Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6113/17.2T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JOGADOR PROFISSIONAL
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
FATOR DE BONIFICAÇÃO
Data do Acordão: 06/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :
I - A Lei n.º 27/2011, 16 de junho, estabelece um regime específico para a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho sofridos por praticantes desportivos profissionais.
II - De acordo com o seu art. 5.º, ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais (TNI) corresponde o grau de incapacidade previsto na anexa tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional (tabela que faz parte integrante do diploma), “salvo se da primeira resultar valor superior”.
III - Sob pena de se retirar sentido útil a este último segmento normativo (“salvo se da primeira resultar valor superior”), no cálculo da incapacidade do sinistrado aplica-se, alternativamente: (i) a sobredita “tabela de comutação específica”, tabela que faz corresponder à "invalidez permanente genérica", qualificando-a, uma "invalidez permanente específica"; (ii) ou, se for mais favorável, em bloco, o regime global da TNI, por tal se devendo entender o “grau de incapacidade” (genérico) nela previsto, adicionado das bonificações (especiais) aí consagradas e que ao caso sejam aplicáveis.
IV - A vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), tem direito a uma pensão anual, até à data em que complete 35 anos, calculada com base no grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6.
V - Ao grau de incapacidade assim determinado não é cumulativamente aplicável o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.
VI - O sinistrado tem direito a uma pensão anual após os 35 anos, calculada apenas com base no grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, recorrendo-se nesse cálculo, todavia, à subsistente incapacidade permanente parcial e já não à IPATH.
VII. A manutenção da taxa de incapacidade agravada mesmo depois dos 35 anos justifica-se pelas especiais dificuldades da reconversão profissional a que é forçado o desportista profissional e pela perda de oportunidades associadas à lesão, não sendo inconstitucional por violação do princípio da igualdade esta interpretação.
Decisão Texto Integral:


Revista n.º 6113/17.2T8BRG.G1.S1
MBM/JG/RP

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1.1. AUTOR: AA

1.2. RÉS: i) CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, SA;  e ii) SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL, SAD

1.3. A AÇÃO - O autor, praticante de futebol profissional, instaurou contra as RR ação emergente de acidente de trabalho, sofrido no exercício da sua atividade profissional para a segunda ré, que transferiu parcialmente a correspondente responsabilidade para a primeira ré; o autor aceitou a IPATH mas não se conciliou, discordando do grau de IPP, que sustenta ser superior a 19%, igualmente entendendo que a sua retribuição anual bruta é superior à aceite pela empregadora.
1.4. CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA - aceita a caracterização do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, os graus e períodos de IT´s, a IPATH e a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho no valor anual de 140.000,00€; não aceita o grau de IPP, entendendo que é inferior ao proposto na tentativa de conciliação.
1.5. CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA: aceita a caracterização do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, os graus e períodos de IT´s e a IPATH; não aceita que o autor tivesse retribuição superior ao valor transferido para a seguradora, por não terem natureza retributiva os prémios de classificação, de jogo e de objetivos, o prémio por cada 20 jogos oficiais, o subsídio de habitação e o pagamento de viagens; todo o pagamento da pensão por IP incumbe à seguradora.

2. Julgando a ação parcialmente procedente, o Tribunal de 1ª Instância:

1. Condenou a ré seguradora a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 86.444,68, até completar trinta e cinco anos de idade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
2. Condenou a ré entidade patronal a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 35.071,84, até completar trinta e cinco anos de idade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
3. Condenou a ré seguradora a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 57.556,38, depois de completar trinta e cinco anos de idade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
4. Condenou a ré entidade patronal a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 23.351,45, até completar trinta e cinco anos de idade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
5. Declarou estar esta pensão sujeita ao limite de catorze vezes o montante correspondente a cinco vezes a remuneração mínima mensal garantida que estiver em vigor quando o autor completar trinta e cinco anos de idade;
6. Condenou a ré seguradora a pagar ao autor a quantia € 5.656,67, a título de subsídio de elevada incapacidade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
7. Condenou a ré seguradora a pagar ao autor as quantias de € 16.108,77 e € 20,00, acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento;
8. Condenou a ré entidade patronal a pagar ao autor a quantia de € 40.739,82, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento.

3. Apelaram ambas as rés e o autor, impugnando a matéria de facto e de direito, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães decidido:

A)  Retificar os erros materiais do ponto 4 do dipositivo da sentença substituindo-se a expressão “até completar trinta e cinco anos” por “depois dos 35 anos” e no último parágrafo da fundamentação passará a constar “incapacidade temporária absoluta para o trabalho” em vez de “permanente”.
B)  Conceder parcial provimento ao recurso das rés sobre a matéria de facto;
C)  Conceder parcial provimento ao recurso da ré seguradora, revogando-se a sentença (ponto 7) na parte em que a condena no pagamento de 16.108,77€ e juros de mora a título de indemnização por ITA, absolvendo-a desse pagamento; determinando-se a dedução na pensão anual a pagar até aos 35 anos (ponto 1) dos valores de pensão provisória pagos de 50.698,35€ e atualizações de 2.448,79€ e outros eventualmente pagos a este título; revogando-se a sentença (ponto 3) de condenação em juros de mora relativamente à pensão a pagar depois dos 35 anos; revogando-se a sentença (ponto 6) e fixando-se o valor de subsídio por elevada incapacidade permanente em 4.848,59€ acrescidos de juros de mora a contar da alta e até pagamento;
D)  Conceder parcial provimento ao recurso da ré empregadora revogando-se a sentença (ponto 4) de condenação em juros de mora relativamente à pensão a pagar depois dos 35 anos;
E)  Negar, no mais, provimento aos recursos das rés;
F)   Negar total provimento ao recurso do autor.

4. Novamente inconformadas, as R.R. interpuseram revista excecional, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC.

Nas conclusões, sustentam, essencialmente, na parte que ora releva:

A - Quanto ao cálculo da pensão até aos 35 anos:

- Há uma sobrevalorização artificial e desmesurada na fixação da incapacidade específica do recorrido em 58,731%, quando a mesma parte da base de uma incapacidade genérica de apenas 19%.

- Existem três majorações do cálculo da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado: a primeira decorrente da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art. 48.º da LAT, que, em vez de fazer incidir o cálculo sobre 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, fá-lo incidir sobre 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; a segunda, que advém da aplicabilidade da tabela de comutação específica para desportistas profissionais, abordada no art. 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16/06 e publicada em anexo a essa lei, que aumenta a IPP genérica de 19% fixada ao autor, para uma IPP de 39,154%, prevista para sinistrados com 27 anos de idade; e a terceira, que decorre da aplicação do coeficiente 1.5 previsto no ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, atinente ao facto da vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, que coloca a incapacidade nuns 58,731 pontos percentuais, superior ao triplo da incapacidade inicial.

- Não é cumulativamente aplicável o fator de bonificação 1.5, face ao entendimento de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba e/ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

- É certo que a matéria da cumulação do fator de bonificação 1.5 com a majoração que decorre da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art. 48.º da LAT, é algo que, hoje em dia, se pode considerar que é aceite em larga escala pela jurisprudência

- Porém, a questão aqui é diferente. Não se debate a justeza da cumulação entre a majoração do art. 48.º, n.º 3, al. b) da LAT e o fator de bonificação 1.5, mas sim o equilíbrio resultante dessa cumulação com a tabela de comutação prevista para o praticante desportivo profissional.

- A tabela de comutação visa uma mais justa apreciação da situação do sinistrado face às especificidades resultantes de uma lesão quando este é um desportista profissional, tentando, assim, colmatar as eventuais desigualdades daí resultantes relativamente a um sinistrado que não utiliza, do mesmo modo, certas partes do corpo, na respetiva profissão.

- Nos presentes autos, os peritos médicos, por unanimidade, decidiram que o atleta padece de uma incapacidade permanente parcial de 19%, a única incapacidade que está liberta de artifícios ou ficções legais porque resulta diretamente da análise clínica e avaliação médico-legal.

- Os médicos entenderam que uma incapacidade de apenas 19% causava uma absoluta incapacidade para o exercício da atividade de futebolista por causa das exigências próprias da atividade profissional em causa, no que às aptidões físicas diz respeito.
 
- Nos termos da parte final do art. 5.º do regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais (RATPDP), se da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais resultar um valor superior relativamente à tabela de comutação específica, será aquela a tabela aplicável.

- Por outro lado, é com base na idade do sinistrado e na "invalidez permanente genérica" que se calcula a "invalidez permanente específica" - cfr. anexo da Lei n.º 27/2011. Caso não existisse a tabela de comutação específica, ao autor seria aplicada a IPP de 19% que, acrescida do fator de bonificação de 1.5, pela não reconvertibilidade, resultaria numa IPP de 28,5%.

- Ora, sendo a incapacidade de 28,5 % inferior à resultante da aplicação da tabela de comutação específica sobre a incapacidade genérica de 19% - que atira a incapacidade específica para os 39,154% -, a tabela aplicável é a do RATPDP.

- Daí que se diga que a majoração resultante da bonificação de 1.5 já se deve considerar integrada no trabalho comutativo que resulta da aplicação da Lei n.º 27/2011, e, assim, conclui-se no sentido de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba, incorpora ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

- Solução contrária viola os princípios da igualdade e da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho, previstos nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, uma vez que a cumulação do fator de bonificação com a tabela de comutação constitui um agravamento desproporcional e injustificado em face do que são os direitos dos trabalhadores em geral, não praticantes profissionais de desporto, introduzindo-se uma desigualdade social.

B - Quanto ao cálculo da pensão após os 35 anos:

- A pensão correspondente ao período que decorrerá a partir da data em que o autor perfizer 35 anos, foi calculada, não sobre a IPP genérica, mas sobre a taxa de incapacidade agravada, quer pela tabela de comutação, quer pelo fator de bonificação do ponto 5, al. a), das instruções gerais da TNI.

- Não se pode aceitar que o valor da pensão anual, após os 35 anos, tenha em consideração a IPP comutada pela tabela da Lei n.º 27/11, simplesmente porque a partir dos 35 anos a prática de desporto profissional deixa de ser tida em consideração para efeitos de valoração da incapacidade que afeta o sinistrado.

- O estabelecimento no artigo 5.º, da Lei 27/2011, de uma tabela de incapacidades específicas para a atividade de praticante desportivo profissional é o reconhecimento de que, por tais profissionais utilizarem o corpo no desempenho de atividades físicas de alta competição, uma incapacidade de grau idêntica ao de outro trabalhador representa, na sua atividade profissional, uma perda da capacidade de ganho superior, o que equivale a tratar de forma desigual duas situações materialmente distintas.

- Mas configura já um tratamento desigual e injustificado de situações manifestamente iguais calcular-se, para um ex-praticante desportivo profissional, a pensão anual e vitalícia devida a partir dos 35 anos, data a partir da qual se dedicará a uma profissão genérica, com base numa IPP específica de um praticante desportivo profissional, ao passo que qualquer outro sinistrado que nunca foi praticante desportivo profissional verá a sua pensão anual e vitalícia para uma profissão genérica ser calculada com base na IPP genérica que lhe foi atribuída.

- Por outro lado, como o fator de bonificação de 1.5 só faz sentido porque o sinistrado não pode desempenhar as funções essenciais à profissão de jogador profissional de futebol, o mesmo também não deve ser aplicado num período de vida do autor em que, com lesão ou sem lesão, nunca iria jogar futebol.

- A interpretação do Tribunal a quo é inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.

- Relativamente à questão da inconstitucionalidade suscitada, o tribunal a quo apresentou a tese oposta de que a mesma não existe porque o praticante desportivo profissional vê amiúde limitada a sua educação profissional e a sua capacidade para, mais tarde, procurar outra profissão, pelo que há que compensá-lo.

- Não se compreende esta tutela jurisprudencial, dir-se-ia quase paternal, a uma forma consciente de opção de vida por parte de um determinado cidadão, que será comum a muitas outras situações.

- Acresce que inexiste nexo de causalidade adequada entre o percurso de vida pessoal prévio à aquisição da condição de atleta profissional, e a conceção, por parte do legislador, das regras de cálculo de uma pensão por incapacidade, estritamente ligadas à remuneração que o trabalhador aufere à data do sinistro.
 
- Por conseguinte, a pensão anual e vitalícia devida ao autor a partir dos 35 anos de idade deve ser calculada com base na IPP genérica de 19% para toda e qualquer profissão, com o limite máximo previsto no artigo 4.º, alínea b) da Lei 27/2011 [14 x (5 x RMMG)]. O valor da pensão anual passará a ser, então, no que à responsabilidade da recorrente diz respeito, de 18.620,00 € (SA 140.000€ x 70% x 19% = 18.620,00 €), com o limite de 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a rmmg em vigor quando o sinistrado fizer 35 anos.

- Porém, caso assim se continue a não entender, continuando a aplicar-se a tabela de comutação, a IPP a tomar em consideração deverá ser a de 39,154% e nunca a de 58,731%, estritamente ligada à IPATH que deixou de existir a partir dos 35 anos. Neste último caso, a pensão a cargo da recorrente será de 38.370,932 € (SA 140.000,00 € x 70% x 39,154%), com o limite de 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a rmmg em vigor quando o sinistrado fizer 35 anos.

5. O A. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

6. Considerando preenchido o pressuposto previsto no art. 672.º, n.º 1, a), do CPC, a revista excecional foi admitida pela formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, do mesmo diploma, no que concerne ao seguinte:

Saber se um sinistrado, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia a atividade de jogador de futebol profissional, do qual resultou uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), tem direito:
a) A uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI);
b) A uma pensão anual após os 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6;
c) A uma pensão anual após os 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da TNI.

7. No seu parecer, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, tendo respondido o A. e a R. seguradora, em linha com o antes sustentado nos autos.

8. As questões a decidir são as já elencadas em supra n.º 6.

E decidindo.
II.

9. Está em causa um acidente de trabalho sofrido pelo autor, enquanto futebolista profissional: no tempo e no local de trabalho, quando jogava à bola, sofreu lesão corporal/perturbação funcional consistente em traumatismo do joelho direito entorse do joelho com lesão meniscal e rutura de ligamentos, do que resultou redução na capacidade de trabalho e de ganho - art. 8º da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT).

É-lhe ainda aplicável o regime específico de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, instituído pela Lei 27/2011, de 26 junho, diploma que consagra desvios ao regime geral da NLAT (aplicável à generalidade dos acidentes de trabalho) e revoga a Lei n.º 8/2003, de 12 de maio, que antes regia a matéria.

No fundamental, estes desvios traduzem-se na existência de um regime próprio para fixação de incapacidade nos seguintes aspetos:  relativamente ao grau de incapacidade correspondente ao regime geral, estabelece-se um outro, mais agravado; atende-se à idade; e fixam-se limites máximos para a pensão a pagar.

Estas especificidades têm evidente fundamento material e revelam-se inteiramente justificadas: estão em causa profissões de desgaste rápido, desenvolvidas por pessoas com carreiras curtas em comparação com outras atividades profissionais; a atividade dos desportistas profissionais exige-lhes acentuada intensidade física, aumenta o risco de lesões físicas graves e é mais relevante/significativo o impacto das lesões que sofrem; a retribuição auferida é mais elevada que o normalmente praticado, designadamente para os compensar por estas particularidades, pelo que se visou evitar a fixação de pensões vitalícias de valores particularmente elevados/ excessivos.

10. As questões suscitadas pelas R.R. referem-se à articulação da Lei dos Acidentes de Trabalho e da instrução geral n.º 5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo DL n.º 352/2007, com o regime especial da Lei n.º 27/2011.

São as seguintes as normas que centralmente relevam no caso dos autos:

- Artigo 48.º da NLAT (“Prestações”):

(…)
2 - A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º;
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;
e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.

- Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais - Instruções gerais:

(…)
5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.

- Lei n.º 27/2011, de 16 de junho:

Artigo 3.º (Pensões por incapacidade permanente absoluta):
1 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, obedecem aos seguintes limites máximos:
a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b) 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.
2 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, só são devidas até à data em que o praticante complete 35 anos de idade e tem como limite máximo 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão.

Artigo 4.º (Pensões por incapacidade permanente parcial):
Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente parcial para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, obedecem aos seguintes limites máximos:
a) 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b) 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.

Artigo 5.º (Tabela de incapacidades específicas):
Nos casos previstos nos artigos anteriores, ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa à presente lei, da qual faz parte integrante, salvo se da primeira resultar valor superior.

Posto isto.

(a) – Primeira questão: Se o A. tem direito a uma pensão anual até à data em que complete 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6, e, cumulativamente, com o fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5 alínea a) da Tabela Nacional de Incapacidades.

11. As rés aceitam que a matéria da cumulação do fator de bonificação 1.5, decorrente da não reconvertibilidade em relação ao posto de trabalho que a vítima ocupava antes do acidente (instrução geral n.º 5, alínea a), da TNI), com a majoração decorrente da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art. 48.º da NLAT, é aceite em “larga escala pela jurisprudência”, sendo certo que esta Secção Social do STJ já se pronunciou no sentido da aplicabilidade daquele fator de bonificação ao caso concreto dos jogadores de futebol em dois arestos, ambos aliás subscritos pelo ora relator: o AUJ[1] de 28.05.2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (o qual uniformizando jurisprudência, decidiu: A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente) e o Ac. de 17.09.2014, Proc. n.º 2426/10.2TTLSB.L1.S1.

Todavia, as recorrentes questionam o “equilíbrio e justeza” da cumulação desta majoração com a resultante da tabela de comutação específica prevista no art. 5º da Lei n.º 27/2011 (supra descrito), dizendo a este propósito, nomeadamente: à luz desta tabela, é com base na idade do sinistrado (27 anos de idade) e na "invalidez permanente genérica" (19%) que se calcula a "invalidez permanente específica"; caso a mesma tabela (de comutação específica) não existisse, ao autor seria aplicada a IPP de 19%, a qual, acrescida do fator de bonificação de 1.5, devido pela não reconvertibilidade, resultaria numa IPP de 28,5%.; sendo a incapacidade de 28,5 % inferior à resultante da aplicação da tabela de comutação específica sobre a incapacidade genérica de 19%, que projeta a incapacidade específica para os 39,154%, é este, e apenas este, o regime/tabela aplicável; a aplicação cumulativa destas duas majorações colocaria a incapacidade em 58,731 pontos percentuais, superior ao triplo da incapacidade inicial.

12. Em contrário, e limitando-nos à parte em que o mesmo essencialmente se centra na defesa da tese da aplicação cumulativa dessas duas bonificações, ponderou o acórdão recorrido:

“(…).
Vigora no nosso sistema um regime geral de reparação de acidentes de trabalho que é aplicável e abrange o trabalhador por conta de outrem, seja qual for a atividade profissional – 1º a 3º da NLAT.

Porque o autor é jogador profissional de futebol, é-lhe ainda aplicável, cumulativamente, o regime especial de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, previsto na Lei 27/2011 de 16-06 ((doravante, RATPDP). Mas, conforme o artigo 10º deste diploma, em tudo o que, no mesmo, não estiver especialmente regulado, é aplicável o regime geral de reparação por acidente de trabalho.
(…)
Ainda de acordo com este diploma especial, o grau de incapacidade permanente determina-se com recurso à tabela nacional de incapacidade, fazendo depois correspondeu um grau de comutação específico/agravado – artigo 5º RATPDP.

Donde, é a própria lei especial a remeter para a lei geral (a NLAT) quanto aos critérios genéricos de fixação de incapacidade.

Segundo o artigo 20º, NLAT, a determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Segundo o artigo 21º, NLAT, o grau de incapacidade define-se por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, da maior ou menor capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível e de demais circunstâncias que influam na capacidade de trabalho ou ganho. O coeficiente de incapacidade é definido por aplicação das regras definidas na TNI.
(…)
E, segundo o artigo 2º/1, do DL 352/07 de 23-10, que aprova a referida TNI, a incapacidade do sinistrado no âmbito do direito do trabalho é calculada em conformidade com a tabela do anexo I, observando-se as instruções gerais e específicas delas constantes.

Precisamente no artigo 5º, al. a), das instruções gerais da TNI, prevê-se que na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número, designadamente bonificando pelo fator 1.5 (segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho.

Assim, deste mapa legal resulta, em primeiro lugar, que é aplicável ao autor, jogador profissional, toda a TNI e não somente parte. Segundo, somente não será aplicável o que vem especificamente regulado no regime especial de praticantes desportivos profissionais. Terceiro e consequentemente, nada na lei autoriza a não aplicação do regime referente ao fator de bonificação de 1.5.
(…)
Transpondo estes ensinamentos para o campo da profissão de praticante desportivo profissional, para além de todas as razões supra elencadas sobre a aplicabilidade das instruções gerais, não se vê motivo para se negar a aplicação deste fator de bonificação de 1.5%, porque, também aqueles, à semelhança dos outros trabalhadores, por força da incapacidade para o trabalho habitual, terão de fazer um esforço acrescido para se adaptar a novas funções […].

Efetivamente, como tem sido abundantemente sublinhado na jurisprudência por via deste fator de bonificação visa compensar-se a impossibilidade de, por virtude das lesões sofridas, o sinistrado, ainda que com recurso a reabilitação e reintegração, não poder retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente, compensando-se a necessidade de desempenhar funções diferentes e o natural esforço acrescido.
(…).”

Vejamos.



13.1. Embora a interpretação não deva cingir-se ao elemento literal – nem subvalorizar os seus elementos sistemático, histórico e teleológico –, não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9º do Código Civil).

Ora, em face da mera leitura do articulado da Lei 27/2011, de 26 junho, afigura-se-nos serem incontornáveis as seguintes conclusões: (i) os arts. 2º, 3º e 4º – respetivamente aplicáveis às pensões por morte, pensões por incapacidade permanente absoluta e pensões por incapacidade permanente parcial devidas na sequência de acidente de trabalho de praticante desportivo profissional – estabelecem os limites a que as mesmas devem obedecer; (ii) em todas estas disposições legais se afirma expressamente que tais pensões (anuais) são “calculadas nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro”; (iii) segundo o seu art. 5º (da Lei 27/2011), ao grau de incapacidade resultante da aplicação da TNI corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa a este diploma (tabela que, em função da idade, faz corresponder aos  graus de “invalidez permanente genérica” graus de “invalidez permanente específica” que são majorados), salvo se da primeira resultar valor superior.

13.2. Se bem percebemos, a decisão recorrida entende que o “grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica” a que alude o art. 5º, da Lei 27/2011, devendo ser calculado (em primeira linha) com base no “grau de incapacidade resultante da aplicação da TNI”, deve ainda, num segundo momento, ser objeto da bonificação de 1.5 prevista na instrução geral n.º 5, alínea a), da mesma TNI.

Vale por dizer que esta interpretação se traduz numa dupla aplicação, em momentos distintos, do regime resultante da TNI, o que manifestamente esvazia de sentido útil o dito segmento normativo “salvo se da primeira resultar valor superior”.

Diferentemente, do conjunto de normas em que se declinam os arts. 3º a 5º da Lei n.º 27/2011, concluímos que no cálculo da incapacidade se aplica, alternativamente: (i) a “tabela de comutação específica”, tabela que faz corresponder à "invalidez permanente genérica", qualificando-a, uma "invalidez permanente específica"; (ii) ou, se for mais favorável, em bloco, o regime global da TNI, por tal se devendo entender o “grau de incapacidade” (genérico) acrescido das bonificações (especiais) que ao caso sejam aplicáveis.

Ou seja: o “grau de incapacidade” (genérico) resultante da TNI é suscetível de ser bonificado por duas vias distintas, tendo o legislador pretendido, tão somente, que ao sinistrado seja aplicável o mais favorável dos regimes em confronto.


No sentido de que a tabela de comutação específica evidencia já uma justa apreciação da situação do sinistrado-desportista (apenas com base em dois fatores: a idade e a IPP genérica) se pronuncia Joana Carneiro (Particularidades do contrato de seguro de acidentes de trabalho de praticante desportivo, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, 1º semestre de 2017, número 1, págs. 122 – 123), nos seguintes termos:

“(…) A referida tabela de comutação específica se encarrega de, com base na idade (até aos 34 anos) e na IPP genérica que seria atribuível ao sinistrado (…) alterar de forma específica os graus de IPP concretamente atribuídos.
(…)
Esta tabela de comutação específica dos praticantes desportivos (…) demonstra já uma justa apreciação da situação do sinistrado face às especificidades resultantes de uma lesão quando este é desportista profissional, tentando, assim, colmatar as eventuais desigualdades resultantes do facto de o atleta ser efetivamente diferente de um sinistrado que não utiliza, de modo tão intenso, as capacidades físicas na sua profissão.
(…)
Pensamos que esta  comutação específica , com coeficientes oportunamente estudados e pensados para cada idade e para cada grau de IPP (ao ponto de fazer corresponder, por exemplo, a IPP igual ou superior a 25% num atleta de idade igual ou inferior a 20 anos, a uma IPP de 100%, ou seja, a uma incapacidade permanente total), já tem em si ínsita a referida preocupação de o legislador tratar deforma diferente aquilo que é realmente diferente, (…), injustificando-se por isso, salvo melhor opinião, a aplicação [por exemplo[2]] da Instrução Geral n.6, al. B) da TNI.”

13.3. A finalizar, ainda umas breves considerações complementares.

“A incapacidade permanente do lesado para efeitos de reparação civil do dano é calculada por médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas noutras áreas com competência específica no âmbito da avaliação médico-legal do dano corporal no domínio do direito civil” (art. 2º, n.º 3, DL 352/2007, que aprova a TNI), a qual se expressa em “coeficientes de incapacidade” ou “graus de incapacidade”, que são considerados antes de se proceder às bonificações/correções também contempladas na TNI, operações que, rigorosamente, se situam fora dos planos inerentes ao juízo pericial. É o caso das regras respeitantes à aplicação do fator 1.5 das Instruções Gerais [n.º 5, alínea a)], que consubstanciam matéria de índole marcadamente jurídica e estão com frequência associadas a controvérsias desta natureza.

Consonantemente, alterando o ponto 14 da matéria de facto assente na 1ª instância, o acórdão recorrido  consignou: “Como consequência direta e necessária do acidente, o autor ficou a padecer de incapacidade permanente parcial de 19%, com IPATH, a que corresponde, na tabela de comutação específica dos praticantes desportivos profissionais, o grau de 39,154%” (diferentemente, e em termos manifestamente jurídico-conclusivos, constava da sentença recorrida: “como consequência direta e necessária do acidente, o autor ficou a padecer de incapacidade permanente parcial para o trabalho de 58,731%”).

Lê-se ainda na página 30 do mesmo acórdão, na parte em que conheceu da impugnação da matéria de facto, a dado passo: “é pacífico que o autor tem uma IPP que, por aplicação das regras da TNI, é de 19%”. E, mais à frente (corretamente, embora, na leitura que fazemos, em termos algo contraditórios com a tese jurídica perfilhada quanto à matéria em apreço), distingue-se “o grau de IPP geral e o específico/agravado que lhe corresponde na tabela de praticante desportivo (19% e 39,154%)”.

Também na página 41 se afirma que o tribunal a quo “partiu de uma IPP genérica de 19% com recurso à tabela nacional de incapacidades (TNI), a que corresponde o grau agravado de 39,154% na tabela de comutação específica dos praticantes desportivos profissionais, aplicando, seguidamente, o fator de bonificação de 1.5 por força da incapacidade absoluta para o exercício da atividade de jogador profissional de futebol previsto na al. a) do nº 5 da TNI”.

Quer dizer:

Partindo de uma IPP genérica de 19% (com base na TNI), o acórdão recorrido chegou corretamente ao correspondente resultado constante da tabela de comutação específica (39,154%). Mas, depois de sair do plano da TNI e entrar no plano da especial previsão normativa da Lei 27/2011, retornou ao regime geral, combinando na aplicação da lei os dois regimes.

Ora, sendo patente que a situação em análise se encontra cabalmente regulamentada no âmbito do regime especial “relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos”, regime que é “autossuficiente”, nada autoriza que na operação de cálculo da “invalidez permanente específica” intervenham fatores não contemplados neste diploma.

Efetivamente, como decorre do art. 10.º da Lei n.º 27/2011, à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho de praticantes desportivos profissionais só é subsidiariamente aplicável a regulamentação geral dos acidentes de trabalho na parte – e na medida – em que na mesma não estiver especialmente regulada determinado aspeto.

Sem necessidade de mais considerações, procede, pois, nesta parte a revista.


(b)  – Segunda questão: Se o A. tem direito a uma pensão anual após os 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/6.

14. Neste âmbito, na parte especificamente em discussão neste ponto, ponderou o acórdão recorrido:
“Na sentença recorrida fixou-se esta pensão, já não com base na IPATH, mas recorrendo antes à incapacidade permanente parcial e mantendo a conversão agravado pela tabela especifica dos praticantes desportivos, de acordo com o disposto no artigo 4º, b), da Lei 27/2011, de 16-06 (…). 
No que se refere ao valor da pensão, este correspondeu a 70% da redução na capacidade geral de ganho nos termos do artigo 48º/3/c, NLAT, não tendo aplicação o disposto no artigo 48º/3/b, NLAT, próprio para a pensão até aos 35 anos. A pensão terá, ainda, o limite de 14 vezes o montante correspondente a 5 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da alteração da pensão previsto no referido regime de reparação de acidentes de trabalho de praticante desportivo profissional.
Ou seja, a pensão é menor a partir dos 35 anos devido a duas causas: i) deixa de se aferir a pensão com base na IPATH e passa-se a aferi-la pela IPP, o que significa que a pensão é calculada com base em 70% da redução da capacidade geral de ganho (retribuiçãoX70%x58,731%) e não com base em 50% a 70% da retribuição que daria sempre um montante superior; ii) a pensão passa a ter o limite inferior de 14x (5xSMN) em vez de 14x (15xSMN).
(…)
(…) [O] regime de reparação de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais somente previu a reparação por IPATH até aos 35 anos, por se ter entendido ser esta a média da idade ativa dos atletas, tratando-se de uma profissão que, requerendo capacidade e esforço físico muito acima da média, é uma profissão de desgaste rápido, que justifica regulamentação própria.
Contudo, a partir de tal idade o ex-atleta continua a estar afetado de uma incapacidade permanente parcial de igual modo como acontece a qualquer outro sinistrado, não se encontrando qualquer justificação para que não lhe seja atribuída uma pensão para compensar a redução geral na capacidade de trabalho e de ganho relativamente a qualquer atividade. Entender o contrário, isso sim, seria violador do princípio da igualdade e da justa reparação de acidente de trabalho, pois significaria que a lei passaria a desconsiderar, e a não compensar, a redução da capacidade geral de ganho e de trabalho do jogador a partir dos 35 anos, pese embora subsistisse a IPP.”

15. Esta questão já foi objeto de decisão pelo Ac. de 25.09.2019, Proc. 246/14.4TTGMR.G1.S1, desta Secção, assim sumariado na parte que ora releva:

- A manutenção da taxa de incapacidade agravada mesmo depois dos 35 anos justifica-se pelas especiais dificuldades da reconversão profissional a que é forçado o desportista profissional e pela perda de oportunidades que a lesão pode acarretar, não sendo inconstitucional por violação do princípio da igualdade esta interpretação dos artigos 2.º n.º 3 e 5.º da Lei n.º 27/2011.

- O dano que se visa reparar, em matéria de acidentes de trabalho, não é, em rigor, o da perda das retribuições, mas antes o da perda da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, sendo que a incapacidade de trabalho não pode confundir-se com a perda das retribuições.

- Não se verifica qualquer enriquecimento injustificado do trabalhador à custa do segurador, mesmo quando o empregador continuou a pagar as retribuições durante parte do período de incapacidade, porquanto qualquer enriquecimento a existir seria à custa do empregador e seria estranho ao contrato de seguro, não podendo ser invocado pelo segurador.

A argumentação pertinentemente expendida é a seguinte:

“(…) A solução encontrada (…) encontra arrimo na letra da lei, remetendo o artigo 5.º da lei n.º 27/2011 para os casos previstos nos artigos anteriores, resultando também do limite específico criada na alínea b) do artigo 4.º que a lei teve em conta a possibilidade de a incapacidade se prolongar para além dos 35 anos de idade.

Os Recorrentes defendem, no entanto, a inconstitucionalidade de esta interpretação por violação do princípio da igualdade: seria compreensível que enquanto realizasse uma atividade desportiva profissional o praticante desportivo beneficiasse de uma IPP específica e agravada, mas a partir dos 35 anos ou ao menos quando realizasse uma outra atividade profissional e já não fosse praticante desportivo profissional não haveria razões, sob pena de violação do princípio da igualdade, para continuar a aplicar essa IPP específica e agravada, porquanto apenas passaria a estar em jogo «a perda da capacidade de ganho genérica de que tais trabalhadores ficam a padecer após o término da carreira» (…).

A tabela de comutação específica dos praticantes desportivos, aliás já prevista no artigo 2.º n.º 3 da Lei n.º 8/2003 e atualmente constante do artigo 5.º da Lei n.º 27/2011 demonstra, nas palavras de Joana Carneiro, «uma justa apreciação da situação do sinistrado face às especificidades resultantes de uma lesão quando este é desportista profissional, tentando, assim, colmatar as eventuais desigualdades resultantes do facto de o atleta ser efetivamente diferente de um sinistrado que não utiliza, de modo tão intenso, as capacidades físicas na sua profissão» [-]. Mas será que esta especial tutela de um profissional face a uma atividade de desgaste rápido apenas se justifica até aos 35 anos e já não quando o desportista profissional é forçado a «reconverter-se» a outra atividade profissional? Ou seja, será que a lei ao manter a taxa de incapacidade agravada não terá sido, no fim de contas, sensível às especiais dificuldades desta reconversão e ao facto de que alguns praticantes desportivos procuram frequentemente reconverter-se ou requalificar-se em atividades ainda ligadas ao desporto (como a de treinadores ou técnicos desportivos) e em que ainda podem relevar as sequelas de um acidente ocorrido quando eram praticantes desportivos? Além desta perda de oportunidade é ainda necessário ter em conta que o desporto profissional é tão exigente que mesmo em fase anterior o aspirante a praticante desportivo vê amiúde limitada a sua educação profissional e a sua capacidade para, mais tarde, procurar outra profissão.

Em suma, não é inteiramente igual a situação de quem nunca foi praticante desportivo e a de quem o foi tendo depois que exercer outra atividade profissional, e podendo ainda padecer das consequências de um acidente conexo com uma atividade bem mais exigente também do ponto de vista físico daquela a que estão sujeitos muitos outros trabalhadores. E esta «pós-eficácia» da especial proteção do trabalhador que foi um praticante desportivo não viola, então, o princípio da igualdade, pelo que não existe a inconstitucionalidade invocada.”

16. Acompanhamos este entendimento (no mesmo sentido, embora com fundamentação não inteiramente coincidentes, v.g. o Ac. TRL de 11.04.2018, Proc. n.º 25552/16.0T8LSB.L1-4) e as razões que o suportam, sendo certo que as normas que regulam o cálculo da pensão devida posteriormente à data em que o praticante desportivo profissional perfaz 35 anos de idade [in casu, o art. 4º, b), da Lei n.º 27/2011] são taxativas.

Discordando do respetivo regime legal, as rés esgrimem com alegada violação de princípios constitucionais.

Todavia, as opções consagradas inserem-se na ampla margem de liberdade e de conformação do legislador e não evidenciam qualquer arbitrariedade legislativa.



Ao invés, tais soluções revelam-se enformadas por fundamentos razoáveis, objetivos e racionais, uma vez que o legislador regulou uma situação diversa daquilo que é comum, de acordo com as especificidades que a mesma apresenta.

Improcede, pois, a questão em apreço.

(c) – Terceira questão: Se o A. tem direito A uma pensão anual após os 35 anos, calculada com base num grau de incapacidade resultante da aplicação do fator de bonificação 1.5, previsto na instrução geral n.º 5, alínea a), da TNI.

17. Esta questão equaciona-se exatamente nos mesmos termos em que a mesma se coloca relativamente ao cálculo da pensão devida até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade.

Aliás, em termos mais precisos, a questão é exatamente a mesma.

Como já vimos (supra, nºs 11 a 13), não há lugar à cumulação da majoração resultante da tabela de comutação específica prevista no art. 5º da Lei n.º 27/2011 com a que resultaria da aplicação do fator de bonificação 1.5 previsto na instrução geral n.º 5, alínea a), da TNI, pelo que, também nesta parte, procede o recurso.

IV.


18. Nestes termos, concedendo parcialmente a revista, acorda-se:

- Em revogar o acórdão recorrido, na parte em que – relativamente à primeira e terceira questões supra enunciadas – decidiu haver lugar à cumulação da majoração resultante da tabela de comutação específica prevista no art. 5º da Lei n.º 27/2011 com a que resultaria da aplicação do fator de bonificação 1.5 previsto na instrução geral n.º 5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades;

- Em manter o mesmo acórdão quanto ao mais apreciado no presente recurso.

Custas da revista, bem como nas instâncias, na proporção do vencido.

Anexa-se sumário do acórdão.

 
Lisboa, 01.06.2022



Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto

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[1] Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
[2] Intercalado nosso.