Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
324/14.0TELSB-N.L1-D.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
CONTAGEM DE PRAZOS
ARRESTO
FUMUS BONI IURIS
PERICULUM IN MORA
REPARAÇÃO DO DANO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANOS PATRIMONIAIS
PERDA DE VANTAGENS
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / TEMPO DOS ACTOS E ACELERAÇÃO DO PROCESSO – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL - RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PERDA DE INSTRUMENTOS, PRODUTOS E VANTAGENS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 105.º, N.º 1, 107.º, N.º 5, 228.º E 446.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1929: - ARTIGOS 29.º, 30.º. 31.º, 32.º, 33.º, 34.º E 450.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1987: – ARTIGOS 71.º A 84.º E 377.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 111.º, N.ºS 1, 2 E 3.
CÓDIGO PENAL DE 1852/1886: – ARTIGOS 75.º, 127.º.
CÓDIGO PENAL DE 1982: – ARTIGOS 107.º A 109.º E 128.º.
CÓDIGO PENAL DE 1995: - ARTIGOS 109.º A 111.º E 129.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 139.º, N.º 5, 145.º E 763.º.
CÓDIGO CIVIL DE 1867: - ARTIGOS 2361.º, 2362.º, 2363.º, 2364.º, 2365.º, 2366.º, 2373.º, 2374.º, 2382.º E 2392.º.
CÓDIGO CIVIL DE 1966: - ARTIGOS 483.º A 498.º, 487.º, 494.º, 562.º A 572.º.
CÓDIGO DA ESTRADA, APROVADO PELO DL N.º 39.672, DE 20 DE MAIO DE 1954: - ARTIGOS 56.º, 67.º E 68.º.
CÓDIGO DE DIREITOS DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS, APROVADO PELO DL N.º 63/85, DE 14 DE MARÇO: - ARTIGOS 203.º E 211.º.
LEI DE PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS, APROVADA PELA LEI N.º 67/98, DE 26 DE OUTUBRO DE 1998, ALTERADA PELA LEI N.º 103/2015, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGO 34.º.
CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, APROVADO PELO DL N.º 110/2018, DE 10 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 347.º.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, APROVADO PELA LEI N.º 104/2009, DE 14 DE SETEMBRO, ALTERADA PELA LEI N.º 121/2015, DE 1 DE SETEMBRO.
DL N.º 408/79, DE 25 DE SETEMBRO - DL N.º 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO - DL N.º 122-A/86, DE 30 DE MAIO - DL N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO, DL N.º 153/2008, DE 6 DE AGOSTO.
DL N.º 605/75, DE 3 DE NOVEMBRO: - ARTIGO 12.º.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26 DE MAIO, ALTERADA PELA PORTARIA N.º 679/09, DE 25 DE JUNHO.
ANÚNCIO 50/2001 – DECISÃO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA DE 19 DE MARÇO DE 2001 (ENTRE RIOS).
DECISÃO DA PROVEDORA DE JUSTIÇA DE 18-08-2018.
ALVARÁ DE 4 DE JUNHO DE 1825.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 5/2006, DE 20 DE ABRIL DE 2006, DR, I SÉRIE - A, DE 06-06-2006;
- ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 28-01-1976, IN DIÁRIO DO GOVERNO DE 11-03-1976;
- ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 09-11-1977, IN BMJ N.º 271, P. 87;
- ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 27-01-1993, IN BMJ N.º 423, P. 57;
- ASSENTO N.º 7/99, DE 27-06-1999, IN DR, I SÉRIE-A, DE 03-08-1998;
- ACÓRDÃO N.º 1/98, DE 16-10-1997, IN DR, I SÉRIE-A, DE 03-01-1998;
- ACÓRDÃO N.º 3/2002, DE 17-01-2002, IN DR, I SÉRIE-A, DE 05-03-2002;
- ACÓRDÃO N.º 1/2013, DE 15-11-2012, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 4, DE 07-01-2013;
- DE 17-03-1971, PROCESSO N.º 33142;
- DE 14-05-1997, IN CJSTJ, 1997, TOMO II, P. 201;
- DE 28-05-2008, PROCESSO N.º 583/08;
- DE 28-02-2013, PROCESSO N.º 90/06.2TALMS-B.S1;
- DE 13-04-2016, PROCESSO N.º 651/11.8GASLH-B.S1.
Sumário :
I – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente.

II – O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

III – Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

IV – Sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade.

V – No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência. - Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006.

VI – Para efeitos de cômputo de prazo, ao prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, não pode adicionar-se os 3 dias a que alude o artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável em processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do CPP.

VII – Neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2013, proferido no processo n.º 90/06.2TALMS-B.S1-5.ª Secção, no âmbito de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, nos termos do artigo 446.º do CPP, mas com plena aplicação no caso presente, aí se referindo: “Dispõe o art. 446.º do CPP que é admissível recurso directo para o STJ, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

VIII – Não relevam, para o efeito da data do trânsito em julgado, os 3 dias úteis durante os quais o acto ainda pode ser praticado com o pagamento de uma multa (art. 145.º do CPC), pois, como refere esta norma, trata-se dos “três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

IX – No mesmo sentido, apreciando pedido de aclaração, pronunciou-se o acórdão de 13-04-2016, proferido no processo n.º 651/11.8GASLH-B.S1-3.ª Secção, de que se extrai:

 “As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de 10 dias.

 Ao prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do art. 105.º do CPP, não pode adicionar-se o prazo de 3 dias úteis constante dos arts. 139.º, do CPC e 107.º-A, do CPP, prazo este de natureza distinta que, como a própria lei adjectiva estatui no art. 139.º, n.º 5, do CPC, se situa para além do termo do prazo da prática do acto (“pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”), sendo de inferir o pedido de aclaração formulado com tal fundamento”.

 X – Para efeitos de cômputo de prazo, ao prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, não pode adicionar-se o acréscimo de 3 dias a que alude o artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável em processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do CPP – neste sentido, o acórdão deste STJ de 13-04-2016, processo n.º 651/11.8GASLH-B.S1-3.ª Secção.

XI – No caso presente reitera-se que, com o devido respeito, não faz sentido invocar a possibilidade de pagamento de multa, quando o direito ao acto (recurso, reclamação, arguição de nulidade, pedido de correcção) não é exercido. Só fará sentido invocar esse acréscimo temporal de tolerância quando dele se faz uso efectivo.

XII – No que respeita aos requisitos legais (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora - requisitos resultantes directamente da lei), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, aditou, de há muito e face ao disposto então no artigo 763.º do Código de Processo Civil, a incontornável necessidade de identidade dos factos contemplados nas duas decisões e de decisão expressa, não se restringindo à oposição entre as soluções ou razões de direito.

XIII – A exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas.

XIV – A oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

XV – A expressão “soluções opostas” pressupõe que em ambas as decisões seja idêntica a situação de facto, com expressa resolução da questão de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos”.

XVI – Não se justifica a intervenção de uniformização do STJ quando questões distintas no plano factual receberam diversas soluções de direito.

XVII – Na abordagem a efectuar, tem-se por certo e incontornavelmente seguro, que as situações de facto num e noutro caso – acórdão recorrido e acórdão fundamento – não são idênticas e que são distintos os quadros normativos em presença a caucionar a adopção da medida de garantia patrimonial em causa.

XVIII – Na verdade, as situações determinantes de decretamento de arresto preventivo no caso do acórdão recorrido e do acórdão fundamento processaram-se a respeito de institutos jurídicos que nada têm em comum, situados em planos muito diferenciados.

XIX – Na base da formulação dos pedidos de arresto preventivo nos processos que conduziram ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento estão institutos, figuras jurídicas absolutamente distintas na sua estrutura, natureza jurídica, função.

XX – Em rigor o único ponto em comum, para além de estarmos na presença de lesados em ambas as situações, é estarmos num e noutro caso perante o decretamento de arresto preventivo, medida de garantia patrimonial prevista no artigo 228.º do Código de Processo Penal, norma inserta no Título III - Das medidas de garantia patrimonial – do Livro IV – Das medidas de coacção e de garantia patrimonial.

XXI – No acórdão fundamento, o fundamento do arresto preventivo promovido pela sociedade lesada teve em vista reparação do mal do crime, procurando ressarcir o lesado, indemnização de perdas e danos, efectivação de responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, responsabilidade civil conexa com a criminal, emergindo da prática de um crime, sendo um crime a causa de pedir do pedido de indemnização.

XXII – No caso concreto tem em vista o pagamento pela arguida da indemnização derivada do crime devida ao lesado.

XXIII – No acórdão recorrido, visando outro objectivo completamente diverso, o fundamento do arresto preventivo promovido pelo Ministério Público teve em vista acautelar as vantagens adquiridas através de facto ilícito típico.

XXIV – Como é sabido, a declaração de perda de bens a favor do Estado, ou o confisco, na via alargada ou não, e a punição do branqueamento (criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida – assim, Faria Costa e Eduardo Paz Ferreira), servem, por vias diversas, o mesmo desiderato: a pretensão estadual de atacar as vantagens do crime.

XXV – Na base está não um crime em sentido técnico (facto ilícito típico culposo e punível), mas a prática de um facto ilícito típico, designação presente nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 111.º do Código Penal.

XXVI – A propósito da perda a favor do Estado dos instrumentos, objectos ou direitos relacionados com o crime, prevista pela primeira vez no Alvará de 4 de Junho de 1825, e posteriormente no artigo 75.º do Código Penal de 1886, nos artigos 107.º a 109.º do Código Penal de 1982 e artigos 109.º a 111.º do Código Penal de 1995 e da consideração da sua natureza jurídica como efeito penal da condenação, configurando-se como um «confisco especial», veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-1997, publicado na CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 201, por nós citado no acórdão de 28-05-2008, proferido no processo n.º 583/08.

XXVII – Muito diversamente no caso do acórdão fundamento a ratio do arresto estava em assegurar o pagamento à sociedade lesada dos danos patrimoniais causados pela conduta da requerida, convocando-se um quadro normativo bem distinto, que tem a ver com a responsabilidade civil conexa com a criminal.

XXVIII – Trata-se de efectivação de reparação de entidade lesada detentora de um direito de crédito; reparação de lesão patrimonial e daí fazer sentido o pedido relativo a montante correspondente a obrigação acessória de juros de mora, como o fez a requerente C…S.A.

XXIX – Neste campo é vasto o quadro normativo a ter em conta, abrangendo o direito civil, direito penal e processual penal, para além de disposições de diplomas avulsos, prevendo situações especiais em que é prevista a possibilidade de reparação de perdas e danos em processo penal, fixações de jurisprudência e actos legislativos e administrativos, como se vê pelo que segue.

Código Civil de 1867 – Artigos 2361.º, 2362.º, 2363.º, 2364.º, 2365.º, 2366.º, 2373.º, 2374.º, 2382.º e 2392.º

Código de Processo Penal de 1929 - Artigos 29.º (Indemnização por perdas e danos), 30.º. 31.º, 32.º, 33.º, 34.º (Reparação de perdas e danos) e 450.º

Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro - Artigo 12.º

Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.672, de 20 de Maio de 1954 - Artigos 56.º, 67.º e 68.º. 

Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro - Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro - Decreto-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio - Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto (reparação em sinistralidade rodoviária - seguros)

Código de Processo Penal de 1987 – Artigos 71.º a 84.º, 377.º

Código Penal de 1852/1886 – Artigos 75.º, 127.º

Código Penal de 1982 – Artigo 128.º

Código Penal de 1995 - Artigo 129.º - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Código Civil de 1966 – Artigos 483.º a 498.º (sendo inaplicável o artigo 487.º relativo a presunção de culpa, imperando o princípio de presunção de inocência e o artigo 494.º, relativo a limitação no caso de mera culpa, inaplicável nos crimes dolosos), 562.º a 572.º.

Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho.

Anúncio 50/2001 – Decisão do Provedor de Justiça de 19 de Março de 2001 (Entre Rios).

Decisão da Provedora de Justiça de 18-08-2018 (Incêndios Julho 2018).

Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos – Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (Diário da República, I Série, n.º 61/1985, de 14-03-1985) –– Artigos 203.º, versando Responsabilidade civil e 211.º, versando Indemnização.

Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro de 1998 - Lei de Protecção de Dados Pessoais (Diário da República, I Série-A, n.º 247/98, de 28-10-1998), alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 164/2015) –– Artigo 34.º, versando Responsabilidade civil.

Código de Propriedade Industrial – Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 237, de 10-12-2018) – Artigo 347.º versa Indemnização por perdas e danos – Dantes, Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março – Artigo 338.º L.        

Violência doméstica, Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 178), alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170).

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1971, proferido no processo n.º 33142, tirado em reunião conjunta das então 3 Secções do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3 do artigo 728.º do CPC.

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1976 (Diário do Governo de 11 de Março de 1976).

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1977, BMJ n.º 271, pág. 87.

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1993, BMJ n.º 423, pág. 57.

Acórdão n.º 1/98, de 16 de Outubro de 1997 (Diário da República, I Série-A, de 3 de Janeiro de 1998).

Assento n.º 7/99, de 27 de Junho de 1999 (Diário da República, I Série-A, de 3 de Agosto de 1998) – Artigo 377.º, n.º 1, do CPP.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2002, de 17 de Janeiro de 2002, (Diário da República, I Série-A, de 5 de Março de 2002).

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012 (Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013).

XXX – Resulta do exposto que as situações de facto visadas num e noutro dos acórdãos em confronto são completamente diferentes, pelo que é inadmissível o recurso, que assim deve ser rejeitado.

Decisão Texto Integral:

As Recorrentes:

I – AA, Sociedade Imobiliária, S.A. (fls. 2 a 26, volume 1);

II – BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” (fls. 81 a 105, volume 1);

III – DD, S.A. (fls. 160 a 184, volume I);

IV – EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (fls. 240 a 264, volume 1);

V – FF, S.A. (fls. 320 a 344, volume 2);

VI – GG (Portugal), S.A. (fls. 399 a 423, volume 2);

VII – HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A. (fls. 479 a 503, volume 2);

VIII – II, S.A., S.A. (fls. 558 a 582, volume 2); e,

IX – JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (fls. 637 a 661, volume 3),

                   vieram interpor

Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Junho de 2016, proferido pela 3.ª Secção Criminal, nos autos de Recurso Independente em Separado n.º 324/14.0TELSB-N, invocando oposição entre a solução deste acórdão e a preconizada/assumida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 8786/13.6TDPRT-B.P1, transitado em julgado, indicado como acórdão-fundamento.

Alegam as recorrentes existir uma manifesta oposição de julgados quanto à questão de direito essencial que constitui o objecto do presente recurso, consistente em saber se o decretamento do arresto preventivo previsto no artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, depende da comprovada, efectiva e material verificação cumulativa dos requisitos de índole civil – a saber, a séria probabilidade de existência do direito que se pretende acautelar («fumus boni iuris») e o fundado receio de perda da garantia patrimonial («periculum in mora») –, nos termos da remissão operada por aquele preceito para o formalismo previsto nos artigos 391.º e 392.º do Código de Processo Civil, ou se, pelo contrário, o decretamento do arresto preventivo, nos termos previstos no artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não carece da verificação cumulativa dos mencionados requisitos, previstos naqueles artigos 391.º e 392.º, do Código de Processo Civil.


***


Notificado, a fls. 3128 do 8.º volume, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 439.º, n.º 1, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa não apresentou resposta.

***


Por despachos proferidos em 17-10-2018, a fls. 3130 a 3135, foram admitidos os nove recursos de fixação de jurisprudência e ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 3141 do 9.º volume, considerando que os recursos foram interpostos no segundo dia útil a seguir ao termo do prazo, promoveu a notificação dos recorrentes para procederem ao pagamento das respectivas multas, nos termos conjugados dos artigos 139.º, n.º 5, alínea b), do CPC e do artigo 107.º-A, alínea b), do CPP.  

Concordando-se com o promovido, foi ordenada a fls. 3142, a notificação das recorrentes para procederem ao pagamento das multas.   


***


As recorrentes, em requerimento de fls. 3153 a 3156, vieram fazer a demonstração do pagamento das multas (apenas o fizeram à cautela) e requerer a devolução dos montantes pagos, por entenderem que o prazo terminava em 30 de Maio de 2018, por relevar para o efeito o adicional dos primeiros três dias úteis, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC.



***


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça na vista a que alude o artigo 441.º, n.º 1, do CPP, emitiu douto parecer, de fls. 3219 a 3223, do 9.º volume, nos termos seguintes (Realces do texto): (…)

«Questão essa, tal como as Recorrentes a equacionam, a de «saber se o decretamento do arresto preventivo previsto no artigo 228º, nº 1, do Código de Processo Penal, depende da comprovada, efectiva e material verificação cumulativa dos requisitos de índole civila saber, a séria probabilidade de existência do direito que se pretende acautelar (o «fumus boni iuris») e o fundado receio de perda da garantia patrimonial (o «periculum in mora») –, nos termos da remissão operada pelo artigo 228º, nº 1 do Código de Processo Penal, para o formalismo previsto nos artigos 391º e 392º do Código de Processo Civil, ou se, pelo contrário, o decretamento do arresto preventivo, nos termos previstos no art.º 228º, nº 1, do Código de Processo Penal, não carece da verificação cumulativa dos mencionados requisitos, tal-qualmente se encontram postulados nos artigos 391º e 392º, do Código de Processo Civil».

Pedem a admissão do recurso, o reconhecimento da oposição de julgados e o seguimento daquele, com notificação dos interessados para produção de alegações nos termos do art.º 442º n.os 1 e 2 do CPP:

«Dos pressupostos do recurso extraordinário – admissibilidade e seguimento do recurso.

Pressupostos formais.

A admissão do recurso extraordinário de fixação jurisprudência, figurado nos art.os 437º a 445º do CPP, depende da reunião de vários pressupostos formais, a saber:

Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do Supremo – art.º 437º n.os 1 e 2 do CPP.

O trânsito em julgado dos dois acórdãos – art.os 437º n.º 4 e 438º n.º 1 do CPP. 

A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – art.º 438º n.º 1 do CPP.

A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento) – art.º 438º n.º 2 do CPP.

A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento – art.º 438º n.º 2 do CPP.

A indicação de apenas um acórdão-fundamento – art.os 437º n.os 1, 2 e 3 e 438º n.º 2 do CPP [1].

Todos estes pressupostos se verificam in casu, nada obstando formalmente à admissão do recurso.

Na verdade:

Os acórdãos em confronto são, ambos, de Tribunal de Relação.

O Acórdão Recorrido – cfr. certidão de fls. 16 – transitou em julgado em 24.5.2018, por ocasião do trânsito da Decisão Sumária n.º 249/2018 do Tribunal Constitucional proferido nos recursos para ele interpostos – cfr. fls. 3072 a 3080 (vol. 8); 3081 a 3120 (vol. 8); 3121(vol. 8); 3122 a 3126 (vol. 8);

O recurso foi interposto em 27.6.2018, portanto, no segundo dia útil posterior aos termo do prazo de 30 dias, pagando as Recorrentes as multa correspondentes – cfr. art.os 104º n.º 1, 105º n.º 1, 107º-A al.ª b) e 438º n.º 1 do CPP e 139º n.º 5 al.ª b) do CPC e promoção de 9.11.2018, douto despacho de 23.11.2018, guias de 18.12.2018 e requerimento de 15.1.2019.

O Acórdão-Fundamento – que só um foi indicado –, está publicado em www.stj.pt e transitou em julgado.

A instrução do recurso satisfaz tudo o exigido nos art.os 438º e 439º do CPP.

Pressuposto substancial – a oposição de julgados.

Além dos formais que se acaba de referir, exige o art.º 437º n.os 1 a 3 do CPP que haja uma oposição de julgados entre os acórdãos em confronto, a qual, na lição, pacífica, deste Supremo Tribunal de Justiça se verifica – e só se verifica – quando:

Os dois acórdãos em conflito incidam sobre a mesma questão de direito, tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação e adoptem “soluções opostas”.

A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas.

As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos;

A vexata quaestio não tenha sido objecto de anterior fixação de jurisprudência [2].

In casu falham – diga-se já – os requisitos da identidade da questão de direito, das situações de facto e do enquadramento jurídico, por isso que não havendo oposição de julgados que autorize a admissão e o seguimento de recurso para lá do momento previsto no art.º 441º n.º 1 do CPP.

Com efeito e muito sinteticamente:

No Acórdão-Fundamento esteve em jogo a efectivação de responsabilidade civil conexa com responsabilidade criminal em favor de uma assistente-lesada civil que, na qualidade de entidade empregadora da, ali, denunciada, ressarciu clientes seus relativamente a quantias deles de que a segunda se apoderara, num total de € 428 743,88, no contexto da prática de crimes de falsificação de documento, de abuso de confiança qualificado e de burla qualificada, p. e p. pelos art.os 256.º, n.os 1 e 4, 205.º, n.º 4, al.ª b), 217º n.º 1 e 218.º n.os 1 e 2 do CP e com fundamento (civilístico) nos art.º 483º a 498º e 562º a 572º do CC.

Sendo que, fundada na aparência do seu (bom) direito de crédito e tendo razões para recear pela dissipação do património da denunciada e pela impossibilidade de, no momento próprio, vir a ser reembolsada das quantias que, por via das condutas denunciada, pagara aos seus legítimos donos – art.º 391º n.º 1 do CPC –, propôs a assistente-lesada providência cautelar de arresto preventivo nos termos dos art.os 228º n.º 1 e 391º a 393º do CPC como preliminar do pedido de indemnização civil que se propunha deduzir na acção penal, nos termos dos art.os 71º e ss. do CPP.

E foi no contexto desta providência e do respectivo bloco legal – recordando, o dos art.º 71º e ss. do CPP, 483º a 498º e 562º a 572º do CC, 228º do CPP e 391º a 393º do CPC – que o Acórdão-Fundamento decidiu, em boa verdade, que o fumus boni iuris e o periculum in mora na sua feição, por assim dizer, processual-civil stricto sensu constituíam fundamento do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.

Sendo que, vendo no despacho da Senhora Juíza de Instrução ali sob reexame factos que sustentavam (perfunctoriamente) a indiciação do direito de crédito que a denunciante se arrogava mas não que sustentassem a do receio da perda da garantia patrimonial, anulou a decisão e determinou que, na 1ª instância, se produzissem os meios de prova a propósito apresentados pela assistente, decidindo-se, a final, em conformidade, pela procedência ou improcedência da providência cautelar.

Substancialmente diverso, todavia, o que se passou no Acórdão Recorrido.

Aqui, o que esteve em causa foi uma série de providências de arresto preventivo fundado no mesmo art.º 228º do CPP requeridas pelo Ministério Público contra, entre outras, as ora Recorrentes, porém, não em vista de acautelar um qualquer crédito indemnizatório fundado em responsabilidade civil extracontratual das demandadas conexa com a prática de crimes – aliás, algumas destas nem sequer figuraram como denunciadas ou arguidas no procedimento criminal –, sim para o efeito de garantir a, efectiva, perda para o Estado das vantagens do facto ilícito-típico prescrita nos art.º 110º n.º 1 a) do CP – «as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem» – auferidas por via da prática dos ilícitos criminais de falsificação de documento – art.º 256º do CP –, de abuso de confiança qualificado – art.os 204º e 205º do CP, de burla qualificada – art.os 217º e 218º n.º 2 a) do CP –, de falsidade informática – art.º 3 da Lei n.º 109/2009, de 15.9 –, de infidelidade – art.os 224º do CP – e de corrupção no sector privado – art.os 8º n.º 1 e 2º al.as d) e e) da Lei n.º 20/2008, de 21.4 – que estavam investigação no inquérito criminal.

E foi em razão dessa substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico – de um lado, um dano patrimonial causado a uma ofendida-lesada por via da prática de crimes e a reconstituição, por equivalente, da situação que existiria não fora a verificação do ilícito, tudo nos termos dos art.º 483º e ss. e 564º e ss. do CC; do outro, a perda de vantagens proporcionadas pela prática de ilícito, o seu confisco, e o «tríplice objectivo de acentuar os intuitos de prevenção geral e especial e de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes» [3], tudo nos termos dos art.os 110º n.os 1 a 4 e 111º n.os 2 e 3 do CP – que no Acórdão Recorrido se afirmou que qualquer um dos arrestos preventivos do art.º 228º do CPP que ali estavam em jogo «não e[ra] uma providência processual cível enxertada no processo penal, mas uma medida da garantia patrimonial, com âmbito muito mais vasto, que se aproxima das medidas de coacção» [4].

E daí que, embora não prescindindo propriamente do fumus boni iuris e do periculum in mora do art.º 391º n.º 1 do CPC, estes requisitos do arresto, no quadro normativo dos art.os 228º do CPP, 110º e 111º do CP, assumam uma feição específica – ditada, repete-se, pelo específico enquadramento facto-normativo –, aproximando-se o primeiro da ideia do fumus comissi delicti espelhado na própria acção penal [5], e traduzindo-se, o segundo, como «um perigo que se surpreende em relação a um perigo que cumpre acautelar», o de, no momento próprio da reversão das vantagens em favor do Estado já nada haver para liquidar [6].     

Conclusão-parecer.

As razões expostas evidenciam, pensa-se, a inexistência da oposição de julgados que constitui pressuposto substancial da admissibilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

Por tal motivo e sem necessidade de outras considerações, é o Ministério Público de parecer que o recurso deve ser rejeitado, conforme o disposto no art.º 441º n.º 1 do CPP.».


***


Os autos voltaram ao Ministério Público para se pronunciar sobre o referido requerimento de pedido de devolução dos montantes pagos, a título de multa. (Fls. 3153 a 3156).

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 3225, pronunciou-se no sentido de “na determinação do momento do trânsito em julgado do Acórdão Recorrido não serem computáveis os três [dias] de tolerância que no n.º 7 do requerimento se diz acrescerem ao prazo de 10 dias previsto no art. 78.º-A n.º 3 da LTC”, promovendo se indefira o requerido.



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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           


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Apreciando.


Extrai-se do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de Dezembro de 2012, no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, desta 3.ª Secção:

“O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência constitui uma espécie de recurso classificado como «recurso normativo», por contraposição com o denominado «recurso hierárquico»; no recurso normativo, o objecto é constituído pela determinação do sentido de uma «norma», com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente”. (Referindo igualmente o presente recurso como recurso categorialmente designado como “normativo”, veja-se o acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 456/07.0TALSD.S1, desta 3.ª Secção).

Nesta perspectiva tinha-se já pronunciado o acórdão de 14-09-2011, proferido no processo n.º 1421/10.6PBSTB.S1 - 3.ª Secção, nestes termos: “Ao atribuir uma determinada interpretação à norma, e essa interpretação reveste uma natureza geral e abstracta, o acórdão de uniformização de jurisprudência assume uma leitura normativa como adequada. Essa interpretação tem por objecto uma norma, sendo certo que, como de modo constante e uniforme tem entendido o TC, para tal efeito há-de operar-se com um conceito funcional de norma, um conceito funcionalmente adequado àquele sistema fiscalizador e consonante com a sua justificação e sentido. O que ali se tem em vista «é o controle dos actos do poder normativo do Estado (lato sensu) –, e em especial do poder legislativo – ou seja, daqueles actos que contêm uma “regra de conduta” ou um “critério de decisão” para os particulares, para a Administração e para os tribunais.

A uniformização de jurisprudência fixa uma das várias interpretações possíveis da lei, cria a norma correspondente, para depois fazer aplicação dela ao caso concreto. Assim, a uniformização traduz a existência de uma norma jurídica elegendo uma determinada interpretação que, em princípio, se impõe genericamente, o que implica, quanto a ela, seja possível o accionamento do processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade. No caso, a invocação de uma pretensa inconstitucionalidade deveria ter-se concretizado através do meio processual adequado, que não é o presente recurso”.


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O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1996, proferido no processo n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143, face à natureza excepcional do recurso, a interpretação das normas que o regulam deve fazer-se apertis verbis, ou seja, com o rigor bastante para o conter no seu carácter extraordinário e não o transformar em mais um recurso ordinário na prática.

Ou, como se refere no acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2003, proferido no processo n.º 1775/02, da 5.ª Secção, que citámos no acórdão de 12 de Março de 2008, no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253 (5) e no acórdão de 19 de Março de 2009, processo n.º 306/09-3.ª Secção, sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras deste recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade. 

Como referia o acórdão de 8 de Março de 2007, proferido no processo n.º 325/07, da 5.ª Secção “Quando se entra no domínio dos recursos extraordinários todos estarão cientes de que o trilho é excepcional, não apenas quanto à sua emergência e tramitação, como no rigor das suas exigências formais para com todos os sujeitos processuais”.

No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 604/07-5.ª Secção; de 05-09-2007, por nós relatado no processo 2566/07-3.ª Secção; de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª Secção; de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª Secção; de 12-03-2008, por nós relatado no processo n.º 407/08-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, processo n.º 804/08-3.ª Secção; de 19-03-2009, por nós relatado no processo n.º 306/09; de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª Secção; de 11-05-2011, processo n.º 89/09.7GCGMR-A.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento deste STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes por essa excepcionalidade); de 20-10-2011, processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S1, em que interviemos como adjunto (Sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade); de 30-01-2013, por nós relatado no processo n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª Secção; de 21-10-2015, por nós relatado no processo n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª Secção; de 20-04-2016, processo n.º 22/03.0TELSB.L1-A.S1-3.ª Secção; de 21-09-2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª Secção; de 9-11-2016, processo n.º 196/14.4JELSB-G-L1.S1; de 19-04-2017, por nós relatado no processo n.º 175/14.1GTBRG.G1-A.S1; de 27-04-2017, por nós relatado no processo n.º 559/14.5TABRG.G1-A.S1; de 15-11-2017, por nós relatado no processo n.º 3737/09.5TDLSB.L2.E1-B.S1; de 11-04-2018, por nós relatado no processo n.º 324/14.0TELSB-V.L1-A.S1; de 13-09-2018, por nós relatado no processo n.º 833/03.6TAVFR.P4.S1-B, da 3.ª Secção; de 12-12-2018, por nós relatado no processo n.º 1001/16.2T8OLH-E1-A.S1, e de 2-10-2019, por nós relatado no processo n.º 3773/12.4TBPTM.E1-A.S1.

E de igual modo no recurso de decisão contra jurisprudência fixada, como se pode ver no acórdão de 5 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 86/08.0TAMFR.L1-A.S1-3.ª, na confluência deste recurso com o previsto no artigo 446.º do CPP, por estar em causa o trânsito em julgado do AUJ e a respectiva eficácia externa emprestada pela publicação no Diário da República, com voto de vencido, afirma-se: “A lei estabeleceu certos e determinados requisitos para a interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Pelo carácter excepcional deste recurso, que impugna decisões transitadas em julgado, estes requisitos são insusceptíveis de «adaptação», que poderia por em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei, pelo que se não lhe aplica o vertido no art. 265.º-A, do CPC”). Mais recentemente, no mesmo sentido, o acórdão de 6-04-2016, por nós relatado no processo n.º 521/11.0TASCR.L1-A.S1 e o acórdão de 1-02-2017, por nós relatado no processo n.º 446/07.3ECLSB.L1.S1.

Aliás, idêntico grau de exigência se coloca nos recursos extraordinários de revisão de sentença, como assinalámos nos acórdãos de 8 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 1594/01.9TALRS.GF.S1, de 12-10-2016, processo n.º 1265/10.5JAPRT-J.S1, de 17-05-2017, processo n.º 53/14.4PTVIS-A.S1, de 7 de Junho de 2017, processo n.º 40/11.4GTPTG-B.S1, de 30-05-2018, processo n.º 442/12.9PAENT-E.S1, de 20-06-2018, processo n.º 1014/11.0PHMTS-B.P1.S1, de 27-06-2018, processo n.º 1108/12.5PCSNT-A.S1, de 28-11-2018, processo n.º 100/15.2GECUB-B.S1 e de 16-05-2019, processo n.º 350/13.4TASTB-C.S1.


***


Os pressupostos de prosseguimento do presente recurso extraordinário decorrem, no essencial, do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP.

Estabelece o artigo 437.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela 15.ª alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29-08, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor em 15-09-2007, e intocado nas subsequentes alterações:

1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.


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Nos termos do n.º 1 do artigo 438.º do mesmo Código, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

O n.º 2 do mesmo preceito contempla a necessidade de observância de determinados requisitos, como o recorrente identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, devendo justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

O “Assento” n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Maio de 2000, fixou jurisprudência no sentido de que, no requerimento de interposição de recurso deveria constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 438.º, o sentido em que deveria fixar-se a jurisprudência cuja fixação era pretendida.

O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006, que reputou ultrapassada a jurisprudência assim fixada, procedeu ao seu reexame, e fixou-a no sentido de que no requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência.

Sendo basicamente necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas, o artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso.


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Legitimidade das recorrentes.


Verifica-se no caso em apreciação, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, a legitimidade das recorrentes, requeridas em providência de arresto preventivo, nos termos do artigo 228.º do CPP, em cujo âmbito foi decretado o arresto de património seu, e que viram improceder os respectivos recursos, interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Tribunal Constitucional.


Da tempestividade dos recursos.

 

Vejamos se são tempestivos os nove recursos interpostos.

      

O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 26 de Junho de 2016 foi arguido de nulo, sobrevindo acórdão de 29 de Dezembro de 2016, a conhecer das apontadas nulidades, sendo proferida no Tribunal Constitucional, decisão sumária datada de 8 de Maio de 2018, que decidiu não conhecer do recurso.

De acordo com a certidão de trânsito emitida pelo Tribunal Constitucional a decisão sumária transitou em julgado em 24 de Maio de 2018 (fls. 3127), constando a mesma informação na certidão emitida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, a fls. 2809, igualmente do 8.º volume.

A decisão sumária foi notificada pessoalmente ao Ministério Público em 9 de Maio de 2018, conforme fls. 3121.

Na mesma data foram emitidas cartas registadas para os Mandatários das recorrentes, conforme fls. 3122 a 3126.

Os requerimentos de interposição dos presentes recursos extraordinários de fixação de jurisprudência deram entrada no Tribunal da Relação de Lisboa, em 28 de Junho de 2018, conforme carimbos apostos no canto superior direito, a fls. 2, 81, 160 e 240, do 1.º volume, fls. 320, 399, 479 e 558 do 2.º volume, e a fls. 637 do 3.º volume, tendo sido enviados no dia 27 de Junho.

As recorrentes indicam o dia 30 de Maio de 2018 como sendo a data do trânsito em julgado do acórdão recorrido, alegando que poderiam reclamar da decisão sumária para conferência, contando o prazo de 10 dias, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, 1.ª parte, da LTC.

Alegam que poderiam ainda lançar mão para a prática do acto, dentro dos 3 dias úteis subsequentes, mediante o pagamento de multa, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, alínea c) do CPC, ex vi do artigo 69.º da LTC.   

Certo que poderiam as recorrentes reclamar para a conferência no prazo de 10 dias.

De acordo com o n.º 1 do artigo 105.º do Código de Processo Penal (Prazo e seu excesso): “Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo Penal (Contagem dos prazos de actos processuais):

“Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil”.

Preceitua o n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal (Renúncia ao decurso do prazo e prática de acto fora do prazo):

“5 – Independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações”.

Estabelece o artigo 107.º - A do Código de Processo Penal, aditado pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, entrada em vigor em 20 de Abril de 2009, sob a epígrafe “Sanção pela prática extemporânea de actos processuais”:

Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;

b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;

c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.


Sob a epígrafe “Regra da continuidade dos prazos”, estabelece o artigo 138.º do Código de Processo Civil:

1 – O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes”.

2 – Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.

3 – …….…...…………………………………………………

4 – ……….……...…………………………………………


Sob a epígrafe “Modalidade do prazo”, estabelece o artigo 139.º do Código de Processo Civil:

4 – O acto pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.

5 – Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos termos seguintes:

a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 1/2 UC;

b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 3 UC;

c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 7 UC.


(Sobre evolução de leis relativas a contagem de prazos, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013, de 17 de Janeiro de 2013, por nós relatado no processo n.º 165/10.3TTFAR.E1-A.S1, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2013, págs. 963 a 966).

 

Sendo as cartas para notificação expedidas em 9-05-2018, que foi quarta-feira, as recorrentes presumem-se notificadas, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, do CPP, [na redacção dada pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018) entrada em vigor em 23 de Março de 2018], no dia 14 de Maio de 2018 – terceiro dia útil posterior ao do envio –, sendo os três dias úteis os dias 10 e 11 de Maio (quinta-feira e sexta-feira) e o dia 14 de Maio (segunda-feira).

Os 10 dias para apresentar reclamação para a conferência perfizeram-se em 24 de Maio de 2018, que foi sexta-feira.

Os 30 dias para interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 438.º, n.º 1, do CPP, perfizeram-se em 23 de Junho que foi sábado, pelo que o termo final passou para a segunda-feira dia 25. E assim é, porque, de acordo com o n.º 2 do artigo 138.º do CPC, “Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte”.

Terminando os 30 dias em 25 de Junho 2018, isso significa que os 30 dias hábeis para o presente recurso perfizeram-se no dia 25.     

Os presentes nove recursos extraordinários de fixação de jurisprudência foram enviados por correio em 27 de Junho de 2018, como consta dos envelopes juntos a fls. 80, 159, 239 e 319 do 1.º volume, fls. 398, 478, 557 e 636 do 2.º volume, e fls. 716 do 3.º volume, dando entrada no Tribunal em 28 de Junho de 2018, conforme o carimbo apostos na primeira folha de cada um dos nove recursos.

Para efeitos de cômputo de prazo, ao prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, não pode adicionar-se os 3 dias a que alude o artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável em processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do CPP.

Neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2013, proferido no processo n.º 90/06.2TALMS-B.S1-5.ª Secção, no âmbito de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, nos termos do artigo 446.º do CPP, mas com plena aplicação no caso presente, aí se referindo: “Dispõe o art. 446.º do CPP que é admissível recurso directo para o STJ, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

Como do acórdão recorrido, ao abrigo dessa disposição legal, não cabia recurso ordinário, o mesmo transitou em julgado no prazo geral de 10 dias a contar da notificação, pois esse é o prazo para arguir nulidades, ou para pedir a aclaração, ou rectificação de erros (cf. art. 105.º, n.º 1, do CPP), ou, então, para interpor recurso para o TC (cf. art. 75.º, n.º 1, da LTC).   

Não relevam, para o efeito da data do trânsito em julgado, os 3 dias úteis durante os quais o acto ainda pode ser praticado com o pagamento de uma multa (art. 145.º do CPC), pois, como refere esta norma, trata-se dos “três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”.

No mesmo sentido, apreciando pedido de aclaração, pronunciou-se o acórdão de 13-04-2016, proferido no processo n.º 651/11.8GASLH-B.S1-3.ª Secção, de que se extrai:

“As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de 10 dias.

Ao prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do art. 105.º do CPP, não pode adicionar-se o prazo de 3 dias úteis constante dos arts. 139.º, do CPC e 107.º-A, do CPP, prazo este de natureza distinta que, como a própria lei adjectiva estatui no art. 139.º, n.º 5, do CPC, se situa para além do termo do prazo da prática do acto (“pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”), sendo de inferir o pedido de aclaração formulado com tal fundamento”.

Do mesmo modo no acórdão de 11-04-2018, por nós relatado no processo n.º 324/14.0TELSB-V.L1-A.S1, em que era recorrente a sociedade comercial KK Property Portugal (S.G.P.S.), S.A., requerida nos autos de arresto n.º 324/14.0TELSB-V, a qual, notificada do teor do “acórdão” de 15-04-2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou o acórdão proferido no dia 7-07-2016, que julgou totalmente improcedente o recurso, estando em causa recurso interposto pela requerida do despacho do Juiz de Instrução Criminal, datado de 15-05-2015, que decretou arresto de bens da requerida, interpôs recurso de fixação de jurisprudência.

A então recorrente invocou oposição entre a solução do acórdão recorrido e a preconizada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 324/14.0TELSB-I.L1, da 9.ª Secção Criminal, ou seja, no âmbito do mesmo processo.

Daí se extrai: “A recorrente indica o dia 19 de Maio de 2017 como sendo a data do trânsito em julgado da decisão de 15-04-2017, mas incorre em equívoco.

Alega que poderia recorrer para o Tribunal Constitucional, contando o prazo de 10 dias, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, 1.ª parte, da LTC.

Alega que poderia ainda lançar mão para a prática do acto, dos 3 dias úteis subsequentes, mediante o pagamento de multa, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, alínea c) do CPC, ex vi do artigo 69.º da LTC. Com o devido respeito, não faz sentido invocar a possibilidade de pagamento de multa, quando o direito ao recurso não é exercido. Só fará sentido invocar esse acréscimo quando dele se faz uso.

Para efeitos de cômputo de prazo, ao prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, não pode adicionar-se o acréscimo de 3 dias a que alude o artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável em processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do CPP – neste sentido, o acórdão deste STJ de 13-04-2016, processo n.º 651/11.8GASLH-B.S1-3.ª Secção”.

No caso presente reitera-se que, com o devido respeito, não faz sentido invocar a possibilidade de pagamento de multa, quando o direito ao acto (recurso, reclamação, arguição de nulidade, pedido de correcção) não é exercido. Só fará sentido invocar esse acréscimo temporal de tolerância quando dele se faz uso efectivo.

 

Sendo fundamento do prosseguimento dos autos a interposição nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, tal requisito mostra-se preenchido, pois os recursos deram entrada com observância daquele período temporal, acrescidos do pagamento de multas.

Há que concluir, portanto, que os recursos são tempestivos.

    

Oposição de julgados


Para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão - fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos, que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.

    

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1989, in AJ, n.º 2, «É indispensável para se verificar a oposição de julgados:

a) – que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito;

b) – que as decisões em oposição sejam expressas (e não implícitas);

c) – que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.  

A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos».

Segundo o acórdão de 25 de Setembro de 1997, proferido no processo n.º 684/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Gabinete de Assessoria, n.º 13, pág. 142, são pressupostos da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência na oposição de acórdãos da mesma Relação:

- existência de soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;

- relativamente à mesma questão de direito;

- no domínio da mesma legislação;

- identidade das situações de facto contempladas nas decisões em confronto; e

- julgados explícitos ou expressos sobre idênticas situações de facto.


No que respeita aos requisitos legais (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora - requisitos resultantes directamente da lei), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, aditou, de há muito e face ao disposto então no artigo 763.º do Código de Processo Civil, a incontornável necessidade de identidade dos factos contemplados nas duas decisões e de decisão expressa, não se restringindo à oposição entre as soluções ou razões de direito.

Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 1966, proferido no processo n.º 61.536, publicado no BMJ n.º 161, pág. 354, não há oposição que legitime o recurso para o Tribunal Pleno quando o acórdão invocado em oposição só implicitamente se pronunciou sobre a questão controvertida.

Como se extrai do acórdão de 23 de Maio de 1967, proferido no processo n.º 61.873, in BMJ n.º 167, pág. 454, de entre os requisitos de seguimento de um recurso para o Tribunal Pleno, era “indispensável, ainda, segundo a orientação deste Supremo Tribunal, que sejam idênticos os factos contemplados nos dois acórdãos e que em ambos sejam expressas as decisões”.

Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1963, BMJ n.º 124, pág. 633; de 25 de Maio de 1965, BMJ n.º 147, pág. 250; de 08 de Fevereiro de 1966, BMJ n.º 154, pág. 263 e de 21 de Fevereiro de 1969, BMJ n.º 184, pág. 249.

Como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-01-2000, proferido no processo n.º 1129/99, “Para haver oposição de acórdãos, é indispensável que sejam idênticos os factos neles contemplados e que em ambos a decisão seja expressa, isto é, a questão fundamental de direito resolvida pelos arestos em sentido contrário deve ter sido por eles directamente examinada e decidida, não sendo suficiente que num acórdão possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária à enunciada no outro”.   

Como se extrai do acórdão de 10-10-2001, proferido no processo n.º 1070/01- 3.ª Secção, as expressões normativas soluções opostas relativas à mesma questão de direito constantes do artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, exigem que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões, objecto naturalmente fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 4368/07-5.ª Secção, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

 

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante neste sentido ao longo do tempo - cfr. acórdãos de 11-07-1991, processo n.º 42.043; de 26-02-1997, processo n.º 1173, SASTJ, n.º 8, pág. 102; de 06-03-2003, processo n.º 4501/02-3.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 228; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 18-10-2006, processo n.º 3503/06-3.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3032/06-5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4042/06-3.ª; de 06-02-2008, processo n.º 4195/07-3.ª; de 27-02-2008, processo n.º 436/08-3.ª; de 27-03-2008, processo n.º 670/08-5.ª Secção; de 03-04-2008, processo n.º 4272/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 194; de 16-09-2008, processo n.º 2187/08-3.ª; de 02-10-2008, processo n.º 2484/08-5.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2807/08-5.ª; de 12-11-2008, processo n.º 3541/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 221; de 12-02-2009, processo n.º 3542/08-5.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª; de 01-10-2009, processo n.º 107/07.3GASPS-B.C1-A.S1-3.ª; de 10-02-2010, processo n.º 583/02.0TALRS.L1-A.S1-3.ª, de 18-02-2010, processo n.º 12.323/03.2TDLSB.L1-A.S1-5.ª; de 03-03-2010, processo n.º 6965/07.4TDLSB.L1-A.S1-3.ª; de 24-10-2013, processo n.º 1/03.7PILSB.CS1-5.ª; de 13-02-2014, processo n.º 1527/08.1GBABF.E1-A.S1-5.ª (Necessário que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. Sempre que as decisões, recorrida e fundamento, partam de diferentes realidades de facto não têm como efeito fixar soluções diferentes para a mesma questão de direito) e n.º 1006/09.PAESP.P1.-B.S1-5.ª Secção (Não se pode defender que a mesma factualidade tenha de corresponder a uma identidade absoluta).

Explicitam os citados acórdãos de 03-04-2008, de 02-10-2008, de 08-10-2008 e de 12-02-2009, todos do mesmo Relator, que a expressão “soluções opostas” «pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos; se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP».

Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 4368/07-5.ª Secção, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

E de acordo com o acórdão de 10 de Julho de 2008, processo n.º 669/08 e de 25 de Março de 2009, processo n.º 477/09, ambos da 5.ª Secção, o recurso para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas, sendo necessário, como requisito prévio, que tenha havido decisões jurídicas fundamentadas e expressas sobre o mesmo ponto de direito, por dois tribunais superiores e em sentido oposto, sendo necessário, na explicitação do acórdão de 3 de Julho de 2008, processo n.º 1955/08-5.ª, que ambos se debrucem especificamente sobre a questão jurídica que esteve na base da decisão diferente.


Podem ver-se ainda os acórdãos de 12-03-2009, processo n.º 576/09-5.ª Secção (perfilada uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas; os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas. A oposição deve ser expressa e não tácita; tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito; interessa pois que a situação fáctica tenha os mesmos contornos, no que releva para desencadear a aplicação das mesmas normas); de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª Secção; de 10-09-2009, processo n.º 458/08.0GAVGS.C1-A.S1-5.ª (interessa que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas) e de 10-09-2009, processo n.º 183/07.9GTGRD.C1.S1-3.ª, onde se refere: «Situação de facto idêntica para efeitos de recurso de fixação de jurisprudência é apenas a que consta dos acórdãos legitimados à fixação, no caso a matéria de facto fixada respectivamente em cada acórdão da Relação. (…).

Se a matéria de facto provada nos acórdãos da Relação é diferente, implicando consequência jurídica também diferente, é óbvio que não pode dizer-se que houve soluções divergentes que conduziram a soluções opostas relativamente a mesma questão jurídica. (…) Somente após a fixação da matéria de facto provada se pode definir e decidir o direito, pois que é sobre a matéria de facto, definitivamente estabelecida, que incide depois o direito constante da lei aplicável.

É a matéria de facto que gera a questão de direito e convoca à aplicação da lei e não o contrário.

E somente depois de fixada a questão de facto é que surge a questão de direito.

Por isso se compreende que somente perante situações jurídicas decididas de forma oposta perante matéria de facto idêntica é que pode configurar-se recurso de fixação de jurisprudência, verificados os demais pressupostos».

No mesmo sentido ainda os acórdãos de 28-10-2009, processo n.º 326/05.7IDVCT-B e processo n.º 536/09.8YFLSB-A.S1, e de 05-05-2010, processo n.º 61/10.4YFLSB, todos da 3.ª Secção.

Ainda de acordo com o acórdão de 13-01-2010, processo n.º 611/09.9YFLSB.S1-3.ª Secção, a oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

Para o acórdão de 14-03-2013, proferido no processo n.º 4201/08.5TDLSB.L1-A.S1, da 5.ª Secção, “não basta, para o efeito da determinação relevante da oposição de julgados, referida no art. 437.º do CPP, que uma das decisões seja equivalente, na prática, à que resultaria da questão jurídica, dita em oposição, ter sido decidida num determinado sentido, pois torna-se necessário que expressamente a decida, num sentido ou noutro, de preferência, de forma fundamentada.

Na verdade, o recurso para uniformização de jurisprudência não é um recurso ordinário, de que o sujeito processual lance a mão para retificar um determinado erro de julgamento. Daí que tenha requisitos muito limitativos e um deles é que as questões de direito em oposição tenham sido abordadas e decididas de forma expressa e não de forma meramente implícita”.

Para o acórdão de 19-06-2013, processo n.º 11197/10.1TDLSB.L1-A.S1-3.ª Secção “A expressão “soluções opostas” pressupõe que em ambas as decisões seja idêntica a situação de facto, com expressa resolução da questão de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos”.

Extrai-se do acórdão de 10-04-2014, processo n.º 201/11.6GTSTB.L1-A.S1 - 3.ª Secção: Segundo a doutrina do STJ, os requisitos substanciais ocorrem quando os acórdãos tenham consagrado soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, quando as decisões em oposição sejam expressas e quando as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

Quando são diferentes as situações de facto não existe um paralelismo na consumação do silogismo judiciário cuja diferenciação de conclusões origina o conflito jurisprudencial.

Uma situação é a de, em termos de convicção, o tribunal fundar-se em prova indiciária, cuja admissibilidade radica no art. 125.º do CPP, outra, completamente distinta, é a afirmação inscrita no acórdão-fundamento de que tem de se provar no processo crime a existência da vantagem patrimonial, fazendo-se a destrinça relativamente aos valores encontrados pela Administração Fiscal com recursos a métodos indiciários.

Para o acórdão de 30-04-2014, processo n.º 14/09.5TARGR.L1-A.S1 - 3.ª Secção:

São requisitos de ordem substancial:

- a existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ;

- a oposição referir-se a matéria de direito, e no domínio da mesma legislação;

- as decisões em oposição serem expressas, e não meramente implícitas;

- a oposição referir-se à própria decisão, e não aos seus fundamentos;

- a identidade fundamental da matéria de facto.

No caso, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento têm exatamente o mesmo entendimento sobre a interpretação da norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente quanto à exigência de, para além da indicação das provas, a sentença ter de fazer um exame crítico das mesmas e explicitar as razões da convicção formada quanto à fixação dos factos.

Apesar da coincidência quanto à questão de direito, o tribunal decidiu-se, num caso, pelo cumprimento do preceito em causa, e consequentemente pela inexistência da nulidade, e no outro, em sentido contrário. Contudo, essa divergência resultou da aplicação concreta a cada caso, da singularidade da fundamentação de cada uma das sentenças analisadas, com os seus específicos contornos, resultantes da diversa factualidade analisada por cada uma e não de uma qualquer discordância quanto ao sentido da norma.

Não havendo, pois, oposição dos acórdãos recorrido e fundamento quanto à questão de direito assinalada – interpretação do art. 374.º, n.º 2, do CPP – não existe oposição de julgados, não podendo o recurso prosseguir por carência deste requisito.

Segundo o acórdão de 30-04-2014, processo n.º 1721/09.8JAPRT.P1.S2-A-5.ª Secção

 “Se duas diferentes situações de facto justificam soluções de direito distintas, não existe oposição de julgados entre acórdãos em conflito, relevante para efeitos de recurso para fixação de jurisprudência”.

Para o acórdão de 24-09-2014, processo n.º 625/11.9TATNV.C2-A.S1-3.ª Secção “Atenta a natureza extraordinária do recurso para fixação de jurisprudência o legislador subtrai a sua disciplina substantiva e adjectiva à estruturação dos recursos ordinários, concentrando os requisitos materiais na norma excepcional do art. 438.º, n.º 2, do CPP. A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito, ou seja, esse pressuposto não abdica de uma identidade factual emérita de julgados de direito opostos. Não se justifica a intervenção de uniformização do STJ quando questões distintas no plano factual receberam diversas soluções de direito”.

Podem ver-se ainda, i. a., os acórdãos de 23-04-2014, processo n.º 828/11.6IDLSB-A.S1-3.ª Secção; de 30-04-2014, processo n.º 14/09.5TARGR.L1-A.S1-3.ª Secção; de 11-12-2014, processo n.º 356/11.0IDBRG.G1-A.S1-5.ª Secção (só perante a identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que quanto à mesma questão de direito existem soluções opostas); de 28-01-2015, processo n.º 118/08.1PALRS.L1-A.S1-3.ª; de 24-06-2015, processo n.º 536/14.6SLSB.L1-A.S1-3.ª; de 1-07-2015, processo n.º 735/09.2TAOAZ.P1-A.S1-3.ª; de 27-01-2016, processo n.º 1433/06.4SILSB.L1-A.S1-3.ª; de 21-09-2016, por nós relatado no processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª; de 19-04-2017, processo n.º 175/14.1GTBRG.G1-A.S1-3.ª; de 15-11-2017, processo n.º 3737/09.5TDLSB.L2.E1.-B.S1. - 3.ª; de 11-04-2018, por nós relatado no processo n.º 324/14.0TELSB.-V.L1-A.S1- 3.ª Secção.


Analisando.


Na abordagem a efectuar, tem-se por certo e incontornavelmente seguro, que as situações de facto num e noutro caso – acórdão recorrido e acórdão fundamento – não são idênticas e que são distintos os quadros normativos em presença a caucionar a adopção da medida de garantia patrimonial em causa.

Na verdade, as situações determinantes de decretamento de arresto preventivo no caso do acórdão recorrido e do acórdão fundamento processaram-se a respeito de institutos jurídicos que nada têm em comum, situados em planos muito diferenciados.


Comecemos pelo

 

Acórdão recorrido

Antes do mais, convirá esclarecer a conformação do acórdão recorrido.

Na génese da deliberação ora impugnada em via extraordinária está o despacho de 15 de Maio de 2015, do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, proferido no âmbito dos autos de inquérito n.º 324/14.0TELSB-A, constante de fls. 2072 a 2268 (volumes 7.º e 8.º), que decretou o arresto preventivo dos bens das nove requeridas supra identificadas e de outras entidades recorrentes no acórdão recorrido, mas ora não recorrentes, a saber:

1 – LL, S.A.; 

2 – MM;

3 – NN - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de Sociedade Gestora do “OO - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”;

4 – PP - Actividades Agro-Silvícolas e Turísticas, S.A.; e,

5 – QQ - Empreendimentos e Turismo, S.A.


E ainda:

i) – “Hotéis RR, S.A.”;

ii) – “SS - Sociedade de Gestão Hoteleira, S.A.”;

iii) – “TT - Sociedade de Promoção e Construção de Hotéis, S.A.”;

iv) – “UU, S.A.”.


Na pendência do recurso estas quatro recorrentes deram notícia ao Tribunal da Relação de que por despacho do Juiz de Instrução Criminal fora determinado o levantamento do arresto dos bens imóveis de sua propriedade, requerendo a extinção da instância recursória por inutilidade superveniente, ou caso assim se não entendesse, que fosse homologada a desistência do recurso, tendo oportunamente sido julgada extinta a instância recursória por inutilidade superveniente da lide, no que tange a tais recorrentes, tudo como consta de págs. 43 e 44 do acórdão recorrido – ponto 1.16 (fls. 2831 e verso destes autos) e pág. 46 do mesmo acórdão – ponto 1.34 (fls. 2832 verso destes autos).   


Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 2016, constante de fls. 2810 a 3031 verso, a duas colunas e com frente e verso (8.º volume), foi negado provimento aos recursos dos então catorze recorrentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Inconformadas com o deliberado, as nove requeridas ora recorrentes

1 - GG (Portugal), S.A.;

2 - JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A.;

3 - BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”;

4 - FF, S.A.;

5 - II, S.A., S.A.;

6 - DD, S.A.;

7 - HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A.;

8 - EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A.; e

9 - AA, Sociedade Imobiliária, S.A.;

Vieram, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), aplicável ex vi do artigo 425.º, n.º 4, e 119.º, alínea e), todos do Código de Processo Penal, arguir a nulidade do acórdão, alegando que padecia de falta de fundamentação, omissão de pronúncia, violação das regras de competência funcional e hierárquica e excesso de pronúncia.


Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Dezembro de 2016, constante de fls. 3038 a 3066, foi deliberado:

- Declarar que o acórdão de 29-Jun-2016, que integra fls. 2964-3193 verso (vol. 10.º), não padece de qualquer nulidade, designadamente, as invocadas pelas mencionadas nove requerentes;

- Declarar que o acórdão de 29-Jun-2016 não carece de qualquer correcção;

- Indeferir in totum a arguição de “nulidade do acórdão” apresentada pelas nove requerentes

- Declarar que o acórdão de 29-Jun-2016 se mostra claro e não carece de qualquer aclaração.


***



Por despacho de 20-01-2017, constante de fls. 3072 a 3074 verso, não foram admitidos os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça pela requerida “LL, S.A.” e por MM, sendo admitidos os recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, por (ordem de apresentação e admissão):

- FF, S.A.;

- DD, S.A.;

- HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A.;

- II, S.A., S.A.;

- BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”;

- JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A.;

- GG (Portugal), S.A.;

- EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A.; e

- AA, Sociedade Imobiliária, S.A.


***

O Tribunal Constitucional por decisão sumária n.º 249/2018, processo n.º 160/17, da 1.ª Secção, datada de 8 de Maio de 2018, constante de fls. 3081 a 3120, decidiu não conhecer do objecto dos recursos, vindo certificado o trânsito em julgado no dia 24 de Maio de 2018 - fls. 3127.

Por despacho de 17-10-2018, a fls. 3130/5 do 8.º volume, foram admitidos os presentes recursos de fixação de jurisprudência. 


Contexto em que foi proferido o despacho de 15 de Maio de 2015.


O Ministério Público, no âmbito dos aludidos autos de inquérito n.º 324/14.0TELSB-A, por requerimento de 14-05-2015, requereu a providência cautelar de arresto, indicando os bens sobre que a mesma deveria incidir.

O despacho de 15-05-2015 (decisão recorrida no ora acórdão recorrido), após exposição da materialidade fáctica considerada suficientemente indiciada e após a consideração (ponto 8) de que os factos descritos eram perfunctoriamente passíveis de configurar a comissão dos seguintes crimes:

Falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no artigo 256.º do Código Penal;

Falsidade informática, p. e p. pelo disposto no artigo 3.º da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro);

Burla qualificada, p. e p. pelo disposto nos artigos 217.º e 218.º, com referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b), do Código Penal;

Infidelidade, p. e p. pelo disposto no artigo 224.º do Código Penal;

Abuso de confiança, p. e p. pelo disposto no artigo 205.º, com referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b), do Código Penal;

Corrupção no sector privado, p. e p. nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei 20/2008, de 21de Abril, com referência ao disposto nas alíneas d) e e) do artigo 2.º do mesmo diploma,

ponderou o seguinte:

«11.

«A factualidade descrita permite o juízo indiciário de que os ativos presentemente detidos pela VV (e, indiretamente, através das suas identificadas sociedades de pendentes) resultam em parte, se não no seu todo, da utilização de quantias obtidas através das condutas ilícitas acima perfunctoriamente descritas, constituindo nessa medida a sua vantagem.

«A par da perda de vantagem do crime sancionada em termos penais, de acordo com o disposto no art. 111.º, a qual abrange os direitos a que faz referência o disposto nos n.ºs 3 e 4 desse preceito, do Código Penal, é correta a afirmação de que tal possibilidade coexiste com a séria probabilidade de subsistirem créditos que assistem a clientes porventura ofendidos, bem como a investidores do antigo XX». (Assim, a págs. 53 e 54 do acórdão recorrido - fls. 2836 e verso destes autos – 8.º volume).

Após referir as circunstâncias que inscrevem a situação patrimonial das requeridas no âmbito de incidência possível do disposto no artigo 111.º, n.º s 2, 3 e 4, do Código Penal, prossegue:

«Corroboramos igualmente o entendimento de que se encontra, deste modo, indiciariamente demonstrada, por um lado, a conexão entre os factos descritos, as vantagens deles decorrentes e os bens e valores abaixo elencados, e, por outro lado, a forte probabilidade de existência de créditos a favor do Estado e, concomitantemente, de lesados. [Entendendo-se como tais os investidores e accionistas do XX]. Mostra-se, igualmente evidenciado, de forma processualmente relevante, o fundado receio de que as sociedades e indivíduos referenciados possam vir a desenvolver outras condutas (a par das que já supra se deixaram evidenciadas) que redundarão na dissipação do seu património e na consequente perda da garantia patrimonial.

«Estas circunstâncias exigem a tomada de medidas de natureza judicial e preventiva por forma a garantir a totalidade das posições patrimoniais e jurídicas identificadas sobre os referenciados patrimónios, por forma a acautelar a perda de vantagens da atividade criminosa, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado.

«Cumprindo tal propósito, o Ministério Público indica como valor estimado a garantir o montante de cerca de € 1.835 milhões de euros (correspondentes a: € 200 milhões de euros relativos a papel comercial ESI, € 800 milhões de euros relativos a mais valias com as operações BES de cupão zero, € 256 milhões de euros relativos à recompra pelo XX de dívida própria e € 379 milhões de euros relativos a papel comercial da VV, em retalho». (pág. 57 do acórdão recorrido e fls. 2837 destes autos).


Acórdão fundamento


O acórdão fundamento emerge do processo n.º 8786/13.6TDPRT, a correr termos no DIAP do Porto – 6.ª Secção, (com intervenção para actos jurisdicionais na Instância Central - 1.ª Secção de Instrução Criminal - J 3 - da Comarca do Porto) que teve na sua base denúncia apresentada por C…, S.A. contra a Requerida B…, alegando que entre pelo menos 01-01-2007 e 25-02-2009, a Requerida apropriou-se ilegitimamente, em benefício próprio ou de familiares e amigos, de valores depositados em conta de 16 clientes da Requerente, que ascendem a €417.549,70 e que a Requerida desviou valores depositados em contas de clientes em proveito próprio ou de terceiros, valores que não foram repostos pela Requerida.

Para o efeito, a Requerida utilizou diversos procedimentos fraudulentos e falsificações, mostrando-se suficientemente indiciada a prática de crimes de falsificação e de uso de documentos falsos, de abuso de confiança qualificada e de burla qualificada, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 256.º, n.ºs 1 e 4, 205.º, n.º 4, alínea b) e 218.º n.ºs 1 e 2, com remissão para o artigo 217.º, todos do Código Penal.

A Requerente C…, S.A., requereu o arresto dos bens da arguida, dizendo ter assumido junto dos clientes toda a responsabilidade pelos danos que estes sofreram com as atuações da Requerida, tendo ressarcido os clientes afectados no valor total de € 428.743,88, à data de 17-10-2014 e nessa medida tem que se considerar lesada em termos patrimoniais, porquanto arcou com as consequências nefastas dos comportamentos ilícitos tidos pela Requerida.

A Requerente C…, S.A., procedeu à reposição/reconstituição das contas dos clientes, sendo lesada e credora da Requerida pelo menos no valor de € 428.743,88, correspondente às quantias de que esta ilicitamente se locupletou.

A situação processual que conduziu ao acórdão fundamento foi diversa da ocorrida no processo donde emergiu o acórdão recorrido.

Por despacho de 26-12-2014, sem que fosse ordenada a produção de qualquer prova testemunhal (a requerente arrolara cinco testemunhas), foi ordenado o arresto preventivo de todos os bens encontrados em poder da arguida, por forma a reembolsar a lesada das quantias despendidas em virtude de actos delituosos da arguida, acrescidas de juros.

A arguida interpôs recurso.

Mais tarde, em despacho de 26-01-2016, a Mma. Juíza de Instrução reparou a decisão, nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 4, do CPP, e, assumindo estar por demonstrar o segundo requisito para o decretamento do arresto (o receio da perda da garantia patrimonial), julgou improcedente o requerido arresto preventivo e ordenou o levantamento do arresto que havia sido decretado.

Inconformada com tal decisão, a assistente C…S.A. interpôs recurso da decisão reparada para o Tribunal da Relação do Porto.

O acórdão da Relação do Porto, de 4-05-2016, concluiu que “não podia o tribunal a quo não produzir a prova requerida pela assistente e, simultaneamente, invocar e decidir que não existe qualquer prova indiciária no inquérito e, que está por demonstrar o receio da perda da garantia patrimonial para o decretamento da providência”.

Não podendo subsistir a decisão em causa, foi a mesma revogada, substituindo-a por outra que ordene a produção de prova testemunhal requerida pela assistente, com consequente decisão.

Ora, o despacho recorrido levantara o arresto, omitindo produção de prova apresentada pela requerente, e em função dessa falta, o acórdão da Relação do Porto ordenou a produção de prova, para fundamentar, justificar o levantamento ou manutenção do arresto. 

No acórdão fundamento foi ponderado: “Para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial é necessário, pois, que concorram duas circunstâncias condicionantes: a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito.

Não é necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumus boni iuris”, ou seja, que o direito se apresente como verosímil.

Também não é necessário que exista certeza de que a perda da garantia se vai tornar efetiva com a demora, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se”.

No caso foi para avaliar da presença do requisito receio da perda da garantia patrimonial que foi ordenada a produção de prova.


*****


Na base da formulação dos pedidos de arresto preventivo nos processos que conduziram ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento estão institutos, figuras jurídicas absolutamente distintas na sua estrutura, natureza jurídica, função.

        

Em rigor o único ponto em comum, para além de estarmos na presença de lesados em ambas as situações, é estarmos num e noutro caso perante o decretamento de arresto preventivo, medida de garantia patrimonial prevista no artigo 228.º do Código de Processo Penal, norma inserta no Título III - Das medidas de garantia patrimonial – do Livro IV – Das medidas de coacção e de garantia patrimonial.

Estabelece o


Artigo 228.º

Arresto preventivo



1 – A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.

Em termos civilísticos o arresto configura-se como garantia patrimonial, conforme  artigo 619.º do Código Civil.

      

No acórdão fundamento, o fundamento do arresto preventivo promovido pela sociedade lesada teve em vista reparação do mal do crime, procurando ressarcir o lesado, indemnização de perdas e danos, efectivação de responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, responsabilidade civil conexa com a criminal, emergindo da prática de um crime, sendo um crime a causa de pedir do pedido de indemnização.

No caso concreto tem em vista o pagamento pelo arguido da indemnização derivada do crime devida ao lesado.

   

No acórdão recorrido, visando outro objectivo completamente diverso, o fundamento do arresto preventivo promovido pelo Ministério Público teve em vista acautelar as vantagens adquiridas através de facto ilícito típico.


Perda de vantagens/Confisco versus Reparação de dano patrimonial


Como é sabido, a declaração de perda de bens a favor do Estado, ou o confisco, na via alargada ou não, e a punição do branqueamento (criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida – assim, Faria Costa e Eduardo Paz Ferreira), servem, por vias diversas, o mesmo desiderato: a pretensão estadual de atacar as vantagens do crime.

Na base está não um crime em sentido técnico (facto ilícito típico culposo e punível), mas a prática de um facto ilícito típico, designação presente nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 111.º do Código Penal.

Inserto no Título III - Das consequências jurídicas do facto - Capítulo IX - Perda de instrumentos, produtos e vantagens, estabelece o


Artigo 111.º

Perda de vantagens



1 – Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

2 – São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.

3 – O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.

4 – Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

[O n.º 2 tem a redacção introduzida pela Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro (suprimido «directamente» antes de adquiridos)].

[Com a Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 104), entrada em vigor em 31-05-2017, que introduziu a 43.ª alteração ao Código Penal, no que ora importa, pelo artigo 10.º foram alterados os artigos 109.º, 110.º, 111.º, 112.º, 127.º e 130.º e pelo artigo 11.º foi aditado o artigo 112.º-A].


O conceito de “Vantagens” enquadra a «recompensa» no n.º 1, e por via do n.º 2, «coisas, direitos ou vantagens».

Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, UCE, Novembro de 2015 ponto 2, pág. 460, “A perda de vantagens (fructa sceleris) é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, “mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto”.

O pressuposto formal da perda de vantagens é o da prática de um facto ilícito-criminal, podendo, portanto, ter lugar mesmo que o agente seja inimputável”.

Sanção análoga à da medida de segurança, segundo Figueiredo Dias 638, citado por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, em comentário ao artigo 111.º, nota 12, pág. 300 do Código Penal Anotado e Comentado, QUID JURIS, 2008.

A propósito da perda a favor do Estado dos instrumentos, objectos ou direitos relacionados com o crime, prevista pela primeira vez no Alvará de 4 de Junho de 1825, e posteriormente no artigo 75.º do Código Penal de 1886, nos artigos 107.º a 109.º do Código Penal de 1982 e artigos 109.º a 111.º do Código Penal de 1995 (intocados nas Reformas de 1998 e de 2007) e da consideração da sua natureza jurídica como efeito penal da condenação, configurando-se como um «confisco especial», veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-1997, publicado na CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 201, por nós citado no acórdão de 28-05-2008, proferido no processo n.º 583/08.

 

Na abordagem à categoria de facto ilícito típico, lançamos mão do que escrito foi no acórdão de 11-06-2014, por nós relatado no processo n.º 14/07.0TRLSB.S1, versando o crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A, do Código Penal.

Anota-se que Figueiredo Dias escreveu em 1993, quando as normas relativas a perda eram os artigos 107.º, 108.º e 109.º da versão originária de 1982, sendo que com a reforma de 1995, os artigos relevantes passaram a ser os artigos 109.º, 110.º e 111.º.


«A categoria do “facto ilícito típico”.

    

Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, aborda a categoria do facto ilícito típico na Parte Terceira, dedicada a “As Medidas de Segurança”, pág. 409, referindo, dentro dos Princípios do direito das medidas de segurança – pág. 433 – no ponto 3, o Princípio do ilícito - típico, no § 692, a págs. 438, abordando na alínea a) “Funções do ilícito-típico”, e na alínea b) no § 694, o “Conteúdo do ilícito-típico”, colocando a questão de saber se, quando se exige como pressuposto de uma medida de segurança a prática de um facto ilícito-típico, a expressão deve possuir exactamente o conteúdo dogmático que é atribuído à expressão na doutrina geral do crime, como a exigência de que o facto preencha um tipo objectivo de ilícito e o tipo subjectivo congruente, não intervindo no caso qualquer causa de justificação (págs. 439-440).

Neste domínio, marcado, desde logo, por nova linguagem, presente pelo menos desde 1991, há que deixar nota na abordagem do tema que nos ocupa, da antecipação da nomenclatura consagrada, mais tarde em termos de codificação em 2004, mas presente já em 1994, em Rodrigo Santiago, O branqueamento de capitais e outros produtos do crime, RPCC, Ano 4, Fasc. 4.º, Outubro-Dezembro de 1994, como acontece no ponto 5.3, pág. 533, onde ao referir o tipo objectivo do crime da alínea a) do n.º 1 do art. 23.º do DL 15/93, refere as circunstâncias que preenchem a descrição decorrente do ilícito-típico, e no ponto 5.4.1., pág. 538, substitui referência a crime base ou crime precedente por ilícito-típico.

Sobre a função de primado do ilícito-típico na construção teleológico-funcional do crime, remete o Autor para Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, RPCC, Ano I, 1991, 1, págs. 40 e ss., referindo-se na pág. 46, “categoria sistemática, com autonomia conferida por uma teleologia e uma função específicas, é só a categoria do ilícito típico ou do tipo - de ilícito”, e, citando ainda Figueiredo Dias noutro lugar, na nota 81, da pág. 533, pode ler-se: «O tipo - de - ilícito é pois tipicização da ilicitude (Sauer), interposto da valoração jurídico criminal, portador da valoração da ilicitude (Eduardo Correia), ilicitude concretizada ou tipificada, com a consequência de que sem ilicitude não há tipo».

Relativamente à consequência «perda», Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, aborda o instituto no “17.º Capítulo A perda de coisas e direitos relacionados com o crime”- págs. 613 e seguintes -, projectando/avançando as soluções que viriam a ser plasmadas na revisão de 1995, pois que presidiu à Comissão Revisora do Código Penal de 1982, constando as menções críticas e sugestões do Projecto de Revisão do CP apresentado em Fevereiro de 1991

No domínio do Código Penal de 1886, de acordo com o artigo 75.º (Efeitos não penais da condenação), a perda dos instrumentos do crime supunha sempre que o agente fosse condenado numa pena (réu definitivamente condenado - com sentença passada em julgado, de acordo com a exigência do artigo 74.º - qualquer que seja a pena) e por conseguinte que ele fosse imputável e tivesse actuado com culpa.

Comentando o preceito dizia Figueiredo Dias (págs. 615/6) que a norma era indesejavelmente restritiva, ficando de fora da incidência do instituto muitas situações em que, de uma perspectiva político-criminalmente aceitável, a perda deveria ser decretada com tanta ou maior razão do que noutras em que efectivamente podia sê-lo.

Abordando as normas do Código Penal de 1982, avança o Autor para simples verificação de um facto ilícito-típico sem necessária verificação de um «crime» (na conclusão J. Damião da Cunha e nesse sentido indo expressamente o artigo 109.º do Projecto de 1991, bem como o § 74 III do CP alemão, o § 26 I do CP austríaco e o § 58 I do CP suíço).

Começa o Autor por referir no § 983, pág. 618, pressuposto primeiro da perda é que os instrumentos tenham sido utilizados numa actividade criminosa ou o produto resulte desta. Segundo lei expressa não se torna, porém, necessário nem que o crime se haja consumado (art. 107.º-1: «estavam destinados a servir…»), nem sequer que alguma pessoa determinada possa ser perseguida ou condenada por aquela actividade criminosa (art. 107.º-2).

Quanto aos requisitos que conformam a referida actividade criminosa, “questão de mais complexa e duvidosa solução”, como referido a págs. 618, distingue duas hipóteses no artigo 107.º.

Na hipótese do artigo 107.º, n.º 1, quando o processo penal corra contra pessoa determinada, defende que a melhor doutrina parece ser a de considerar que pressuposto da perda não é necessariamente a prática de um «crime», mas a simples verificação de um facto ilícito-típico. No sentido seguinte: de que a perda deve ser decretada desde que no facto se verifiquem os requisitos (§ 800 ss.) exigidos para o facto que é pressuposto de aplicação de uma medida de segurança privativa de liberdade. Dito de forma mais explícita: torna-se necessária a verificação de todos os elementos de que depende a existência de um crime, com ressalva dos requisitos relativos à culpa do agente. Sujeitos à perda estão, deste modo, tanto agentes imputáveis como inimputáveis”. 

Diversa é a situação contemplada no n.º 2 do artigo 107.º, em que «nenhuma pessoa determinada…[pode] ser criminalmente perseguida ou condenada». Aqui cabem seguramente os casos em que o agente do facto está determinado, mas o processo deve ser arquivado por qualquer causa de extinção da responsabilidade ou por falta de pressupostos processuais. Mas pode pensar-se que cabem igualmente as hipóteses em que não possa ser determinado o agente ou agentes do facto. (…) No primeiro caso, os requisitos serão os mesmos anteriormente expostos. Na segunda parece que tem de bastar a verificação de um tipo objectivo de ilícito … quando tal for possível mantendo-se desconhecida a pessoa do agente.

Entendia (pág. 621) ser de restringir o âmbito de aplicação do citado n.º 2 aos casos em que o agente está determinado, mas não pode, por falta de pressupostos de punibilidade, ser perseguido e (ou) condenado. E adianta: “O que implicaria que, nestes casos, pressuposto da perda seria somente a verificação de um facto ilícito-típico no preciso sentido da doutrina do crime; em todo o caso, portanto, um ilícito onde estivesse presente não só o tipo de ilícito objectivo, como o tipo de ilícito subjectivo, doloso ou negligente.

E no que respeita ao regime previsto no artigo 109.º para a perda das vantagens retiradas do crime, no § 1007, pág. 635, conclui que “é a prática de um facto ilícito-típico (não de um «crime») (…) que constitui pressuposto da perda de vantagens.

Daqui deriva a consequência de que a perda de vantagens não tem de possuir qualquer correlacionação com a culpa ou com a sua medida, tendo-a antes, através do princípio da proporcionalidade, com a gravidade do ilícito típico cometido.

No § 1004, pág. 632, afirma justificar-se amplamente, a distinção de um regime de perda relativa a instrumentos e produto, por um lado, e a vantagens por outro. Nos instrumentos e produto está em causa a sua perigosidade imediata, resultante da sua adequação para a prática de crimes. Nas vantagens, diversamente, o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia - antiga, mas nem por isso menos prezável - de que «o “crime” não compensa».

Quanto a natureza jurídica, conclui (§ 1014, pág. 638), que a perda de vantagens deve ser considerada não uma pena acessória, mas uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança. Análoga, pelo menos, no sentido em que é sua finalidade prevenir a sua prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito; e que, por isso mesmo, esta instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não actuado com culpa. (Realces do texto)».

Continuando.

«A inclusão da categoria facto ilícito típico no Código Penal de 1995


Acolhendo os ensinamentos de Figueiredo Dias, o conceito é introduzido no Código Penal, aquando da terceira alteração, operada pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrada em vigor em 1 de Outubro seguinte, surgindo associado ao pós delito, na definição dos crimes de receptação e auxílio material (artigos 231.º e 232.º), e em consideração a juzante, ao aproveitamento dos resultados do crime, na declaração de perda a favor do Estado dos producta sceleris (artigos 109.º, 110.º e 111.º), ou numa outra perspectiva relacionada com medidas de segurança (artigo 91.º em conexão com artigo 20.º)

O referencial Facto (e não crime, ou tipo legal de crime, ou tipo-de-ilícito) está presente no Título II - Do facto, do Livro I, Parte Geral do Código Penal, como já estava  no Código Penal de 1982.

Estabelece o artigo 20.º, n.º 1: «É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

No Capítulo VII – Medidas de segurança – Internamento de inimputáveis, estabelece o artigo 91.º, n.º 1: “Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º (…)”, expressão que substitui “facto descrito num tipo legal de crime”, presente no Código Penal de 1982.

Neste Código, no Título VII - Da perda de coisas ou direitos relacionados com o crime - compreendiam-se os artigos 107.º, referindo “prática de um crime”; 108.º, referindo “crime” e “facto criminoso”; e 109.º, reportando no n.º 1, “agentes do crime”, no n.º 2 “crime” e no n.º 4, “crime” e “agentes do crime”.

Na versão de 1995 nova nomenclatura está presente no Título III - Capítulo IX - Perda de instrumentos, produtos e vantagens.

No artigo 109.º (Perda de instrumentos e produtos), n.º 1 - “prática de facto ilícito típico” e “novos factos ilícitos típicos”.

 2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

No artigo 110.º – (Objectos pertencentes a terceiro) n.º 1 - à data do facto; n.º 2 – “ou do facto tiverem retirado vantagens” e “adquiridos após a prática do facto”; n.º 3 – “facto ilícito típico”.

No artigo 111.º (Perda de vantagens) – n.º 1 - “agentes de um facto ilícito típico”; n.º 2 - “através do facto ilícito típico”; n.º 3 - “conseguidos por meio do facto ilícito típico”.


A categoria está ainda presente na definição do crime de receptação no artigo 231.º.

Antes, no Código Penal de 1982, o artigo 329.º, n.º 1, fazia referência a “facto criminalmente ilícito contra o património” e o n.º 3 a “actividade criminosa”.

O actual artigo 231.º estabelece: 

1 – Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem, mediante um facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido (…).

2 – Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património, é punido (…).

3 – É correspondentemente aplicável o disposto:

a) No artigo 206.º; e

b) Na alínea a) do artigo 207.º, se a relação familiar interceder entre o receptador e a vítima do facto ilícito típico contra o património.

E presente ainda no artigo 232.º (auxílio material):

1 – Quem auxiliar outra pessoa a aproveitar-se do benefício de coisa obtida por meio de facto ilícito típico contra o património é punido (…).

No Código Penal de 1982, o artigo 330.º, n.º 1 (auxílio material ao criminoso), reportava “crime contra o património”.


Porém, já em 1993 a categoria fora introduzida, concretamente no Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, no artigo 35.º, que sob a epígrafe “Perda de objectos”, estabelecia:

1 – São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

(O preceito veio a ser alterado pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, sendo eliminado o texto a partir de “quando”).


Como vimos, com a codificação em Abril de 2004, o facto precedente passou a designar-se facto ilícito típico, designação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal (Branqueamento), embora com simultânea referência, no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, estando o termo “infracções” igualmente presente no n.º 2, e ainda a expressão “infracção subjacente” no n.º 4, todas a significar a actividade criminosa (ou ilícita típica) de origem dos bens, a infracção cuja receita está na origem do branqueamento das vantagens».

 

Vistos os contornos do facto ilícito típico de que pode decorrer a perda de vantagens, versando o acórdão recorrido, dir-se-á que dúvidas não há de que o fundamento do arresto decretado estava na garantia da conservação do património das requeridas com vista a perda de vantagens, nos termos do artigo 111.º n.ºs 3 e 4, do Código Penal, mantendo as vantagens que possam vir a ser declaradas perdidas a favor do Estado.

As requeridas tinham disso perfeita ciência, e daí terem invocado a ilegitimidade do Ministério Público para o requerimento feito, colocando a questão de saber se somente os lesados com a prática do crime, ou também o Estado, têm legitimidade para requerer o arresto preventivo, ao abrigo do que dispõe o artigo 111.º do Código Penal, e o artigo 391.º do CPC, ex vi do artigo 228.º do CPP, alegando que somente os lesados com a prática do crime têm legitimidade para requerer o arresto preventivo, ao abrigo das disposições citadas, na medida em que somente estes se constituem como credores do agente do crime.

Seguem-se as arguições nesse sentido, por ordem de apreciação no acórdão recorrido.

1 – FF, S.A. (págs. 58 e 65, apreciado a págs. 90 a 94);

2 – AA, Sociedade Imobiliária, S.A. (págs. 59 e 133, apreciado a págs. 159 a 163);

3 – EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (págs. 60 e 166, apreciado a págs. 191 a 195);

4 – GG (Portugal), S.A. (págs. 60 e 198, apreciado págs. 223 a 227);

5 – II, S.A., S.A. (págs. 61 e 198, apreciado a págs. 256 a 259)

6 – BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” (págs. 61/62 e 263, apreciado a págs. 289 a 292);

7 – DD, S.A. (págs. 63 e 341, apreciado a págs. 366 a 369);

8 – HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A. (págs. 63 e 373, apreciado a págs. 398 a 402);

9 – JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (págs. 64 e 405, apreciado a págs. 431 a 434).

Outrossim, invocaram a ilegitimidade do Ministério Público a ora não recorrente LL, S.A. (págs. 58 e 97, apreciado a págs. 106 a 109) e o ora não recorrente MM (págs. 59 e 113 e apreciado a págs. 125 a 128).

Ainda na perspectiva de perda de instrumentos e produtos do crime ou de confisco de vantagens do crime, foi colocada pelas requeridas a questão de saber qual o meio processualmente adequado para garantir o confisco das vantagens do crime: se a apreensão – artigo 178.º do CPP – ou o arresto preventivo.

Alegado foi que o meio processual indicado para garantir o cumprimento do disposto no artigo 111.º do Código Penal é a apreensão judicial de bens e não o arresto preventivo.

Assim alegaram as ora não recorrentes:

NN - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de Sociedade Gestora do “OO - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado” (págs. 62 e 295, apreciado a págs. 296 a 304);

PP - Actividades Agro-Silvícolas e Turísticas, S.A. (págs. 62 e 318, apreciado a págs. 319 a 327);

QQ - Empreendimentos e Turismo, S.A. (págs. 64 e 437, apreciado a págs. 438 a 446).

No acórdão recorrido foi considerado que o arresto é também uma garantia processual penal do confisco do valor da vantagem da prática do crime, não se limitando a garantir apenas o cumprimento das obrigações civis decorrentes daquele, adiantando que a remissão feita para o CPC se refere unicamente às formalidades adjectivas da providência, não incluindo a delimitação dos casos em que pode haver arresto.  

Por outro lado, certo é que o acórdão recorrido pronunciou-se pela presença do requisito do fumus boni iuris, como se passa a expor.

1 – FF, S.A. (pág. 58, apreciado a págs. 80/1);

2 – AA, Sociedade Imobiliária, S.A. (págs. 59 e 133, apreciado a págs. 148 a 150);

3 – EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (págs. 60 e 166, apreciado a págs. 181/2);

4 – GG (Portugal), S.A. (págs. 60 e 198, apreciado págs. 213/4);

5 – II, S.A., S.A. (págs. 61 e 230, apreciado a págs. 245/6);

6 – BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” (págs. 61 e 262, apreciado a págs. 277/9);

7 – DD, S.A. (págs. 63 e 341, apreciado a págs. 355/7);

8 – HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A. (págs. 63 e 373, apreciado a págs. 387/9);

9 – JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (págs. 64 e 405, apreciado a págs. 420/2).

Em todos os casos foi considerado: “Consideramos manifestar-se, no arresto decretado pela decisão recorrida, o fumus boni iuris legalmente exigido para o efeito, razão pela qual naufraga este segmento recursório da recorrente”.

A presença do requisito foi avaliada ainda nos recursos interposto pelo ora não recorrente Amílcar Pires e pelas sociedades ora não recorrentes.

O acórdão recorrido ponderou que “o arresto da previsão do artigo 228.º do CPP pressupõe a demonstração da prática de um facto ilícito típico e da vantagem dele decorrente, sendo de pouca ou nenhuma importância a demonstração de um qualquer lesado.

No âmbito do decretamento do arresto preventivo que vise assegurar a futura declaração de perda de vantagens a favor do Estado, ou do respectivo valor, bem como na adopção de qualquer medida de coacção, o que verdadeiramente se exige é a existência do fumus commissi delicti.

Basta a verificação do fumus commissi delicti, dispensando a verificação dos civilisticos fumus boni iuris e periculum in mora”.


Do mesmo modo foi apreciado o requisito de periculum in mora, aduzindo-se então – pág. 227 do acórdão:

“A obrigação que cabe ao Estado de Direito democrático de remover qualquer benefício que resulta da prática de uma actividade criminosa não começa com a condenação dos agentes do crime, nem se consente uma atitude meditabunda até esse momento.

Na verdade, não sendo impulsionadas atempadamente as garantias processuais da efectivação do confisco é mais do que certo que, aquando da execução, nada haverá para confiscar.

Antagonicamente ao confisco das vantagens do crime, que não se mostra dependente de acontecimento incerto nem condicional, e acontecerá sempre, sem que exista a possibilidade de o Estado dele abrir mão, a aplicação de uma medida de garantia patrimonial que vise assegurar esse confisco depende, concretamente, do receio de perda da satisfação integral dos valores em causa”.



***********



Muito diversamente no caso do acórdão fundamento a ratio do arresto estava em assegurar o pagamento à sociedade lesada dos danos patrimoniais causados pela conduta da requerida, convocando-se um quadro normativo bem distinto, que tem a ver com a responsabilidade civil conexa com a criminal.

Trata-se de efectivação de reparação de entidade lesada detentora de um direito de crédito; reparação de lesão patrimonial e daí fazer sentido o pedido relativo a montante correspondente a obrigação acessória de juros de mora, como o fez a requerente C…S.A.

Neste campo é vasto o quadro normativo a ter em conta, abrangendo o direito civil, direito penal e processual penal, para além de disposições de diplomas avulsos, prevendo situações especiais em que é prevista a possibilidade de reparação de perdas e danos em processo penal, fixações de jurisprudência e actos legislativos e administrativos, como se vê pelo que segue.

Código Civil de 1867 – Artigos 2361.º, 2362.º, 2363.º, 2364.º, 2365.º, 2366.º, 2373.º, 2374.º, 2382.º e 2392.º

Código de Processo Penal de 1929 - Artigos 29.º (Indemnização por perdas e danos), 30.º. 31.º, 32.º, 33.º, 34.º (Reparação de perdas e danos) e 450.º

Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro - Artigo 12.º

Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.672, de 20 de Maio de 1954 - Artigos 56.º, 67.º e 68.º. 

Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro - Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro - Decreto-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio - Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto (reparação em sinistralidade rodoviária - seguros)

Código de Processo Penal de 1987 – Artigos 71.º a 84.º, 377.º

Código Penal de 1852/1886 – Artigos 75.º, 127.º

Código Penal de 1982 – Artigo 128.º

Código Penal de 1995 - Artigo 129.º - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Código Civil de 1966 – Artigos 483.º a 498.º (sendo inaplicável o artigo 487.º relativo a presunção de culpa, imperando o princípio de presunção de inocência e o artigo 494.º, relativo a limitação no caso de mera culpa, inaplicável nos crimes dolosos), 562.º a 572.º.

Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho.

Anúncio 50/2001 – Decisão do Provedor de Justiça de 19 de Março de 2001 (Entre Rios).

Decisão da Provedora de Justiça de 18-08-2018 (Incêndios Julho 2018).

Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos – Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (Diário da República, I Série, n.º 61/1985, de 14-03-1985) –– Artigos 203.º, versando Responsabilidade civil e 211.º, versando Indemnização.

Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro de 1998 - Lei de Protecção de Dados Pessoais (Diário da República, I Série-A, n.º 247/98, de 28-10-1998), alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 164/2015) –– Artigo 34.º, versando Responsabilidade civil.

Código de Propriedade Industrial – Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 237, de 10-12-2018) – Artigo 347.º versa Indemnização por perdas e danos – Dantes, Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março – Artigo 338.º L.        

Violência doméstica, Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 178), alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170).

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1971, proferido no processo n.º 33142, tirado em reunião conjunta das então 3 Secções do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3 do artigo 728.º do CPC.

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1976 (Diário do Governo de 11 de Março de 1976).

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1977, BMJ n.º 271, pág. 87.

Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1993, BMJ n.º 423, pág. 57.

Acórdão n.º 1/98, de 16 de Outubro de 1997 (Diário da República, I Série-A, de 3 de Janeiro de 1998).

Assento n.º 7/99, de 27 de Junho de 1999 (Diário da República, I Série-A, de 3 de Agosto de 1998) – Artigo 377.º, n.º 1, do CPP.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2002, de 17 de Janeiro de 2002, (Diário da República, I Série-A, de 5 de Março de 2002).

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012 (Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013).


Concluindo.


Resulta do exposto que as situações de facto visadas num e noutro dos acórdãos em confronto são completamente diferentes, pelo que é inadmissível o recurso, que assim deve ser rejeitado.


Decisão


Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar os recursos de fixação de jurisprudência interpostos pelas recorrentes AA, Sociedade Imobiliária, S.A.; BB, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora das entidades “CC UM – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” e “CC II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”; DD, S.A.; EE, Empreendimentos Imobiliários, S.A.; FF, S.A.; GG (Portugal), S.A.; HH, Sociedade de Compra e Venda e Administração de Propriedades, S.A.; II, S.A., S.A.; e JJ, Empreendimentos Imobiliários, S.A., por inadmissibilidade.

Custas pelas recorrentes, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009.   

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 30 de Outubro de 2019


Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto Matos

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[1] Neste sentido, e entre muitos outros, AcSTJ de 12.7.2018 - Proc. n.º 1059/15.1IDPRT.C1-A.S1, sumariado em www.stj.pt..
[2] Sendo que, se o Acórdão Recorrido for de Relação e tiver seguido a doutrina recomendada, não compete recurso de fixação por força da parte final do n.º 2 do art.º 437º do CPP; se a não tiver seguido – e neste caso, seja de Relação ou do Supremo –, o que compete é o recurso, extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada previsto no art.º 446º do CPP.
[3] Acórdão Recorrido, fls. 81; sublinhado do signatário.
[4] Cfr., v. g., fls. 92 do Acórdão Recorrido; sublinhado do signatário.
[5] Cfr., v. g., fls. 81 do Acórdão Recorrido
[6] Cfr., v. g.. fls. 95. do Acórdão Recorrido; sublinhado do signatário.