Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
769/12.0GAMMV.C1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: NUNO GOMES DA SILVA
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
INAUDIBILIDADE DA PROVA
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
RENOVAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, Nº 2, 05.01.2016, P. 7 - 14
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / REGISTO DA PROVA / EFICÁCIA DA PROVA.
Doutrina:
- Andrea Antíno Dalia e Marzia Ferraioli, Manuale di Diritto Processuale Penale, 5.ª ed., 2003, Cedam, pp. 702-703.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 175-177, 342.
- António Henriques Gaspar et all., “Código de Processo Penal” Comentado, p. 1061.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, 1980, pp. 210-211.
- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, 1974, pp. 183-184; Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pp. 124, 157 e ss..
- José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial …, 2002, pp. 699-703.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1976, p. 283.
- PaoloTonini, Manuale di Procedura Penale, 9.ª ed, 2003, Giuffré Editore, p. 562.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal …, 2007, p. 808.
- Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal”, Notas e Comentários, 2.ª ed., 2011, p. 918.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP), NA REDACÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 27/2015, DE 14 DE ABRIL: - ARTIGO 328.º, N.º6.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 328.º, N.ºS 6 E 7, 340.º, N.º1, 358.º, 361.º, N,º2, 365.º, N.º1, 368.º, 369.º, 371.º, N.º1, 373.º, N.º 1.
Legislação Estrangeira:
DIREITO COMPARADO:
-DIREITO PROCESSUAL PENAL ITALIANO - “CÓDICE DE PROCEDURA PENAL” ITALIANO (ARTIGOS 477.º, 479.º, 525.º, 528.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 322/93,EM WWW.DGSI.PT .

-*-

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 1982.03.18, BMJ 315-185;
-DE 1993.07.01, BMJ 429-625;
-DE 1996.07.03;
-DE 2006.01.11, PROC. N.º 04P4301,EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 2006.01.25, PROC. N.º 05P3460,EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 2006.03.30, PROC. N.º 06P780,EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 2008.02.06, PROC. N.º 4374/2007,
-DE 2009.10.28, PROC. Nº 121/07.9PBPTM.E1.S1,EM WWW.DGSI.PT .
*
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (AFJ) Nº 11/2008 (DR, 1ª SÉRIE, Nº 239, DE 208.12.11).

-*-

JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 2011.06.28.

-*-

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 2013.09.25, PROC. N.º 538/05.3SLPRT.P2.

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 2007.03.21, PROC. N.º 877/05.3TBCBR.C1;
-DE 2012.01.18, PROC. N.º 219/07.3TAMDL.C1.
Sumário :
“O prazo de 30 dias previsto no art 328º, nº 6 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 27/2015, de 14 de Abril, é inaplicável nas fases processuais em que, após a deliberação do tribunal sobre as questões da culpabilidade e da determinação da sanção, seguida ao encerramento da fase de discussão, seja verificada a necessidade de repetição de prova registada no decurso dessa anterior fase de discussão por haver deficiência no registo efectuado mantendo-se, portanto, a eficácia da prova.”
Decisão Texto Integral:


1. – No âmbito do processo nº 769/12.0GAMMV do então Tribunal da comarca de.... AA ali condenado pela prática de dois crimes de injúria do art. 181º, nº 1 do Código Penal e um crime de ameaça dos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) por referência ao art. 131º, todos também do Código Penal, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra por acórdão de 2014.10.08, veio interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, em 2014.11.06, ao abrigo do art. 437º do Código de Processo Penal (diploma a que pertencem as normas infra referidas sem menção de origem), por considerar que tal acórdão está em contradição com aquele outro também do Tribunal da Relação de Coimbra de 2009.11.04 proferido no processo nº 120/06.8JAGRD.C2 no tocante à interpretação do art. 328º, nº 6 do mencionado Código de Processo Penal. Ambos os acórdãos transitaram em julgado.
Na motivação que oportunamente apresentou formulou as seguintes conclusões (transcrição):

«1º - Por douta decisão condenatória, proferida pelo Tribunal Judicial de ... (extinto) foi o arguido ora recorrente julgado com processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e condenado pela prática de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181°, n° 1 do Código Penal, e de um crime de ameaça, p. e p. pelos artigos 153°, n° 1 e 155°, n° 1, ai. a), por referência ao artigo 131°, todos do Código Penal, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de 205 (duzentos e cinco) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no montante global de € 1.435,00 (mil quatrocentos e trinta e cinco euros).
2° - Não se conformando com o desfecho do processo e com a sua condenação, o arguido ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual veio confirmar a douta sentença de primeira instância.
3° - No processo 769/12.0 GAMMV.C1, ora sob recurso, estava em apreciação jurídica se a reabertura da audiência decorrido que estava o prazo de trinta (30) dias, motivada pela deficiente gravação de um dos meios de prova - no caso dos autos uma acareação - que ficou registada de forma em parte inaudível e em parte imperceptível, constitui uma nulidade insanável, por aplicabilidade dos comandos legais fixados no n° 6 do artigo 328° e 363°, ambos do Código de Processo Penal que dita a invalidade do julgamento.
4° - No douto Acórdão proferido pela Relação de Coimbra em 08-10-2014, neste processo 769/12.0 GAMMV.C1, relatado por ALCINA DA COSTA RIBEIRO, já publicado em www.dgsi.pt., decidiu-se que:
Se a audiência de julgamento começou e atingiu o seu termo sem qualquer adiamento, tendo sido proferida sentença condenatória, e, posteriormente, porque a gravação de um dos meios de prova, oralmente produzido, não se mostrava audível, foi ordenada a repetição do julgamento e elaborada nova decisão final, a este caso não é aplicável o disposto no artigo 328. ° n. ° 6, do CPP”.
5° - Atenta a circunstância de se tratar de acórdão proferido em sede de recurso, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou a decisão condenatória proferida no Tribunal Judicial de ..., salvo o devido respeito, não poderá instaurar-se qualquer outro recurso ordinário.
6° - Acontece porém que, sobre a mesma questão de direito - o principio da continuidade de audiência - e no domínio da mesma legislação, - artigos 328° n° 6 e 363°, ambos do Código de Processo Penal - esta mesma Relação de Coimbra, no douto aresto já transitado em julgado, proferido em 04-11-2009, no processo n° 120/06.8JAGRB.C2, relatado por ELISA SALES, publicado em www.dgsi.pt, decidiu que:
«1. O termo “adiamento” do n° 6 do art. 328° do CPP é utilizado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico e a interrupção.
2. Tendo-se verificado que os depoimentos de algumas testemunhas não ficaram registados ou continham deficiências de gravação e tendo sido ultrapassado o limite temporal o n° 6 do art. 328° do CPP toda a anterior prova perde a eficácia».
7° - Resultando pois manifesta, a contradição que ocorre entre o douto acórdão agora proferido pela Relação de Coimbra em 08-10-2014, neste processo 769/12.0 GAMMV.C1, e o douto acórdão proferido anteriormente, em 04-11-2009, no processo n° 120/06.8JAGRb.C2, decisão judicial que se indica como fundamento da oposição e que sem prejuízo de mais sabia opinião, se tem por verificada, carecendo de decisão que uniformize a jurisprudência».
Terminou pedindo que se fixe jurisprudência nos seguintes termos:
«Após a realização de audiência de julgamento, verificando-se que os depoimentos de algumas testemunhas não ficaram registados ou continham deficiências de gravação que os tornam inaudíveis ou imperecíveis e tendo já sido ultrapassado o limite temporal de trinta (30) dias, não deve determinar o Tribunal a reabertura de audiência para renovação de tais provas, porque toda a prova produzida perdeu eficácia, o que dita a invalidade do julgamento, bem como da sentença dele dependente, devendo determinar a realização de novo julgamento».
Não houve então resposta dos demais sujeitos processuais interessados (Ministério Público e assistente).

*

2. – Em conferência, por acórdão de 2015.03.05, decidiu-se que o recurso deveria prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental em situações com similitude nos seus aspectos essenciais e no domínio da mesma legislação.
Determinou-se o cumprimento do art. 442º, nº 1 CPP.
O recorrente deu conta de que prescindia de alegações.
A Sra. Procuradora-Geral Adjunta alegou, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
1. - Nem o elemento literal, nem a inserção sistemática do preceito, permitem inferir que o prazo de 30 dias (n° 6, do artigo 328° CPP se aplique para além da fase da discussão (produção de prova).
2. - O prazo de 30 dias como limite inultrapassável radica na definição do espaço temporal dentro do qual permaneçam as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova.
3. - Tendo sido feito um juízo de atribuição (ou não) de credibilidade e proferida a sentença, constatando-se após a prolação desta a inaudibilidade dos documentos, já não subsistem, então, as razões e princípios que determinaram o legislador consagrar a sanção de perda de eficácia da prova.
4. - Em face da inaudibilidade das declarações produzidas em audiência, a repetição do acto consubstancia uma repetição da gravação que, por alguma anomalia, não ficou gravada (como devia) mas não se traduz na prestação de um verdadeiro ‘novo’ depoimento.
5. - Em caso de inaudibilidade da gravação, a possibilidade de sanação do vício processual ocorre de modo a garantir o rito processual conhecido por todos os sujeitos processuais e a garantir os seus direitos.
6. - A documentação dos actos de audiência destina-se tão só a viabilizar aos sujeitos processuais o recurso em matéria de facto.
7. - O prazo de 30 dias, previsto no n° 6 do art° 328°, à luz da redacção da Lei 47/2008, de 29.08, não é aplicável à reabertura da audiência para efeitos de suprimento do vício de inaudibilidade das gravações das declarações oralmente prestadas em julgamento.
8. - Esta solução vai de encontro às recentíssimas alterações da Lei 27/2015, de 14 de Abril, onde, na exposição de motivos que a ela deu origem (Proposta de Lei n.° 263/XII), se diz expressamente que uma das alterações introduzidas consiste na eliminação da sanção de perda da prova por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento interrompida.
9. - E que, sendo hoje em dia obrigatória a documentação da prova, sob pena de nulidade, está assegurada tanto a sindicância da decisão sobre a matéria de facto, pelo Tribunal Superior, como também a fidelidade por parte do Tribunal de la instância à prova produzida em audiência.
Terminou propondo que se fixe jurisprudência no seguinte sentido:
«Havendo necessidade de reabrir a audiência para repetição de gravação de diligências de prova prestadas oralmente, por deficiente registo anterior, não é aplicável o prazo de 30 dias previsto no nº 6 do art. 328º, na redacção dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, pelo que a prova produzida não perde eficácia».

*

3. – Porque a decisão proferida na secção criminal sobre a oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais impõe-se a reapreciação da questão posta.
3.1 - O desenvolvimento processual com interesse para a questão controvertida, nos processos em que foram proferidos os respectivos acórdãos foi o seguinte:
3.1.1 – No processo nº 120/06.8JAGRB.C2, em que foi proferido o “acórdão fundamento”:
3.1.1.1 - Na audiência de julgamento foi o arguido condenado por decisão de 2007.12.06 em pena de prisão com a execução suspensa;
3.1.1.2 - A dita audiência teve duas sessões de produção de prova em 8 e 22 de Novembro de 2007 seguidas da publicação da sentença.
3.1.1.3 - Em 2007.12.17, o arguido manifestou o propósito de recorrer e solicitou a entrega de cópia das gravações da prova produzida oralmente;
3.1.1.4 - Essa entrega foi feita em 2008.01.02;
3.1.1.5 - Em 2008.01.08, o arguido deu conta ao tribunal da falta de gravação nas cassetes 1 e 2 e no lado B da cassete 3. E alegando a impossibilidade de apresentar a motivação face à falha detectada invocou a nulidade prevista no art. 363º CPP.
3.1.1.6 - Em 2008.01.15, a secretaria confirmou no processo a referida falha nas gravações;
3.1.1.7 - Em reunião do tribunal colectivo considerou-se a omissão das gravações como mera irregularidade e entendeu-se que ela deveria ter sido arguida no prazo de 3 dias; como não o fora e não fora paga a multa devida considerou-se que deveria a secretaria liquidar essa multa sob pena de o arguido perder o direito a praticar o acto (requerer a inquirição de testemunhas cujos depoimentos não tinham ficado registados);
3.1.1.8 - A liquidação foi efectuada;
3.1.1.9 - O arguido pediu a aclaração do despacho, dado o art. 363º CPP referir expressamente que a falta de documentação das declarações orais configura uma nulidade;
3.1.1.10 - Foi proferido novo despacho que indeferiu o requerido e manteve a anterior decisão;
3.1.1.11 - O arguido interpôs recurso desse despacho e por acórdão de 2008.07.01 a relação decidiu não ser exigível o pagamento da multa prevista no art. 145º, nº 5 CPC (então em vigor) e revogou o despacho na parte em que renovou tal exigência;
3.1.1.12 - Em 2009.01.29 (após anterior designação para comparência das testemunhas) foi proferido despacho que, na sequência do decidido pelo tribunal da relação, determinou que se retomasse a audiência de julgamento, tendo-se então procedido à (re)inquirição das testemunhas (6) e produzido alegações finais. Na mesma data o tribunal proferiu o acórdão final.
3.1.2 – No processo nº 769/12.0GAMMV.C1, em que foi proferido o “acórdão recorrido”:
3.1.2.1 - A audiência teve início em 2013.06.18 e nela foram gravados os depoimentos do arguido, do assistente, e de 8 testemunhas tendo-se procedido ainda a uma acareação;
3.1.2.2 - A sentença foi proferida em 2013.06.26 com a condenação do arguido em multa e indemnização;
3.1.2.3 - Na sequência de requerimento nesse sentido, por despacho de 2013.07.12 foi declarada nula a gravação das declarações prestadas no âmbito da acareação a que se procedera (foi apenas este o registo deficiente) e foi ordenada a sua repetição em 2013.07.15;
3.1.2.4 - Nessa data, porém, não foi possível levar a efeito a dita repetição por incompatibilidade de agenda dos mandatários sendo designada a data de 2013.09.16 para o efeito.
3.1.2.5 - Em 2013.09.03 foi proferido despacho, no seguimento de interposição de recurso pelo arguido da sentença que fora proferida em 2013.06.26 onde se considerou que a declaração de nulidade da gravação no despacho de 2013.07.12 viciava o julgamento da matéria de facto e, por conseguinte implicava a repetição desse acto e de todos os subsequentes e a elaboração de nova sentença, sendo a que fora proferida “inválida/inexistente”. Como consequência não foi admitido o recurso.
3.1.2.6 - Em 2013.09.16 teve lugar a audiência destinada à repetição da acareação e, sem outras formalidades foi designada a leitura da sentença para o dia 23 seguinte.
3.1.2.7 - Em 2013.09.23 teve lugar a leitura da sentença que deu lugar ao recurso.
3.2 Perante a enunciação feita é possível afirmar que não havendo embora perfeita coincidência entre as incidências factuais de natureza processual ocorridas nos processos que deram origem ao “acórdão fundamento” e ao “acórdão recorrido” há uma patente similitude nos aspectos essenciais, a saber:
- Audiência de discussão concluída sem adiamentos;
- Decisão final publicada;
- Intenção manifestada de recorrer;
- Verificação de registos deficientes de prova produzida oralmente;
- Subsequente repetição das diligências não registadas convenientemente meses depois das anteriores e da publicação da sentença.
Face a estas situações similares:
O “acórdão fundamento” considerou que o art. 328º consagra o princípio da continuidade da audiência e que quando o nº 6 do preceito determina que «o adiamento não pode exceder 30 dias» está a usar o termo «adiamento» numa perspectiva ampla compreendendo o sentido estrito, técnico-jurídico, e ainda a interrupção, qualquer que ela seja, considerando também que, por força do estabelecido no citado nº 6 do art. 328º, ultrapassado um período de 30 dias entre cada momento de produção de prova toda a anteriormente produzida perde eficácia e tem de ser repetida, como decorre do Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº 11/2008.
Por sua vez, o “acórdão recorrido” considerou que interrupção e adiamento são dois institutos diferentes e que o prazo de 30 dias só não pode ser excedido nos casos de adiamento da audiência; mas quando uma audiência termina e vem a ser reaberta por ser necessária a repetição de diligências de prova prestada oralmente, não está há sujeição àquele limite de prazo.
3.3 - Do exposto supra ressalta a existência de uma solução antagónica para a mesma questão que é a de definir se a citada disposição do nº 6 do art. 328º ao determinar que «o adiamento não pode exceder 30 dias» engloba apenas o adiamento que ocorra no decurso do julgamento até que seja declarada encerrada a fase de discussão nos termos do art. 361º, nº 2 ou se, havendo necessidade de “reabrir” a audiência por alguma razão superveniente, maxime, a repetição das diligências de prova prestada oralmente, por deficiente registo anterior, aquela disposição é ainda aplicável.
Estão, portanto, verificados os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência que são: (a) a existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito; (b) que sejam tirados no domínio da mesma legislação, isto significando que durante o intervalo da sua prolação, não haja ocorrido modificação no texto da lei que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão controvertida; e (c) que assentem em soluções opostas, ou seja, soluções em que haja uma posição patentemente divergente sobre a mesma questão de direito; quando as soluções sejam de sinal contrário.

*

4. - A interpretação do nº 6 do art. 328º foi já objecto de uma tomada de posição no Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº 11/2008 (DR, 1ª Série, nº 239, de 208.12.11) embora numa outra dimensão normativa.
Estava então em vigor a versão originária dada pelo Decreto-Lei nº 78/87 de 17 de Fevereiro que “resistiu” a outras alterações introduzidas em diferentes números do artigo sucessivamente operadas pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro e Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto (com a Rectificação nº 105/2007, de 9 de Novembro).
Dispunha do modo seguinte:
«O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada».
Entretanto, como é sabido, entrou em vigor uma nova versão operada pela Lei nº 27/2015, de 14 de Abril que dispõe assim:
«O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita».
Importa referir – adiante se retomará o tema – que nesta alteração legislativa foi introduzida uma nova redacção do nº 7 passando a anterior a constituir o nº 8.
Dispõe esse nº 7 como segue:
«Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar».
A questão posta para apreciação ao pleno do Supremo Tribunal de Justiça decidida no citado Acórdão nº 11/2008 era somente esta: a prova produzida, se ultrapassado o prazo de 30 dias para retoma da audiência adiada, perde eficácia em qualquer circunstância ou apenas se a prova não estiver documentada?

*

5. - O mencionado Acórdão nº 11/2008, abordoando-se na melhor doutrina sublinhou a importância do princípio da concentração para a audiência de julgamento como corolário dos princípios da oralidade e da imediação com decisivo relevo para «a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo», quer a concentração espacial quer a concentração temporal esta inequivocamente consagrada no art. 328º, nº 1. E, nessa perspectiva, destacou ainda a preponderância da oralidade em si mesma ligada desde logo à eficácia do princípio da publicidade e como matriz da concentração e da imediação entendida esta como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os demais participantes no processo de tal sorte que se afirme a superioridade do juízo presencial em tempo real permitindo a integral, directa e própria apreensão e compreensão do material probatório com o qual se sustentará a decisão.
Considerou, pois, que o prazo de 30 dias fixado na lei como limite inultrapassável para ser mantida a eficácia da prova produzida era o prazo dentro do qual permaneceriam na memória as percepções pessoais que fundamentariam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova assim definido não por mera opção processual, por assim dizer, mas como realidade científica e natural. E que, portanto, não seria a circunstância de a prova estar documentada por gravação áudio ou vídeo que levaria a ter como ultrapassável o dito prazo de 30 dias definido na lei. Desde logo porque tal interpretação configuraria uma clara violação da letra da lei. Depois, porque assim se usariam e aplicariam os princípios da imediação e da oralidade ao talante das vicissitudes do processo ora usando o juiz a sua memória de trabalho preservada dentro do prazo de 30 dias e com base nela fundamentando a sua convicção, ora socorrendo-se da documentação para esse mesmo efeito. Finalmente, porque o regime de documentação da prova consubstanciado nos arts. 363º e 364º CPP visaria essencialmente assegurar o duplo grau de jurisdição em matéria de facto ainda que também possa servir de instrumento auxiliar na tarefa de fixação dos factos provados e não provados sem que, contudo, lhe caiba secundarizar os princípios fundamentais da imediação e da oralidade Assim também, por exemplo, José Manuel Damião da Cunha (in “O Caso Julgado Parcial …”, 2002, pags. 699-703) para quem a documentação da prova tal como foi prevista com a revisão do CPP só assume importância como forma de garantir aos sujeitos processuais um recurso em matéria de facto razão pela qual a considerar-se essa documentação exclusivamente um direito das «partes» ela só deveria existir quando os sujeitos processuais dela se quisessem fazer valer para um eventual recurso impugnando matéria de facto..
Concluiu, então, que decorrido o prazo de 30 dias cominado no nº 6 do art. 328 perdia eficácia a produção de prova já realizada, o que aconteceria independentemente do facto da mesma estar documentada embora essa perda de eficácia devesse ficar restringida tão somente à prova cujo eixo essencial fosse constituído pelos princípios da oralidade e da imediação mas não obrigando já à repetição dos meios de prova e de obtenção de prova que não colidissem com a imediação como por exemplo a discussão e exame de documentos em audiência ou a leitura de autos e declarações relativas a actos processuais realizados antes do julgamento, aliás, no seguimento de orientação anterior do Supremo Tribunal de Justiça Assim, v.g. Acórdão de 2008.02.06, proc 4374/2007..
A jurisprudência fixada foi exactamente esta:
«Nos termos do artigo 328º, nº 6 do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação;
Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma.»

*

6. - A relação de proximidade comunicante que o AFJ nº 11/2008 pôs em relevo, na esteira do ensinamento de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pags. 157 e ss) consubstancia-se na interacção de um conjunto de elementos que a gravação, mesmo a gravação áudio, não tem capacidade de apreender, por mais fiel que seja, sobre todas as incidências da audiência. É sabido que no decurso da produção das provas pessoais surgem a cada passo «elementos intraduzíveis e subtis», os mais variados ao nível das reacções e comportamentos de quem depõe que podem chamar a atenção do julgador para aspectos que peçam clarificação porque de algum modo evidenciem «infidelidade da percepção ou da memória» do depoente (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol III, pag. 342) contribuindo para que a percepção daquele se oriente no sentido de conferir maior ou menor credibilidade à palavra debitada. É a relação de proximidade comunicante assim constituída que permite, afinal, «assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou a falsidade de uma alegação» (Anselmo de Castro, ob cit., pag.175).
Isso mesmo era também já referido por Castro Mendes (Direito Processual Civil, III, 1980, pags 210-211) quando conferindo suma importância à oralidade, à imediação e à concentração, esta com o objectivo de os juízes não esquecerem «as impressões colhidas na produção de prova», concluía que o registo dos depoimentos mesmo que fosse em gravação para efeitos de apreciação pelo tribunal superior não esbatia essa importância pois, como sublinhava, «o comportamento da testemunha tem a sua relevância».
Ainda a propósito da concentração assinalava Anselmo de Castro (ob cit 176-177) um outro aspecto igualmente digno de nota dizendo que sem ela «dificilmente se daria cumprimento aos princípios da identidade do juiz e da imediação pois nada mais natural que, arrastando-se o processo por largo período de tempo, tenha de ser sacrificada a identidade do juiz devido a transferência, morte, doença, promoção, aposentação, etc, e tenha de decidir-se sem ter já presentes as impressões colhidas na produção da prova e sua discussão». (negrito acrescentado)
Assinalando também as vantagens da oralidade da discussão ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1976, pag. 283) que ela «permite que a instrução, discussão e julgamento se façam seguidamente com o menor intervalo possível (princípio da concentração) realizando maior contacto entre o julgador e as provas. Estas virão a ser, geralmente, apreciadas por quem assistir à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis mas altamente valiosos» rematando ser claro (loc cit, nota 1) «que só esta vantagem tem verdadeira importância» (negrito acrescentado).

*

7. - Todos estes contributos sobre a importância da imediação, da oralidade e da concentração permitem inferir que terá sido o reconhecimento dessa importância a razão de ser da introdução da regra de o adiamento da audiência não poder exceder trinta dias. A par também do princípio da identidade do juiz pois na prática surgiram no passado dificuldades na sua concretização precisamente por causa dos motivos enunciados por Anselmo de Castro.
É bom lembrar que a dita regra fazia já parte da versão inicial do Código de Processo Penal quando o registo da prova não passava de uma (boa) intenção do legislador patente no art. 363º cuja eloquente epígrafe era então «Documentação de declarações orais – Princípio geral» com a seguinte redacção «As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser» (negrito e sublinhado acrescentados).
E certamente que nessa época com tal aleatoriedade no uso do registo a finalidade da norma não era como assinalava a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional a de registar a prova com a «finalidade de permitir ao tribunal de recurso o controlo do julgamento do facto feito pelo tribunal recorrido» (Ac TC nº 322/93) pois não estava «no espírito do art. 363º CPP a sistemática redução a escrito ou registo magnetofónico ou audiovisual das declarações prestadas em audiência do tribunal colectivo» (Ac STJ de 1993.07.01, BMJ 429-625).
Fica assim mais evidente, crê-se, que aquilo que a introdução do limite temporal de 30 dias para a quebra da continuidade da audiência visou essencialmente foi dar espessura e consistência ao princípio da concentração que certamente não as tinha em grau suficiente no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 no qual o art. 414º cuja epígrafe era «Continuidade da audiência de julgamento» dispunha:
«A audiência é contínua; o juiz presidente somente a poderá interromper quando for absolutamente necessário.
§ 1º. Quando a audiência se interromper, será, desde logo, designada a hora do mesmo dia ou de qualquer outro em que há-de continuar».
A nota mais óbvia, como se constata, é a da ausência de qualquer limite preciso estabelecido para a quebra da continuidade e por isso se dizia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1982.03.18 (BMJ 315-185) que a lei não impunha que a continuação da audiência tivesse lugar dentro de determinado prazo embora a interrupção devesse ser o mais curta possível.

*

8. - A especial relevância da concentração e a necessidade de a respeitar tinham já sido objecto de atenção de anterior jurisprudência.
Assim, por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.30, proc 06P780, consignou-se expressivamente: «A perda de eficácia da prova está ligada a uma presunção legal implícita, segundo a qual o decurso de tal prazo apagará da memória do julgador os pormenores do julgamento, prejudicando desse modo a base da decisão factual, de tal modo que, aí sim, será possível o entendimento de que o único remédio para um tal esquecimento presumido passará pela repetição da audiência.»
Impressivo e com particular significado para a situação em apreço era também já o ensinamento de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Volume I, 1974, pag 183-184) quando abordando a importância do citado princípio da concentração lhe atribuía um relevante papel orientado para «uma prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de todos os termos e actos processuais devendo o complexo destes, em todo as fases do processo, desenvolver-se na medida do possível concentradamente, seja no espaço seja no tempo. Tomado neste contexto amplo, o princípio enforma, com efeito, todo o decurso ou prossecução do processo penal e é, em geral, fundado na necessidade de que se não suscitem obstáculos ou impedimentos ao exercício do processo».
E sublinhava ainda que ele «ganha o seu maior e autónomo relevo no que toca à audiência de discussão e julgamento, ligando-se aos princípios da forma enquanto corolário dos princípios da oralidade e da imediação; e pois que este princípio da imediação pode ser visto como máxima instrumental do princípio da investigação ou da “verdade material”, a concentração ganha ainda significado dentro dos próprios “princípios da prova”».
A assinalada contiguidade ou complementaridade da concentração com aqueles outros princípios da imediação e da oralidade funcionando conjugadamente como instrumento unitário para alcançar de modo tanto quanto possível eficaz a “verdade material” acaba por exigir que o tribunal imponha «uma parcimónia nas pulsões dilatórias» Para usar uma oportuna expressão que a propósito consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2007.03.21, proc 877/05.3TBCBR.C1 o qual se debruçou sobre a relevância do princípio da concentração apoiando-se na lição de Figueiredo Dias. aquando da prática de todos os actos processuais que devam ser praticados no processo mas, sobremaneira, na decisiva fase da audiência de discussão e julgamento actuando de forma a limitar a sua extensão temporal nomeadamente no tocante «à apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo». (Figueiredo Dias, ob cit, pag. 184).
O tribunal ficaria assim com o especial ónus de uma condução processual na fase de produção de prova temporalmente continuada, e logo concentrada, de modo a que se não registem quebras ou falhas temporais que conduzam a uma dispersão na produção dos elementos de prova à qual venha a ser assacada «uma distorcida e desfocada percepção e representação» Expressão também apropriada igualmente retirada do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. na solução do caso submetido a escrutínio.
Na actualização daquele ensinamento Figueiredo Dias (já citado Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9. pag 124) viria a referir que os intervalos limitativos da continuidade da audiência podem ter lugar sob a forma de simples interrupções ou de verdadeiros adiamentos se a simples interrupção não for bastante para remover o obstáculo concluindo que o «CPP ao diminuir a rigidez das legislações que ligam à distinção entre interrupção e adiamento o efeito de a audiência continuar no primeiro caso e recomeçar no segundo ponderou daquele modo as ligações estreitas entre este princípio da concentração e o princípio da imediação».

*

9. - A jurisprudência fixada assumiu como ponto determinante a imediação e a preocupação de preservação da prova produzida na memória do julgador socorrendo-se, designadamente, da lição de Paulo Pinto de Albuquerque, que citou, quando este Autor refere que a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção da produção da prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado de toda a prova (in “Comentário do Código de Processo Penal …”, 2007, pag. 808).
Pode então pensar-se que ao ponderar o legislador a introdução nos nºs 2 a 4 do art. 328º de excepções ao princípio da continuidade da audiência, regulando o adiamento e a interrupção, oriundos sempre de despacho fundamentado do juiz notificado aos sujeitos processuais (nº 5 do artigo), quis considerar toda e qualquer solução de continuidade que ocorresse ao longo da fase de discussão da audiência de julgamento independentemente da destrinça que entendeu fazer, de acordo com os seus poderes de conformação, entre “adiamento” e “interrupção” embora esta última tenha subjacente a ideia de paragem por curto ou curtíssimo prazo para alimentação e descanso ou outro acontecimento imperioso implicando que a discussão prossiga a breve trecho e, portanto, sem alcançar o limite de 30 dias.
Parece ter sido esse o entendimento perfilhado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2009.10.28, proc nº 121/07.9PBPTM.E1.S1 quando disse que a prova produzida perde eficácia se existir «um intervalo superior a 30 dias entre as diversas sessões de julgamento» (sublinhado e negrito acrescentados). Um intervalo, um hiato, seja qual for a sua natureza desde que implique a sobredita solução de continuidade na produção da prova.
Por isso se afirma no “Código de Processo Penal Comentado” (de António Henriques Gaspar et all. pag. 1061) Com a particularidade de todos os seus autores serem subscritores do AFJ 11/2008. no comentário ao art. 328º:
«O princípio aqui estabelecido da continuidade da audiência, sem interrupção ou adiamento até ao seu encerramento, como expressamente consta do nº 1, visa atingir duas finalidades:
- A concentração, princípio processual penal, segundo o qual todos os termos e actos processuais, consoante, as respectivas fases do processo se devem desenvolver unitária e continuadamente, concentradamente, no espaço e no tempo, o que significa relativamente à audiência, uma tramitação unitária, continuada, no espaço e no menor espaço de tempo, em que toda a prova, oral e directamente produzida seja apreciada o mais próximo possível dos factos, em conjunto e enquanto bem presente na memória do julgador;
- A celeridade, sem a qual a administração da justiça perde eficácia, valor este consagrado na Constituição (art. 20º, nº 5) através da imposição de que a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, bem como da concessão do direito à decisão em prazo razoável (art. 20º, nº 4) direito este também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem». (sublinhado e negritos acrescentados).

*

10. – Julgar-se-ia assim, num primeiro olhar, que ao usar-se a expressão “adiamento” se poderia considerar toda e qualquer solução de continuidade que ocorresse ao longo da fase de discussão da audiência de julgamento independentemente da destrinça feita no nº 2 do art. 328º entre “adiamento” e “interrupção” Nesse sentido, v. g. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1996.07.03. Também Vinício Ribeiro (in “Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2ª ed., 2011, pag. 918) assinala que “adiamento” e “interrupção” parece terem sido utilizados fora do rigor conceptual. ainda que aparentemente esta última tenha subjacente, como já afirmado, a paragem por curto ou curtíssimo prazo implicando que a discussão prossiga a breve trecho.
Nesta perspectiva, a razão estaria com a argumentação do “acórdão fundamento” quando defendeu que o termo adiamento era utilizado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico e a interrupção e que, por conseguinte, daria lugar à perda da eficácia da prova qualquer solução de continuidade ocorrida durante a fase de produção de prova que se prolongasse por mais de 30 dias só assim não acontecendo se houvesse ultrapassagem desse lapso de tempo desde o encerramento da audiência até à leitura da sentença No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2012.01.18, proc 219/07.3TAMDL.C1 proferido pela mesma relatora do “acórdão fundamento”..
E já dela careceria a argumentação do “acórdão recorrido” ao pôr o acento tónico na diferenciação de «institutos jurídicos» entre adiamento e interrupção acrescentando que «como resulta da expressão literal do preceito, o limite do prazo de 30 dias só foi considerado para os casos de adiamento da audiência» considerando embora como, de resto, o “acórdão fundamento” que a audiência é só a fase regulada pelos arts. 321º a 364º (da Parte II do Livro VII, Título II do Código de Processo Penal).
Contudo, salvo o devido respeito, a questão terá de colocar-se em termos algo diferentes.
Se, como é entendido, a norma do nº 6 do art. 328º «radica[va] na oralidade e na imediação da prova tendo que ver apenas com a produção da prova e a concentração no decurso da audiência e até ao encerramento desta» não regendo pois «sobre incidências procedimentais posteriores» (Ac STJ de 2006.01.25, proc 05P3460) parece poder concluir-se que quando a fase de discussão da audiência em que, claro está, é indispensável o registo de prova por força do disposto nos arts. 363º e 364º, começava e terminava com respeito pelo prazo de 30 dias, isto é, sem que entre cada uma das suas sessões fosse ultrapassado aquele prazo, independentemente depois do momento da publicação da decisão não haveria perda da eficácia da prova. Em consonância se tem sublinhado (cfr citado Acórdão de 2009.10.28) que o facto de a leitura do acórdão ter sido feita mais de 30 dias após a produção de prova não configurava qualquer vício pois como foi sendo afirmado uniformemente pelo STJ aquela regra «refere-se apenas à fase da produção de prova pretendendo o legislador que esta seja concentrada, de forma a proporcionar ao julgador a evocação fácil do conjunto das provas produzidas oralmente, devendo a deliberação seguir-se imediatamente ao termo da produção de prova» (assim também, entre outros, o igualmente citado Acórdão de 2006.03.30; e, no mesmo sentido, o Acórdão de 2006.01.11, proc 04P4301). Assim também, entre outros, o igualmente citado Acórdão de 2006.03.30; e, no mesmo sentido, o Acórdão de 2006.01.11, proc 04P4301.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2011.06.28 «resulta claramente da lei que, sendo a leitura da sentença um acto que faz parte da fase de julgamento é um acto que já não integra a audiência. Por isso, não é aplicável a norma do nº 6 do art. 328º (que encerra o Capítulo I do Título II que trata, precisamente, da audiência cujo âmbito de aplicação se circunscreve à sub-fase da audiência».
Dir-se-á, então, que sob o ponto de vista do estrito cumprimento dos princípios que presidiram à imposição daquele prazo de 30 dias, as audiências, quer no processo em que foi proferido o “acórdão recorrido” quer naquele que deu origem ao “acórdão fundamento” perfectibilizaram-se; esses princípios foram respeitados, a sua finalidade alcançada logo depois de o presidente do tribunal declarar encerrada a discussão da causa, de acordo com o art. 361º, nº 2, e ter tido lugar a deliberação que necessariamente se lhe seguiu pois não há registo de ter sido declarada por despacho a absoluta impossibilidade de a ela proceder tudo conforme determina o art. 365º, nº 1.
Se no período subsequente que decorresse para eventual publicação da decisão (art. 373º, nº 1), interposição do recurso ou já quando este estivesse em fase de apreciação se detectasse uma qualquer deficiência no registo da prova e se concluísse ser necessário proceder a novo registo então do que se trataria já não seria de “retomar” ou reabrir a audiência no rigoroso sentido do termo. Haveria que “repeti-la” mas não no seu todo nem em razão da perda da sua eficácia. Apenas e só na parte em que o registo da prova oral tivesse sido deficiente e não pudesse cumprir a sua principal função.
É que o objectivo primordial de consagrar a documentação da prova de modo incontornável foi, como assinalou o AFJ 11/2008, o de «assegurar o duplo grau de jurisdição em matéria de facto» ainda que lhe possa ser atribuído secundariamente a função de «auxiliar do tribunal na tarefa de fixação dos factos provados e não provados». Porém, «tal função auxiliar e coadjuvante do juiz não pode ser o mandato para arredar princípios fundamentais na produção da prova como são a imediação e a oralidade».
Crê-se até que seria possível ir um pouco mais longe na avaliação do peso ou da interferência do prazo do nº 6 do art. 328º no decurso da fase de julgamento, lato sensu.
E se, porventura, houvesse necessidade de produção de prova suplementar para – exclusivamente com esse fim – determinação da sanção, como prevê o art. 371º, e a reabertura ocorresse depois de passados 30 dias desde a última sessão da fase de discussão que é a prevista no art. 361º?
Ainda seria de considerar não ser aplicável o citado nº 6 do art. 328º e, por conseguinte, não haver perda da eficácia da prova registada.
Porquê?
Porque toda a prova produzida, incluindo a registada haveria já de ter sido utilizada pelo tribunal para deliberar considerando-a e tomando posição a seu respeito, primeiro sobre a questão da culpabilidade e, em tempo seguido, sobre a questão da determinação da sanção, tudo conforme dispõem os arts. 368º e 369º. E, portanto, também aí o objectivo definido para a intervenção dos aludidos princípios estaria cumprido por inteiro.
Com três ressalvas.
A primeira quanto à possibilidade de ocorrer reabertura para produção de prova suplementar prevista no art. 371º, nº 1. Prova suplementar decerto assim designada prevendo a hipótese de a já produzida ter sido ponderada e apreciada mas ter sido considerada insuficiente para dela tirar conclusões no tocante à espécie e medida da sanção a aplicar. Portanto, nessa circunstância, após a produção da prova suplementar e declarada encerrada essa subsequente fase de discussão, haveria de ser retomada a fase de deliberação e esta de ser sopesada em conjunto com a já produzida, aí se impondo logicamente o cumprimento do prazo do nº 6 do art. 328º.
A segunda quanto à possibilidade de mesmo para a apreciação da questão da culpabilidade vir a ser considerada a necessidade de reabrir a audiência para produção de qualquer outra prova tida como indispensável no decurso da deliberação a coberto do respeito devido ao princípio da verdade material, de acordo com o art. 340º, nº 1.
A circunstância de não haver norma específica que possibilite a reabertura da audiência para continuar a discutir a questão da culpabilidade depois de encerrada a fase de discussão da causa e iniciada a da deliberação sempre seria possível de superar através da aplicação por analogia do disposto no art. 371º, nº 1 o que não é vedado em matéria de integração de lacunas de acordo com o art. 4º. Foi essa a solução proposta pertinentemente pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2013.09.25, proc 538/05.3SLPRT.P2.
A terceira, decerto frequente, que é a de durante a deliberação se verificar que deveria ponderar-se uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ou uma alteração da qualificação jurídica. Aí, haveria lugar à reabertura da audiência para cumprimento das formalidades previstas no art. 358º para, a seguir, se retomar a deliberação e, também aqui sopesar toda a prova produzida no seu conjunto igualmente se impondo então a preservação da concentração e o respeito pelo prazo do nº 6 do art. 328.

*

11. - Pode, pois, concluir-se que estando embora o “acórdão recorrido” e o “acórdão fundamento” em oposição, as soluções que perfilharam ao centrarem a sua diferença argumentativa na (in)distinção entre “adiamento” e “interrupção” não são as que se afiguram consentâneas com os objectivos do registo da «prova testemunhal e das declarações do arguido, assistentes, partes civis, perito e consultor técnico» ainda que o efeito da solução adoptada no “acórdão recorrido” acabe por ser idêntico ao que na perspectiva exposta se afigura ser correcto por ter concluído que não era aplicável o nº 6 do art. 328º.
Uma outra conclusão é a de que não é perfilhável a proposta de fixação de jurisprudência formulada pelo recorrente segundo a qual em qualquer circunstância «ultrapassado o limite temporal de trinta dias não deve o tribunal determinar a reabertura da audiência para renovação» da prova não registada.
Em suma, a concentração está intimamente ligada à eficácia da prova no sentido da sua perduração na memória do julgador e essa eficácia faz-se valer essencialmente, até ao encerramento da discussão e, no limite, da deliberação Assim PaoloTonini in “Manuale di Procedura Penale, 9ª ed, 2003, Giuffré Editore, pag 562: «La concentrazione tra tali momenti del debatimento garantiche cehe la decisione sia il prodotto fedele delle risultante del processo evitando che l’attenzione del giudice venga meno: i lunghi intervalli di tempo possono enganare la memoria». E, no mesmo sentido, Andrea Antíno Dalia e Marzia Ferraioli, in “Manuale di Diritto Processuale Penale, 5ª ed, 2003, Cedam, pags. 702-703: «Il complesso degli atti che costituiscono il dibattimento, in tutte le sue fasi, deve ‘concentrarsi’ sia nello ‘spazio’ che nel ‘tempo’. Con riguardo allo spazio, la concentrazione si specifica nel princípio de ‘localizzazione’ e, con riguardo al tempo, nel principio della ‘continuità’. (...) La ‘continuità’ impone che, una volta iniziato, il dibattimento si volga senza interruzzioni, per giungere rapidamente alla conclusione».
De referir, já agora, que no “Códice de Procedura Penal” italiano (art. 477º) se alude apenas à possibilidade de “suspensão” da audiência em caso de absoluta necessidade e por um período que “computadas todas as dilações” não ultrapasse os 10 dias excluindo os “festivos” (com excepção da suspensão longa quando, sob certas condições, exista pendente questão prejudicial de natureza civil ou administrativa de particular complexidade (art. 479º)). Também se prescreve que a deliberação se segue imediatamente ao encerramento da discussão não podendo ser suspensa se não em caso de absoluta necessidade (art. 525º) ou para, quando necessário, se proceder à reprodução do registo fonográfico ou audiovisual da discussão (art. 528º). Saliente-se ainda o uso de uma nomenclatura de sentido unívoco para configurar a excepção à regra da continuidade; “suspensão” em vez de “interrupção” e “adiamento”.
. E seguramente que a norma prevendo a perda da eficácia da prova seria uma norma pensada e proposta para evitar as soluções de continuidade até ao momento em que a preservação na memória do julgador da prova produzida deixasse de ter relevância para a conclusão sobre o tema em apreciação.
Por isso, quando numa fase subsequente ao encerramento da deliberação, mormente na fase de recurso como é mais frequente, os sujeitos processuais ou o tribunal de recurso se defrontassem com uma deficiência no registo da prova que impossibilitasse o seu aproveitamento o que haveria a fazer, consoante as circunstâncias, seria tão só proceder à exclusiva repetição desse acto visando corrigir essa deficiência detectada não podendo falar-se com rigor numa produção de prova “nova” no sentido de não conhecida do tribunal que já decidira.

*

12. – É altura de abordar a alteração legislativa ocorrida com a Lei nº 27/2015, de 14 de Abril, já depois de ter sido interposto recurso e logo após ter sido proferido o acórdão que considerou existir oposição de julgados, alteração essa que porventura torna obsoleto todo o exercício de interpretação desenhado até agora.
A razão é simples e de certo modo desconcertante face ao conteúdo da letra da lei.
O primeiro período do nº 6 do art. 328º mantem-se inalterado «O adiamento não pode exceder 30 dias».. Já o período seguinte, ou 2ª parte do dispositivo, sofreu profunda alteração aludindo a hipóteses em que não seja possível evitar o adiamento por mais de 30 dias. Mas desapareceu do texto a cominação que lá figurava e que é o epicentro da polémica subjacente ao tema deste acórdão: a que estipulava que a ultrapassagem do prazo de 30 dias implicava a perda da eficácia da prova.
Se se atentar na redacção do nº 7 do dito art. 328º enunciam-se várias situações que passaram a não ser consideradas para a transcorrência desse prazo: (i) o decurso das férias judiciais; (ii) o período durante o qual, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova; (iii) o período em que os autos aguardem a prolação da sentença; (iv) o período em que decorra o recurso que anule parcialmente o julgamento para repetição de prova ou produção de prova suplementar.
Pareceria que o objectivo de tal enunciação visaria precisamente contornar ou evitar a perda de eficácia nesses casos, configurando-se como excepções a essa regra. Intenção baldada visto que a cominação que existia – a perda da eficácia da prova – desapareceu.
A “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 263/XII é clara a tal respeito. Um dos alvos das alterações que eram propostas e foram aceites era «a eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida» adiantando-se depois que «No contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação
Isto é, presentemente, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso se veja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada intervalo da audiência aconteça isso por que razão for.

*

13. – Com base no exposto, o pleno das secções criminais do Supremo tribunal de Justiça decide:
A) Julgar improcedente o recurso mantendo o acórdão recorrido.
B) Fixar jurisprudência nos seguintes termos:

“O prazo de 30 dias previsto no art 328º, nº 6 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 27/2015, de 14 de Abril, é inaplicável nas fases processuais em que, após a deliberação do tribunal sobre as questões da culpabilidade e da determinação da sanção, seguida ao encerramento da fase de discussão, seja verificada a necessidade de repetição de prova registada no decurso dessa anterior fase de discussão por haver deficiência no registo efectuado mantendo-se, portanto, a eficácia da prova.”

C) Condenar o recorrente nas custas com 4 UC de taxa de justiça.
Cumpra-se oportunamente o art. 444º, nº 1.


Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2015. — Nuno Gomes da Silva (Relator) — João Silva Miguel — Francisco Caetano — Manuel Augusto de Matos — Pereira Madeira — Santos Carvalho — Armindo Monteiro — Santos Cabral — Oliveira Mendes — Souto de Moura — Pires da Graça — Raul Borges — Isabel Pais Martins — Manuel Braz — Isabel São Marcos — António Henriques Gaspar (Presidente)