Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1541
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADOR
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
SUBCONTRATAÇÃO
Nº do Documento: SJ200809100015414
Data do Acordão: 09/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O erro na apreciação e na fixação dos factos materiais da causa somente pode ser objecto de impugnação para o Supremo nos contidos termos resultantes do nº 2 do artº 722 do Código de Processo Civil, ou seja, se, no recurso de revista, vier a colocar-se algum problema atinente a ofensa de uma disposição expressa de lei exigente de uma certa espécie de prova ou fixadora de determinado meio de prova.
II - Não se verifica tal violação se a factualidade constante de um «quesito» da «base instrutória» (saber se uma ré tinha determinado o horário de trabalho aos autores com o consentimentos destes), podia ser alcançada pelos meios testemunhais, ainda que constassem dos autos documentos, assinados pelos autores e nos quais se mencionava qual o horário de trabalho que estes se comprometiam a prestar a uma outra ré.
III - Não se verifica uma contradição, que possa levar o Supremo a lançar mão do preceituado no nº 3 do artº 729º do Código de Processo Civil, entre a resposta de «não provado» a um «quesito», em que se perguntava se uma ré era uma empresa prestadora de serviços na área da metalomecânica, e a resposta afirmativa conferida a um outro «quesito», no sentido de que essa empresa ré tinha firmado com uma outra ré uma prestação de serviços naquela área, uma vez que a circunstância de se não ter provado que aquela empresa tinha por escopo a prestação de serviços na área da metalomecânica não significa, só por si, que numa determinada situação, essa prestação não tenha sido levada a efeito.
IV - Embora o Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro (com as alterações introduzidas pelas Leis nº 39/96, de 31 de Agosto, e 146/99, de 1 de Setembro) não contenha a noção de cedência ocasional de trabalhadores, tem-se entendido tal figura jurídica como o acordo negocial mediante o qual uma empresa cede a outra, provisoriamente, um trabalhador, mantendo-se, porém, o vínculo jurídico-laboral entre o cedente e o trabalhador.
V - Assim, o trabalhador cedido passa a prestar o seu labor na empresa a que é cedido, muito embora continue a fazer parte dos quadros da empresa cedente, relativamente à qual mantém o seu vínculo, dessa sorte sobre ela repousando os poderes de direcção, conformação da relação laboral e de disciplina; já no que se prende com o desenvolvimento da prestação de trabalho na empresa cessionária, os respectivos ordenamento e imposição de condições é levado a efeito pela mesma, sendo a retribuição do trabalhador assegurada pela empresa cedente.
VI - Ao abrigo do referido regime jurídico, a cedência de trabalhadores só é permitida nos apertados termos aí previstos quanto à forma como a admissão se deve processar e os termos do respectivo desenvolvimento.
VII - É ilícita a cedência de trabalhadores a uma empresa se da factualidade apurada resulta que na sequência dessa cedência de trabalhadores de diversas empresas, os quais a estas se encontravam vinculados formalmente por contratos de trabalho, aquela empresa passou a exercer os poderes característicos da entidade empregadora no que tange ao exercício de autoridade, direcção, fiscalização e conformação do trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Loures instaurou AA contra Empresa-A, S.A., e Empresa-B, Ldª, acção de processo comum, solicitando que fosse reconhecido ser o autor trabalhador efectivo da primeira ré, com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 1990, que fosse esta mesma ré condenada a reintegrá-lo nos seus efectivos sob a cominação de uma sanção compulsória de € 2.000 por dia, e que a segunda ré fosse condenada a reconhecer tal integração, sob igual cominação.

Para tanto, em síntese, aduziu que: –

– ele, autor, trabalha ao serviço da ré Empresa-A, sob sua autoridade e direcção, no seu estabelecimento comercial sito em Santa Iria da Azóia, desde 1 de Dezembro de 1990, embora contratado e cedido sucessivamente a ela pelas empresas Empresa-C, Ldª, Empresa-D– Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Ldª, e Empresa-B, Ldª, sendo que, após ter sido admitido por contratos verbais, veio, pela Empresa-D, a ser celebrado um contrato reduzido a escrito em 19 de Outubro de 1998, denominado de «contrato de trabalho temporário», no qual se consignou que ele era celebrado ao abrigo da alínea c) do artº 9º do Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro, para cumprimento de obrigações assumidas em contrato celebrado com a Empresa-A;
– este contrato, reduzido a escrito, foi renovado a partir de 1 de Março de 1999 até 31 de Dezembro de 1999 e, na sua vigência, a segunda ré – Empresa-B, Ldª – celebrou com o autor, em 1 de Outubro de 1999, um contrato de trabalho, designado «a termo incerto», no qual se clausulou como local de trabalho a fábrica da Empresa-A, em Santa Iria da Azóia e que o mesmo se destinava a desenvolver as tarefas necessárias à concretização do objecto descrito na cláusula 1ª, e que era o contrato de prestação de serviços ente a Empresa-A e a Empresa-B, Ldª;
– o contrato datado de 1 de Outubro de 1999 veio a ser rescindido pela segunda ré a partir de 18 de Dezembro de 2000 e, no dia imediato, veio ela a celebrar com o autor outro contrato a «termo incerto», com clausulado semelhante ao anterior, pelo que o autor continuou a trabalhar na fábrica da Empresa-A, como já o vinha fazendo ininterruptamente desde 1 de Dezembro de 1990, na mesma função e no mesmo posto de trabalho;
– porém, a segunda ré, por carta de 5 de Dezembro de 2002, comunicou ao autor que, a partir de 19 daqueles mês e ano, o contrato a «termo incerto» passaria a contrato «sem termo», o que não alterou a situação, já que o autor continuou sempre a trabalhar sob as ordens, direcção e autoridade da Empresa-A, em cuja organização está plenamente integrado, dependendo dos seus supervisores, que lhe transmitem todas as orientações de trabalho, aos quais o autor comunica as suas ausências e férias, constando do mapa de férias da primeira ré, sendo portador de «cartão de ponto» electrónico igual aos demais trabalhadores da Empresa-A;
– as cedências de trabalho ocasional de que o autor foi alvo feita pelas Empresa-C, Empresa-De Empresa-B, Ldª, são ilícitas, porque proibidas pelo artº 26º do Decreto-Lei nº 358/89, já que se não se verificaram as condições previstas no nº 1 do seu artº 27º e no nº 2 do seu artº 28º, motivo pelo qual assistia ao autor o direito de optar pela integração no efectivo de pessoal da empresa cessionária – a Empresa-A –, o que veio a suceder, já que ele, por carta registada com aviso de recepção, expedida para as primeira e segunda rés em 19 de Setembro de 2003, assim efectivou tal direito;
– a ré Empresa-A rejeitou, todavia, a pretendida integração.

Contestou a ré Empresa-A, invocando a ineptidão da petição inicial e impugnando o articulado pelo autor, sustentando que celebrou contratos de prestações de serviços com empresas especializadas na manutenção dos seus equipamentos, não tendo mantido relação contratual com o autor, o qual cumpre o horário determinado pela segunda ré, de quem recebe ordens e por quem é fiscalizado.

Igualmente contestou a ré Empresa-B, Ldª, que negou ser uma empresa de trabalho temporário, sendo o autor seu trabalhador.

Na sequência de convite que lhe foi endereçado, o autor veio apresentar nova petição corrigida, em que, desta feita, invocou: –

– que foi admitido ao serviço da ré Empresa-A em 1 de Dezembro de 1990 para trabalhar no seu estabelecimento sito em Santa Iria da Azóia, tendo sido contratado, nessa data, pela Empresa-C, Ldª mediante contrato de trabalho temporário, sendo, de imediato, por esta cedido à Empresa-A;
– que sempre esteve vinculado à primeira ré, cumprindo um horário de trabalho por esta estabelecido e por ela controlado, estando sujeito às suas ordens, sendo o seu vencimento, subsídios de férias e de Natal processados pelas empresas Empresa-C, Empresa-D e Empresa-B, Ldª, as quais processavam os descontos para a segurança social e para o imposto sobre o rendimento de pessoas singulares;
– que a marcação de férias era feita em impresso próprio da Empresa-A, figurando o nome do autor no mapa de férias desta ré.

Contestaram as rés a petição «corrigida», mantendo os pontos de vista anteriormente sustentados nas primitivas contestações.

Prosseguindo os autos seus termos, após elaboração de despacho saneador – que concluiu pela não ineptidão da petição inicial – da «matéria assente» e «base instrutória», veio a ser apensada à acção uma outra, que corria termos pelo mesmo Tribunal e Juízo, e na qual figuravam, como autor, BB e, como rés, as Empresa-A e Empresa-B, Ldª, acção essa em que, por esse autor, era formulado pedido idêntico ao deduzido pelo autor AA (embora aquele peticionasse o reconhecimento como trabalhador efectivo da ré Empresa-A com efeitos reportados a 22 de Outubro de 1990).

Após julgamento, veio a ser proferida sentença que, julgando procedentes as acções, condenou a ré Empresa-A a integrar os autores AA e BB nos seus efectivos de pessoal, como trabalhadores efectivos da empresa, com efeitos reportados, respectivamente, a 1 de Dezembro de 1990 e 22 de Outubro de 1990, condenando a ré Empresa-B, Ldª e reconhecer tais integrações e condenando ambas as rés, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de € 80 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.

Inconformada, apelou a ré Empresa-A para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Sem sucesso, porém, já que este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 23 de Janeiro de 2008, negou provimento à apelação.

2. Mantendo o seu inconformismo, vem a ré Empresa-A pedir revista, concluindo do seguinte jeito a alegação adrede produzida: –

a) o Supremo Tribunal de Justiça pode exercer censura sobre o uso que a Relação fez dos poderes conferidos pelo artigo 712 do Cód. Processo Civil; pode ainda ordenar a modificação da matéria de facto se tanto se tornar necessário para uma perfeita decisão de direito;
b) a decisão recorrida assentou, por um lado, numa deficiente fixação da matéria de facto e, por outro, na errada apreciação daqueles que foram dados por assentes;
c) os elementos fornecidos pelo processo impõem a alteração dos factos dados por assentes, designadamente as respostas dadas aos artigos 15º, 18º e 19º da Base Instrutória;
d) não existe, no caso em apreço, uma cedência de trabalhadores fora dos quadros legais;
e) os AA. desempenham a sua actividade profissional de serralheiros mecânicos nas instalações da recorrente, categoria profissional que a Olá não tem sequer no quadro de efectivos, e que não é indiciador de qualquer fraude;
f) todos os indícios que são normalmente apontados de subordinação jurídica acabam por corresponder a circunstâncias que estão sempre presentes na realidade subjacente à prestação de serviços que envolvem afectação de trabalhadores a um certo utilizador;
g) o ‘outsourcing’ é uma realidade da vida empresarial moderna, tem apoio legal, é indispensável para melhorar a eficiência e a qualidade e é gerador de emprego e de empresas;
h) os AA. têm, hoje em dia, contratos de trabalho com a 2ª R. Empresa-B, Ldª. que, por sua vez, continua a cumprir uma prestação de serviços com a recorrente; se há uma prestação de serviços tem que haver quem a cumpra;
i) não há subordinação jurídica dos AA. à recorrente;
j) os AA. não foram objecto de qualquer cedência ocasional e ilícita à recorrente e trabalham sob a autoridade e direcção da 2ª R. Empresa-B, Ldª.;
k) o Acórdão recorrido ao conformar a procedência da acção violou o disposto nos artigos 10º e 26º a 30º do Dec.-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro e 712 do Cód. Proc. Civil.

Responderam à alegação da ré Empresa-A os autores, sustentando o acerto do acórdão recorrido e formulando, a final, as seguintes «conclusões»: –

1. A matéria de facto confirmada pelo Acórdão da Relação, ao contrário do que a recorrente pretende, deverá permanecer inalterada, atento o disposto no art. 729/2 do CPCivil.
2. Quanto ao fundo da questão, importa assinalar que se provou
a) O horário de trabalho dos AA. – inicialmente das 08,00 às 17,30, com uma hora de intervalo para o almoço e mais tarde das 08,00 às 17,00 horas, de 2ª a 6ª feira – foi fixado pela R. Empresa-A.
b) E esse horário era controlado pela R. Empresa-A mediante cartão de ponto, com marcação no respectivo relógio das horas de entrada e de saída, relógio esse depois substituído por picagem electrónica.
c) Os AA. recebiam ordens de supervisores da R. Empresa-A, Engs. CC e DD, os quais, lhe transmitiam todas as orientações e instruções de trabalho.
d) Era a essas mesmas pessoas que os autores comunicavam as suas ausências usando para o efeito documentos internos da R. Empresa-A.
e) As férias dos AA. eram acordadas com aqueles mesmos dois supervisores da Empresa-A.
f) O nome dos AA. constava nos mapas de férias do sector onde trabalhavam, juntamente com os trabalhadores da R. Empresa-A.
g) Bem como nos planos de trabalho da Empresa-A e nos seus mapas internos.
h) O cartão de ponto dos AA. é igual ao dos trabalhadores da Empresa-A para controlo e registo das entradas e saídas do trabalho.
i) A R. Empresa-B Lda. contratou com a R. Empresa-A a prestação de serviços na área da metalomecânica.
3. Temos assim perfeitamente desenhado o quadro de uma cedência dos AA., feita pela Empresa-C 1º, pela Empresa-D depois, e pela Ré Empresa-B, Lda., por fim, uma vez que, como resulta do nº 1 do artº 26º do Dec.-Lei 358/89, a cedência de trabalhadores se traduz na ‘disponibilização de um trabalhador de uma empresa a outra, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo do vínculo contratual inicial’.
4. A cedência ‘não implica a transferência global da posição jurídica activa do empregador cedente, mas apenas do poder de direcção que passa a ser exercido pelo cessionário’.
5. A cedência não abrange, em particular, o poder disciplinar que o nº 6 do art° 20º do Dec. Lei 358/89 aplicável ex vi artº 29º expressamente veda.
6. E quanto ao pagamento da retribuição será ‘a configuração de cada contrato de cedência em concreto que determinará quem o deve cumprir’, se o cedente se o cessionário.
7. Ora dos factos provados e que atrás sumariámos ressalta por forma evidente que é a Ré Empresa-A quem exerce sobre os AA. os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora.
8. Uma vez que, como salienta Monteiro Fernandes ‘a subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem’.
9. Poder de direcção que como salienta o mesmo Autor, se pode desdobrar em:
a) poder determinativo da função
b) poder conformativo da prestação
c) poder regulamentar
d) e poder disciplinar.
10. Poderes estes, que salvo o poder disciplinar excluído da cedência por expressa proibição legal, são todos eles comprovadamente detidos e exercidos em pleno e em exclusivo pela Ré Empresa-A.
11. É, pois, de cedência que se trata, uma vez que os AA., do quadro de pessoal próprio da Ré Empresa-B, Lda., foram disponibilizados à Ré Empresa-A, SA., que sobre eles exerce os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora.
12. Ora a cedência de trabalhadores é em princípio proibida pelo artº 26º do Dec.-Lei 358/89, apenas sendo admitida nos casos ressalvados nas alíneas a), b) e c) daquele artigo, que aqui não se verificam, nenhum deles.
13. Por outro lado, não se verifica qualquer das condições – que aliás deveriam verificar-se cumulativamente – das alíneas a), b) e c) do artº 27º, visto que os AA. foram contratados a termo pelas empresas cedentes, que cedente e cessionária são total e absolutamente independentes uma da outra, quer jurídica, quer económico-financeiramente, e que não foi celebrado qualquer acordo titulado por documento escrito e assinado pelo cedente e pelo cessionário e contendo a declaração de concordância do trabalhador.
14. A cedência é, pois, triplamente ilegítima, pelo que os AA. adquiriram, em conformidade com o disposto no artº 30º, direito de optar pela integração no efectivo do pessoal da empresa cessionária – Ré Empresa-A – no regime de contrato de trabalho sem termo.
15. Opção essa que os AA. exerceram e com respeito integral pelo preceituado no nº 2 daquele preceito, pelo que a mesma foi válida e produziu plenamente os seus efeitos.
16. A acção não podia, pois, deixar de proceder, como bem se decidiu e o acórdão da Relação muito justamente confirmou.

A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual defendeu a improcedência da revista.

Notificado tal «parecer» às partes, não vieram estas a, sobre ele, efectuar pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II

1. O acórdão impugnando deu por assente a seguinte matéria fáctica: –
– a) desde 1 de Dezembro de 1990 [que] o autor AA, e desde 22 de Outubro de 1990, [que] o autor BB, trabalham no estabelecimento industrial da ré Empresa-A, sito nas ..., Santa Maria da Azóia;
– b) com data de 1 de Outubro de 1999, os autores e a segunda ré – Empresa-B, Ldª – celebraram um contrato de trabalho ao qual se reporta o documento junto a fls. 12 destes autos e de fls. 13 do apenso, denominado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido;
– c) na cláusula 3ª daquele contrato consta: “O local de trabalho é na fábrica da Empresa-A, S. A., sita em Santa Iria da Azóia, obrigando-se ainda o segundo outorgante a exercer a sua actividade profissional em qualquer outro local onde esta desenvolva a sua actividade industrial”;
– d) e, na cláusula 5ª, consta: “O presente contrato é celebrado a termo incerto, uma vez que a admissão do segundo se justifica para desenvolver as tarefas necessárias à concretização do objecto descrito na primeira cláusula do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a primeira outorgante e a Empresa-A, S. A., sendo imprevisível o seu termo (alínea f) do nº 1 do art. 41º conjugado com o disposto no art. 48º, ambos do D.L. 64-A/89 de 27/02)”.
– e) a segunda ré enviou aos autores a carta datada de 17 de Novembro de 2000 (documento junto a fls. 13 destes autos e 14 do apenso) onde diz: “Fomos informados pelo nosso cliente, do termo da prestação de serviços para as quais foi contratado. Assim, informamos que rescindimos o Contrato de Trabalho entre nós celebrado, prescindindo dos seus serviços a partir de 18 de Dezembro de 2000”.
– f) com data de 19 de Dezembro de 2000, os autores e a segunda ré – Empresa-B, Ldª – celebraram um outro contrato de trabalho ao qual se reporta o documento junto a fls. 14 destes autos e fls. 15 do apenso, denominado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido e cujas cláusulas 3ª e 5ª têm a mesma redacção que o contrato referido em c) e d) [por manifesto lapso de escrita, no acórdão recorrido referiu-se “referido em 2 supra”, sendo certo que o item 2 da matéria de facto enunciada nesse aresto não especifica as cláusulas 3ª e 5ª ínsitas nos contratos, as quais são especificadas nos items 3 e 4];
– g) a segunda ré enviou aos autores a carta datada de 5 de Dezembro de 2002 (documento junto a fls. 15 destes autos e 16 do apenso) onde diz: “Serve a presente para informar que, a partir de 19 de Dezembro de 2002 o contrato a termo incerto celebrado com V. Exa., passará a contrato sem termo”;
– h) os autores escreveram e enviaram à ré Empresa-A a carta datada de 19 de Setembro de 2003, à qual se reporta o documento junto a fls. 20 destes autos e 21 do apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
– i) e enviaram à ré Empresa-B, Ldª, a carta, com a mesma data, a que se reporta o documento junto a fls. 23 destes autos e 24 do apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
– j) a ré Empresa-A respondeu aos autores com a carta junta a fls. 25 destes autos e do apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
– k) o vencimento e subsídios de férias e Natal dos autores foram sempre pagos pelas empresas referidas no «artigo» 3º da petição inicial (fls. 2 dos autos), as quais igualmente processavam os respectivos descontos;
– l) ambos os autores celebraram, verbalmente, com a sociedade Empresa-C, Ldª, um contrato de trabalho, respectivamente em 1 de Dezembro de 1990 – o AA – e em 22 de Outubro de 1990 – o BB;
– m) e ambos os autores começaram, de imediato, a exercer funções nas instalações da ré Empresa-A referidas em a);
– n) posteriormente a 19 de Outubro de 1998, ambos os autores continuaram a exercer funções nas mesmas instalações da ré Empresa-A, tendo celebrado com a firma Empresa-D– Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Ldª, os contratos denominados “Contratos de Trabalho Temporário” a que se reportam os documentos juntos, respectivamente, a fls. 10 destes autos e a fls. 11 do apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
– o) os autores celebraram com a Empresa-Dos contratos já referidos em n), datados de 19 de Outubro de 1998;
– p) e, depois, celebraram com a mesma empresa os contratos denominados “Contrato de Trabalho Temporário” a que se reportam os documentos juntos a fls. 11 destes autos e 12 do apenso, ambos datados de 1 de Março de 1999, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
– q) após a celebração com a ré Empresa-B, Ldª, dos contratos de trabalho referidos em b) e f), os dois autores continuaram a exercer as suas funções nas mesmas instalações da ré Empresa-A;
– r) o horário de trabalho dos autores – inicialmente das 8 horas às 17 horas e 30 minutos, com uma hora de intervalo para almoço e, mais tarde, das 8 horas às 17 horas, de segunda a sexta-feira –, foi fixado pela ré Empresa-A;
– s) esse horário era controlado pela ré Empresa-A mediante cartão de ponto, com marcação no respectivo relógio das horas de entrada e de saída, relógio esse depois substituído por «picagem» electrónica;
– t) os autores recebiam ordens de supervisores da ré Empresa-A, Engenheiros CC e DD, os quais lhe transmitiam todas as orientações e instruções de trabalho;
– u) era a essas mesmas pessoas que os autores comunicavam as suas ausências, usando, para o efeito, documentos internos da ré Empresa-A;
– v) as férias dos autores eram acordadas com aqueles mesmos dois supervisores da Empresa-A;
– w) o nome dos autores constava nos mapas de férias do sector onde trabalhavam, juntamente com os trabalhadores da ré Empresa-A;
– x) bem como nos planos de trabalho da Empresa-A e nos seus mapas internos;
– y) o cartão de ponto dos autores é igual ao dos trabalhadores da Empresa-A para controlo e registo das entradas e saídas do trabalho;
– z) a ré Empresa-B, Ldª, contratou com a ré Empresa-A a prestação de serviços na área da metalomecânica.

Anote-se que o aresto em sindicância, debruçando-se sobre a impugnação da matéria de facto que foi peticionada pela também agora impugnante aquando do recurso de apelação e atinente à resposta obtida pelo Tribunal de 1ª instância aos «quesitos» 15º, 18º e 19º da «base instrutória», decidiu não alterar essa resposta.

Tais «quesitos», nos quais, respectivamente, se perguntava se o horário de trabalho dos autores fora determinado pela segunda ré – Empresa-B, Ldª –, se esta era uma empresa prestadora de serviços na área da metalomecânica e se, nesse âmbito, celebrara com a primeira ré – Empresa-A – diversos contratos de prestação de serviços, no domínio dos quais se englobava a actividade dos autores na Empresa-A, sofreram, os dois primeiros, resposta de não provado e, o terceiro, a resposta de “provado apenas que a R. Empresa-B, Ldª contratou com a R. Empresa-A a prestação de serviços na área da metalomecânica”.

2. Como resulta das transcritas «conclusões» formuladas na alegação de revista, começa a recorrente por sustentar que a decisão ora em apreço assentou numa deficiente fixação da matéria de facto e na errada interpretação dos factos que foram dados por assentes, aditando que é lícito a este Supremo exercer censura sobre o uso que a Relação fez dos poderes que a ela são conferidos pelo artº 712º do diploma adjectivo civil.

Não se põe, sem mais, em causa que o Supremo Tribunal de Justiça pode levar a efeito aquela censura.

Contudo, tal censura não se consubstancia em saber se a matéria fáctica dada por assente pela 2ª instância foi, ou não, aquela que resultou da prova testemunhal produzida nos autos.

Na verdade, os poderes deste Supremo em matéria de erro na apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa somente podem ser objecto de impugnação nos contidos termos resultantes do nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, ou seja, se, no recurso de revista, vier a colocar-se algum problema atinente a ofensa de uma disposição expressa de lei exigente de uma certa espécie de prova ou fixadora de determinado meio de prova.

Consonantemente com essa regra básica se prescreve no nº 2 do artº 729º do mesmo corpo normativo que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artº 722º.

Ora, a impugnante, no vertente recurso, não vem, em verdade, aduzir, ao contrário daquilo que parece resultar da sua alegação, que, naquilo que concerne às respostas aos «quesitos» 15º, 18º e 19º da «base instrutória», houve, de banda do acórdão em crise, uma violação das regras de direito material probatório, ou seja, que a factualidade extraída dessas respostas não poderia ter sido, quer pela circunstância de se tratarem de factos que exigia determinados meios de prova, meios esses que, in casu, não ocorreram, quer pela circunstância de existirem nos autos meios probatórios que, dada a força que a lei lhes confere, não podiam ser postos em causa por outros meios, designadamente os testemunhais.

Por outro lado, como adiante se verá, identicamente se não lobriga a existência de qualquer contradição na decisão sobre a matéria de facto inviabilizadora da decisão jurídica do presente pleito.

A este propósito, diz a recorrente na sua alegação, na parte ora atinente: –
“(…)
Como se disse nas alegações do recurso de apelação, relativamente à alteração da matéria de facto, há alguns factos que foram decisivos para formar a convicção do Tribunal levando à improcedência da acção, mas que foram manifestamente mal fixados em 1ª instância e indevidamente confirmados pelo Acórdão recorrido. Ou seja, há factos com relevante interesse para a decisão da causa a merecerem a atenção de Vossas Excelências, tendo em vista a respectiva valoração para a decisão a proferir.
O primeiro deles reporta-se ao vertido para o artigo 15º da B[I], ao qual foi dada a resposta de ‘Não Provado’.
Diz-se na sentença do Tribunal do Trabalho de Loures que os AA já se encontravam a trabalhar no horário indicado desde 1990, tendo continuado no mesmo horário após a sua contratação pela Empresa-B, Lda.
Podem, no entanto, V. Exas. verificar, ao contrário do que fez o Tribunal da Relação, que estão no processo diversos contratos de trabalho, documentos que não foram impugnados, onde está fixado o respectivo horário de trabalho.
Ora não tendo sido apontados quaisquer vícios a esses contratos, e sendo estes por definição um acordo de vontades, o horário de trabalho dos AA. foi necessariamente determinado pela Empresa-B, Lda. com o consentimento daqueles.
Assim, e relativamente ao artigo 15º da Base Instrutória, os elementos (documentos) fornecidos pelo processo impunham resposta diversa, pois não só os contratos estão devidamente assinados por entidade empregadora e trabalhador como se trata de matéria insusceptível de ser destruída por outro meio de prova, em particular o depoimento de duas testemunhas, uma das quais tem pendente um processo em tudo semelhante ao presente e a outra que era aquele que, pretensamente, teria sido integrado nos quadros da empresa estando em situação igual à dos AA. Ou seja, duas testemunhas cuja credibilidade é, de facto, muito reduzida para não se dizer inexistente.
Em resumo, o artigo 15º da Base Instrutória devia ter merecido a resposta ‘Provado’. Estão no processo todos os elementos que impõem essa conclusão.
O Tribunal do Trabalho de Loures entendeu ainda, sem crítica do Tribunal da Relação, considerar Não Provado, na resposta ao artigo 18º da Base Instrutória.
Na fundamentação da matéria de facto a Mma. Juiz afirmou que ficou por demonstrar o objecto social da R. Empresa-B, Lda. pois tal só poderia ter acontecido pela junção do pacto social.
Porém, e como se pode facilmente verificar pela leitura do respectivo artigo da Base Instrutória, o que se pergunta não é qual o objecto social da R. Empresa-B, Lda. mas a respectiva actividade.
As regras da experiência comum ensinam-nos que nem sempre a actividade de uma empresa coincide com o respectivo objecto social. Não se quer com isto afirmar que não é relevante o objecto social de uma empresa, mas apenas que o mencionado artigo da Base Instrutória não se reporta ao objecto mas à actividade exercida e uma e outra, como é indesmentível, podem não ser coincidentes, sem que daí advenha qualquer ilegalidade.
Vamos admitir, por mera hipótese já se vê, que da certidão do registo comercial da Empresa-B, Lda. consta que o respectivo objecto consiste na indústria metalomecânica. Bastaria isto para inverter todo o raciocínio expresso nas decisões recorridas e dar um sentido contrário às mesmas? A decisão passa pelo apuramento da actividade da 2ª Ré, no plano formal ou da sua prática efectiva?
Assim, se do processo constam elementos suficientes para se ter dado como provado, na resposta ao artigo 19º da BI – que entre a Olá (Empresa-A) e a Empresa-B, Lda. se estabeleceu um contrato de prestação de serviços na área da metalomecânica, não é concebível que a segunda não exerça aquela mesma actividade, sob pena de contradição insanável.
Deve ainda notar-se, por ser também aparentemente contraditório, que o Tribunal da Relação tenha concluído que nenhuma prova foi feita a este propósito – referindo que a única testemunha oferecida nada esclareceu – para na análise ao artigo 19º concluir que, pelo menos três testemunhas referiram a contratação de serviços na área da metalomecânica, mas agora sem o respectivo suporte documental. Ou seja, quando se trata de provar a actividade da Empresa-B, Lda. não há prova testemunhal, mas quando há testemunhas a depor sobre esta actividade, falta o suporte documental. Em que ficamos?
Nestas circunstâncias, como é que se pode considerar correcta a convicção do Tribunal a quo, quando usa dois pesos e duas medidas?
De facto, perguntando-se no artigo 19º se a R. Empresa-B, Lda. celebrou com a Olá (Empresa-A) diversos contratos de prestação de serviços, a resposta dada foi restritiva no sentido de referir que a Empresa-B, Lda. contratou com a Olá (Empresa-A) a prestação de serviços … Ocorre, por isso, formular uma pergunta meramente académica, ou própria até de um exame da faculdade: que contrato celebraram duas empresas em que uma presta serviços à outra? E este contrato tem que ser obrigatoriamente reduzido a escrito?
Conclui-se, assim, e pensa-se que sem margem para qualquer dúvida, que os factos que não foram considerados, como deviam, pelas decisões recorridas, estão devidamente comprovados quer por documentos quer pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento.
O Tribunal recorrido errou ao não reconhecer que a fixação da matéria de facto podia, e devia, ter sido diferente – cfr. entre outros, Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2006, no Rec. Nº 2965/06.
Espera-se, assim, de V. Exas. uma firme censura à falta de revisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, através da qual teria sido possível concluir que os AA. não podem ser considerados trabalhadores do quadro de efectivos da recorrente.
(…)

2.1. Deu-se já acima nota do que era perguntado nos «quesitos» 15º, 18º e 19º da «base instrutória».

Sufraga a recorrente a óptica segundo a qual, existindo nos autos documentos que consubstanciam os contratos de trabalho firmados entre os autores e a ré Empresa-B, Ldª (e, quiçá, com a Empresa-D), nos quais estaria estipulado qual o horário de trabalho a que os primeiros estariam sujeitos, e encontrando-se eles assinados pelos mesmos autores, não seria possível conferir ao «quesito» 15º a resposta de «não provado».

Entende-se que à mesma não assiste razão.

Efectivamente, o «quesito» 15º referia-se à questão de saber se o horário da prestação de labor dos autores na ré Empresa-A (cfr., nomeadamente, a petição inicial corrigida apresentada pelo primeiro autor) fora determinado pela ré Empresa-B, Ldª.

Não estava, desta arte, em causa o horário de trabalho consagrado nas relações directas de trabalho resultantes dos contratos de trabalho outorgados entre os autores e a ré Empresa-B, Ldª. E, assim sendo, os documentos juntos aos autos não impediam, por si, que a prova da factualidade constante daquele «quesito» pudesse ser alcançada pelos meios testemunhais.

Efectivamente, daqueles documentos, assinados pelos autores e nos quais se mencionava qual o horário de trabalho que estes se comprometiam a prestar àquela ré, não pode resultar qualquer declaração que seja perspectivável como contrária a um interesse dos declaratários no sentido de, no que respeita ao trabalho desempenhado na ré Empresa-A, o respectivo horário ser determinado por esta.

Consequentemente, não se divisa que, para a resposta alcançada ao «quesito» 15º, tivesse havido preterição de normativos legais atinentes às regras de direito material probatório.

2.2. Pelo que tange, de um lado, à resposta de «não provado» que sofreu o «quesito» 18º (em que, relembra-se, se perguntava se a ré Empresa-B, Ldª, era uma empresa prestadora de serviços na área da metalomecânica) e, de outro, à resposta conferida ao «quesito» 19º (a qual, rememora-se, foi a de “provado apenas que a R. Empresa-B, Ldª contratou com a R. Empresa-A a prestação de serviços na área de metalomecânica”), não se descortina qualquer contradição que possa levar este Supremo a lançar mão do preceituado no nº 3 do artº 729º do Código de Processo Civil.

De facto, a circunstância de se não ter provado que aquela empresa tinha por escopo a prestação de serviços na área da metalomecânica não significa, só por si, que numa determinada situação, essa prestação não tenha sido levada a efeito.

Neste contexto, mesmo que não demonstrado que a actividade geralmente prosseguida pela ré Empresa-B, Ldª, fosse a de prestação de serviços na área da metalomecânica ou, se se quiser, que ela fosse uma empresa cujo objecto fosse essa prossecução, isso não é contraditório com o facto de se ter apurado que tal ré tivesse firmado com a ré Empresa-A uma prestação de serviços naquela área.

Nos termos expostos, não se verificando nenhum dos casos permissores da actuação deste Supremo no domínio da alteração da decisão ínsita no aresto sindicado quanto à matéria de facto, haverá o mesmo que acatar o que, nessa sede, foi tido por provado.

Improcedem, assim, as «conclusões» a) a c) da alegação de recurso.

3. A sequente questão impostada pela recorrente consiste na defesa de um seu prisma de harmonia com o qual não teria, por parte da ré Empresa-B, Ldª, havido a cedência, para si, do trabalho dos autores.

Neste particular, discorreu o acórdão em crise do seguinte modo: –

“(…)
A apelante, mesmo admitindo, que os factos dados por assentes não merecem qualquer censura – foi isso mesmo que aconteceu – sustenta que os apelados não foram objecto de qualquer cedência ocasional e que trabalham sob a autoridade e direcção apelada com que a apelante celebrou um contrato de prestação de serviços no âmbito de um processo de externalização das tarefas de manutenção (outsourcing).
Vejamos, então, de que lado está a razão, lembrando aqui que face à pretensão deduzida era aos apelados que competia a alegação e prova de que prestam a sua actividade sob as ordens, direcção e fiscalização da apelante a quem alegadamente foram cedidos – art. 342.º, nº 1 do Cód. Civil.
O regime de cedência de trabalhadores consta dos arts. 26.º a 30.º do Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro.
Aqueles preceitos foram revogados pelo art. 21.º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, lei que aprovou o Código de Trabalho. Todavia é perante aquele diploma que a questão tem que ser apreciada – arts. 3.º e 8.º nº 1, 2ª parte, da citada lei.
O Decreto-Lei nº 358/89 não contém a noção de cedência ocasional de trabalhadores. A doutrina definiu-a, como o negócio através do qual uma empresa cede, provisoriamente, a uma outra, um ou mais trabalhadores, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com eles mantém (Regina Redinha, ‘A Relação Laboral Fragmentada, Estudo Sobre o Trabalho Temporário’, Coimbra, 1985 e Catarina Nunes de Carvalho, ‘Da Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito do Grupo de Empresas Nacionais’). Verifica-se esta figura jurídica quando um trabalhador de determinada empresa passa a desenvolver a sua actividade noutra empresa, sob a direcção desta, mantendo a relação contratual com a primeira empresa, que continua a ser a sua entidade empregadora. Finda a cedência ocasional, o trabalhador volta a prestar a sua actividade junto da empresa cedente (o empregador).
Esta noção corresponde, no essencial, à que consta do art. 322.º do Cód. Trab. (A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial).
Embora o trabalhador cedido continue a pertencer ao quadro da empresa cedente, a qual mantém a titularidade exclusiva do poder disciplinar, o poder de direcção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária e o trabalho prestado desenvolve-se sob a direcção desta e demais condições nela existentes – art. 20.º, nºs 6 e 1 do Decreto-Lei nº 358/89, ex vi art. 29. °.
A retribuição é a devida no quadro aplicável ao cessionário mas é paga pelo cedente – arts. 21.º e 24.º do Decreto-Lei nº 358/89, ex vi art. 29.°.
O legislador de 1989 admite o recurso à cedência ocasional, em termos limitados – arts. 26.º e segs.-, estabelecendo no nº 1 do art. 27º as condições de cuja verificação cumulativa depende a licitude da cedência ocasional de trabalhadores não regulada em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e que são: vinculação definitiva do trabalhador cedido à empresa cedente – alínea a); colaboração entre empresas associadas – alínea b); e o acordo do trabalhador – alínea c).
Para resolver a questão de saber se houve ou não cedência dos apelados importa ter presente que ficou provado que os apelados, tendo embora celebrado contratos de trabalho, primeiro com a Empresa-C – o apelado AA, em 01.12.90 e o apelado BB, em 22.10.90, depois com a Empresa-D– em 19.10.98 – e, finalmente, com a apelada – um primeiro contrato em 01.10.99 e um segundo em 19.12.2000 –, trabalham, desde 01.12.90 e desde 22.10.90, respectivamente o primeiro e o segundo apelados, nas instalações da apelante, desenrolando-se essa prestação laboral nos seguintes moldes:
Þ o horário de trabalho dos apelados – inicialmente das 08,00 às 17,30, com uma hora de intervalo para almoço e mais tarde das 08,00 às 17,00 horas, de 2ª a 6ª feira – foi fixado pela apelante;
Þ esse horário era controlado pela apelante mediante cartão de ponto, com marcação no respectivo relógio das horas de entrada e de saída, relógio esse depois substituído por picagem electrónica;
Þ os apelados recebiam ordens de supervisores da apelante, Engs. CC e DD, os quais, lhe transmitiam todas as orientações e instruções de trabalho;
Þ era a essas mesmas pessoas que os apelados comunicavam as suas ausências usando para o efeito documentos internos da apelante;
Þ as férias dos apelados eram acordadas com aqueles mesmos dois supervisores da apelante;
Þ o nome dos apelados constava nos mapas de férias do sector onde trabalhavam, juntamente com os trabalhadores da apelante;
Þ como nos planos de trabalho da apelante e nos seus mapas internos;
Þ o cartão de ponto dos apelados é igual ao dos trabalhadores da apelante para controle e registo das entradas e saídas do trabalho.
Demonstrada que está a utilização dos apelados pela apelante, sendo aquela que passou a exercer sobre estes os poderes de direcção e autoridade próprios da entidade empregadora – nº 1 do citado art. 26.º – só resta subsumir a situação dos autos à figura jurídica da cedência, tal como se fez na decisão recorrida. Diga-se aqui que, contrariamente ao que a apelante afirma, a decisão sindicada não chegou à apontada conclusão, face ao desconhecimento do teor de qualquer contrato de prestação de serviços entre apelante e apelada, caindo, assim, pela base a alegada violação do disposto no art. 664.º do Cód. Proc. Civil, ao que acresce o facto de, por definição, o contrato de prestação de serviços visar, efectivamente, uma obrigação de resultado que tem geralmente uma duração temporal curta.
Não se esquece que ficou provado que a apelada contratou com a apelante a prestação de serviços na área da metalomecânica.
Mas tal facto não descaracteriza a qualificação da situação dos apelados como cedência e não permite concluir, como pretende a apelante, que os apelados foram colocados pela apelada a trabalhar nas instalações da apelante no âmbito de um contrato de prestações de serviço em regime de outsourcing entre elas celebrado – note-se que o outsourcing consiste, de modo genérico, na transferência para o exterior da empresa de certos segmentos de produção ou de certas actividades anexas à principal, a fim de poderem ser geridas ou produzidas em condições de custos e rentabilidade tanto mais vantajosas quanto permitam uma redução dos encargos fixos ou uma atenuação dos riscos conjunturais (Regina Redinha ob. cit. pág. 48). Para produzir aquela afirmação a apelante articula toda uma série de factos que não resultaram provados e nem sequer foram alegados e faz letra morta da matéria de facto provada.
Ora, como já dissemos, o que caracteriza a figura da cedência é a transferência, de trabalhadores do quadro de pessoal próprio de uma empresa, portanto ligados a esta por um contrato de trabalho o para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora. É precisamente esta a situação que se verifica no caso dos autos.
Argumenta a apelante que embora tenha ficado provado que os apelados dependiam dos supervisores da apelante que lhes transmitiam orientações e instruções, os apelados não provaram que dependiam unicamente desses supervisores.
Esquece a apelante que foi ela quem não provou, contrariamente ao que alegou, que os apelados recebiam ordens quanto às tarefas a executar dos responsáveis da apelada e que era esta quem fiscalizava o cumprimento da actividade profissional dos apelados – foram negativas as respostas dadas ao quesito 16.º e 17.º em que tais factos eram perguntados.
Argumenta ainda a apelante que não se provou quem exercia o poder disciplinar e que a retribuição era paga pela apelada, mas tal argumentação não colhe face à caracterização da figura jurídica da cedência que deixámos feita.
O parecer que a apelante junta com as alegações de recurso, apesar da autoria de um ilustre mestre em Direito do Trabalho, não nos convence nas conclusões a que chega, desde logo, porque tomou em consideração facticidade diversa da que resultou da discussão da presente causa.
Se bem virmos, desse parecer até se podem extrair argumentos que desabonam a tese da apelante.
De facto, no nosso caso, a apelada nada acrescentou à actividade desenvolvida pelos apelados em termos de ‘Know how específico’ nem do ponto de vista do risco de gestão e também não resultou provado que a apelada algum serviço específico tenha realizado, o que significa que a situação dos apelados se enquadra dentro dos parâmetros que o parecer define para a cedência de trabalhadores – a fls. 33 desse parecer lê-se que devem considerar-se mera cedência os casos em que o fornecedor da prestação não acrescenta nada de próprio à actividade desenvolvida pelos trabalhadores, nem em termos de Know how específico, nem do ponto de vista do risco de gestão (nas palavras de BLAISE), importa saber se existe algum serviço específico realizado por quem fornece a mão de obra.
A cedência de trabalhadores, salvo os casos previstos nas alíneas a), b) e c) do art. 26.º do Decreto-Lei nº 358/89, nenhum dos quais aqui se verifica é em princípio proibida.
Só será lícita verificando-se cumulativamente as condições a que já fizemos referência contidas nas alíneas a) – estar o trabalhador cedido vinculado por contrato de trabalho sem termo – b) – a cedência ter lugar no quadro de colaboração entre empresas jurídico financeiramente associadas ou economicamente interdependentes – e c) – existência de acordo do trabalhador a ceder, nos casos em que, como no vertente, não se prova que o cedente seja uma empresa de trabalho temporário – do nº 1 do art. 27.º do mesmo diploma e nenhuma delas aqui se verifica.
As consequências da ilicitude da cedência são as que se prevêem no art. 30.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 358/89: O recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores, a inexistência ou irregularidade de documento que a titule, conferem ao trabalhador cedido o direito de optar pela integração no efectivo da empresa cessionária, no regime de contrato de trabalho sem prazo.
Por força deste preceito tinham, pois, os apelados o direito à opção de integração no efectivo do pessoal da apelante, tal como fizeram, com observância dos requisitos prescritos no nº 2 do mesmo art. 30.º: ambos escreveram e enviaram à apelante carta datada de 19.09.2003, comunicando-lhe a opção pela integração no efectivo do pessoal dessa empresa, e, para o mesmo fim, enviaram, com a mesma data, carta idêntica à apelada.
(…)”

3.1. Concorda-se, na generalidade, com o juízo que, respeitantemente à questão, foi formulado pelo acórdão sob censura.

De acordo com a pretensão formulada pelos autores, a relação triangular existente entre eles, a ré Empresa-B, Ldª, e a ré Empresa-A, deveria ser entendida como uma cedência, à terceira, do trabalho dos primeiros por parte da segunda.

Atenta a temporalidade dos pertinentes factos, deverá atender-se ao disposto no Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro (com as alterações introduzidas pelas Leis números 39/96, de 31 de Agosto, e 146/99, de 1 de Setembro).

Muito embora nesse diploma não se defina o conceito de cedência de trabalhadores (o seu artº 1º fala, na sua parte final em regime de cedência ocasional de trabalhadores), uma tal figura tem sido entendida como o acordo negocial mediante o qual uma empresa cede a outra, provisoriamente, um trabalhador, mantendo-se, porém, o vínculo jurídico-laboral entre a cedente e o trabalhador (cfr. Maria Regina Gomes Redinha, no seu estudo denominado A Relação Laboral Fragmentada, Estudo Sobre o Trabalho Temporário, 1985, e António Dias Coimbra, in Grupo societário em relação de domínio total e cedência ocasional de trabalhadores: atribuição de prestação social complementar, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 32º, 1990).

Perante esta parametrização, o trabalhador cedido passa a prestar o seu labor na empresa a que é cedido, muito embora continue a fazer parte dos quadros da empresa cedente, relativamente à qual mantém o seu vínculo, dessa sorte sobre ela repousando os poderes de direcção, conformação da relação laboral e de disciplina. Já no que se prende com o desenvolvimento da prestação de trabalho na empresa cessionária, os respectivos ordenamento e imposição de condições é levado a efeito pela mesma (cfr. artº 20º, designadamente os seus números 1, 4 e 6), sendo a retribuição do trabalhador assegurada pela entidade cedente, tendo em conta a retribuição mínima fixada na lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à empresa cessionária para a categoria profissional correspondente às funções a desempenhar (se outra mais elevada não for por ela praticada ou se não houver retribuição mais elevada consagrada em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à empresa cedente) e assegurando-se outros subsídios regulares e periódicos que sejam devidos pela empresa cessionária aos seus trabalhadores por idêntica prestação de trabalho (cfr. artº 21º, números 1 e 2).

A cedência de trabalhadores que, como é patente (e foi, aliás, reconhecido no exórdio do Decreto-Lei nº 358/89), “foge à pureza dos conceitos do direito do trabalho e não se reconduz ao regime do contrato a termo nem se confunde com o regime de empreitada”, deve constituir, por essas mesmas características, um motivo de preocupação social, o que justifica as cautelas com que o legislador nacional rodeou a sua admissão.

Acrescentaremos agora que também não poderá ser passado em claro que a realidade empresarial apresenta fenómenos de «externalização» ou «subcontratação», em que se assiste, recorrentemente, a que uma empresa lança mão da prestação de serviços de outras empresas, com a finalidade de estas prosseguirem actividades cabidas à satisfação das respectivas necessidades, as quais, dado o modo como se encontra organizada a primeira, não podem ser levadas a efeito no seu seio (cfr., sobre o problema, Zenha Martins, A descentralização produtiva e os grupos de empresas ante os novos horizontes laborais, in Questões Laborais, nº 18).

E foi certamente pesando esta dualidade de interesses que o legislador, admitindo a cedência ocasional de trabalhadores, veio, porém, a circunscrever num apertado âmbito a forma como a admissão se haveria de processar e os termos do respectivo desenvolvimento.

É assim que, inter alia, se comandou que o contrato de utilização de trabalho temporário só era permitido ser celebrado nas situações elencadas no artº 9º do Decreto-Lei nº 358/89; que, no caso do trabalhador continuar ao serviço da empresa cessionária decorridos dez dias após a cessação do contrato de utilização, sem que tenha ocorrido celebração de outro contrato que tal legitimasse, era considerado que o trabalho passava a ser prestado ao utilizador com base em contrato sem termo, firmado entre este e o trabalhador (artº 10º); que o contrato de utilização era obrigatoriamente reduzido a escrito, devendo conter determinadas menções, que têm sido entendidas como formalidades ad substantiam (artº 11º); que se fulminou com a nulidade o contrato de utilização não celebrado nos termos prescritos na lei, considerando o trabalho prestado ao utilizador como o sendo com base em contrato de trabalho sem termo celebrado entre este e o trabalhador (artº 16º); que se consagrou a obrigatoriedade de determinadas menções no contrato de trabalho temporário (artº 19º); que se estabeleceu a regra básica da proibição da cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros que sobre aqueles exerçam poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora (artº 26º); que se estabeleceu que a cedência ocasional de trabalhadores não regulada em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só era lícita desde que observadas determinadas condições (artº 27º); e que se comandou que o recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores e a inexistência ou irregularidade de documento que a titulasse conferia ao trabalhador o direito de optar pela integração no efectivo de pessoal da empresa cessionária, no regime de contrato de trabalho sem termo (artº 30º).

3.2. Na tese dos autores, não estaria em causa uma realidade em que, quer a Empresa-C, quer a Empresa-D, quer a Empresa-B, Ldª, prestariam serviços à Empresa-A na área da metalomecânica, mas sim uma autêntica cedência do seu trabalho a esta última, por um muito alargado período de tempo, o que consequenciaria que deveriam eles, porque reunidas estavam as condições legais, ser integrados nos quadros dos trabalhadores da empresa cessionária.

Diversa postura é a seguida pela ré Empresa-A, ora impugnante, para a qual a matéria de facto apurada nos autos só poderia ser entendida como revelando que entre ela e a Empresa-B, Ldª, foi estipulado um contrato de prestação de serviços, mediante o qual a última passava a prestar serviços à primeira na área da metalomecânica, constituindo-se, assim, se bem se entende o por ela sustentado, um modo de, em tal área, a recorrente se socorrer de um outsourcing necessário ao prosseguimento das suas necessidades, já que, de harmonia com a sua organização, centrada com o objectivo primordial de se concentrar na máxima eficiência e qualidade – num sector de grande concorrência, mesmo a nível internacional – não havia nela quadros especificamente vocacionados ou dirigidos para a realização de determinadas tarefas, como seja a manutenção dos equipamentos existentes nas suas instalações, tarefas essas que entregava, desde os anos oitenta, a empresas da especialidade mediante a realização de contratos de prestação de serviços, desse modo reduzindo o peso excessivo das despesas com que acarretaria se essas tarefas fossem por si realizadas.

É de evidência que, atenta a respectiva pretensão, sobre os autores incumbia o ónus de demonstração de que os poderes de direcção, de conformação e de disciplina da sua relação laboral prestada na Empresa-A continuavam a repousar na empresa à qual se vincularam pelos seus contratos de trabalho.

Lograram eles, porém fazer essa demonstração?

3.3. São sabidas as dificuldades que, em casos como o em presença, se deparam para traçar uma «fronteira» mais ou menos perceptível sobre as situações de prestação de serviços numa empresa por banda de outra, naquela laborando, em regime de certa permanência, os seus trabalhadores, e as situações de verdadeira cedência de trabalho.

Por isso se recorre, as mais das vezes, a um método que, não olvidando a natureza consensual do contrato de trabalho (cfr. o artº 6º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, aqui aplicável) perspectivado em geral, intenta alcançar qual a concreta determinação da sua existência e dos respectivos contornos através da execução do mesmo.

Uma das características do contrato de trabalho reside, apoditicamente, na circunstância de a actividade do trabalhador ser prestada de um modo juridicamente subordinado, havendo quem defenda (cfr. Abel Ferreira, Grupos de Empresas e Relações Laborais, publicado em Memórias do I Congresso de Direito do Trabalho) que, no actual estado do direito do trabalho, se não resultar expressamente da lei outro sentido, ter-se-á de reconhecer que é aquela subordinação jurídica quiçá o único critério disponível para averiguar da existência, ou não, de uma relação de tal natureza.

Assim sendo, para efeitos de determinação de quem está, afinal, dependente o trabalhador na relação jurídica que rege a sua prestação de trabalho, o intérprete terá de pesquisar os modos como ela se desenvolve, analisando o comportamento das partes, com o objectivo de descortinar quem hetero-determina a actividade do trabalhador, já que, quem detiver esse poder, deverá ser considerado a sua verdadeira entidade patronal, independentemente daquilo que, porventura, resulte formalmente do negócio jurídico em concreto.

3.3. Neste contorno, trazem-nos os autos, em sede fáctica e no que agora interessa, o seguinte: –

– que os autores BB e AA celebraram, respectivamente em 22 de Outubro de 1990 e 1 de Dezembro de 1990, contratos de trabalho com a Empresa-C, começando, de imediato, a exercer funções nas instalações da agora impugnante Empresa-A;
– que, depois de 19 de Outubro de 1998, os mesmos autores, continuaram a exercer naquele local as suas funções, tendo celebrado, nessa data e com a Empresa-D, contratos denominados “Contratos de Trabalho Temporário”, vindo, posteriormente, a celebrar novos contratos, também assim designados, o que ocorreu em 1 de Março de 1999;
– que, em 1 de Outubro de 1999, os autores celebraram com a Empresa-B, Ldª, contratos de trabalho a termo incerto, nos quais, inter alia, constavam as cláusulas 3ª e 5ª, em que se estipulava que “O local de trabalho é na fábrica da Empresa-A, S. A., sita em Santa Iria da Azóia, obrigando-se ainda o segundo outorgante a exercer a sua actividade profissional em qualquer outro local onde esta desenvolva a sua actividade industrial” e que “O presente contrato é celebrado a termo incerto, uma vez que a admissão do segundo se justifica para desenvolver as tarefas necessárias à concretização do objecto descrito na primeira cláusula do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a primeira outorgante e a Empresa-A, S. A., sendo imprevisível o seu termo (alínea f) do nº 1 do art. 41º conjugado com o disposto no art. 48º, ambos do D.L. 64-A/89 de 27/02)”;
– que, em 19 de Dezembro de 2000, os autores outorgaram com a Empresa-B, Ldª, outros contratos, apelidados de “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, nos quais se inseriam cláusulas de conteúdo totalmente idêntico àquelas cláusulas 3ª e 5ª que se surpreendem nos contratos de 1 de Outubro de 1999;
– que a Empresa-B, Ldª, por carta datada de 5 de Dezembro de 2002, enviou aos autores uma carta, na qual os informava que, a partir de 19 daqueles mês e ano, os contratos a termo incerto com eles outorgados passava a ser um contrato sem termo;
– que os autores, após os contratos firmados com a Empresa-B, Ldª, continuaram a exercer funções nas instalações da Empresa-A;
– que o horário de trabalho dos autores foi fixado pela Empresa-A, a qual o controlava mediante «cartão de ponto», com marcação, no respectivo relógio, das horas de entrada e de saída, vindo esse relógio a ser substituído por «picagem» electrónica, «cartão de ponto» esse igual ao dos demais trabalhadores da Empresa-A;
– que os autores recebiam ordens dos supervisores da Empresa-A, Engenheiros CC e DD, os quais transmitiam àqueles todas as orientações e instruções de trabalho;
– que os autores comunicavam aos referidos supervisores as suas ausências, usando, para o efeito, documentos internos da Empresa-A;
– que as férias dos autores eram acordadas com os mencionados supervisores, constando o nome dos mesmos autores dos mapas de férias do sector onde trabalhavam, juntamente com os demais trabalhadores da Empresa-A;
– que o nome dos autores constava dos planos de trabalho da Empresa-A e nos seus mapas internos.

Por outro lado, encontra-se também apurado que: –
– a Empresa-B, Ldª, contratou com a Empresa-A a prestação de serviços na área da metalomecânica;
– aquela primeira sociedade procedia ao pagamento do vencimento e subsídios de férias e de Natal aos autores (desde que, como é claro, com eles firmou os contratos de trabalho), identicamente o pagamento das verbas atinentes àqueles títulos tendo sido pagos aos autores, antecedentemente, pelas empresas Empresa-C e Empresa-D (e, também como se depara límpido, nos períodos em que eles se encontravam vinculados pelos contratos de trabalho outorgados com essas empresas).

3.4. O acervo fáctico agora relembrado torna patente que se não figura no vertente caso uma real situação de prestação de serviços à Empresa-A por banda das empresas que firmaram os contratos de trabalho com os autores.

Na realidade, não obstante o «desdobramento» dos vínculos contratuais que, formalmente, enquadraram a prestação do labor dos autores (maxime os reportados nos contratos celebrados entre eles e a Empresa-B, Ldª), torna-se, no entender deste Supremo, inequívoca a perduração, por cerca de uma década, do concreto vínculo que, do ponto de vista material, se estabeleceu entre eles e a Empresa-A, sendo que, no devir temporal ocorrido, as funções desempenhadas foram as mesmas, nos termos de orientação e conformação prosseguidos pela recorrente e que defluem daquele acervo fáctico, e mesmo sem que fossem exactamente as mesmas as entidades outorgantes que constavam nos diversos contratos de trabalho ao abrigo dos quais os autores passaram a exercer aquelas específicas funções.

Por outro lado, não resulta do que ficou apurado qual fosse concretamente a prestação de serviços a que se reporta o item z) de II 1., sendo que – e isso é o que agora mais releva –, para além dos autores terem logrado demonstrar o quadro fáctico acima recordado, indubitavelmente não demonstrou a recorrente que as funções que os autores passaram efectivar desde 1990 nas suas instalações se inseriam numa concreta contratualização daquele tipo de negócio jurídico, designadamente até Outubro de 1999.

É neste especial circunstancialismo que se afirma que se não encontra minimamente desenhada com suficiência uma situação de válida e efectiva execução, por parte das empresas que, formalmente, outorgaram os contratos de trabalho dos autores, de prestação de serviços ou de subcontratação (ou uma outra forma da «externalização» de que se deu notícia) com a empresa beneficiária do trabalho dos autores, e que foi no âmbito desses negócios que tal trabalho decorreu.

E daí que os nomens atribuídos aos contratos de trabalho aos quais se vincularam os autores e o neles clausulado (referimo-nos agora aos contratos outorgados com a Empresa-B, Ldª) apresentassem acentuada divergência com a realidade deparada e que se veio a apurar nos vertentes autos.

A «interposição» das sociedades Empresa-C, Empresa-D e Empresa-B, Ldª, no contexto rodeador das relações de desempenho de trabalho dos autores, não significa mais que um artifício obstativo à celebração directa entre a Empresa-A e estes de negócios jurídicos por via dos quais aquela iria receber a força de trabalho dos últimos, vindo afinal, a recorrente a desfrutar dos trabalhadores que a ela foram cedidos por aquelas sociedades.

O outsourcing invocado pela impugnante (ou seja, aquilo que é considerado genericamente como uma «transferência» para o «exterior» da empresa de certas actividades conexas com a actividade principal, com a finalidade de serem produzidas ou geridas de forma mais vantajosa ou com atenuação de riscos conjunturais e, até, sazonais, com inerente repercussão nos custos globais – cfr. a citada obra de Maria Regina Gomes Redinha) não se demonstrou como acima se explanou.

Antes, e como resulta do que já se disse, o que se figura são casos de cedência à Empresa-A de trabalhadores de diversas empresas os quais a estas se encontravam vinculados formalmente por contratos de trabalho, vindo a mesma Empresa-A, sobre eles, a exercer os poderes característicos da entidade empregadora no que tange ao exercício de autoridade, direcção, fiscalização e conformação do trabalho.

Ora, a cedência de trabalhadores, já se viu, só era, então, permitida pelo nosso ordenamento jurídico nos apertados termos que acima se deixaram consignados, sendo que, no caso sub specie, não se verifica a existência das situações em que a proibição constante do nº 1 do artº 26º do Decreto-Lei nº 358/89 se não aplica (cfr. nº 2 desse mesmo artigo).

Consequentemente, há que concluir pela ilicitude da cedência, cobrando aplicação o disposto no nº 1 do artº 30º do antedito diploma.
III
Em face do exposto, nega-se a revista.
Custas pela impugnante.

Lisboa, 10 de Setembro de 2008

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto