Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P128
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DINIS ALVES
Nº do Documento: SJ200204110001285
Data do Acordão: 04/11/2002
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: 8 V CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 55/01
Data: 11/26/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1.- Na 8ª Vara Criminal de Lisboa, foram acusados os arguidos:

A, solteiro, mecânico de automóveis, nascido a 23-1-1962, actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

B, solteiro, cortador de carnes (desempregado); nascido a 22 de Março de 1968, actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

C, solteiro, pintor, nascido a 18 de Outubro de 1975, actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

Pela co-autoria material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes p.p. pelos artº 21º nº1 e 24º al b) ambos do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro , com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal.
2.- Realizado o julgamento, o tribunal colectivo deliberou:
a) Julgar a acusação procedente por provada;
b) Condenar os arguidos A, B e C, pela co-autoria material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes p. e p. pelos Art°s. 21º, n° 1 e 24° alínea b) ambos do Dec-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I.A e I.B anexas ao mesmo diploma legal, nas penas de:
- 9 (nove) anos de prisão para o arguido A;
- 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para o arguido B;
- 6 (seis) anos de prisão para o arguido C.

c) Condenar os arguidos ao pagamento de mínimos de taxa de justiça, acrescidos de 1% (um por cento) de taxa de justiça e 1/3 (um terço) de procuradoria;
d) Honorários aos defensores nos termos da Portaria n° 1200-C/2000, de 20 de Dezembro;
e) Declarar perdidas a favor do Estado as quantias apreendidas por resultantes da venda de estupefacientes;
f) Ordenar a destruição dos estupefacientes apreendidos e a comunicação prevista no Art° 64° do Dec-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro.
II
Inconformado, o arguido A, interpôs recurso, em cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (fls.453 a 455):
O arguido foi punido em co-autoria pelo crime de tráfico agravado de estupefacientes previsto e punido pelos art.ºs 21º, n.º1 e 24º, al. b) do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.
Todavia a matéria de facto considerada provada referente ao ora recorrente, não preenche os elementos constitutivos do crime pelo qual foi condenado ou de qualquer outro.
Com efeito o arguido não foi detido em flagrante delito, na busca à sua residência não foram encontradas substâncias ou objectos relacionados, directa ou indirectamente, com o tráfico de estupefacientes, nem ficou demonstrada qualquer relação com os co-arguidos.
O tribunal julgou ultrapassando as permissas (factos provados), já que do seu conjunto não é licito retirar, para além de toda a dúvida razoável, que o arguido tivesse praticado o crime pelo qual foi condenado, sendo certo que em homenagem ao princípio "in dubio pro reo", em caso de dúvida deveria ter sido absolvido.
Pelo que se violou o disposto nos art.ºs 21º, n.º1 e 24º, al. b) do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.
Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, temos sempre que considerar que o recorrente é primário, não tem quaisquer antecedentes criminais, não obstante ter vivido grande parte da sua vida no Casal Ventoso.
Era toxicodependente à data da verificação dos factos, sendo que actualmente não consome quaisquer tipo de drogas à largos meses, patologia essa, causa directa deste comportamento desviante.
Tem uma filha e uma enteada ainda adolescentes.
Parecem assim diminutas, em face das suas condições actuais, as razões de prevenção especial, não se justificando uma pena de prisão efectiva tão elevada.
10º
Em face do princípio humanista, que norteia todo o sistema penal e processual penal, esta pena é sem dúvida injusta, desadequada e desproporcional, devendo ser reduzida.
11°
Pelo que se violou o disposto no art.º 71º do C.P..
Em face de todo o exposto deve ser revogado por V.ªs Ex.ªs o douto acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido pelo crime pelo qual foi condenado, ou se assim não se entender, reduzida a medida da pena concretamente aplicada.
III
Também o arguido C, interpôs recurso em cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (depois de mandadas aperfeiçoar):

a) Das Normas Jurídicas Violadas
Salvo o devido respeito por entendimento contrário, o douto acórdão recorrido violou as normas dos nos 2 e 5 do art° 32° da C.R.P. porquanto, face à matéria de facto dada como provada, na dúvida, valorou sempre a prova em desfavor do arguido.

b) Do erro na determinação da norma aplicável
Entendeu o Tribunal a quo ser aplicável à factualidade assente a norma do art° 21° do Decreto Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro.
Entende o recorrente que, face à factualidade assente, a norma aplicável será não a do referido art° 21º, mas antes a norma do art° 24° do mesmo diploma legal. Efectivamente,
Não resultou provado qual seria a contrapartida que o Arguido C, iria receber pela sua actividade de vigilância.
Ora, nos termos do disposto no art° 24° do Decreto Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, "Quando pela prática de algum dos factos referidos no artº 21°, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (...)".(o destaque é nosso)
Assim, não tendo resultado provado com que finalidade efectuava o Arguido C, vigilância e não tendo resultado provado qual a contrapartida que o mesmo iria receber, ter-se-á de subsumir a factualidade provada ao direito aplicável segundo os mais elementares princípios do nosso Direito Penal, como sejam os da presunção de inocência e in dubio pro reo.
Face ao exposto, havendo que apurar a finalidade do Arguido para efeitos de aplicação dos art°s 21° ou 26° do DL 15/93 de 22 de Janeiro, na falta de prova em contrário e à luz dos referidos princípios, ter-se-á de concluir que o Arguido C, realizava a função de vigia com vista a facilitar a venda de substâncias estupefacientes, com a finalidade de conseguir substâncias para o seu uso pessoal.
O Arguido C, comprovadamente toxicodependente, tinha por única e exclusiva finalidade conseguir substâncias para o seu uso pessoal. E,
As substâncias que tinha em seu poder não excedem a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias, por apresentar um peso líquido inferior a 1 grama, nos termos do disposto no nº3 do art° 26° do supra referido diploma legal e quadro anexo à Portaria 94/96 de 26 de Março.
10°
Não consta da matéria de facto dada como provada que fosse outro o destino dos proventos que o arguido obteria com a sua actividade.
11°
"I- O Supremo Tribunal de Justiça pode reconhecer a violação do princípio «in dubio pro reo» quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal «a quo» chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do nº2 do art° 410° do Código de Processo Penal.
II- Tendo-se provado que o arguido destinava a heroína à venda lucrativa, visando com os respectivos provemos financiar pelo menos o seu próprio consumo habitual desse estupefaciente, e havendo ficado não provado que o Arguido visava com esses proventos financiar outros gastos pessoais para além do consumo, e não permitindo o restante factualismo provado ter como existentes outros destinos de tais provemos, é manifesto que teria de concluir-se pela dúvida insanável sobre o mencionado facto da exclusividade, integrante de elemento essencial do crime privilegiado do artigo 26° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro. III- Essa dúvida não poderia resultar em prejuízo do arguido, uma vez que, embora lhe fosse favorável, não existe em processo penal o ónus de alegação e de prova, face ao princípio da investigação que o domina, sem contradição com o princípio da acusação e da estrutura basicamente acusatória que o caracteriza. Pelo contrário, recaindo sobre um facto constitutivo de um elemento típico integrador de uma circunstância atenuante modificativa, essa dúvida teria, por força do princípio «in dubio pro reo», de ser resolvida a favor do arguido, portanto no sentido de se considerar provada essa circunstância, que lhe é favorável, da referida finalidade exclusiva."
Ac. Do S.T.J. de 20-10-1999 (P. 1475-98), in Bol. do Min. da Just., 490, 64.
12°
Face ao exposto, deverá o Arguido C ser absolvido da prática do crime de tráfico agravado, p. e p. Pelos art°s 21° e 24° do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e
13°
Deverá ser condenado pela prática do crime de traficante-consumidor, p. e p. pelo nº1 do artº 26° do mesmo diploma legal, ao qual será aplicável a pena máxima de 3 anos de prisão ou multa.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, Senhores Conselheiros, deverá este venerando tribunal:
a) Revogar, parcialmente, o douto acórdão recorrido, absolvendo o Arguido C, da Prática do crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artºs 21° e 24° do DL 15/93, de 22 de Janeiro. E,
b) Condenar o arguido C pela prática de um crime de tráfico-consumo, p. e p. pelo nº1 do artigo 26° do mesmo diploma legal.
IV
Nas suas doutas respostas, o Exmº Magistrado do Ministério Público sustentou e concluiu que os recursos não merecem provimento, pelo que deve ser mantido o acórdão impugnado.
V
Remetido o processo a este Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, na vista que teve do processo, nada opôs ao conhecimento do recurso.
Colhidos os vistos, procedeu-se à audiência, com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir.
O tribunal colectivo teve por provados os seguintes factos:

Relativa à Acusação:
1. Agentes da 4ª Divisão da PSP de Lisboa realizaram operações de vigilância à actividade de venda de produto estupefacientes, no Casal Ventoso de Baixo, em Lisboa, tendo constatado que nas residências sitas:
- Na Rua ...;
- Casal Ventoso de Baixo, ...;
Havia um desusado movimento de pessoas que se dispersava imediatamente após ser observada a aproximação de algum elemento ou viatura policial.
Da vigilância policial resultou a constatação de que na actividade de venda de estupefacientes eram utilizados vários indivíduos toxicodependentes como vendedores e vigias, os quais eram regularmente substituídos por forma a não serem conhecidos, efectuando-se a venda e a apresentação dos vendedores ao pregão de "é pró caraça" e "é do careca".
Mais resultou da vigilância que eram utilizadas como armazéns de drogas e locais de reabastecimento dos vendedores as residências sitas:
- Na Rua ...;
- E na Rua ...;
Em resultado das vigilâncias foi identificado o arguido A, e também D e E.
Nas imediações daquele local foi observada a presença regular do que, veio a ser identificado posteriormente com arguido C.
. Foram emitidos Mandados de Busca Domiciliária a realizar em todas as referidas residências.
Assim no dia 8 de Novembro de 2000, pelas 14 horas, e após a verificação prévia de que naquele momento se encontrava a decorrer a distribuição e venda dos produtos suspeitos de serem estupefacientes, a PSP montou uma operação de vigilância às residências visadas.
Nessa ocasião o arguido A, foi visto a entrar por diversas vezes na residência sita no Casal Ventoso de Baixo ..., e sempre que daí saia entregava um saco a um indivíduo não identificado que de imediato era rodeado por indivíduos com aspecto de toxicodependentes, e enquanto isto o arguido C vigiava para prevenir da aproximação de qualquer elemento da polícia.
Junto da residência sita na Rua ..., encontrava-se o arguido B, de frente para uma fila de indivíduos com aspecto de toxicodependentes.
Foram então cumpridos os Mandados de Busca.
Assim, na residência sita no Casal Ventoso de Baixo ..., no seu interior foram encontrados:
- 1.072 (mil e setenta e duas) embalagens em plástico incolor contendo um produto em pó castanho que sujeito a exame laboratorial revelou tratar-se de heroína com o peso líquido de 339,075 gramas, 111 (cento e onze) embalagens em plástico incolor contendo um pó branco que sujeito a exame laboratorial revelou tratar-se de cocaína com o peso líquido de 29,335 gramas, e a quantia de 125780 escudos (cento vinte cinco mil setecentos e oitenta escudos) em notas e moedas do Banco de Portugal.
- No interior da residência sita na Rua ..., onde se refugiou o arguido B foram encontrados 679 (seiscentos e setenta e nove) embalagens em plástico incolor contendo um pó castanho que sujeito a exame laboratorial revelou tratar-se de heroína com o peso líquido de 205,034 gramas, e 200 (duzentas) embalagens em plástico incolor contendo um pó branco que sujeito a exame laboratorial revelou tratar-se de cocaína com o peso líquido de 60,404 gramas, e a quantia de 912045 escudos (novecentos doze mil e quarenta e cinco escudos) em notas do Banco de Portugal.
- Na posse do arguido B foi encontrada a quantia de 100000 escudos (cem mil escudos) em notas do Banco de Portugal.
- Na posse do arguido C foram encontradas duas embalagens em plástico incolor com um pó branco que sujeito a exame laboratorial revelo tratar-se de cocaína com o peso líquido de 0,579 gramas.
- Nas residências buscadas foram encontrados telemóveis (cfr. Fls. 24) um cofre em metal vermelho e diversos papéis manuscritos com apontamentos.
- Todos os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e características estupefacientes e proibidas dos produtos que detinham e destinavam à venda a terceiros mediante contrapartida económica.
- Nenhum dos arguidos desempenhava qualquer outro actividade ou ocupação remunerada.
- Agiu cada um dos arguidos livre voluntária deliberada e conscientemente, tendo actuado em concertação de esforços e de intentos na execução da descrita actividade da qual todas as quantias apreendidas e descritas supra eram produto, destinando os produtos apreendidos em razão da quantidade (mais de seiscentas gramas) e número de embalagens (mais de duas mil) e ser distribuídas a número elevado de indivíduos, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e censuradas por Lei.
-
- 2º Relativa às condições penais dos Arguidos:
- 1 . Do arguido A:
Conta 39 (trinta nove) anos de idade, sendo de humilde condição social, humilde situação económica, baixo nível cultural.
É toxicodependente desde há mais de 10 (dez) anos.
Exerceu em tempos já longínquos a profissão de mecânico de automóveis, contudo por força da dependência de drogas perdeu os hábitos de trabalho, encontrando-se à data dos factos debilitado fisicamente.
Elaborado relatório social o mesmo concluiu que o arguido vivenciou desde cedo algumas dificuldades sócio-afectivas que foram agravadas com a toxicodependência que o afectou desde os 21 (vinte um) anos de idade, sendo pai de vários filhos, de duas relações em união de facto, e não tendo qualquer estrutura familiar organizada, e não expressando vontade de se tratar.
2 . Do arguido B:
Admitiu apenas encontrar-se no interior da residência onde foi detido, facto que não podia desmentir. No mais negou a matéria apurada.
Contava 33 (trinta três) anos de idade, sendo de humilde condição social, humilde situação económica e baixo nível cultural.
É toxicodependente, tendo iniciado o consumo de estupefacientes aos 15 (quinze anos) de idade e em consequência da dependência das drogas foi perdendo as capacidades de trabalho abandonando a actividade de cortador de carnes a partir de 1997.
Viveu maritalmente com a mãe da sua única filha, actualmente com 8 (oito) anos de idade e para a qual o arguido em nada contribui, tendo-se o casal separado em consequência dos hábitos aditivos do arguido.
É portador de doença infecto-contagiosa de carácter irreversível.
Elaborado relatório social o mesmo concluiu que o arguido apresenta um percurso de vida condicionada desde jovem idade pela toxicodependência a que não se quer tratar.
Já foi condenado anteriormente por crime de furto.
3 . Do arguido C
Conta 26 (vinte seis) anos de idade, sendo de humilde condição social, humilde situação económica e baixo nível cultural.
É toxicodependente, tendo iniciado o consumo de estupefacientes aos 13 (treze) anos de idade e após o cumprimento do serviço militar obrigatório e em consequência da dependência de drogas perdeu as capacidades de trabalho, abandonando a actividade de operário da construção civil e fazendo do Casal Ventoso o seu local de permanência diária deixando de se alimentar e de ter cuidados mínimos com a higiene.
È portador de doença infecto-contagiosa de carácter irreversível.
Conta incondicionalmente de apoio materno.
Elaborado relatório social o mesmo concluiu que o arguido se propõe a estudar enquanto preso e manter-se abstinente sendo possuidor de um quadro de valores socialmente adequado denotando consciência face ao modo de vida que cedo protagonizou.
VI
Subsumindo ao direito a matéria fáctica descrita e determinando a medida concreta das penas, o Tribunal Colectivo teceu as seguintes considerações:
1. A detenção de mais de 600 (seiscentos) gramas de heroína e de cocaína, dividida em mais de 2000 (duas mil) doses individuais, actividade da qual já resultara o apuro no dia em que foram detidos de quantia superior a 1000000 escudos (um milhão de escudos), integra a co-autoria pelos arguidos do crime de tráfico agravado de estupefacientes p. e p. pelos Art. 21º, n° 1 e 24° alínea b) ambos do Dec.Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I.A e I.B anexas ao mesmo diploma legal, ao qual corresponde moldura penal abstracta de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão a 16 (dezasseis) anos de prisão.
2. Ponderadas agora a culpa de cada um dos arguidos, as legais exigências de reprovação e de presunção geral do crime, as quais se têm por algo elevadas numa era em que tal tipo de crime grassa, sendo causa de justificado alarme social atentos os seus exorbitantes custos sociais e humanos constituindo a luta contra o uso e abuso de drogas uma luta contra a degradação e destruição de seres humanos, como observados os mais critérios legais que presidem à determinação da medida concreta da pena, e que se encontram plasmados no Art° 71° do Código Penal, e assim observando: quanto ao grau de ilicitude dos factos, o grau de participação de cada um dos arguidos (o arguido A distribuindo aos vendedores, o arguido B vendendo, e o arguido C vigiando), como observada a natureza e quantidades concretas dos estupefacientes e das doses, assim como a quantia resultante da actividade; quanto à intensidade do dolo, a forma previamente concertada da acção dos arguidos, o que espelha a elevada intensidade do dolo e persistência da resolução criminosa, até pelo facto de ser utilizado o "vigia" como forma a garantir a continuação da acção e sua impunidade; como finalmente observadas as suas condições pessoais, afiguram-se nos ajustadas as seguintes penas de:
- 9 (nove) anos de prisão para o arguido A;
- 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para o arguido B;
- 6 ( seis) anos de prisão para o arguido C.
3. Decretaremos a perda a favor do Estado das quantias apreendidas por serem produto do crime e ordenaremos a destruição dos estupefacientes apreendidos.
VII
Apreciando:
A)- Quanto ao arguido A é indiferente, por inócuo, que não tenha sido detido em flagrante delito nem que, na busca à sua residência, não tenham sido encontradas substâncias relacionadas com o tráfico de estupefacientes, pois, como resulta da matéria de facto provada e se salienta na douta resposta do MºPº, o recorrente é co-autor do "crime por que foi condenado e qual o papel que desempenhava na actividade delituosa em causa - distribuição da droga aos vendedores (frequentes deslocações à residência nº15, regressando com um saco que entregava a um indivíduo não identificado que de imediato era rodeado por consumidores de estupefacientes, para só nos situarmos na data em que foi efectuada a busca".
No que concerne à medida da pena aplicada (9 anos de prisão), é efectivamente de sublinhar o elevado nível de responsabilidade do arguido A, em toda a actividade de tráfico desenvolvida e a quantidade de estupefaciente apreendido - mais de 600 gramas de heroína e cocaína (em mais de 2000 (!) doses individuais) e a importância em dinheiro apreendida (mais de um milhão de escudos).
O arguido A teve um papel relevante no tráfico pois distribuía a droga àqueles que procederiam à sua venda (designadamente, o arguido B, não recorrente).
Será, no entanto, de reduzir pontualmente, como se alega e peticiona, a medida da pena aplicada?
Vejamos:
1.- Contava, à data dos factos, trinta e nove (39) anos de idade, sendo de baixo nível cultural e de humilde condição social e económica.
2.- É toxicodependente há mais de 10 anos (toxicodependência que o afectou desde os 21 anos de idade) e não expressando vontade de se tratar.
3.- Perdeu, há longo tempo, os hábitos de trabalho (exerceu a profissão de mecânico de automóveis), encontrando-se, à data dos factos, debilitado fisicamente.
4.- É pai de vários filhos, de duas relações em união de facto, mas não tem qualquer estrutura familiar organizada.
5.- Não são indicados antecedentes criminais, mas também não se pode conferir-lhe bom comportamento anterior.
Neste contexto e apesar de se lhe poder assacar uma actuação preponderante nas acções de tráfico descritas nos autos, tudo indica não ser ele o dono do negócio...
Assim, afigura-se ajustado reduzir para oito (8) anos a pena de prisão que lhe foi cominada.
B)- Pretende o arguido C que apenas seja condenado pela prática do crime de traficante-consumidor, previsto e punido pelo art. 26º, nº1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, porque, sendo comprovadamente toxicodependente, tinha por única e exclusiva finalidade conseguir substâncias para seu uso pessoal.
Acontece, porém, que da factualidade apurada não resulta essa finalidade exclusiva.
Antes pelo contrário: o arguido C exercia as funções de vigilante, para prevenir da aproximação de qualquer elemento da polícia...
Aquando da intervenção policial, este arguido tinha na sua posse duas embalagens de cocaína, com o peso líquido de 0,579 gramas (quantidade, por sinal, superior à prevista no nº3 do mencionado artº26º, conjugado com a Portaria nº94/96, de 26 de Março).
Acresce que, especificamente, se teve por provado que "todos os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e características estupefacientes e proibidas dos produtos que detinham e destinavam à venda a terceiros, mediante contrapartida económica".
Está, consequentemente, desprovida de qualquer alicerce fáctico a sua pretensão, pelo que não pode ser atendida.
VIII
Em face do exposto, nega-se provimento a ambos os recursos, reduzindo-se, porém, nos termos ditos a pena de prisão aplicada ao arguido A e, confirmando-se, no demais, o douto acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em cinco (5) Ucs a taxa de justiça, para cada um.
Honorários à ilustre defensora oficiosa, nomeada nesta audiência, nos termos legais e tabelares.
Lisboa 11 de Abril de 2002.
Dinis Alves,
Carmona da Mota, (com declaração de voto em anexo)
Pereira Madeira,
Simas Santos.

Declaração de Voto:
1. OS FACTOS
Os factos, tal como foram (insatisfatoriamente) «assentes» em 1.ª instância, não consentem uma decisão conscienciosa.
1.1. Antes do Dia 8-11-00
A actividade de (re)venda de estupefaciente detectada pela PSP de Lisboa junto das residências n.º 8 da Rua ... e nºs. .... e ... do Casal Ventoso de Baixo operava-se - constatou a PSP - mediante a «utilização» - «como vendedores e vigias» - «de vários indivíduos toxicodependentes», que «utilizavam como locais de abastecimento os ns.º ... e ... da Rua... .
O arguido/recorrente A, «em resultado das vigilâncias», foi «identificado»?. Ignora-se, porém, em que circunstâncias e se como «vendedor» se como «vigia» (ou, mesmo, como comprador).
1.2. No dia 8Nov00
O arguido A «foi visto a entrar por diversas vezes no n.º ... do casal ventoso de Baixo e sempre que daí saía entregava um saco a um indivíduo não identificado». Ignora-se, porém, o que conteriam tais sacos (se bem que o tal «indivíduo não identificado» fosse logo «rodeado por indivíduos com aspecto de toxicodependentes»).
É certo que, «enquanto isto», o arguido/recorrente C «vigiava para prevenir da aproximação de qualquer elemento da polícia». Ignora-se contudo - pois que os factos provados não respondem a essa questão - o que é que ele «vigiava» e a favor de quem o fazia. se bem que «cada um dos arguidos tenha actuado em concertação de esforços e de intentos». Fica, porém, por saber com quem é que «cada um» dos arguidos agira «concertadamente».
No mesmo dia, mas junto do n.º ... da Rua ..., «encontrava-se o arguido B de frente para uma fila de indivíduos com aspecto de toxicodependentes». No entanto, os «factos provados» também não revelam o que fazia ele em tão bizarra posição.
1.3. As Buscas Operadas no dia 8Nov00
No n.º ... do Casal Ventoso de Baixo (a tal casa onde o arguido A fora visto a entrar por diversas vezes e donde saía sempre com um saco) foram encontrados: 339 g de heroína e 29 g de cocaína («destinados» - por quem? - «à venda a terceiros») e 125,78 contos em dinheiro («produto da descrita» - qual? - «actividade»).
No n.º ... da Rua ... («onde se refugiou o arguido B», «na posse de 100 mil escudos», depois de ter sido visto, junto dela, «de frente para uma fila de indivíduos com aspecto de toxicodependentes»), foram encontrados: 205 g de heroína e 60,4g de cocaína («destinados» - por quem? - «à venda a terceiros») e 912045 escudos em dinheiro («produto da descrita» - qual? - «actividade»).
provou-se, é certo, que «todos os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e a características estupefacientes e proibidas dos produtos que detinham», mas só o arguido C é que foi «encontrado na posse de 0,579 g de cocaína». O que levanta, logo, duas questões (de facto) que o tribunal colectivo não dilucidou: 1.ª) se também a cocaína encontrada ao arguido C (que simplesmente «vigiava para prevenir da aproximação de qualquer elemento da polícia») se «destinava à venda a terceiros»; 2.ª) se não foram encontrados na posse de droga, que droga é que «detinham» e «destinavam à venda» os arguidos A e B (que foi encontrada na residência donde o primeiro foi visto a entrar e a sair e, bem assim, a encontrada na casa onde o segundo se refugiou?). Mas se estes (pelo menos, o arguido A) - a crer do resultado da «vigilância policial» - não passavam de «toxicodependentes utilizados como vendedores e vigias», como imputar-lhes a «detenção» da droga surpreendida nas residências onde um fora visto a «sair e a entrar» (porventura ao serviço de quem o «utilizava») e onde o outro se «refugiou» (mas de que nunca fora visto a entrar ou a sair)?
De qualquer modo, os «factos» - mesmo na forma elíptica como foram descritos - não respondem à questão de saber se havia concerto («de esforços e de intentos») entre, por um lado, A («vendedor»?) e C («vigilante»?), e, por outro, B («vendedor»?). Mas que «concertos» seria esse se aqueles actuavam «no Casal Ventoso de Baixo» e este «junto da residência sita na Rua ...?»
2. A Agravante Qualificativa
Se bem as substâncias apreendidas se «destinassem a ser distribuídas por número elevado de indivíduos», isso não quer dizer - porque entretanto foram, felizmente, apreendidas - que tenham sido «distribuídas por grande número de pessoas». Ora, a gravante cominada pelo artigo 24º .b do Decreto-Lei 15/93 só teria lugar se tais substâncias tivessem sido - e, felizmente, «não foram» - «distribuídas».
Mesmo contabilizando o dinheiro apreendido - que, segundo a sentença recorrida, «era produto da descrita actividade» (?) -, não ficou provado (explicitamente) que as substâncias «vendidas» (em troca desse dinheiro) tenham sido «distribuídas por grande número de pessoas».
3. As Atenuantes
De todo o modo, as atenuantes provadas
(a toxicodependência, há mais de 10 anos, do arguido A, a sua primariedade criminal, o seu baixo nível cultural, a sua «humildade situação económica» - aliás, incongruente com o nível dos «negócios» que a sentença recorrida lhe imputou -, a toxicodependência do arguido
B, de tal modo gravosa que lhe «fez perder as capacidades de trabalho», a gravíssima e «irreversível» «doença infecto-contagiosa» de que sofre, o seu «baixo nível cultural», a sua «humilde situação económica» - também incongruente com o nível do «negócio» em que a sentença recorrida o viu envolvido -, a toxicodependência do arguido C a sua «perda das capacidades de trabalho», a circunstância de ter «deixado de se alimentar e de ter cuidados mínimos com a higiene», o seu «baixo nível cultural», a sua «humilde situação económica», o facto de ser «portador de doença infecto-contagiosa de carácter irreversível», o facto de «contar incondicionalmente do apoio materno», de ser «possuidor de um quadro de valores socialmente adequado» e de, «enquanto preso», se propor «estudar» e manter-se abstinente») haveriam de implicar (já que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - artigo 40º.2 do CP) penas consideravelmente menos elevadas que as penas (de todo desconformes com a finalidade penal de «reintegração do agente na sociedade» - artigo 40º.1) propostas pela 1.ª instância (e ora acabadas de confirmar, na sua essência).

O juiz conselheiro,
Carmona da Mota.