, o legislador procura regulamentar aquele hiato, estabelecendo regimes provisórios, por forma a debelar as consequências nefastas que adviriam da não produção de efeitos jurídicos pelo actos processuais que, apesar de imperfeitos, ainda podem ser aproveitados. (4)
A conservação dos actos imperfeitos consiste em reconhecer-lhes capacidade para provocar os efeitos correspondentes aos actos válidos, mediante a sua coligação com outros factos sucessivos, que vêm suprir ou tornar irrelevantes as deficiências cometidas. Tais factos, geralmente denominados causas de sanação, abrangem um conjunto muito variado de situações, cuja verificação permite que a menor relevância dos actos imperfeitos seja substituída pela relevância atribuída aos actos perfeitos. Com a ocorrência desses eventos posteriores, tipificados na lei, os efeitos produzidos pelos actos defeituosos tornam-se definitivos e alcançam a tutela jurídica. Todavia, nem todas estas causas de sanação operam da mesma forma, tornando-se necessário distinguir entre causas de sanação em sentido amplo - também designadas por conservação dos actos inválidos- e causas de sanação stricto sensu. A conservação dos actos inválidos abarca todas aquelas situações em que o ordenamento jurídico tolera o contraste entre a norma e o acto concreto, de tal forma que este, apesar de persistir o vexame do pecado cometido, torna-se inatacável e estável na suas consequências prático-jurídicas . As causas de sanação stricto sensu congregam todos aqueles casos em que o vício originário é eliminado por uma actividade sucessiva do interessado, com carácter integrativo e substitutivo. Isto é, que vem juntar-se ao acto inválido de modo a substituir o elemento cuja falha deu lugar à nulidade, consubstanciando uma nova fattispecie, à qual são conferidos os efeitos que o acto nulo teria produzido se não fosse inválido.
Os dois fenómenos, embora integrem aquele sentido amplo das causas de sanação e manifestem a tendência inata para a perpetuação dos efeitos produzidos pelos actos processuais penais inválidos, são distintos. A conservação dos actos inválidos pressupõe a mera consolidação das consequências do acto defeituoso. A sanação stricto sensu consiste na sobrevivência do acto, condicionada pela remoção sucessiva do vício que o afecta. Naquele caso, o acto resiste incólume apesar da sua imperfeição. Neste caso, convalesce, superando com sucesso, essa mesma imperfeição.
Integram o conceito de conservação todos os actos inválidos em que: pelo decurso do processo; pelo comportamento dos sujeitos processuais; ou pela realização da finalidade perseguida pela norma jurídica violada o ordenamento aceita a manutenção dos efeitos prático jurídico produzidos.
Assim sendo é manifesto que pelo facto de não ter sido, oportunamente, suscitada a arguição de nulidade produziu-se a convalidação do acto processual imperfeito. Tudo se passou como se tal imperfeição não se tivesse verificado.
Refira-se que para além da teleologia do processo penal é o próprio dever de lealdade processual de todos os intervenientes no processo que impõe que a imperfeição seja suscitada por forma a causar o menor dano na tramitação processual e não como último argumento que se mantem resguardado para se utilizar como último recurso caso o resultado final não agrade.
Aliás, e em última análise, se a intercepção utilizada consubstanciava virtualidades probatórias não concedidas em sede de inquérito pelo Juiz de Instrução, mas escrutinadas em audiência, então o vicio praticado não foi a não destruição das intercepções, mas sim o facto de as mesmas não terem sido decididamente valoradas e consideradas como relevantes pelo mesmo Juiz instrutório.
Por qualquer forma improcede a invocação feita .
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Ainda em relação ás escutas telefónicas alude a recorrente ao principio da subsidiariedade deste meio de prova foi violado pois que, quanto ao artigo 187 do C.P.P. não existe outro tipo de investigação nem qualquer diligência que levem a concluir pela actividade ilícita.
Esta alegação, só por si, não tem significado concreto pois é manifesto que não é preciso que tenha havido necessariamente outras diligências, ou o recurso a outros meios de prova, para que se afirme a indispensabilidade das escutas telefónicas. Assume-se que, em termos de técnica de investigação policial, muitas vezes, o meio de prova fundamental para a investigação deste tipo de crime é a intercepção telefónicas efectuada sem que paralelamente tenham surgido resultados positivos noutras diligências investigatórias.
A questão em termos de processo penal e relativamente a este meio de prova não é uma insuportável sujeição em termos abstractos a uma regra de produção de prova tarifada, sem qualquer sustentação teórica ou prática, mas sim a ponderação dos parâmetros impostos em termos constitucionais e, obtida a conformação, a estes uma questão de convicção do tribunal em relação á prova produzida.
Na verdade, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada) os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (art. 1°) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 2°), não podendo, portanto, valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas sob tortura ou coacção (nulidade e não mera irregularidade. Cfr.AcTC n° 528/03) obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência ou das telecomunicações (n° 8; dr. arts. 25°-1 e 340), não podendo tais elementos ser valorizados no processo. A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal (crr. AcTC n° 616/98); e, relativa, nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34°-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (dr. art. 18°-2 e 3).
Debaixo da alçada deste preceito caem ainda hipóteses como as provas obtidas mediante ameaças de medidas legalmente inadmissíveis. No caso de existirem, elas deverão ser consideradas provas de valoração proibida (conf. Cód. Proc. Penal, arts. 126° e ss.).
Por seu turno o artigo 8º da Convenção Europeia permite a ingerência de uma autoridade pública, com finalidade preventiva ou repressiva, na área fundamental dos direitos fundamentais desde que devidamente respeitadas duas condições fundamentais:- a legalidade e a sua necessidade face a interesses particularmente protegidos .
Assim, se foram observadas as regras de produção de prova legalmente consignadas nada impede que as intercepções telefónicas constituam o único meio de prova a fundamentar a convicção do tribunal.
A alusão da recorrente a um principio de subsidariedade encontra-se deslocada no contexto em que foi produzido. Na verdade, e conforme referem os autores citados, para alem dos pressupostos de previsão constitucional expressa e salvaguarda de direito ou interesse constitucionalmente protegido o terceiro pressuposto material para a restrição legitima de direitos liberdades e garantias consiste naquilo que se designa por principio da proporcionalidade que se desdobra em três subprincipios que são: o principio da adequação; o principio da necessidade ou indispensabilidade e o principio da proporcionalidade. O denominador comum a estes princípios é exactamente o de equacionar a restrição que constituem em termos de direitos fundamentais com os interesses que se pretende prosseguir.
Porém, tal adequação de perfil superior em termos de admissibilidade e ponderação constitucional nada tem a ver com um inusitado pressuposto processual penal de que um determinado meio de prova, desacompanhado de outro, não tem relevância para fundamentar a convicção do Tribunal

A afirmação da recorrente de que o seu direito ao silêncio é violado pela utilização das intercepções telefónicas tem subjacente uma deturpação da teleologia do processo penal, quando não uma visão alheia a princípios fundamentais entre os quais se encontra o da procura da Verdade, seguindo pelos caminhos delimitados pelo respeito dos direitos e garantias dos intervenientes processuais, que, diga-se de passagem, não se resumem aos direitos do arguido e que, em última análise é da própria comunidade a exigência de um processo justo.
A arguida tem o direito de não se auto incriminar. Tal direito começa e acaba aí e, sendo respeitado pelo Tribunal, em nada colide com o dever de procura da verdade material que impende sobre o mesmo.
Levado ás ultimas consequências o raciocínio da recorrente a partir do momento em que o arguido invocasse o seu direito ao silencio não seria possível fazer mais prova da sua responsabilidade criminal porque tal afrontaria o estatuto do mesmo arguido.


No acervo de imperfeições processuais desencantadas pela recorrente surge ainda a impetração de que:
Para o Tribunal aferir da utilização dos dois números de telemóvel pela Arguida, com base unicamente na voz, teria sempre de tal confirmação ser sujeita a um juízo técnico e profissional, e não por meio de juízo discricionário e obtido mediante meio de prova ilegal.
10- O Tribunal violou a lei ao reabrir a audiência com fundamento que não cabe na previsão legal (Arts. 371° e 369° do CPP), inexistindo fundamento legal para a produção de prova nos termos ordenados pelo Tribunal.
11-Fez uso de prova obtida por meio contrário à lei, logo ilícita, utilizando um meio proibido de prova (arts.32° nº8, 34° da CRP, art, 126° nº3, 188° nº3 e 189° do CPP na anterior versão);

A primeira observação que se suscita é o facto de tal como já se referiu anteriormente, entendemos que, na parte que recaiu sobre esta matéria o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é insusceptível de recurso.
Com efeito, trata-se de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela alínea c) do nº 1 do art° 400°, por referência da alínea b) do art° 432°, ambos do CPP.
Porém, não deixa de se salientar que merece, em principio, inteira concordância a decisão recorrida ao concluir pela existência de uma irregularidade que não foi oportunamente suscitada e, como tal, foi sanada.
Só que quer a invocação e a solução adoptada poderá ter trilhado uma lógica redutora só perceptível com fundamento numa visão limitada da letra e espirito da lei e finalidades do processo penal
Na verdade, um dos princípios fundamentais em processo penal é o principio da verdade material que, entre outros, tem assento no artigo 340 do Código de Processo Penal. O mesmo constitui a consagração, e pedra de toque, do princípio da investigação oficiosa, também dito investigatório e da verdade material.
Segundo tal princípio, é sobre o próprio juiz e tribunal que recai o dever de
autonomamente construir a base para a sua decisão. Neste campo da formação da prova, em contraste com o domínio dos seus poderes de cognição, não estão o juiz ou o tribunal dependentes da contribuição dos outros sujeitos processuais. Devem proceder, por si, às diligências necessárias para, respectivamente, se habilitarem a proferir a decisão de pronúncia, ou decidir sobre a existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Daí que se diga: em processo penal, a existir um ónus da prova, ele recai sobre o juiz ou tribunal, que ficam incumbidos de carrear para o processo todas as provas necessárias à tomada de decisão.
Este princípio da verdade material caracteriza, portanto, a posição do juiz perante a investigação do facto sujeito a instrução ou julgamento.
O fundamento do princípio investigatório assenta no carácter indisponível do objecto da relação processual penal, sendo em consequência processo penal assunto da comunidade. Por outro lado, aspira-se ao alcance da verdade material (ou extraprocessual): a decisão há-de estar de acordo com a realidade dos factos.
Sendo esse o fundamento do normativo em causa é lógico que o seu funcionamento pressuponha que a determinação do julgador no sentido de que seja produzido um determinado meio de prova implique que se considere que o mesmo é necessário á descoberta da verdade e á boa decisão da causa. Conforme se refere no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 98-03-25 o principio da investigação oficiosa no processo penal é conferido ao tribunal pelos artigos 323 a) e 340 nº1, ambos do Código de Processo Penal, e está condicionado pelo principio da necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento ou a requerimento dos sujeitos processuais.
São esses os parâmetros a observar pelo julgador numa decisão que não se define por um poder discricionário, mas sim por uma por uma afirmação vinculada pelo princípio da necessidade (como se disse só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se mostre necessário para a descoberta da verdade) seja pelo princípio da legalidade (os meios de prova permitidos são aqueles que forem admitidos por Lei) e pelo princípio da obtenibilidade (os meios de prova hão-de ser de obtenção possível) (Cfr. M. Gonçalves, in “Código de Processo Penal, Anotado e Comentado”, págs. 650).

No caso vertente o Tribunal terá encerrado a audiência incorrectamente pois que existiam provas a produzir ao abrigo daquele principio da verdade material e que, potencialmente, possuíam a virtualidade para obstar a um estado de dúvida ou elucidar sobre um ponto obscuro.
Ao aperceber-se dessa omissão era dever do Tribunal reabrir a mesma audiência e, produzindo a prova omitida, com observância das formalidades legais, sanar uma nulidade que se consubstanciou na omissão de uma diligência relevante para descoberta da verdade.
Ao proceder por tal forma o tribunal de primeira instância não cometeu qualquer falta mas, bem pelo contrário, agiu de acordo com o seu dever de procura da Verdade. A essa finalidade se reconduz o processo penal e não a um mero jogo de engenharia jurídica.

Reaberta a audiência a prova produzida teve, como é apontado no despacho transcrito, a finalidade de resolver a dúvida de saber se foi a recorrente que utilizou um determinado telemóvel procedendo-se á audição de sessões que o tribunal especificou.
Nada impedia que o tribunal o fizesse valorando a prova de acordo com o disposto no artigo 127 do Código Penal

A última questão que se suscita em relação á recorrente prende-se com a qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados na decisão recorrida.
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, denominado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substancias ou preparações) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura e como mero distribuidor. Num segmento intermédio mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).
Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial
A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).
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Justificada, em temos dogmáticos, a existência do tipo legal em apreço importa agora, numa tentativa de aproximação concreta, densificar os critérios eleitos como consubstanciadores daquela menor gravidade.
Sem qualquer margem para a dúvida que a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga.
Como refere Huidobro a quantidade de droga possuída constitui aqui um elemento da importância vital na altura de realizar a verificação revelando-se como um instrumento técnico (às vezes único) para demonstrar o destino para terceiros do estupefaciente possuído. É preciso que nos fundamentemos na quantidade da substância, quando outros dados não existem, se não quisermos violar o objectivo que o legislador tenta prosseguir com o crime de tráfico
A apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter qualitativo, entre os quais é possível enfatizar:
a) O grau de pureza da substância estupefaciente, porque não são o mesmo cem gramas do heroína com um pureza de 3% que cem gramas da mesma substância com um pureza de 80%.
b) O perigo da substância é também fundamento, porque não é o mesmo ter cem gramas do heroína ou de cocaína do que ter cem gramas do hashish.
Poderá oferecer relevância a consideração de que a droga, quando chega nas mãos do consumidor, é frequentemente muito misturada e adulterada (com glucose e outros produtos), o que provoca que, para obter os efeitos pretendidos, aquele compra quantidades superiores ás que adquiriria se o produto chegasse até ele no estado puro.
A utilização do critério da quantidade, por forma a conceder-lhe efeitos ou consequências a nível penal, é uma questão transversal dos ordenamentos jurídicos europeus e, em 2003 notava-se que a quantidade é um dos principais critérios na distinção entre posse para consumo pessoal e tráfico e, dentro deste para a determinação da gravidade da infracção. A definição da quantidade, e a forma pela qual é tomada em atenção na classificação das infracções, vária de país para país e mais de um critério é utilizado no mesmo país para distinguir as quantidades. Podem-se salientar os seguintes critérios:
Treze países determinam a quantidade com base em considerações mais genéricas como “ampla” ou “diminuta”
Três tomam em atenção o valor monetário como base, enquanto que três utilizam o critério da dose diária
Seis definem as quantidades pelo número máximo de gramas por substância ou por limite (v.g até 5 gramas)
Cinco baseiam os seus cálculos sob o peso da substância química implicada.
Importa, porem, salientar que a determinante decisiva na gravidade de uma infracção é a intenção mais do que a quantidade possuída. Uma vasta maioria de países optaram pela menção de pequenas quantidades nas suas leis ou directivas deixando á descrição do tribunal a determinação do tipo de infracção (uso pessoal ou tráfico).
No nosso país o único texto legal que comporta uma referência a quantidades é a Portaria 94/96 que, embora com uma outra finalidade totalmente distinta, nos dá, no mapa elaborado com referência ao respectivo artigo 9, uma indicação dos limites quantitativos diários de consumo no que concerne a estupefacientes apontando-se o valor de 0,1 gramas no que concerne á heroína e 0,2 gramas no que respeita á cocaína.
Esta referência ás quantidades necessárias ao consumo constitui um poderoso elemento de coadjuvação no que respeita á questão interpretativa suscitada nos presentes autos e, nomeadamente, para ajudar a determinar com uma maior precisão o limite entre os artigos 21 e 25 do Decreto Lei 15/93.

No que respeita á arguida são as seguintes as circunstancias da infracção referidas na decisão recorrida:
O arguido AA contou com a colaboração da arguida CC, sua companheira, para proceder à venda de produto estupefaciente directamente aos consumidores;
O arguido EE teve como seus compradores regulares de produtos estupefacientes os arguidos FF, AA, CC e HH;
O arguido AA residiu com a arguida CC e ambos dedicaram-se, em comunhão de esforços, à compra e venda de produtos estupefacientes entre 24-11-2004 e 15-04-2005;
36. O arguido AA utilizou os cartões telefónicos com os n.os ……., ……, ….. e …… nos contactos com os seus fornecedores de produtos estupefacientes;
37. O arguido AA era um dos compradores de heroína, de cocaína e de haxixe ao arguido EE;
38. No período de tempo referido no ponto 35. que antecede, o arguido AA deslocou-se por dezanove vezes (em 24-11-2004, 01-12-2004, 05-12-2004, 11-12-2004, 14-12-2004, 18-12-2004, 21-12-2004, 25-12-2004, 30-12-2004, 13-01-2005, 28-01-2005, 03-02-2005, 11-02-2005, 21-02-2005, 26-02-2005, 20-03-2005, 24-03-2005, 05-04-2005 e 15-04-2005) de Leiria até ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para se abastecer de produto estupefaciente, fazendo-o na viatura do seu pai da marca BMW, modelo 320D, de cor azul, com a matrícula …-…-…, normalmente acompanhado da arguida CC;
Em doze destas ocasiões, o produto estupefaciente foi vendido pelo arguido EE;
As transacções do produto estupefaciente foram efectuadas na residência do arguido EE situada no Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora;
No dia 15-04-2005, o arguido AA efectuou a sua deslocação desde Leiria utilizando a viatura da marca BMW, modelo 320D, com a matrícula …-…-…, para se abastecer de heroína;
Nesse mesmo dia, de regresso a Leiria, o arguido AA foi interceptado junto à sua residência na posse de 19,487 gramas de heroína;
Na sua residência, sita na Rua ……, Lote 12, em Marrazes, Leiria, que partilhava com a arguida CC, o arguido AA tinha, entre outros, os seguintes objectos:
- Uma balança de precisão com vestígios de heroína;
- 55,958 gramas de haxixe;
O arguido AA tinha ainda na sua posse:
- Um telemóvel Nokia 6100, com o IMEI …….., tendo introduzido o cartão telefónico ……..;
- Um telemóvel Nokia 6610, com o IMEI ……….., com o cartão telefónico ………;
- Um telemóvel SAMSUNG SGH-A800, com o IMEI ………, com o cartão telefónico ………;
46. A heroína, a cocaína e o haxixe adquiridos pelo arguido AA foram por este destinados, em parte no que respeita à heroína, à venda a terceiros, o que fazia com intuito lucrativo, juntamente com a sua companheira, a arguida CC e, em parte também no que tange à heroína, ao seu consumo pessoal e ao da arguida CC;
47. Por vezes, quando a LL não tinha heroína para o seu consumo, os arguidos AA e CC deixaram aquela fumar tal produto estupefaciente juntamente com os mesmos;
48. A arguida CC utilizou os cartões telefónicos com os n.os ……… e ………, tendo feito uso do primeiro para contactar com o arguido EE, com vista à aquisição de produto estupefaciente, designadamente heroína, cocaína e haxixe;

Importa precisar que a actividade cognitória e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação.
Deve pois afirmar-se que objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal; os princípios, isto é, segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e - mesmo quando o não tenha sido- deve considerar-se decidido.
Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, facilmente se apreendem quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido - sem o qual o fim do processo penal é inalcançável-, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência ; e quando se pense também que só assim o Estado pode ter a esperança de realizar os seus interesses de punir só os verdadeiros culpados e de economia processual, perante processos que (pressuposto um real direito de defesa do arguido deveriam conduzir a absolvições maciças.
Por outro lado a imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valorada num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e em relação á matéria em relação á qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e experiência comum são permitidas pela prova produzida mas dentro daqueles limites.
Extraindo as necessárias ilações do exposto estamos em crer que a prova da venda em quantidade indeterminada a vários consumidores, e durante vários meses, desacompanhado de outro elemento coadjuvante não poderá ser valorada na dimensão mais gravosa para o arguido. Assim, se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos dois tipos legais em apreço, tem de ser equacionada de acordo com o principio “in dubio pro reo”. (5).

Assim, acontece em relação á actividade de venda imputada á recorrente.
Por igual forma se dirá em relação as aquisições que o Alexandre Rodrigues efectuou ao Antonino Borges. Na verdade não se determina qual o grau de comparticipação da recorrente naquela actividade ilícita de compra de droga bem como se refere que, das dezanove deslocações, apenas doze se concretizaram naquelas aquisições sendo certo que a mesma normalmente acompanhava o referido AA.
Fica assim a dúvida de saber em quantas dessa aquisições esteve presente a mesma recorrente e, para além disso, qual o seu grau de intervenção que poderá ir desde a co-autoria material reflectida na aquisição até á cumplicidade derivada do transporte de droga.
Face ás referidas circunstâncias da infracção constantes da decisão recorrida é,
em nosso entender, manifesto que, em termos de responsabilização criminal, apenas pode relevar o facto de a arguida deter em conjunto com o arguido a droga apreendida e, ainda, que vendeu a uma quantidade indeterminada a vários consumidores, e durante os meses referidos.
Assim, se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos dois tipos legais em apreço, tem de ser equacionada de acordo com o principio “in dubio pro” que, atendendo ao exposto, integra os elementos constitutivos do crime previsto e punido nos termos do artigo 25 do diploma citado.

Importa agora considerar a determinação da medida da pena aplicada á recorrente em função da alteração da qualificação jurídica operada e dos factores concretos de medida da pena elencados na decisão recorrida.
Termos em que pela prática do crime previsto e punido nos termos do artigo 25 do decreto-lei 15/93 se condena a arguida CC na pena de quatro anos de prisão.

Importa agora equacionar a questão da suspensão da execução da pena aplicada nos termos do artigo 50 do código Penal
Tal questão, uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, e com que se debate a decisão, centra-se no critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição. O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena - o da medida concreta da pena de prisão -, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção-e esse é o da prevenção especial- deve estar na base da escolha da penal pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de agora de prevenção geral, no seu grau mínimo - o único que (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos prevenção especial.
Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente. Conforme refere Figueiredo Dias “afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena de neste âmbito, comportam mutuamente, substituição, resta determinar como se as exigências de prevenção geral e de prevenção especial"
É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida, considera o mesmo Mestre, não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo todo o movimento de luta elas que justificam, em perspectiva político-criminal, contra a pena de prisão. E prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
-o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v,g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
Por seu turno a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Quer dizer desde que impostas, ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação ás exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral-isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável
A aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Na verdade, a utilização de reacções não institucionais foi muitas vezes apontada um enfraquecimento da ideia de repressão que se alia á pena: dir-se-ia que a realização das finalidades de prevenção geral e a expressão do castigo pelo crime cometido que se pretendeu realizar através da pena entrariam, com elas, em crise. Ora, é hoje unanimemente conhecido que qualquer das formas de substituição de da pena clássica de prisão não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo, nesse sentido, uma verdadeira pena. O que se quer assim significar é que as exigências de exteriorização física da reprovação pelo crime cometido impõem, em certos casos, ao menos por agora, se lance mão da pena de prisão.
O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesses sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele. Só quando a realização desta finalidade seja posta em perigo, no caso, concreto, por esta forma de exprimir a reprovação do crime- o que nenhum ordenamento jurídico se pode permitir sob pena de ver a sua própria sobrevivência ameaçada - se pode aceitar que se afaste a aplicação de uma pena de substituição.

É exactamente esse delicado equilíbrio entre os limites propostos pelos fins das penas que terá de ser resolvida a questão proposta. E, desde logo, deve-se prevenir para uma difícil conjugação entre a aplicação de uma pena de prisão com o juízo positivo sobre a suficiência da advertência contida na suspensão da execução e as exigências contidas na prevenção a nível geral.
Na verdade, não podemos esquecer o poderoso contributo que a suspensão da execução da pena, na pluralidade de modalidades que comporta, representou, contra a aplicação de penas curtas de prisão. Em consequência da humanização do ideário penal, paralelamente ao aumento do nível económico dos países desenvolvidos, a privação de liberdade começou a ser equacionada como uma pena excessiva em muito casos. Assim, entendeu-se que a admissibilidade da suspensão de execução da pena conseguia evitar penas curtas que em lugar de ressocializarem antes favorecem a dessocialização pois que permitem o contágio do pequeno delinquente ao entrar no universo concentracionário e, simultaneamente, não possibilitam o tempo necessário para um tratamento eficaz
Igualmente se argumentava com o facto de as penas curtas de prisão serem cominadas para os delitos menos graves para os quais bastariam penas menos traumáticas. (6)
Na verdade, pressuposto básico da aplicação de pena de substituição á arguida recorrente seria a existência de factos que permitissem tal juízo de prognose. Por outras palavras seria necessário que o tribunal estivesse convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada eram suficientes para afastar a arguida de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal conclusão teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
Aquela intima ligação entre a dimensão da pena privativa de liberdade está bem expressa no direito alemão onde, em sede de suspensão de execução da pena, a quase imperatividade relativa a penas inferiores a seis meses de prisão, onde não é admissível qualquer consideração sobre razões de prevenção geral, se transforma numa regra geral para penas entre os seis e doze meses na ponderação de cuja suspensão já é valorada a defesa da ordem jurídica.
Em contraponto nas penas privativas de liberdade situadas entre um e dois anos a suspensão da execução poderá aplicar-se quando, existindo um juízo de prognose favorável, concorram especiais circunstâncias resultantes de uma valoração do facto e da personalidade.
Significa o exposto, numa lógica que, a nosso ver, necessariamente se reflecte no nosso ordenamento jurídico-penal, o peso das exigências de prevenção geral vai aumento em paralelo com a gravidade da pena privativa de liberdade. As considerações sobre a função da pena na prevenção da prática do crime, inibindo futuros infractores, ou, numa linguagem mais gongórica, a manutenção da fidelidade ao direito por parte da população assumem um importância acrescida perante crimes que reflectem um patamar já elevado de culpa e ilicitude.
A admissão da suspensão da execução da pena até cinco anos de prisão que, note-se, já nada tem a ver com uma reacção humanista contra os malefícios das penas curtas de prisão, mas tão somente reflectem um mau estar do legislador perante a pena carcerária, necessariamente que se deve reflectir num redobrado e atento exame da situação concreta face ás exigências da prevenção geral perante penas que correspondem a crimes que de forma alguma se enfileiram ou aceitam a designação de criminalidade menor.
Como diz Jeschek é uma questão de confiança da população na Administração da Justiça ou reprovação da comunidade perante a tolerância injustificada pelas circunstâncias do caso concreto na não execução da pena de prisão. A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade.
A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena seis de seis meses ou uma pena de quatro anos de prisão.
Por aí e considerando desde logo que o tráfico de estupefaciente constitui um autêntico flagelo social dificilmente é aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito seja suspensa na sua execução quando as circunstâncias apontam para uma actividade ilícita que situa a um nível de actividade criminosa como uma apreciável dimensão em termos de ilicitude.
Aliás se atendermos que cada sentença exprime de alguma forma considerações de politica criminal é necessário que se diga que, procedendo a tese defendida pela recorrente estaria o caminho aberto para uma permissividade na apreciação dos crimes deste tipo .Na verdade o que está subjacente a este crime é predominantemente a procura do lucro ilícito ou do benefício surgindo como barreira a possibilidade de ser preso e cumprir uma pena de prisão.
Caso vingasse a orientação minimalista na exigência dos pressupostos de suspensão de execução da pena neste tipo de crimes, e os potencias criminosos admitam uma forte possibilidade de esta ser decretada, diminui o factor inibidor. Em termos económicos dir-se-á que é uma questão de lucro/benefício (acentue-se que, no caso da cocaína, o valor de cada Kg ascende avarias dezenas de milhares de Euros(35.000 em 2006)
Por outro lado, inscrito dentro do rastreamento dos factores relevante para apreciação da possibilidade e suspensão de execução da pena, dois factores sobressaem:
Por um lado o facto de a recorrente, não obstante a sua habilitação superior, ter feito uma opção for formas de vida menos valiosas a qual se reconduz á sua inserção parcelar numa estrutura organizativa dedica ao tráfico.
Com respeito e reverência pelo incontornável direito ao silencia não pode deixar de se afirmar que a assunção de responsabilidade pelos actos praticados constitui um poderoso indicio de uma personalidade disposta a emendar os eros do passado e a olhar o futuro numa perspectiva positiva de reintegração social.
Conjugada globalidade dos factores expostos entende-se não suspender a pena aplicada á recorrente CC.


BB:

O recorrente invoca a errada qualificação jurídica dos factos considerados provados e, em consequência, a alteração da pena a suspensão da sua execução.
Relativamente ao mesmo encontra-se provada a seguinte factualidade:
No dia 15-04-2005, o arguido AA efectuou a sua deslocação desde Leiria utilizando a viatura da marca BMW, modelo 320D, com a matrícula …-…-…, para se abastecer de heroína;
Nesse mesmo dia, de regresso a Leiria, o arguido AA foi interceptado junto à sua residência na posse de 19,487 gramas de heroína;
Juntamente como arguido AA, encontrava-se o arguido BB, que havia acompanhado aquele para adquirir haxixe e que trazia consigo 990,910 gramas desse produto estupefaciente;
Os arguidos EE, DD, FF, AA, CC, BB e HH tinham conhecimento dos factos acima descritos a cada um dos mesmos respeitantes e, ainda assim, quiseram agir da forma mencionada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Por sentença proferida em 16-02-1996 nos autos de processo comum singular com o n.º 267/95 do 2º Juízo Criminal de Leiria, o arguido BB foi condenado pela prática em 01-08-1994 de um crime de roubo na pena de 24 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
156. Por acórdão proferido em 19-03-1998 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 26/97 do Tribunal de Círculo de Pombal, o arguido BB foi condenado pela prática em 16-03-1994 de um crime de furto qualificado na pena de 8 meses de prisão, que foi declarada perdoada;
157. Por sentença proferida em 19-03-2001 nos autos de processo abreviado com o n.º 720/00.0PBLRA do 3º Juízo Criminal de Leiria, o arguido BB foi condenado pela prática em 20-05-2000 de um crime de condução sob o efeito de álcool em pena de multa.

Mantem a sua plena validade as consideração supra expendidas em relação á recorrente CC no que concerne á questão da qualificação jurídica do factos.
Saliente-se, a respeito, a estrutura progressiva que caracteriza o artigo 21 do Decreto-Lei 15/93 pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Ainda em relação á progressividade de condutas abarcadas no tipo legal fundamental importa considerar que, para a teoria da unidade do delito, as diversas condutas são somente parte ou estados de um processo tendente a causar dano na saúde de pessoas indeterminadas e aqui radica a razão para que exista um só delito, ainda que se realizem duas ou mais acções distintas. Ao punir pretende-se impedir a produção de um só dano sendo este único dano unido ao único bem jurídico que se protege integrado pela saúde pública os factores que dão unidade ao delito. Tal posicionamento omite o acto de nos encontrarmos perante um delito de perigo e não de lesão pelo que a lesão do bem jurídico dificilmente pode assumir uma função clarificadora.
Para a teoria do concurso de normas a técnica empregue pelo legislador é a de utilizar uma disposição com várias normas entendendo por disposição em sentido técnico a forma exterior da fonte que introduz no ordenamento a norma jurídica. Entre norma e disposição pode existir uma correspondência quantitativa porque a disposição contem uma única norma mas também tal coordenação pode faltar porque a disposição contem várias normas. O facto de uma disposição conter uma pluralidade de normas provoca um concurso aparente ente as mesmas que deve ser resolvido de acordo com os principio gerais que regulam esta matéria ou seja as condutas em lugar de se acumular excluem-se em virtude dos principio da consumpção da especialidade ou subsidiariedade.
Para esta teoria a razão para que se sancione o agente por um único delito ainda que se verifiquem todas as condutas deve-se á aplicação dos principio gerais que regulam o concurso de normas para o qual é indiferente que a pluralidade de normas esteja contida numa única disposição ou em várias disposições diferentes.
Todavia a opção que a jurisprudência consagrou tem como paradigma a teoria das condutas alternativas que radica na consideração de que as diversas condutas não autónomas em si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas.
Assim o facto de o recorrente deter em seu poder quase 1 Kg de haxixe assume a perfeita integração do tipo do artigo 21 do D.L. 15/93.Por outro lado a mesma quantidade, em circunstância alguma, poderá ser perspectivada como de menor dimensão ou revelando uma menor ilicitude.
Se é certo que o haxixe é a substância que, em principio, apresenta menor grau de toxicidade, não é menos exacto que a detenção 1 KG de tal produto já detem
uma potencialidade evidente em termos de actividade situada a seu jusante.
*
Face á argumentação do recorrente, impõe-se a consideração de que a qualificação juridica é correcta e de que foram devidamente valorados os factores de medida da pena.
A intensidade da culpa densificada por uma persistente desatenção ás condenação anterior e á advertência comunitária que constituíram as anteriores condenações. Uma ilicitude consistente manifestada numa actividade de manifesta danosidade social, familiar e sanitária que a droga constitui com as consequências mais dramáticas.
Não se vislumbra um quadro atenuativo de relevo para além de um processo de socialização complexo e da consideração de que o patamar de ilícito especifico se situa num nível médio. Aliás, nem sequer se demonstra uma assunção de responsabilidade criminal que seria sempre uma manifestação de verticalidade a ser devidamente valorada.
Considerando por tal forma entende-se por correcta a pena aplicada.
Relativamente á suspensão da execução da pena matem inteira validade o supra exposto e relação á recorrente CC sendo certo que o recorrente nem sequer pode invocar a inexistência de antecedentes criminais cmo fundamento de um juízo de prognose positivo.

Arguido DD
Em primeira linha argumentativa o recorrente invoca a existência de uma incorrecta qualificação jurídica dos factos provados.
Como se referiu, e no que concerne, importa precisar que a acusação tem de conter, sob pena de nulidade, "A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada"
São factos concretos aqueles que detêm a potencialidade de sustentar uma condenação penal e não imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto de factos sem concretização
Como tem sido referido por este Supremo Tribunal de Justiça a aceitação de imputações genéricas como suporte de responsabilização criminal inviabiliza o direito de defesa que assiste ao arguido e, assim, constitui uma ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição.
Concretamente é a seguinte a factualidade provada em relação ao mesmo arguido:
No período de tempo compreendido entre 24-11-2004 e 04-04-2005, o arguido EE procedeu à venda directa de produtos estupefacientes e utilizou o arguido DD para efectuar uma entrega de produto estupefaciente ao arguido FF;
Para os contactos com os seus clientes de produtos estupefacientes e com o arguido DD, o arguido EE usava os telemóveis com os cartões n.os ……… e ………;
O arguido EE adquiriu produtos estupefacientes, designadamente haxixe, cocaína e heroína;
Após, o arguido EE forneceu tais produtos estupefacientes, quer directamente aos consumidores que o procuravam para adquirir as doses para o respectivo consumo, quer a outros indivíduos que adquiriam para revenda;
Para o efeito, o arguido EE, contou com a colaboração do arguido DD, que teve como incumbência guardar produtos estupefacientes e proceder a uma entrega de droga ao arguido FF, a mando do primeiro;
O arguido DD, conhecido por “Samir”, foi colaborador do arguido EE na actividade de tráfico de estupefacientes;
O arguido DD contactou com o arguido EE através do cartão telefónico com o n.º ………, utilizado pelo primeiro, para receber indicações para ir buscar produto estupefaciente ou para entregar produto estupefaciente ao arguido FF;
No dia 27-09-2005, o arguido DD tinha na sua posse:
- Um telemóvel Nokia, com o IMEI ……………, com o cartão telefónico ………; e
- Diversos comprovativos de pagamentos efectuados através de multibanco referentes aos cartões telefónicos ………, ……… e ………;
O arguido FF foi um dos “clientes” do arguido EE, que contactou através dos números telefónicos n.os ……… e ………, utilizados pelo segundo, informando quando se iria deslocar ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, a fim de adquirir produto estupefaciente, nomeadamente heroína;
26. Para o efeito, entre 21-12-2004 e 31-03-2005, o arguido FF deslocou-se por onze vezes (em 21-12-2004, 24-12-2004, 27-12-2004, 07-01-2005, 11-01-2005, 05-02-2005, 08-02-2005, 15-02-2005, 05-03-2005, 10-03-2005 e 31-03-2005) desde Leiria até ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, na sua viatura da marca VW, modelo Golf, de cor vermelha, com a matrícula …-…-…;
27. No Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, o arguido FF adquiriu em cada uma daquelas ocasiões cerca de 10 gramas de heroína;
28. Os negócios foram sempre feitos com o arguido EE, embora na ocasião de 08-02-2005, por indicação daquele, o arguido EE recebeu o produto estupefaciente do arguido DD;
501 para tratar da aquisição de produto estupefaciente;
52. O arguido HH utilizou os cartões telefónicos com os nºs ………, ……… e ……… para contactar com os arguidos EE e DD, seus fornecedores de produto estupefaciente;
53. No período de tempo compreendido entre 26-11-2004 e 15-07-2005, o arguido HH deslocou-se por nove vezes (em 30-11-2004, 07-12-2004, 15-12-2004, 22-03-2005, 28-03-2005, 03-04-2005, 27-06-2005, 05-07-2005 e 15-07-2005) ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para se abastecer de produto estupefaciente, nomeadamente de cocaína e de haxixe, junto do arguido EE, em seis ocasiões, e do arguido DD, em três ocasiões;
O arguido HH destinou a cocaína e o haxixe que adquiriu, em parte à venda a terceiros e, em parte, ao seu consumo pessoal;
Em número de vezes não apurado, o arguido HH vendeu cocaína na sua residência, sita na Rua do ….., n.º …, em Moinhos da Barosa, Leiria;
O arguido HH residia com a arguida NN, que era sua companheira;
No dia 15-07-2005, pelas 21h41, o arguido HH contactou telefonicamente o arguido DD e informou este que pretendia adquirir produto estupefaciente, tendo-se deslocado ao Bairro 6 de Maio, na Damaia, Amadora, para o efeito;
58. Após ter adquirido o produto estupefaciente, cerca das 00h30 subsequentes, de regresso a casa, na viatura da marca Mercedes, modelo C220 CDI, de cor cinzenta, com a matrícula …-…-…, o arguido HH foi interceptado pela Polícia Judiciária;
Os arguidos EE, DD, FF, AA, CC, BB e HH tinham conhecimento dos factos acima descritos a cada um dos mesmos respeitantes e, ainda assim, quiseram agir da forma mencionada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Significa o exposto que em concreto está determinado que o recorrente vendeu ao FF 10 gramas de heroína em 8/02/2005 o que, considerado isoladamente como um simples facto atomístico, não reveste as características relevantes para uma integração dos elementos constitutivos do artigo 21 do decreto Lei 15/95
Subsiste uma integração daquele acto numa colaboração com o arguido Fortunato que só terá relevo caso se concretizem premissas de facto que conduzam aquele juízo conclusivo sobre a colaboração do recorrente. Na verdade, a materialidade provada não é apta a suportar um juízo de comparticipação criminosa do mesmo recorrente em relação aos factos concretos praticados pelo EE.
Porém, concatenando aquela venda com o contacto para aquisição de droga feito pelo HH em 15/7/2005 e com a circunstância de este, em três das nove vezes que se deslocou á Amadora para adquirir haxixe e cocaína o ter feito ao recorrente, já começa ganhar coloração concreta aquela genérica imputação de colaboração. Estamos perante factos concretos que, considerados isoladamente não possuem virtualidade para densificar a ilicitude inscrita no tipo do artigo 21 mas que, perspectivados no seu conjunto, já traduzem uma inserção numa actividade sedimentada de tráfico e, portanto, impressas no tipo base
Assim, corrobora-se a conclusão da decisão recorrida na sentido de que o crime praticado é o do artigo 21 do decreto Lei 15/93.

A tonalidade da ilicitude dos actos praticados é por alguma forma atenuada por uma consideração dos factos em concreto imputados ao recorrente ao invés
de uma genérica imputação, sem consideração pela dimensão especifica que tal ilicitude assume.
Nesta conformidade, considerando os factores de medida da pena elencados na decisão recorrida, condena-se o arguido DD na pena de seis anos de prisão.

Nesta conformidade decidem os juízes que constituem a 3ªSecção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça:
Conceder parcial provimento aos recursos interpostos por CC e DD condenando-os nas penas de, respectivamente, quatro anos e eis anos de prisão e negar provimento aos recursos interpostos por AA e BB.
Custas pelos recorrentes fixando-se a Taxa de Justiça em 8 UC em relação á CC; AA e BB e 6 UC em relação ao DD.

Lisboa, 2 de Abril de 2008

Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes

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1- Consequências Jurídicas do Crime pag 197
2- Também Jeschek (Tratado de Derecho Penal pag 789) refere que “É possível o pleno controle da individualização da pena mediante o tribunal de apelação, assim como mediante o tribunal de cassação com um alcance limitado que, sem embargo, vai sendo ampliado progressivamente pela jurisprudência……Dado que o recurso de cassação só permite a reconsideração da sentença impugnada no que respeita a erro de direito a individualização penal apenas pode ser passível de crítica desde que se trate de uma defeituosa aplicação de Direito enquanto que fica subtraído ao controle do recurso de cassação a componente de individualização penal referida á valoração pessoal tanto na questão da justiça da pena como na sua utilidade.Daí que a individualização da pena só posa ser censurada pelo tribunal de cassação se a fundamentação é, nesses ponto, contraditória, ou tão incompleta que o referido tribunal não consiga determinar um juízo sobre a existência ou inexistência de erros de direito ou se o juiz de instância ignorou os princípios básicos da individualização penal ou os aplicou indevidamente”.
3- Ano 16 tomo IV
4- Neste domínio, e, ainda de acordo como o mesmo Autor, são admissíveis dois tipos de soluções. Uma consiste em negar a produção de quaisquer efeitos jurídicos até ao momento em que sobrevenha a causa de sanação. Nessa altura, o acto ficaria convalidado, retroagindo os efeitos causados pela causa de sanação até ao momento da sua prática, por forma a maximizar a sua utilização e a regularizar toda a sequência processual dele emergente. Já se, em vez de ocorrer a sanação do acto, este vier a ser declarado nulo, como não houve produção de efeitos jurídicos, não há necessidade de os destruir. Intervindo a sanação o acto torna-se válido desde o início. Sucedendo a declaração de nulidade constata-se a não' produção de efeitos jurídicos desde o momento da sua prática. A outra solução, mais consentânea com a realidade processual, consiste em atribuir ao acto imperfeito efeitos jurídicos semelhantes aos que produziria se não estivesse viciado. Tais efeitos têm o mesmo conteúdo daqueles que são atribuídos aos actos perfeitos, sendo susceptíveis de, como eles, criar, modificar e extinguir a relação jurídica processual, mas não são da mesma modalidade. Ao contrário dos efeitos produzidos pelos actos perfeitos, que não são sindicáveis, os efeitos atribuídos aos actos imperfeitos podem ser eliminados mediante a simples anulação daqueles. A sua eficácia é sempre provisória, podendo tornar-se definitiva, mas também ser destruída . Se não fosse assim não haveria diferenças substanciais entre uns e outros . A prática de um acto defeituoso e a prática de um acto perfeito teriam exactamente as mesmas consequências e não haveria razões para os distinguir, nem para o funcionamento das causas de sanação. Enquanto não forem destruídos ou convalidados os actos imperfeitos integram uma fattispecíe autónoma, caracterizada pela precariedade dos seus efeitos. Se ocorrer uma causa de sanação estes efeitos precários tornam-se definitivos, integrando uma fattispecíe complexa, com carácter subsidiário, à qual são atribuídos os efeitos dos actos ab initio válidos. Se, pelo contrário, o acto for declarado nulo são eliminados com eficácia ex tunc, como se nunca tivessem acontecido.
Este sistema tem sobre o antecedente, desde logo, a vantagem de não esvaziar aquele período intermédio, pelo que se adequa melhor à dinâmica processual, que pode prosseguir, indiferente aos vícios que tenham sido cometidos. Por outro lado, evita a incoerência provocada pelo carácter retroactivo das causas de sanação que, no fundo, consiste numa mera ficção, sem qualquer apoio na realidade processual penal. Não se compreende muito bem como é que um facto posterior pode atribuir a um acto anterior a produção de efeitos que, na altura da sua génese, não se verificaram. Se o acto não teve qualquer consequência não se pode agora afirmar que afinal foi juridicamente eficaz.
A aceitação da produção de efeitos precários torna as coisas bastante mais simples. Com a ocorrência da causa de sanação todos os efeitos, que até ali eram precários, estabilizam e passam a definitivos. À identidade de conteúdo junta-se então a identidade na modalidade, normalizando ou convalidando, desde o início, os efeitos produzidos pelo acto defeituoso. Da mesma forma, a declaração de nulidade opera ex tunc, a fim de eliminar todos os efeitos precários que tenham sido produzidos .
Essa simples modificação, consequência da impossibilidade de anular os efeitos produzidos durante aquele período, acaba por conduzir às mesmas consequências do sistema anterior, mas com maior apoio na realidade prática. A eventual eficácia dos actos processuais penais inválidos não é silenciada e, muito menos, esquecida. A vida real e a ordem jurídica fundem-se para melhor compreender o problema e para mais facilmente resolver as questões por ele suscitadas.
5- Conforme Acórdão deste Supremo de 6/5/04, Proc. n.º 908/04, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho: Não são "factos" susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ("procediam à venda de produtos estupefacientes", "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos", "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína","utilizavam também "correios", "utilizavam também crianças", etc.). As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa.
6- Sem embargo, e conforme refere Mir Puig-Derecho Penal pag 708-cabe advertir a a tendência verificada nos últimos anos em países tradicionalmente abertos á Politica Criminal como a Suécia;Holanda;Inglaterra e Suiça no sentido de fazer uso de novo das penas curtas de prisão procurando evitar-se os inconvenientes através da configuração da execução (regime de fins de semana ; de semi liberdade etc)