Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4184/16.8T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
CONFORMIDADE
COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
ÓNUS DA PROVA
ABUSO DO DIREITO
VENDEDOR
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / CADUCIDADE.
Doutrina:
- Antunes Varela, Abuso do direito, Rio, 1982;
- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª edição, p. 65;
- Castanheira Neves, Questão de facto - Questão de direito, volume I, p. 513 e ss.,
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed. Coimbra, Almedina, p. 249 a 269;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista e Actualizada, p. 294;
- Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107º, n.º 3515, p. 24.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 331.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-09-2011, PROCESSO N.º 4757/05.4TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 1079/06.7TBMTS.P1.S1;
- DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 1857/09.9TJVNF.P1.S1;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1;
- DE 26-04-2018, PROCESSO N.º 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-11-2018, PROCESSO N.º 267/12.1TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I. Mediante a concessão da “garantia” o vendedor assegura, pelo período da sua duração, o bom funcionamento da coisa, assumindo a responsabilidade pela resolução das avarias, anomalias ou quaisquer deficiências de funcionamento verificadas em circunstâncias de normal utilização do bem.

II. O vendedor assume a “garantia de um resultado” sendo ónus do comprador demonstrar o mau funcionamento durante o período de duração da mesma, sem necessidade de identificar a respectiva causa ou demonstrar a respectiva existência no momento da entrega, incumbindo ao vendedor que pretenda subtrair-se à responsabilidade (obrigação de reparação, troca, indemnização) opor-lhe e provar que a concreta causa de mau funcionamento é posterior à entrega da coisa (afastando a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justifica e caracteriza a garantia de bom estado e funcionamento) e imputável a acto do comprador, de terceiro ou devida a caso fortuito

III. A lei, na caducidade quer que o direito seja exercido dentro de certo prazo, prescindindo da negligência do titular, por isso, de eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência.

IV. Da exegese do n.º 2 do art.º 331º do Código Civil decorre que, estando em causa direitos disponíveis, e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

V. O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial

VI. O reconhecimento da existência dos defeitos, deve ser muito concreto e preciso, por parte do devedor de modo a que não subsistam dúvidas sobre a aceitação dos direitos.

VII. A nota típica do abuso do direito reside na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.

VIII. Exige-se que o excesso cometido seja manifesto, traduzindo situações em que o instituto do abuso de direito poderá ocorrer e que nos permitirão, ao cabo e ao resto, ajustar padrões de actuação adequados a corporizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está sustentado o instituto do abuso do direito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO


AA, S.A. veio propor contra, BB Portugal, S.A. a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, peticionando: (i) a condenação da Ré a proceder à substituição dos dois conjuntos de baterias relativos ao empilhador eléctrico BB, modelo 8BFMHT70, por se encontrarem nesta data em garantia; (ii) a condenação da Ré a proceder à substituição do mastro/torre referentes ao empilhador eléctrico BB, modelo 8BFMHT70, por o mesmo apresentar defeito de fabrico (desgaste prematuro e anormal) e a sua reparação não ser possível; e (iii) a condenação da Ré a proceder à substituição dos conectores óleo-hidráulico e respectivas mangueiras, relativos ao empilhador eléctrico BB, modelo 7FBMF50, por os mesmos se encontrarem nesta data em garantia e, caso assim não se entenda, a condenação da Ré à reparação dos conectores óleo-hidráulico e respectivas mangueiras por os mesmos apresentarem defeito de fabrico oculto. Em alternativa, pede: (i) a condenação da Ré no pagamento à Autora do valor de €19.000,00, referente à substituição do mastro/torre do empilhador eléctrico BB, modelo 8BFMHT70; (ii) a condenação da Ré no pagamento á Autora do valor de €16.347,64, referentes aos dois conjuntos de baterias relativos ao empilhador eléctrico BB, modelo 8BFMHT70; e (iii) a condenação da Ré no pagamento do valor de €40,00 à Autora referente à substituição dos conectores óleo-hidráulico e respectivas mangueiras, relativos ao empilhador eléctrico BB, modelo 7FBMF50, por empresa terceira. Pede, por fim, e em qualquer caso, a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de €151.544,38 pelos prejuízos sofridos.

Regularmente citada, a Ré, defendendo-se por impugnação motivada e por excepção, invocando a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de garantia, e deduziu reconvenção peticionado a condenação da Autora no pagamento à Ré da quantia de €228,04, acrescida de juros de mora vincendos, calculados desde a data da apresentação da contestação até efectivo e integral pagamento, tendo também requerido a intervenção principal provocada da sociedade CC, Lda.

A Autora apresentou resposta.

Foi admitida a intervenção acessória da sociedade CC, Lda, ao abrigo do disposto nos artºs. 321º, 322º e 323º do Código de Processo Civil.

A Chamada/CC, Lda contestou e defendeu-se por impugnação motivada e por excepção, invocando a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de garantia do material fornecido (conjunto de baterias).


Em sede de audiência prévia foram Autora e Ré convidadas a aperfeiçoar os seus articulados iniciais, o que fizeram, outrossim, foi a reconvenção admitida, o processo saneado tendo-se definido o objecto da causa e enunciado os temas da prova.


Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:

“Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA, S.A. contra BB Portugal, S.A., sendo interveniente acessória CC, Lda, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a Ré a substituir a torre/mastro do empilhador 8FBMHT70, absolvendo esta do demais peticionado. Custas da acção pelas partes na proporção do decaimento. Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo esta do pedido contra si deduzido. Custas da reconvenção pela Ré.”


Inconformadas, recorreram a Autora/AA, S.A. e a Ré/BB Portugal, S.A. de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido dos interpostos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado:

“Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação da Autora e procedente a apelação da Ré, considerando que caducaram os direitos da Autora com base no defeito do mastro/torre do empilhador. Custas das apelações a cargo da Autora.”

É contra esta decisão que a Autora/AA, S.A. se insurge, interpondo recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1 - A recorrente pretende reagir contra o deficiente uso pelo Tribunal da Relação de Guimarães dos poderes que lhe estão cometidos em matéria de aplicação do direito, pretendendo a recorrente reagir contra o deficiente uso pelo Tribunal da Relação de Guimarães dos poderes que lhe estão confiados relativos à aplicação do direito, designadamente no que toca à aplicação dos art.sº 331º, 333º, 798º, 799º, 913º 914º, 916º, 917º, 921º todos do CC, resultando na indevida apreciação do recurso de apelação.

2 - A presente revista visa a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito, razões de clara necessidade de apreciação da presente questão. O Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para sindicar a errada aplicação do direito quando existe relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do mesmo por se tratar de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica impõe um importante, e detalhado, exercício de interpretação, um debate pela doutrina e jurisprudência com o objetivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito, razões de clara necessidade de análise da presente questão, que se prende com a apreciação da exceção perentória de caducidade do direito de ação no âmbito do regime de venda de coisa defeituosa.

3 - A presente revista é admissível nos termos do disposto no artigo artigos 671º, n.º 3, 672.º, n.º 1, alínea a) e 674.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, uma vez que está em causa a violação e incorreta aplicação de normas de direito processual que definem os poderes do Tribunal da Relação. A presente revista visa a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito, razões de clara necessidade de análise da presente questão, que se prende com a apreciação da exceção perentória de caducidade do direito de ação no âmbito do regime de venda de coisa defeituosa.

4 - Por outro lado, não se verificar “in casu” uma situação de integral dupla conforme, uma vez que relativamente à substituição do mastro existem decisões distintas emanadas pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Guimarães, sendo, nesta parte, admitido recurso de revista nos termos do disposto no art.º 671º, n.º 1 e 674º, n.º 1, alínea a) ambos do CPC.

5 - No caso presente relativamente ao Ponto I., à procedência da exceção de caducidade referente à substituição das baterias a recorrente não concorda com esta decisão e fundamenta a sua posição na existência de reconhecimento do defeito pela recorrida, em especial nos elementos provenientes de prova documental (designadamente os documentos 5, 6, 6-A, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 16 juntos com a petição inicial. Ainda as diversas deslocações da recorrida às instalações da recorrente - fevereiro de 2015, março de 2016, maio 2016, julho 2016, sendo que as três últimas deslocações foram admitidas no art.º 65 da contestação da interveniente) discutida nos autos, cuja matéria factual, nesta sede, a recorrente tem de se socorrer, dados esses que se acham totalmente documentados e, consequentemente, demonstrados em termos de prova, para efeito da decisão.

6 - Foi neste contexto de sucessivos vícios no funcionamento das baterias, sucessivamente detetados, sucessivamente reclamados pela recorrente e sucessivamente reparados pela recorrida sem, contudo, esta lograr resolver o problema em definitivo que voltava sempre e comprometia o funcionamento das baterias, o que limitava a extração pela recorrente das utilidades pretendidas, frustrando, desse modo, a satisfação do seu interesse contratual.

7- Na verdade, a recorrida assumiu claramente comportamentos que revelaram a admissão da existência do defeito, tempestivamente reclamado/denunciado pela contraparte recorrente, corrigindo-o, mesmo que tais tentativas de correção se revelassem frustradas, com persistência das deficiências notadas.

8 - Nunca a recorrida transmitiu à recorrente que não assumia a reparação dos vícios detetados nos elementos que compunham as baterias, nem tão pouco apontou à recorrente qualquer facto que excluísse a sua responsabilidade em reparar. E, durante cerca de dois anos (2015 e 2016), a conduta da recorrida criou na esfera da recorrente a convicção e séria segurança de que aquela corrigiria os defeitos apresentados pelas baterias, o que demoveu a recorrente de recorrer à via judicial. Caso contrário, estaria a recorrente a ofender o princípio da confiança e boa-fé no cumprimento dos contratos, caso avançasse para a via judicial em simultâneo ao conjunto de diligências que a recorrida ia tomando, com vista à reparação das baterias.

9 - E, é manifestamente abusivo o comportamento da recorrida que criou na recorrentea expectativa de que os defeitos iriam ser reparados, promovendo diligências nesse sentido, edepois veio invocar a caducidade do direito da recorrente.

10 - E, existindo da parte da recorrente a desnecessidade de recorrer aos tribunais, na medida em que enquanto persistiram as atuações consistentes e sérias da recorrida, que assumiu e admitiu a existência dos defeitos denunciados, se comprometeu e realizou as intervenções técnicas necessárias e adequadas para identificar as suas causas, remover e eliminar as anomalias, ainda que não tenha obtido sucesso nas reparações levadas a cabo, não poderia a recorrente atuar em juízo.

11 - Proceder a exceção de caducidade do direito de ação da recorrente, alicerçado somente no facto de a primeira denuncia ter sido efetuada em 14 de dezembro de 2014 (10 dias após a entrega do empilhador) e daí contando-se seis meses para a propositura da ação (terminando o prazo da recorrente em 13 de junho de 2015), ignorando o histórico de ações da recorrida, deslocações e intervenções técnicas, troca mútua de correspondência eletrónica, pedidos de ensaios à performance das baterias, aliando ao facto de a recorrida nunca se ter recusado a reparar as baterias, tudo isto ocorrido durante os anos de 2015 e 2016, não se concebe a procedência da exceção.

12 - O comportamento da recorrida impede a caducidade do direito da recorrente, uma vez que aquela reconheceu (art.º 331, n.º 2 do CC) o legitimo direito da recorrente a ter as baterias funcionais para o fim para o qual se destinou a sua aquisição. De outro modo, configuraria uma situação violadora do princípio da boa-fé, nomeadamente do non venire contra factum suum.

13 - O disposto no n.º 1 do artigo 331.º do Código Civil relativo às causas impeditivas da caducidade dispõe este artigo que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. O n.º 2 do referido art.º 331º estabelece que, quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

14 - Ora, o artigo 331º, n.º 2 do CC não faz quaisquer exigências especiais quanto ao ato de reconhecimento do direito, como causa impeditiva da caducidade e, as mesmas só fariam sentido se decorressem dos restantes critérios de interpretação fixados no artigo 9.º do Código Civil. E, se aquele contra quem o direito deve ser exercido, o reconhece, manifestando tal em comportamentos, não há razões para não atribuir a esse reconhecimento efeito impeditivo da caducidade.

15 - Assim, estando em causa o direito à reparação das baterias e encontrando-se também a recorrente a gozar do prazo de garantia de bom funcionamento do equipamento, em que a recorrida levou efetivamente a cabo vários atos atinentes à reparação das baterias, nas instalações da recorrente, em que pretendeu fazer ensaios para verificar as anomalias que levavam ao mau funcionamento das baterias, por esta sequência de ações e admissões de responsabilidade pela recorrida, a caducidade deve considerar-se afastada, por a conduta da recorrida consubstanciar claramente a aceitação de existência de anomalias nas baterias. Caso contrário, não repararia.

16 - E, da garantia de bom funcionamento de 24 meses contratualmente acordada entre as partes, a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes, que ocorreu em 05/12/2014 (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial), não nos podemos olvidar.

17 - Tal significa que as baterias da recorrente gozavam de uma garantia de bom funcionamento até ao dia 04/12/2016. Ou seja, esta garantia assegurava, pelo período da sua duração que seria até 04/12/2016, o bom funcionamento das baterias do empilhador, assumindo a recorrida a responsabilidade pela sanação das avarias, anomalias ou quaisquer deficiências de funcionamento que se verificassem. Estava assim a recorrida obrigado a assumir, e assumiu, o funcionamento da coisa vendida durante um certo lapso temporal, no qual, ocorrendo algum defeito, responderia de forma objetiva, independentemente de culpa sua, procedendo à reparação, quando esta fosse possível ou à substituição (que nunca aconteceu).

18 - Estava a recorrida vinculada a uma obrigação de resultado, tendo o dever de satisfazer o interesse da recorrente através da realização da sua prestação, cumprindo o programa obrigacional a que se encontrava adstrita que seria a apresentação de um resultado, neste caso, o bom funcionamento das baterias. Para tal a recorrida deveria empregar todas as diligências para a obtenção desse resultado como também deveria alcançar esse mesmo resultado. Só deste modo é que se liberava da sua obrigação. Mas tal não ocorreu.

19 - Face à admissão da existência de anomalias nas baterias, que sucessivamente foram sendo reparadas, apesar de nunca de forma definitiva, após cada reclamação da recorrente, constitui essa admissão da recorrida o reconhecimento do direito para efeitos dodisposto no n.º 2 do artigo 331.º do CC. E, com o reconhecimento do direito ficou afastada a caducidade.

20 - E, como escrevem Pires de Lima e A. Varela, em anotação ao artigo 331.º do Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, páginas 274 e 275, citando Vaz Serra, (1) “o reconhecimento impeditivo da caducidade (…) não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida”.

21 - Por tudo o exposto, não pode proceder, pelas razões apontadas, a exceção perentória de caducidade, cumprindo apreciar, perante a improcedência de tal exceção, a matéria da ação e consequentemente, o mérito do pedido da recorrente. E, para melhor aplicação do direito, deverá ser revogado o acórdão recorrido que julgou procedente a exceção perentória de caducidade e, consequentemente, julgar tal exceção improcedente considerando, em consequência, tempestiva a ação proposta e, por força do artigo 665º, n.º 2 do CPC, remeter os autos ao Tribunal da Relação, a fim de este tribunal apreciar o mérito da ação.

22 - No caso presente relativamente ao Ponto II., à procedência da exceção de caducidade referente à substituição do mastro a recorrente não concorda com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães porquanto esta segunda instância interpretou e aplicou mal o direito.

23 - Na verdade, é forçoso a recorrente se socorrer da prova produzida, concluindo que andou bem o Tribunal de primeira instância que alicerçou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas Eng.º DD, Eng.º EE e Eng.º FF. E teve, igualmente em consideração o teor do relatório pericial, elaborado pelo perito nomeado pelo Tribunal Eng.º GG e o relatório elaborado pelo HH - Centro Pericial de Acidentes, subscrito pela testemunha Eng.º FF, a fls. 422 a 434, e, ainda , “(…) pelo fundamentado depoimento do Eng. II”, concluindo que “(…) o desgaste anormal e precipitado da torre/mastro se devia, quer a um erro de projeto, quer à pouca consistência dos materiais usados na torre/mastro para os fins a que se destinava.”

24 - Tendo o Tribunal de primeira instância dado como provado: y) A partir de 8 de julho de2016, a Autora queixa-se à Ré do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel); z) Os danos existentes na torre/mastro consubstanciam-se numa deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior, sendo que a folga entre os roletes e a superfície da aba do mastro é de cerca de 5 mm e deveria ser inferior a 1 mm; aa) Aquando da detecção deste desgaste, o equipamento tinha 2100 horas de utilização e cerca de um ano desde a data da sua aquisição; bb) O mastro/torre deve ser verificado a cada 1000 horas de utilização ou 6 meses; cc) O desgaste é mais pronunciado na posição onde a pinça se imobiliza para girar sobre si própria para executar a operação de colocar a bobina da posição horizontal para a posição vertical; dd) Esse desgaste provoca uma folga na fixação da pinça à torre/mastro provocando, por sua vez, instabilidade no próprio empilhador que, com o peso da bobina, passou a correr o risco de tombar, para além de poder ocorrer um deslizamento vertical da carga, a quebra ou um encravamento do sistema.”

25 - Fica evidentemente patente que o Tribunal de primeira instância atribuiu a responsabilidade à pinça Cascade das deformidades que o mastro sofreu.

26 - Aliás, como decorre com evidência da motivação fundamentadora da decisão de facto que se transcreve: “A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada na alínea y) fundou-se na análise criteriosa das missivas electrónicas juntas aos autos a fls. 30v/31v e 329. Da análise dos respectivos teores verifica-se que as situações não têm qualquer ligação, uma diz respeito ao funcionamento dessincronizado dos dois elementos verticais da torre/mastro, a outra diz respeito ao desgaste anormal dessa mesma torre/mastro. E é esta última que nos interessa. A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada nas alíneas z) a ff) fundou-se, em primeiro lugar, no teor do relatório pericial de fls. 559 a 571 (Eng. GG), e nos esclarecimentos prestados pelo Sr. perito, quer os prestados por escrito (fls. 585 a 586), quer os prestados em sede de audiência de discussão e julgamento. Fundou-se, igualmente, nos depoimentos das testemunhas DD, pelas razões já apontadas, EE, engenheiro electrotécnico e funcionário da empresa que fez a manutenção do empilhador 8FBMHT70, JJ, funcionário da Autora, com a profissão de abastecedor e que operou o empilhador em questão, revelando uma evidente razão de ciência, e II, engenheiro mecânico, autor do relatório de fls. 422 a 434, que tendo deposto circunstanciada e objectivamente, e tendo revelado razão de ciência pelos extensos testes mecânicos que realizou em programa informático adequado, explicou detalhadamente, em primeiro lugar, qual o defeito, a desconformidade, o problema da torre/mastro, e em segundo lugar, qual a causa do mesmo. O Tribunal, ponderando quer este depoimento e relatório, quer o relatório pericial, ficou convencido que o desgaste anormal e precipitado da torre/mastro se devia, quer a um erro de projecto, quer à pouca consistência dos materiais usados na torre/mastro para os fins a que se destinava.”

27 - Dando como provado o Tribunal de primeira instância que “eej De acordo com as especificações técnicas do equipamento em questão (pinça Cascade) trata-se de um desgaste prematuro e anormal, devendo a torre/mastro ser substituída”

28 - Ao constatar que o empilhador transacionado padecia de defeito no mastro “(ee) De acordo com as especificações técnicas do equipamento em questão (pinça Cascade) trata-se de um desgaste prematuro e anormal, devendo a torre/mastro ser substituída” que comprometia o seu bom desempenho na execução das tarefas a que se destinava e para as quais havia sido adquirido, assim como, colocava em causa a segurança de quem o manobrasse ou estivesse próximo do equipamento e daí “(ff) A Autora, por razões de segurança, deixou de utilizar o empilhador 8FBMHT70, no início de 2016”, deveria o Tribunal da Relação de Guimarães ter decidido por forma a salvaguardar a posição da recorrente adquirente, designadamente como entendeu o Tribunal de primeira instância - reconhecendo à recorrente autora o direito de à substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70 pela recorrida.

29 - Ou seja, o Tribunal de primeira instância considerou que as especificações técnicas da pinça Cascade contribuíram para o desgaste prematuro e anormal do mastro e nessa medida deveria ser substituído. Inclusive a conduta da própria recorrida que, em 05/12/2015, procedeu a reparações no mastro, considerando que este se encontrava em garantia, configura um claro e expresso reconhecimento do defeito e constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do art.º 331º, n.º 2 do CC. E, tendo a pinça Cascade uma garantia contratual de 24 meses, o prazo de bom funcionamento terminaria em 04/12/2016. Daí, tendo a recorrente de forma mais reiterada reclamado do defeito a partir de 08 de julho de 2016 e intentado a ação em 30 de novembro de 2016, encontra-se a mesma dentro do prazo para intentar a ação não operando a caducidade.

30 - Além do mais, sempre se dirá que em 23/12/2014, os técnicos da recorrida intervencionaram o mastro reparando o erro A5. E, em 16/12/2015 após reclamação da recorrente relativa a problemas no mastro, a recorrida deslocou-se às instalações da recorrente para resolver o problema. Igualmente, após reclamação da recorrente em 18/04/2016 relativa a problemas na elevação do mastro, técnicos da recorrida deslocaram-se às instalações da recorrente para analisar a elevação da torre. (Cfr. doc 29 junto com a petição inicial) tendo dessa intervenção registado em documento da recorrida a deteção de problemas na elevação da torre. E, em julho e agosto de 2016, de forma mais reiterada, a recorrente reclamou junto da recorrida o desgaste do mastro, atendendo a que se tratava de um equipamento que mantinha uma pinça de bobines que foi adaptada ao empilhador, que de origem tinha uma pinça de garfos, com um peso consideravelmente menor ao peso da pinça de bobines.

31 - Com efeito, no caso do mastro, ainda que não se encontrasse dentro do domínio da garantia de bom funcionamento a que alude o artigo 921.º do Código Civil, no qual vigora a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justificava e caracterizava tal garantia (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/09/2011, proc. n.º 4757/05.4TVLSB, disponível em www.dgsi.pt/jstj), in casu extrai-se que as anomalias que o mastro do empilhador apresenta são intrínsecas ao mesmo.

32 - Contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, entende a recorrente que se verificou o reconhecimento do direito da recorrente e, nessa medida, não se verifica a caducidade do seu direito. De outro modo configuraria uma situação violadora do princípio da boa-fé, nomeadamente do non venire contra factum suum.

33 - Aliás, quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido (art.º 331º do CC). Nos termos do art.º 331º do CC, impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (nº 1); quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (nº 2). O que resulta deste n.º 2 do artigo 331.º é que, estando em causa direitos disponíveis e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

34 - Neste mesmo sentido vai o Ac. do STJ 3137/09.7TBCSC.L1.S1, 1º secção de 09-07-2015 do qual se transcreve: “Neste mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, (Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, Coimbra, em anotação ao artº 331º): «O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida» (citando VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ n.º 118).

35 - Igualmente Vaz Serra sustenta esse entendimento na RLJ (Ano 107 º n.º 3515, p 20 e ss.): «Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de acto sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade […]. O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade […] O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito.»

36 - Andou mal o Tribunal da Relação de Guimarães ao decidir pela procedência da exceção de caducidade, revogando a decisão do Tribunal de primeira Instância por entender que caducou o direito da autora à substituição do mastro. E a douta decisão que aqui se recorre não é apenas desconforme com os factos provados e com as regras jurídicas aplicáveis, mas é, sobretudo e, por força de tais desconformidades, materialmente injusta, já que condena a recorrente compradora a manter um empilhador com um mastro comprovadamente defeituoso.

37 - O Tribunal da Relação de Guimarães ao sentenciar em sentido inverso ao decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, desprezou o equilíbrio das prestações que ao Tribunal incumbe salvaguardar, violando, no entender da recorrente, o disposto nos art.sº 331º, 333º, 798º, 799º, 913º, 914º, 916º, 917º, 921º, todos do CC.

38 - De tudo o exposto resulta incontornável a necessidade de revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, desde logo, determine a responsabilização da recorrida pelos defeitos de que padece o mastro do empilhador por si vendido.

39 - Assim, deverá ser revogado o acórdão recorrido que julgou procedente a exceção perentória de caducidade e, consequentemente, julgar tal exceção improcedente considerando, em consequência, tempestiva a ação proposta e, por força do artigo 665º, n.º 2 do CPC, remeter os autos ao Tribunal da Relação, a fim de este tribunal apreciar o mérito da ação.

40 - Em abono e como fundamento da posição da recorrente, aqui sustentada, podem citar-se, entre muitos outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, abaixo citados:

40.1 Acórdão do STJ, processo n.º 1857/09.9TJVNF.S1.P1 de 18/09/2014 - É o principio da confiança que obsta a que a recorrida que admitiu como possível a existência do vício e tentou corrigir o defeito denunciado venha ulteriormente, contra facto próprio, invocar a caducidade, em consequência de a recorrente, confiando justificadamente na seriedade do propósito de correção do vício ou defeito da coisa manifestado pela recorrida, não ter atuado em juízo antes de se ter revelado na prática o resultado final de tais tentativas de resolução do problema.

De igual relevância o facto de não haver necessidade de recorrer aos tribunais, na medida em que enquanto persistirem indícios consistentes de que o vendedor, assumiu ou admitiu como possível a existência dos defeitos denunciados, se comprometeu a realizar as intervenções técnicas necessárias e adequadas para os identificar nas suas causas, removendo-os ou eliminando-os.

“ Na verdade, sendo tempestiva a primitiva denúncia, relativamente ao momento do conhecimento inicial dos defeitos da coisa, e ocorrendo estes manifestamente dentro do «prazo de garantia», não poderá consumar-se a caducidade dos direitos do comprador quando, entre o momento originário da denúncia e aquele em que o comprador propõe a acção, se verifica uma ininterrupta «cadeia» de sucessivas denúncias de vícios da coisa vendida e que originam repetidas tentativas, embora infrutíferas, de resolução do defeito originário - não tendo, neste caso, o comprador avançado para a via judiciária dentro do referido prazo de caducidade, contado da denúncia inicial, por ter confiado no compromisso assumido pelo vendedor de que iria providenciar pela reparação adequada dos vícios e estarem em curso as intervenções técnicas aparentemente vocacionadas para tal finalidade.”

E continua o referido acórdão “ É que não seria aceitável, nem conforme aos princípios da boa fé e da confiança, «forçar» o comprador a propor em juízo acção visando o reconhecimento do seu direito e a condenação do réu a efectivá-lo quando o comportamento da contraparte sugere claramente uma aceitação ou admissão do seu direito, manifestando disponibilidade prática para o realizar, através das intervenções técnicas aparentemente adequadas, sem necessidade de recurso à via judiciária: na realidade, a propositura de acção na pendência desta situação implicaria normalmente a falta do pressuposto processual «interesse em agir», por o direito invocado não estar, nesse momento, carecido de tutela judiciária, inexistindo um litígio actual e efectivo entre os contraentes - o qual , naturalmente, apenas se desencadeará no momento em que o vendedor, invertendo a posição inicialmente assumida, passar a recusar a existência e o dever de reparação dos defeitos da coisa que ainda subsistam.” “(…) a admissão do vício da coisa e a realização de intervenções técnicas destinadas a confirmá-lo e eliminá-lo, quando existente, podem tornar abusiva a ulterior invocação da excepção de caducidade, sempre que os comportamentos assumidos pelo vendedor justificarem, em concreto, uma fundada confiança do comprador na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito.”

E, estaríamos perante uma circunstância que “Integra violação das clausulas gerais e do abuso de direito o comportamento do vendedor de coisa alegadamente defeituosa que - embora sem reconhecer inequívoca e expressamente o vício ou defeito denunciado -admitiu como possível a sua existência e tentou, por várias vezes, corrigi-lo - vindo ulteriormente, contra facto próprio, invocar a caducidade, em consequência de o comprador - confiando justificadamente na seriedade do propósito de correcção do vicio ou defeito da coisa manifestado pela conduta do vendedor - não ter actuado em juízo antes de se ter revelado na prática o resultado final de tais tentativas de resolução do problema, de modo a excluir quaisquer perspectivas de solução consensual do litígio.”

40.2 .     Acórdão do STJ no processo n.º 2210/06.8TVPRT.S1, de 24/9/09 - Destarte, enquanto for plausível a existência de uma solução consensual para o litígio, que dispense razoavelmente o recurso à via judiciária não se iniciando o prazo curto de caducidade, contado da denúncia do defeito, para agir em juízo “ (…) por carecer o demandante , nesse momento, de interesse processual, perante a atitude do vendedor que se compromete a reparar os denunciados defeitos construtivos, tentando, embora deficientemente, efectivá-la”. -

40.3.     Acórdão STJ de 08-05-2013, Proc. n.°1079/06.7TBMTS.P1.S1, 7.ª secção -

“Tem sido entendimento maioritário quer da jurisprudência quer da doutrina que o reconhecimento do direito, a que alude o art.º 331º, n.º 2 do CC deve ser expresso, concreto ou preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a sua aceitação pelo devedor dos direitos do credor, não sendo suficiente a simples admissão vaga e genérica desse direito. Não será, contudo exigível que tenha de revestir o mesmo valor do ato que deveria ser praticado. De qualquer forma o reconhecimento do direito não pode ter uma interpretação tão restritiva que esvazie o conteúdo do n.º 2 do artº 331 do CC. Reconhece, expressamente, o direito, o devedor que por palavras ou atos confirme as pretensões do credor.” Mais decidiu o referido acórdão: “O reconhecimento do direito com promessas de solucionar o diferendo, constituiu um impedimento da caducidade, estando em consonância com o art.º 331.º, n.º 2 do CC, permitindo evitar que se considerem válidas situações violadoras do princípio da boa-fé, nomeadamente da regra de non venire contra factum suum.”

Nestes termos e nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.as Ex.as deve ser dado total provimento ao presente recurso, conceder-se revista por violação dos artigo 331°, 333°, 798°, 799°, 913° 914°, 916°, 917°, 921° todos do CC, e, consequentemente, revogar-se o acórdão da Relação e determinar-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães a fim deste conhecer a totalidade do recurso de apelação interposto pela autora/recorrente, procedendo à integral apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria facto e de direito.

Assim, farão V.ª Exas. a habitual justiça.”


A Recorrida/Ré/BB Portugal, S.A. apresentou contra alegações, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O recurso apresentado pela Recorrente deve ser considerado inadmissível, por violação da dupla conforme, tal como previsto no artigo 671º, nº 3 do Código de Processo Civil, no que respeita à procedência da exceção de caducidade do direito da Recorrente em pedir a substituição das baterias.

2. Com efeito, o Douto Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da Relação de Guimarães decidiram da mesma forma quanto a esta matéria, sem qualquer alteração substancial dos argumentos e fundamento utilizados.

3. Sendo esta uma questão completamente separável e distinta juridicamente das restantes, deve aplicar-se o regime da dupla conforme, e esta parte do recurso apresentado pela recorrente não deve, consequentemente, ser apreciada. Nesse sentido:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 452/05.2TBPTL.G2.S1, datado de 6 de novembro de 2018, in www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 4378/16.6T8VCT.G1.S1, datado de 8 de janeiro de 2019, in www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 31/12.8TTVFR.P1.S1, datado de 11 de fevereiro de 2016, in www.dgsi.pt.

4. Quanto ao pedido da Recorrente, de acordo com as normas previstas nos artigos 674º, nº 3, 679º, 682º e 683º do Código de Processo Civil, este Tribunal não se pode pronunciar quanto à matéria de facto.

5. Mais, nem sequer a Recorrente fundamentou o seu pedido de baixa dos presentes autos para nova apreciação pelo Douto Tribunal da Relação de Guimarães, pelo que deve ser julgado por este Tribunal como improcedente, por ilegal e não fundamentado.

Sem prescindir,

6. Quanto à exceção de caducidade do direito de ação da Recorrente relativo às baterias, desde já se remete para os excertos transcritos das decisões do Douto Tribunal de 1ª Instância e da Relação de Guimarães.

7. A Recorrente manifestou a existência de um suposto defeito nas baterias do empilhador 8FBMHT70 em 15 de dezembro de 2014, e apresentou ação em tribunal em 30 de novembro de 2016, ou seja, quase dois anos depois daquela data.

8. Sendo que, nessa senda, nenhum comportamento da Recorrida pode ser entendido como tendo assumido a existência de qualquer suposto defeito – como bem se retira de toda a documentação junta aos autos.

9. Todas as diligências efetuadas pela Recorrida resultaram na substituição de elementos das baterias, que estavam avariados devido à indevida utilização das mesmas, como resultou provado à saciedade do depoimento das testemunhas.

10. A Recorrida, aliás, tentou demonstrar a ausência de qualquer defeito por meio da realização de um teste, que a própria Recorrente recusou!

11. Pelo que deve improceder, também com este fundamento, o recurso apresentado pela Recorrente.

12. Finalmente, quanto à exceção de caducidade do direito de acção da Recorrente quanto à torre/mastro, em primeiro lugar, temos de considerar que o prazo de garantia do empilhador 8FBMHT70 foi contratualmente estabelecido como sendo de 12 meses.

13. Não pode agora a Recorrente pretende que este Douto Tribunal decida no sentido de que a torre/mastro não faz parte do empilhador, caso contrário não estaríamos perante um empilhador.

14. Pelo que, tendo o empilhador sido entregue em 5 de dezembro de 2014, e contratualizado o prazo de garantia de 12 meses, a Recorrente teria até 5 de dezembro de 2015 para a denúncia de qualquer defeito, sendo que a ação em causa entrou em juízo em 30 de novembro de 2016.

15. Mais, em momento algum a Recorrida teve qualquer atuação/comportamento que pudesse ser entendido como reconhecimento da existência de qualquer defeito, e consequentemente de qualquer direito da Recorrente.

16. Pelo que, de acordo com as normas legais dos nºs 3 e 4 do artigo 921º do Código Civil a Recorrente apresentou a denúncia do suposto defeito e a própria ação, fora do prazo de garantia.

17. Assim, é evidente que é procedente a exceção de caducidade do direito de ação da Recorrente.

18. Em suma, o recurso apresentado pela Recorrente deverá ser julgado completamente improcedente.

Termos em que, deve ser mantido na integra o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, e, consequentemente julgado improcedente o presente recurso, assim se fazendo INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

A Chamada/CC, Lda apresentou contra alegações, sem contudo ter aduzido quaisquer conclusões, invocando questão prévia atinente à inadmissibilidade do recurso de revista, pelo menos quando estende o seu recurso de revista à “questão das baterias”, relativamente à qual a decisão da 1ª Instância foi confirmado pela Relação, com base na mesma fundamentação, e ainda que assim não se entenda, sempre deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Autora, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.


Considerando que a Recorrente/Autora/AA, S.A. se insurgiu contra a decisão proferida em 2ª Instância, tendo interposto recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto nos artºs. 671º n.º 3, 672º n.º 1, alínea a) e 674º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, foram os presentes autos remetidos à Formação para a verificação do arrogado pressuposto que justifique, ou não, a pretendida revista excepcional, nos termos do art.º 672º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Foi proferido acórdão pela Formação em cujo dispositivo se consignou:

“Determina-se a remessa dos autos ao Senhor Conselheiro relator para os efeitos referidos em 8;

Não se admite a revista excepcional quanto ao demais”


O item 8. d acórdão da Formação é do seguinte teor:

“8. Considerando esta autonomia, temos que:

Relativamente ao pedido que teve acolhimento na 1ª Instância (substituição da torre/mastro do empilhador) a Relação pronunciou-se em sentido antagónico. Inexiste dupla conforme, não valendo o bloqueio recursório relativo constante do n.º 3 do artigo 671º do dito código e falecendo, inerentemente, a competência desta Formação.

Tudo tem de ser processado em sede de revista normal cuja admissibilidade a parte também requer.”


Foram dispensados os vistos.


Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO


II.1. A questão a resolver, recortada das alegações de revista interposta pela Recorrente/Autora/AA, S.A. consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, relativamente ao reconhecimento da excepção de caducidade do arrogado direito à substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70, porquanto, ainda que o defeito denunciado não se encontrasse dentro do domínio da garantia de bom funcionamento a que alude o art.º 921º do Código Civil, no qual vigora a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justificava e caracterizava tal garantia, dever-se-á reconhecer que no caso sub iudiceas anomalias que o mastro do empilhador apresenta são intrínsecas ao mesmo, a par de que está adquirido processualmente que a Ré reconheceu o defeito do aludido equipamento, de modo claro e expresso, o que constitui impedimento ao reconhecimento da excepcionada caducidade do direito de acção da Autora?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados.

“a) A Autora é uma empresa que se dedica à produção, transformação e comercialização de bobinas de papel e artigos de papel para uso doméstico e sanitário;

b) Na prossecução do seu objeto social em 30 de Maio de 2014 a Autora celebrou com a Ré um acordo, apelidado pelas partes de Contrato de Fornecimento de Equipamento Industrial, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 15 a 16 e cujo teor se dá aqui por integralmente;

c) Pelo referido acordo a Ré vendeu à Autora, entre outro equipamento, um empilhador elétrico BB, modelo 8FBMHT70, equipamento com Mastro panorâmico FSW 6.500mm, rodado duplo maciço branco, pinça para bobines de papel marca Cascade, alavancas multifunções (3º e 4º comando), deslocamento lateral integrado; com 2 packs de baterias; 1 carregador e descolamento lateral, bacia de retenção e dispositivo de troca de baterias, com o n.º de série 10041;

d) E ainda, um empilhador elétrico BB, modelo 7FBMF50, com equipamento Mastro Triplex FSV 6.000mm, rodado maciço branco, descolamento lateral, com 2 baterias e 1 carregador, com pinça para fardos Cascade, cabine canvas, bacia de retenção e dispositivo de troca de baterias;

e) Tal equipamento dispunha de uma garantia acordada de 12 meses a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes e os acessórios Cascade e baterias dos equipamentos com uma garantia acordada de 24 meses igualmente a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes, conforme dispõe a cláusula 9. do contrato assinado entre as partes;

f) Igualmente dispõe a referida cláusula 9. que a garantia fornecida pela Ré englobava mão-de-obra técnica necessária para reparação de defeitos de fabrico e que seria prestada nas instalações da Autora;

g) A entrega do empilhador elétrico BB 8FBMHT70 ocorreu em 05.12.2014;

h) Tendo na mesma data sido entregue pela Ré o Certificado de Conformidade CE, o Livro de Garantia – Equipamento de Movimentação de Cargas, e tendo, na mesma data, sido realizado o teste de funcionalidade, tendo tal sido documentado em escrito assinado por ambas as partes;

i) O equipamento modelo 8FBMHT70 foi adquirido para realizar a movimentação e elevação de cargas, in casu, bobinas de pasta de papel e, por esse motivo, o equipamento em questão veio equipado com uma pinça para a movimentação e elevação de bobinas, nos termos acordados na alínea b), designadamente, na cláusula 8.3., alínea b) do acordo aí referido;

j) A Ré sabia qual era o fim para o qual o empilhador 8FBMHT70 foi adquirido e sabia, porquanto lhe foi transmitido pela Autora aquando das negociações, que a AA, SA laborava de forma contínua, ou seja, 24 horas por dia, todos os dias do ano, ininterruptamente, e, por essa razão, o empilhador veio equipado com dois conjuntos de baterias, sendo que um dos conjuntos ficava a carregar enquanto o outro conjunto era utilizado no empilhador;

k) A Ré, através dos seus funcionários, explicou à Autora, na pessoa de António Soromenho, durante as negociações para a aquisição dos empilhadores, que quanto maior a amperagem das baterias, maior a autonomia e que esta variava em proporção da intensidade da laboração;

l) E, por isso, a Ré propôs à Autora que o empilhador viesse equipado com baterias de 1250 amperes;

m) A Autora, pretendendo pagar menos na aquisição do equipamento, pediu à Ré um orçamento do mesmo equipamento com baterias de 800 amperes;

n) Tendo sido explicado à Autora pela Ré que havia a possibilidade de adquirir 3 conjuntos de baterias, de forma a garantir o carregamento completo, a Autora optou por adquirir apenas dois conjuntos de baterias, sem prejuízo de, mais tarde, adquirir um terceiro conjunto, caso necessitasse;

o) E optou por baterias de 800 amperes, nos termos acordados na alínea b);

p) A partir de 15 de Dezembro de 2014, Autora e Ré trocaram entre si, por correio eletrónico, as mensagens cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 19 a 28, 326 a 329, 331 e 332 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

q) Em circunstâncias ideais, os dois conjuntos de baterias fornecidas juntamente com o empilhador não permitem uma utilização contínua/intensiva de turnos 8 horas sobre 8 horas, atenta a circunstância de, neste ritmo de utilização, a utilização das baterias não dever ultrapassar 80% da respetiva energia e o carregamento dever ser mais longo do que o tempo de utilização e dever ser sempre completo (para evitar o efeito-memória e a consequente perda de autonomia);

r) Pelo que, em circunstâncias ideais, a utilização recomendável de cada conjunto de baterias, em utilização intensiva, é de 4 horas, de molde a prolongar a sua vida útil;

s) De 21 de Janeiro de 2015 a 26 de Julho de 2016, em 250 carregamentos das baterias, 175 foram carregamentos completos e 75 foram carregamentos incompletos;

t) Desde o início da sua utilização, a Autora alternou carregamentos completos com carregamentos incompletos na proporção de em cada 3 carregamentos 1 era incompleto;

u) A 21 de Janeiro de 2015, funcionários da Chamada substituíram dois elementos danificados dos 40 elementos existentes num dos conjuntos de baterias do empilhador 8FBMHT70;

v) A existência dos elementos danificados não teve influência na durabilidade ou autonomia do conjunto de baterias em causa;

w) Ao fim de 3 anos de utilização intensa, as baterias atingem o fim da sua vida útil;

x) A partir de 15 de Dezembro de 2014 a Autora queixa-se à Ré da falta de autonomia das baterias;

y) A partir de 8 de Julho de 2016, a Autora queixa-se à Ré do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel);

z) Os danos existentes na torre/mastro consubstanciam-se numa deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior, sendo que a folga entre os roletes e a superfície da aba do mastro é de cerca de 5 mm e deveria ser inferior a 1 mm;

aa) Aquando da deteção deste desgaste, o equipamento tinha 2100 horas de utilização e cerca de um ano desde a data da sua aquisição;

bb) O mastro/torre deve ser verificado a cada 1000 horas de utilização ou 6 meses;

cc) O desgaste é mais pronunciado na posição onde a pinça se imobiliza para girar sobre si própria para executar a operação de colocar a bobina da posição horizontal para a posição vertical;

dd) Esse desgaste provoca uma folga na fixação da pinça à torre/mastro provocando, por sua vez, instabilidade no próprio empilhador que, com o peso da bobina, passou a correr o risco de tombar, para além de poder ocorrer um deslizamento vertical da carga, a quebra ou um encravamento do sistema;

ee) De acordo com as especificações técnicas do equipamento em questão (pinça Cascade) trata-se de um desgaste prematuro e anormal, devendo a torre/mastro ser substituída;

ff) A Autora, por razões de segurança, deixou de utilizar o empilhador 8FBMHT70, no início de 2016;

gg) A entrega do empilhador elétrico BB 7FBMF50 ocorreu em 27.01.2015;

hh) Este equipamento foi adquirido pela Autora para realizar a movimentação e elevação de cargas, em fardos de pasta de papel;

ii) Tal empilhador veio equipado com uma pinça para a movimentação e elevação de fardos de pasta de papel e duas baterias para permitir a laboração contínua da Autora;

jj) A pinça para fardos de papel possui uma garantia autónoma de 24 meses;

kk) A pinça, para funcionar, necessita de estar ligada ao corpo do empilhador, através de tubos e mangueiras que fazem parte do sistema hidráulico da pinça;

ll) Os tubos hidráulicos que ligam a pinça ao empilhador existem por causa do funcionamento hidráulico da pinça e o empilhador não necessita deles para se locomover;

mm) Em 15.03.2016, a Autora reclamou junto da Ré, ao abrigo da garantia vigente, uma fuga de óleo na mangueira hidráulica;

nn) A Ré substituiu a mangueira hidráulica no empilhador em causa, serviço que ascendeu ao valor de € 344,95.

oo) No início do ano de 2016, a sociedade KK, S.A., sociedade do grupo societário da Autora, cedeu a esta, para substituir o empilhador 8FBMHT70, o empilhador LL S.P.A., n.º de serie CE 3   6.”

Factos não provados:

“Da petição inicial: artigos 12º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea j), 13º a 34º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k) a x), 39º, quanto ao valor, 42º a 60º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas y) a ff), 65º, quanto ao valor, 70º a 78º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas gg) a nn), 88º, quanto ao valor, 93º a 96º, 98º a 100º, 101º e 102º, quanto ao nexo causal naturalístico entre a penalização e a falta de autonomia das baterias, 105º, 106º a 112º.

Da contestação da Ré: artigos 45º, 62º e 63º.

Da contestação da Chamada: artigos 62º a 74º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k) a x).

Da réplica: inexistem factos que careçam de ser respondidos.

Do aperfeiçoamento da Autora: artigos 23º a 29º, 30º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea oo), 31º a 33º e 35º a 45º.

Do aperfeiçoamento da Ré: 93º, quanto à caracterização dos “tubos”.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/AA, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, relativamente ao reconhecimento da excepção de caducidade do arrogado direito à substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70, porquanto, ainda que o defeito denunciado não se encontrasse dentro do domínio da garantia de bom funcionamento a que alude o art.º 921º do Código Civil, no qual vigora a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justificava e caracterizava tal garantia, dever-se-á reconhecer que no caso sub iudice as anomalias que o mastro do empilhador apresenta são intrínsecas ao mesmo, a par de que está adquirido processualmente que a Ré reconheceu o defeito do aludido equipamento, de modo claro e expresso, o que constitui impedimento ao reconhecimento da excepcionada caducidade do direito de acção da Autora? (1)

Perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi pelo Tribunal a quoa decisão da matéria de facto, mantendo inalterada a factualidade fixada em 1ª Instância), o Tribunal recorrido concluiu no segmento decisório, no que ao objecto do presente recurso de revista interessa, pelo reconhecimento da caducidade dos arrogados direitos da Autora, com base no defeito do mastro/torre do empilhador.

O aresto escrutinado ao problematizar as questões a apreciar, acompanhando, com critério, as pretensões formuladas pela Apelante/Autora/AA, S.A., os actos ou factos jurídicos donde emerge o direito que se arroga e pretende fazer valer, actos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, condensou as aludidas questões, consignando a propósito:

“Questões a decidir:

- Análise dos recursos relativamente à impugnação da matéria de facto;

- Analisar se caducou o direito da A.;

Caso se conclua pela improcedência da exceção:

- Reapreciar a matéria de direito nos pontos em que tal se justifique.”

Distinguimos dos autos que a Autora/AA, S.A., que se dedica à produção, transformação e comercialização de bobinas de papel e artigos de papel para uso doméstico e sanitário, celebrou em 30 de Maio de 2014 com a Ré/BB Portugal, S.A.. um acordo, apelidado pelas partes de Contrato de Fornecimento de Equipamento Industrial, sendo que pelo referido acordo a Ré/BB Portugal, S.A. vendeu à Autora/AA, S.A., entre outro equipamento, um empilhador eléctrico BB, modelo 8FBMHT70, equipamento com Mastro panorâmico FSW 6.500mm, rodado duplo maciço branco, pinça para bobines de papel marca Cascade, alavancas multifunções (3º e 4º comando), deslocamento lateral integrado; com 2 packs de baterias; 1 carregador e descolamento lateral, bacia de retenção e dispositivo de troca de baterias, com o n.º de série 10…1, sendo que tal equipamento dispunha de uma garantia acordada de 12 meses a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes e os acessórios Cascade e baterias dos equipamentos com uma garantia acordada de 24 meses igualmente a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes, sendo que a entrega do empilhador eléctrico BB 8FBMHT70 ocorreu em 05.12.2014, tendo na mesma data sido entregue pela Ré/BB Portugal, S.A., o Certificado de Conformidade CE, o Livro de Garantia - Equipamento de Movimentação de Cargas, e tendo, na mesma data, sido realizado o respectivo teste de funcionalidade, sendo que também está adquirido processualmente que a partir de 8 de Julho de 2016, a Autora/AA, S.A.. queixa-se à Ré/BB Portugal, S.A. do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel), importando que os danos existentes na torre/mastro consubstanciam-se numa deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior, a par de que a folga entre os roletes e a superfície da aba do mastro é de cerca de 5 mm e deveria ser inferior a 1 mm.

A Autora/AA, S.A. ao interpor a revista, nos termos admitidos, pretende que se reaprecie a questão da caducidade, sustentando, no que respeita ao respectivo direito de acção a denunciar os defeitos da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70 adquirido à Ré/BB Portugal, S.A., o reconhecimento, por parte desta, do defeito do aludido equipamento.

Vejamos da bondade do enquadramento jurídico consignado no aresto escrutinado e da pertinência do sequente dispositivo.

Uma vez subsumidos os factos ao direito, o Tribunal a quo consignou a propósito da caducidade do direito da Autora/AA, S.A. a pedir a substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70:

“Analisando os factos acima elencados, temos que a denúncia dos defeitos foi efetuada já após terminado o prazo de garantia, sendo certo que ninguém referiu que tal mastro seria abrangido pela garantia de 24 meses.

Na sentença recorrida considerou-se que a denúncia ocorreu dentro do prazo da garantia, não explicando, todavia, porquê.

A A. considera que houve reconhecimento do direito pois da correspondência trocada resulta que em 16/12/15 houve substituição do sensor do mastro e intervenção/reparação do erro A5 relativo a esse mastro (v. doc. nº 23, datado de 23/7/2016) e que em 18/4/2016 os técnicos da Ré se deslocaram às instalações da Autora para analisar a elevação da torre, após reclamação desta (doc. 29 junto com a p.i.).

Tendo como base o que acima foi dito sobre o reconhecimento do direito, nomeadamente que o mesmo tem que ser expresso de forma a não existirem dúvidas sobre a assunção da responsabilidade do devedor, vemos que nada disso acontece no caso em apreço. O facto de a R. ter substituído um sensor do mastro e reparado uma avaria do mesmo, não significa que admitiu que esse componente do empilhador padecia do defeito referido no ponto z) da matéria de facto e, por outro lado, tais reparações não indicam, sem qualquer dúvida, que se trataram de intervenções tendentes à eliminação do defeito denunciado.

Na verdade, a reparação do sensor não é a mesma coisa que a reparação da “deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior”.

Desta forma, tendo o defeito sido denunciado muito para lá do termo do prazo de garantia da máquina, há que revogar nesta parte a sentença recorrida, considerando-se que caducou o direito da A. à substituição do mencionado mastro.

Uma vez que os direitos do comprador têm que ser exercidos nos prazos acima referidos, caducou também o direito da A. a ser indemnizada com base na verificação do mencionado defeito.”

Neste particular, temos de reconhecer que a presente questão coloca-se, desde logo, como ocorreu no aresto em escrutínio, no âmbito da denominada garantia de bom funcionamento.

Na verdade, os litigantes acordaram, aquando da venda à Autora/AA, S.A. do empilhador eléctrico BB (modelo 8FBMHT70, equipamento com Mastro panorâmico FSW 6.500mm, rodado duplo maciço branco, pinça para bobines de papel marca Cascade, alavancas multifunções (3º e 4º comando), deslocamento lateral integrado; com 2 packs de baterias; 1 carregador e descolamento lateral, bacia de retenção e dispositivo de troca de baterias, com o n.º de série 10…1) que este equipamento dispunha de uma garantia de 12 (doze) meses a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes, daí que não se questionando a validade da convencionada garantia, impõe-se considerar o que o direito substantivo civil estatui a propósito.

Estabelece o art.º 921º do Código Civil (Garantia de bom funcionamento).

“1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.”

Mediante a concessão da “garantia” o vendedor assegura, pelo período da sua duração, o bom funcionamento da coisa, assumindo a responsabilidade pela resolução das avarias, anomalias ou quaisquer deficiências de funcionamento verificadas em circunstâncias de normal utilização do bem.

O vendedor assume a “garantia de um resultado” sendo ónus do comprador demonstrar o mau funcionamento durante o período de duração da mesma, sem necessidade de identificar a respectiva causa ou demonstrar a respectiva existência no momento da entrega, incumbindo ao vendedor que pretenda subtrair-se à responsabilidade (obrigação de reparação, troca, indemnização) opor-lhe e provar que a concreta causa de mau funcionamento é posterior à entrega da coisa (afastando a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justifica e caracteriza a garantia de bom estado e funcionamento) e imputável a acto do comprador, de terceiro ou devida a caso fortuito, neste sentido, Calvão da Silva, in, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª edição, página 65, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2011 (Processo n.º 4757/05.4TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

Perante este enquadramento jurídico importa considerar se será de reconhecer a caducidade do direito da Autora/AA, S.A. a pedir a substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70.

Para conhecer da invocada excepção de caducidade do direito de acção, importa consignar que o conceito de caducidade em sentido amplo traduz-se na cessação de um direito ou de uma situação jurídica não retroactivamente pela verificação de um facto jurídico stricto sensu, consubstanciando-se, numa apreciação restrita, na cessação de um direito ou de uma situação jurídica não retroactivamente, pelo decurso de um prazo.

Existe o prazo de caducidade se o objectivo da lei ao fixar o prazo é tal que se pretenda, em absoluto, uma definição da situação dentro do prazo, a ponto de serem inoperantes as causas de suspensão e de interrupção da prescrição.

A lei, na caducidade quer que o direito seja exercido dentro de certo prazo, prescindindo da negligência do titular, por isso, de eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência.

O assunto que ora nos ocupa contende, pois, em saber se foi tempestiva a acção instaurada pela Autora/AA, S.A. com vista, para o que interessa ao conhecimento do objecto da presente revista, à substituição da torre/mastro do empilhador 8FBMHT70, em razão dos enunciados defeitos.

No que ao caso respeita, sabemos, como já adiantamos - art.º 921º do Código Civil - que a lei estabelece, não só o prazo de denúncia dos defeitos, mas também o prazo para o exercício do direito à reparação ou substituição da coisa quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, sendo que o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia, e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido, sendo que o direito à acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.

Daqui decorre, e revertendo ao caso sub iudice, tomando por demonstrado que a entrega do empilhador eléctrico BB 8FBMHT70 ocorreu em 5 de Dezembro de 2014 (item g); Tendo na mesma data sido entregue pela Ré o Certificado de Conformidade CE, o Livro de Garantia - Equipamento de Movimentação de Cargas, e tendo, na mesma data, sido realizado o teste de funcionalidade, documentado em escrito assinado por ambas as partes (itemh); Tal equipamento dispunha de uma garantia acordada de 12 meses a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes e os acessórios Cascade e baterias dos equipamentos com uma garantia acordada de 24 meses igualmente a contar da data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes, conforme dispõe a cláusula 9. do contrato assinado entre as partes (iteme); A partir de 8 de Julho de 2016, a Autora queixa-se à Ré do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel) (itemy);Os danos existentes na torre/mastro consubstanciam-se numa deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior, sendo que a folga entre os roletes e a superfície da aba do mastro é de cerca de 5 mm e deveria ser inferior a 1 mm (item z), não haver como não deixar de reconhecer que a denúncia dos defeitos(a partir de 8 de Julho de 2016) foi efectuada já após terminado o prazo de garantia de 12 (doze) meses, contados desde a data de emissão da declaração de funcionalidade assinada por ambas as partes (5 de Dezembro de 2014), sendo que a instauração da presente demanda data 30 de Novembro de 2016.


Reconhecida a caducidade do direito de acção com vista à arrogada reparação ou substituição da coisa, poder-se-ia ter que considerar se no caso sub iudice, conforme esgrime a Autora/Recorrente/AA, S.A., ainda que o defeito denunciado não se encontre dentro do domínio da garantia de bom funcionamento a que alude o art.º 921º do Código Civil, as anomalias que o mastro do empilhador eléctrico BB 8FBMHT70 apresenta, são intrínsecas ao mesmo, a par de que está adquirido processualmente que a Ré reconheceu o defeito do aludido equipamento, de modo claro e expresso, constituindo impedimento ao reconhecimento da excepcionada caducidade do direito de acção da Autora/AA, S.A.

Vejamos.

Neste particular, importa que relembremos a facticidade adquirida processualmente, tida por pertinente para apreciar da bondade da esgrimida argumentação trazida a Juízo, ao sustentar que as anomalias que o mastro do empilhador eléctrico BB 8FBMHT70 apresenta, são intrínsecas ao mesmo, a par de que a Ré/BB Portugal, S.A. reconheceu o defeito do aludido equipamento, de modo claro e expresso, constituindo impedimento ao reconhecimento da excepcionada caducidade do direito de acção da Autora/AA, S.A.

Assim:

“y) A partir de 8 de Julho de 2016, a Autora queixa-se à Ré do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel);

z) Os danos existentes na torre/mastro consubstanciam-se numa deformação nas “abas” e desgaste por abrasão e adesão em determinadas partes do mastro interior, sendo que a folga entre os roletes e a superfície da aba do mastro é de cerca de 5 mm e deveria ser inferior a 1 mm;

aa) Aquando da deteção deste desgaste, o equipamento tinha 2100 horas de utilização e cerca de um ano desde a data da sua aquisição;

bb) O mastro/torre deve ser verificado a cada 1000 horas de utilização ou 6 meses;

cc) O desgaste é mais pronunciado na posição onde a pinça se imobiliza para girar sobre si própria para executar a operação de colocar a bobina da posição horizontal para a posição vertical;

dd) Esse desgaste provoca uma folga na fixação da pinça à torre/mastro provocando, por sua vez, instabilidade no próprio empilhador que, com o peso da bobina, passou a correr o risco de tombar, para além de poder ocorrer um deslizamento vertical da carga, a quebra ou um encravamento do sistema;

ee) De acordo com as especificações técnicas do equipamento em questão (pinça Cascade) trata-se de um desgaste prematuro e anormal, devendo a torre/mastro ser substituída;

ff) A Autora, por razões de segurança, deixou de utilizar o empilhador 8FBMHT70, no início de 2016”

A facticidade apurada importará que a Ré/BB Portugal, S.A.. reconheceu o defeito do equipamento, de modo claro e expresso, sendo impedimento ao reconhecimento da excepcionada caducidade do direito de acção da Autora?

Cremos que não.

Estabelece o direito substantivo civil - art.º 331º do Código Civil- “1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”

Da exegese do citado n.º 2 do art.º 331º do Código Civil decorre que, estando em causa direitos disponíveis, como é o caso trazido a Juízo, e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista e Actualizada, em anotação ao art.º 331º, página 294, ao sustentar, citando Vaz Serra, in, BMJ n.º 118, Prescrição e Caducidade, aliás mencionados nas doutas alegações recursivas “O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida”sublinhando “O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr. por exemplo, os artºs 916º e 917º). Quando tal não se verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível”, no mesmo sentido, Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107º, n.º 3515, página 24 “Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de acto sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade (…). O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade (…) O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito”

A caducidade pode ser impedida, mas não interrompida ou suspensa.

“Como afirma Aníbal de Castro o impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso. O impedimento da caducidade, como se escreveu no ac. S.T.J., de 1998/11/25, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo”, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2009 (Processo n. 4073/04.9TBMAI.P1).

Perfilhando a enunciada orientação, podemos ler no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9 de Setembro de 2015 (Processo n.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1), retirado do respectivo texto “I - Emerge do art. 331.º, n.º 2, do CC, que, estando em causa direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade. III - A partir desse reconhecimento dos defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos a que alude o art. 309.º do CC.”

Por outro lado, importa ter presente que o reconhecimento da existência dos defeitos, deve ser muito concreto e preciso, por parte do devedor de modo a que não subsistam dúvidas sobre a aceitação dos direitos do credor e, assim, nos termos do aludido n.º 2 do art.º 331º do Código Civil, impedir a caducidade, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2018 (Processo n.º 267/12.1TVLSB.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2014 (Processo n.º 1857/09.9TJVNF.P1.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2013 (Processo n.º 1079/06.7TBMTS.P1.S1), todos desta 7ª Secção.

O reconhecimento da existência dos defeitos, vista a sua repercussão, não pode deixar de ser apreciado em termos exigentes, compreendendo-se que só afaste a caducidade um reconhecimento que lhe seja anterior e seja expresso e inequívoco.

Assim, perfilhando a orientação de que o reconhecimento da existência dos defeitos, impeditivo da consumação da caducidade, terá que ser sempre claro e inequívoco, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece, temos que sufragar o acórdão recorrido dizendo que o comportamento assumido pela Ré/BB Portugal, S.A., constante da factualidade dada como provada e enunciada, não satisfaz os exigidos critérios que impedem a consumação da caducidade do arrogado direito de acção à reparação ou substituição da coisa defeituosa, pois, a circunstância demonstrada de que a partir de 8 de Julho de 2016, a Autora queixa-se à Ré/BB Portugal, S.A. do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel), não encerra uma atitude por parte da Ré/BB Portugal, S.A.. que preencha os aludidos parâmetros de um reconhecimento da existência dos defeitos, claro e inequívoco, tão pouco a conduta da Ré/BB Portugal, S.A. configura uma situação violadora do princípio da boa-fé.

No que respeita ao particular instituto de abuso de direito, estabelece o art.º 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Conforme vem sendo admitido pela nossa Jurisprudência, sob pena de se esvaziar de conteúdo o instituto do abuso de direito, sempre que, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa-fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, importará reconhecer uma situação em que o abuso do direito servirá de válvula de escape, consagrada no nosso ordenamento jurídico, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 174/12.8TBLGS.E1.S1); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2016 (Processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 2017 (Processo n.º 212/12.4TVLSB.L1.S1); e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 2018 (Processo n.º 2037/13.0TBPVZ.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido, neste sentido, Professor Castanheira Neves, in, Questão de facto - Questão de direito, volume I, página 513 e seguintes, Fernando Augusto Cunha de Sá, in, obra citada, páginas 454 e seguintes, e Professor Antunes Varela, in, Abuso do direito, Rio, 1982.

Exige-se que o excesso cometido seja manifesto, traduzindo situações em que o instituto do abuso de direito poderá ocorrer e que nos permitirão ajustar padrões de actuação adequados a corporizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está sustentado o instituto do abuso do direito, neste sentido, Menezes Cordeiro, in, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed. Coimbra, Almedina, pág. 249 a 269.

A ilegitimidade do abuso do direito tem as consequências de todo o acto ilegítimo, podendo dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade, nos termos gerais de direito; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade, neste sentido, Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107º, página 25.

Atendendo a este quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, cumpre conjugá-lo com a facticidade demonstrada nos autos para daí se concluir que nas concretas circunstâncias demonstradas em Juízo, não se pode aceitar que a actuação da Ré/BB Portugal, S.A. encerra abuso de direito, por violação do princípio da boa-fé.

Na verdade, revertendo ao caso sub iudice, distinguimos que a partir de 8 de Julho de 2016, a Autora queixa-se à Ré do desgaste dos lanços interiores da torre-mastro do empilhador 8FBMHT70 (onde corre a pinça que agarra, transporta e eleva as bobinas de papel), sendo que daqui não podemos inferir que a conduta da Ré/BB Portugal, S.A. configure qualquer forma desviada e jurídico-socialmente censurável que nos leve a determinar a paralisação da reconhecida caducidade do direito de acção à reparação ou substituição da coisa defeituosa, arredando qualquer reconhecimento de que, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa-fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, por parte da Ré/BB Portugal, S.A...

Ao carecer de fundamento a argumentação esgrimida pela Recorrente/Autora/AA, S.A. nas suas doutas alegações recursivas, importa sufragar o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido que apreendeu a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo, tendo elaborado um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico seguro, onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando Doutrina e Jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com parcimónia

Na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Autora/AA, S.A., não reconhecemos às mesmas qualquer virtualidade no sentido de alterar o destino da presente demanda.



III. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/AA, S.A., negando-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente/Autora/AA, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Dezembro de 2019


Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira