Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2596
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: TESTEMUNHA
DEPOIMENTO
RECUSA DE PARENTES E AFINS
DEPOIMENTO INDIRECTO
VALOR PROBATÓRIO
CONSTITUCIONALIDADE
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO
DIREITOS DE DEFESA
Nº do Documento: SJ200709120025963
Data do Acordão: 09/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário :

I - Embora os filhos do arguido possam recusar-se a depor como testemunhas, nos termos do art. 134.º, n.º 1, do CPP, se não o fizeram e quiseram ser inquiridos, o seu depoimento é permitido pela lei de processo.
II - O TC já decidiu – Ac. n.º 440/99, de 08-07, Proc. n.º 268/99, DR, II Série, de 09-11-1999 – que o art. 129.º, n.º 1, do CPP, conjugado com o art. 128.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional.
III - A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido, é passível de livre apreciação pelo tribunal quando aquele se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.
IV - Como se sustentou em acórdão deste Supremo Tribunal (Ac. de 25-01-2006, Proc. n.º 184/06 - 3.ª), de acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.
V - É o que ocorre no caso concreto, em que os filhos do arguido transmitiram em audiência, e portanto na presença deste, a conversa que com ele, seu pai, tinham mantido, segundo o qual o mesmo havia estado em casa, no dia em que a mulher morreu, que a tinha agredido com uma vassoura, que ela tinha caído pelas escadas e que a morte teria sobrevindo a essa queda.
VI - Não houve prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderia contraditar a informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o pudesse desfavorecer.
VII - O facto de o arguido nada dizer significa apenas que não podem extrair-se ilações sobre o seu silêncio. Não significa que não podem valorar-se os depoimentos dos seus filhos, pois, em concreto, não constituem provas proibidas por lei, ficando, por isso, sujeitos à livre apreciação nos termos do art. 127.º do CPP.
VIII - Por outro lado, sempre se dirá que se inclui nos poderes de cognição do tribunal a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art. 340.º do CPP.
IX - É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a comunicação ao arguido a que alude o art. 358.º, n.º 3, do CPP não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos construtivos e possibilidade de os contraditar (v.g., convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o tipo simples).
X - No caso dos autos, estando o arguido acusado da prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP e tendo sido condenado pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do CP, não se impunha se procedesse à sua notificação nos termos e para o efeito do art. 358.º, n.º 3, do CP.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº 32/99.OTBMDA, da comarca da Meda, o arguido AA, solteiro, agricultor, nascido a 5 de Dezembro de 1951 em Outeiro de ........, Mêda, filho de BB e de CC, residente em Logrono, Espanha, e actualmente detido preventivamente no Estabelecimento Prisional da Guarda, foi acusado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal (redacção de 1995) e arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, b) e c), do C. Penal (redacção de 1998).
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Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 20 de Outubro de 2006, que decidiu:
A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º nºs 1 e 2, b), do C. Penal, redacção de 1995, e arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, b) e c), do C. Penal, redacção de 1998.
B) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131º do C. Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão.
C) 1. Condenar o arguido em 6 Ucs. de taxa de justiça, € 200 de procuradoria, e nas demais custas.
2. Condenar o arguido em 1% da taxa de justiça, nos termos do art. 13º, nº 3 do Dec. Lei nº 423/91 de 30/10.
Na liquidação da pena atender-se-á ao disposto no art. 80º, nº 1 do C. Penal.
Após trânsito:
- remeta boletins,
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Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por seu douto Acórdão de 9 de Maio de 2007, decidiu:
“Conceder, parcialmente, provimento ao recurso e, consequentemente, condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de (9) anos de prisão.
Condenar o arguido nas custas, fixando-se a taxa de justiça em oito (8) Uc´s.”
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De novo inconformado, recorre o arguido, concluindo:
1. Formou o Tribunal A Quo a sua convicção, de que nos dias 17 ou 18 o arguido se encontrava na sua residência - Ponto 4 dos Factos Assentes da Sentença), única e exclusivamente no depoimento indirecto, prestado em julgamento pelos filhos do recorrente, DD e EE, sendo pois o depoimento destes decisivo, nesta parte, pois se retirarmos tais depoimentos nada mais tem o Tribunal, como se alega nas alíneas a) a l) do Ponto II do presente Recurso, para onde se remete;
2. Formou ainda o Tribunal A Quo a sua convicção, quantos aos factos provados descritos nas alíneas abaixo, com base no referido depoimento indirecto, prestado em julgamento pelos filhos do recorrente, DD e EE, sendo pois o depoimento destes decisivo, nesta parte, pois se retirarmos tais depoimentos nada mais tem o Tribunal.
a. No decurso deste desentendimento, o arguido, munido de um objecto contundente, de características não concretamente apuradas, desferiu diversas pancadas no corpo da FF".
b. "Depois, o arguido rodeou com as suas mãos o pescoço da FF, apertou-o de forma ininterrupta, até lhe causar a morte por esganamento. (Ponto 6 dos Factos Assentes da Sentença).
3. Ora, tal depoimento configura ser prova ilegal/ilícita, por violar o disposto no art. 129° do CPP e 35 ° nº 1 e 5° do CR Portuguesa, até porque o Tribunal não obteve a confirmação de tal factualidade junto de outras pessoas.
4. Para além de, ter o Tribunal extraído conclusões do silêncio do arguido, negando-lhe de forma efectiva esse mesmo direito ao silêncio, direito esse que lhe é reconhecido pelo art. 61° n° 1 a!. c) e 343 nº 1 do CPP e 32° da CRP.
5. Foram pois, ainda, Violados pelo Tribunal A Quo na sentença sob censura, os art. 61°, n° 1, al. c), 343° n° 1,58°,59° e 356° nº 7 , todos do CP Penal bem como ainda, foi violado pelo Tribunal A Quo, o disposto no Art. 32° da Constituição da República Portuguesa - Direito de Defesa do Arguido - e o art. 129°, pois, tal como foi interpretado pelo Tribunal A Quo, apresenta-se como inconstitucional, por afrontar contra o citado art. 32° da CRP.
6. Violou pois o Tribunal sob censura os artigos 126º, 127º 128º e 410º n° 2, b) e c) e art. 355° n° 1 e art. 379° nº 1 alínea c) todos do CPP, bem como do artigo 132° do CP do C.P.P ..
7. Por último, tal como se descreve nas alíneas do n° 3 do ponto IL tendo o tribunal de Primeira Instância procedido no seu acórdão a uma alteração não substancial, e não tendo notificado o arguido da mesma nem lhe tendo dado prazo para se defender, violou o disposto no artigo 358º do CPPenal, sendo pois a sentença Nula (379º nº 1, aI. b) do CPPenal).
8. A violação do artigo 358º do CPPenal, consubstancia-se no facto de o arguido/recorrente ter sido condenado pela prática de homicídio simples, quando estava acusada prática do crime de homicídio qualificado.
9. Ficou pois o arguido/recorrente de se defender, com uma latitude diversa e crescente conforme a sua importância e significado .
10. Na verdade, a defesa apresentada pelo arguido/recorrente pode variar de acordo, com a moldura penal do crime de que se encontra acusado, podendo o arguido, inclusive, num caso remeter-se ao silêncio e noutro falar. e.t.c ..
11. Direito este que foi violado (ao não permitir ao arguido apresentar uma nova defesa) ao não ter sido o arguido/recorrente notificado daquela alteração de forma a poder pedir prazo de defesa.
Neste termos e, louvando-nos quanto ao mais, nos factos constantes nos autos, somos de parecer que o presente recurso merece provimento e, em consequência, ser declarada nulo o depoimento dos filhos do arguido DD e EE, por estarmos perante depoimento indirecto ou violado o artigo 358º do CPPenal, e consequentemente ser declarada nula a sentença recorrida, com as devidas consequências legais
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Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, no sentido de que não assiste razão ao recorrente, pois que:
“3, Na verdade, e desde logo, como pode ver-se de fls 910 e seguintes, nem sequer corresponde à afirmação do recorrente segundo a qual o Tribunal teria baseado a sua convicção probatória da factualidade provada contra si, em exclusivo nos depoimentos dos seus filhos DD e EE. Por outro lado, não podem os depoimentos destes qualificar-se, consoante defende o recorrente, como depoimentos indirectos nos termos do art. 129.°, do Código de Processo Penal. Com efeito, e como vem relatado a fls. 913, o teor desses depoimentos revela a experiência e o conhecimento pessoal das testemunhas obtidos pela conversa que, eles próprios, mantiveram com o arguido e da vivência familiar com o mesmo.
Ademais, estando o recorrente presente na audiência, sempre lhe foi possível a todo o tempo da duração respectiva, se o tivesse desejado, contraditar directamente o conteúdo das afirmações produzidas nos aludidos, como de todos os demais, depoimentos prestados.
4. - É absolutamente claro, em face do texto do n. ° 2, conjugado com o do n.3, ambos do art. 358.°, do Código de Processo Penal, que quando a alteração da incriminação deriva da matéria alegada pela defesa, constituindo um abrandamento da situação criminal do arguido e reverte, por isso, em seu favor ¬ como sucedeu no caso em apreço - não há necessidade legal de se proceder à notificação referida no seu n. ° 1.
5. - Nestes termos, porque o douto Acórdão impugnado não merece qualquer censura, deve ser confirmado nos seus precisos termos.
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Neste Supremo, o Ministério Público na vista oportuna dos autos, pronunciou-se pela verificação dos pressupostos processuais respeitantes ao prosseguimento do recurso, devendo os autos “prosseguir seus termos, designando-se data para audiência oral.
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Foi o processo aos vistos legais, tendo o Exmo Presidente designado a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
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II. Fundamentação.
A) Factos provados.
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Desde pelo menos 1980, o arguido AA e a FF passaram a viver como se marido e mulher fossem, fixando residência em Outeiro de ......, área da comarca da Mêda, havendo desta união vários filhos.
2. Em certas ocasiões, devido ao excessivo consumo de álcool, o arguido e a companheira entravam em conflito, sendo então frequente o arguido agredir fisicamente a FF.
3. Numa dessas ocasiões, ocorrida em Agosto de 1987, a FF teve que ser assistida no Centro de Saúde da Mêda.
4. A hora não concretamente apurada, compreendida entre os dias 17 e 18 de Março de 1998, na residência do arguido e da FF, em Outeiro de ........, ocorreu mais um desentendimento entre ambos.
5. No decurso deste desentendimento, o arguido, munido de um objecto contundente, de características não concretamente apuradas, desferiu diversas pancadas no corpo da FF.
6. Depois, o arguido rodeou com as suas mãos o pescoço da FF, e apertou-o de forma ininterrupta, até lhe causar a morte por esganamento.
7. A FF tinha falta congénita de parte do braço esquerdo, à altura do cotovelo.
8. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente.
9. O arguido quis rodear o pescoço da FF com as mãos, como rodeou, e apertá-lo de forma ininterrupta, como apertou, com intenção de lhe causar a morte, por esganamento, como causou, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal.
10. O arguido não tem antecedentes criminais.
11. O arguido, quando foi detido, residia em Espanha onde trabalhava com regularidade, fazia descontos para a segurança social, pagava impostos, tinha casa em seu nome e conta bancária, e vivia com uma companheira.
12. Enquanto viveu em Outeiro de ........ o arguido era considerado uma pessoa trabalhadora.
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B) Factos não provados.
Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:
- o arguido praticou os factos referidos no ponto 5 dos factos provados, usando o ferro examinado a fls. 131,
- a deficiência física da FF tornava-a pessoa especialmente indefesa,
- o arguido chegou a casa depois do trabalho, encontrou a FF alcoolizada e com a roupa descomposta e como andava desconfiado, já nervoso, perguntou-lhe com quem tinha estado nessa tarde,
- a FF não respondeu à pergunta e disse ao arguido, “Vai para o caralho, corno!”,
- a FF, fosse porque se encontrava embriagada, fosse pelas pancadas, caiu pelas escadas, e ficou estatelada no andar de baixo, após o que disse, “DD, estou com frio!”,
- o arguido, nervoso e aborrecido, foi para o café, deixando a mulher viva, dentro de casa e quando regressou, passadas horas, encontrou-a morta,
- a FF morreu devido à queda pelas escadas, possivelmente por pancada sofrida denominada “golpe de coelho”.
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D) Convicção do Tribunal.
A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).
Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana,
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).

Tecidas estas, necessariamente, breves considerações sobre os princípios que devem ser observados na análise e valoração da prova, por forma a determinar a convicção do julgador, passemos agora a indicar, no caso concreto, a formação de tal convicção.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base nos seguintes meios de prova:

1. Relativamente aos factos provados,
- o depoimento da testemunha GG que mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tinha conhecimento de alguns dos factos, por trabalhar no café dos seus pais, em Outeiro de ...... e que referiu, além do mais, que o arguido era cliente do café, que no dia 19 de Março de 1998 o arguido telefonou para o café, identificou-se à depoente, dizendo que era o “DD, filho da Sra. CC” e disse à depoente para telefonar para a GNR para irem levantar o corpo da mulher, que estava em casa, que telefonou de imediato para a GNR a qual algum tempo depois foi para a casa do arguido, que mais tarde chegou a testemunha HH que lhe disse que também tinha recebido um telefonema do arguido, e que o arguido e a FF tinham vários filhos,
- o depoimento da testemunha II que mostrou isenção, depôs de forma serena e convincente, tinha conhecimento de alguns dos factos por, para além de ser prima por afinidade do arguido, ser vizinha do casal, e que referiu, além do mais, que o arguido e a FF tinham problemas, como todos os casais tinham, que a FF se queixava de vez em quando e aparecia com os olhos negros, que a última vez que viu a FF foi no dia 17 de Março de 1998 e o arguido no dia 18 de Março de 1998, que o casal viveu junto durante mais de vinte e um anos, e que o casal era de modesta condição,
- o depoimento da testemunha JJ que mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tinha conhecimento de alguns dos factos por residir em Outeiro de .... e ser, na data dos factos, secretário da Junta de Freguesia desta localidade e que referiu, além do mais, que o arguido andava a limpar as ruas por conta da Junta e que, em certo dia, pediu ao depoente para lhe pagar os dias de trabalho já feito, pois tinha a mulher doente em casa, e precisava de a levar ao hospital, que face às razões invocadas, pagou ao arguido o trabalho já prestado, que o arguido não voltou a aparecer, apesar de dever continuar ao serviço da Junta, e que soube da morte da FF no dia seguinte a ter pago ao arguido,
- o depoimento da testemunha HH que mostrou isenção, depôs de forma serena e convincente, tinha conhecimento de alguns dos factos por residir em Outeiro de ......... e a mãe do arguido ser sua empregada doméstica, e que referiu, além do mais, que no dia 19 de Março de 1998, pelo almoço – data e hora que recorda perfeitamente, por ser dia de feira e estar à espera de um filho para almoçar – recebeu uma chamada telefónica do arguido pedindo à depoente para dizer à sua mãe para ela ir a casa do arguido abrir a porta, porque a FF estava lá dentro, morta, e que já tinha avisado a GNR, que perguntou ao arguido onde se encontrava e que ele disse estar em Bragança, que no dia 17 ou no dia 18 de Março de 1998, em casa da depoente, a mãe do arguido perguntou-lhe pela FF, tendo-lhe o arguido dito que ela tinha fugido e que já não estava em casa, que o casal tinha por vezes problemas tendo a FF saído de casa várias vezes, e que o casal viveu junto vários anos e tinha vários filhos,
- o depoimento da testemunha KK que mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tinha conhecimento de alguns dos factos por ser motorista de carro de aluguer e que referiu, além do mais, que foi chamado da praça da Mêda a Outeiro de ......., que nesta localidade e no lugar marcado, estava o arguido que lhe disse para irem a casa deste, que aí o arguido foi buscar uma mala e depois levou-o à estação de Vila Franca das Naves, que em conversa o arguido lhe disse que talvez fosse para Espanha,
- o depoimento da testemunha LL que mostrou isenção, depôs de forma serena e convincente, tinha conhecimento de alguns dos factos por, então, ser o chefe da estação do caminho de ferro de Vilar Formoso, e que referiu que estava de serviço quando agentes da Polícia Judiciária lhe perguntaram se tinha vendido algum bilhete ao arguido, tendo o depoente entregue cópia do bilhete vendido,
- o depoimento da testemunha MM que mostrou isenção, conhece o arguido desde há dezenas de anos, e que referiu que o mesmo, enquanto viveu em Outeiro de ...., sempre foi um homem trabalhador,
- o depoimento da testemunha NN que, apesar de ser a actual companheira do arguido, mostrou aparente isenção, e que referiu, além do mais, que este tem vida organizada em Espanha, onde trabalha, paga impostos e contribuições, tem casa e conta bancária,
- o depoimento da testemunha DD que, apesar de ser filho do arguido e da vítima, e de manter contacto com o pai, mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tinha conhecimento de alguns dos factos por causa daquele próximo grau de parentesco, e que referiu, além do mais, que os pais bebiam em excesso e se agrediam, tendo sido por esta razão que lhes foi retirado e colocado numa instituição, que quando visitou o pai no estabelecimento prisional este lhe disse que tinha batido na mãe e que ela tinha caído pelas escadas e que em seguida foi para o café, deixando-a só,
- o depoimento da testemunha EE que, apesar de ser filho do arguido e da vítima, e de manter contacto com o pai, mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tinha conhecimento de alguns dos factos por causa daquele próximo grau de parentesco, e que referiu, além do mais, que quando reencontrou o pai em Espanha, quatro anos passados sobre a morte da mãe, ele lhe disse que tinham discutido, que lhe tinha batido, que ela havia caído pelas escadas, e que a seguir foi para o café,
- os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita médica do INML, delegação de Coimbra, Dra. OO que, tendo revelado natural isenção e conhecimentos específicos sobre a matéria perguntada, referiu, além do mais, que pela coloração das manchas do cadáver que se vêem nas fotografias dos autos, as lesões respectivas parecem ter sido todas causadas na mesma ocasião, que a mancha que se vê na anca do cadáver foi claramente causada por uma pancada dada com um objecto contundente, v.g. um cabo de vassoura, e não pelos degraus da escada, que o relatório da autópsia não é perfeito mas é compatível com a causa da morte que indica, a sufocação, que a falta de sinais de asfixia descritos não é relevante pois tais sinais não são inequívocos, que o relatório da autópsia descreve, no pescoço, ao nível do hábito externo, hematoma da zona infra-hioideia, escoriações múltiplas de forma semi-lunar que podem ter sido causadas pela pressão de unhas no pescoço, e ao nível do hábito interno, hemorragia em toda a região hioidiana com sinais de fractura do aparelho laríngeo, que o aparelho laríngeo é composto por diversos ossos e cartilagens, que a fractura do osso hióide não é característica da morte por esganamento – mas da morte por enforcamento – que nem sequer é necessária a existência de fracturas de qualquer osso ou cartilagem para que ocorra a morte por asfixia, e que esta também pode ocorrer pela simples compressão da carótida, e que pelo relatório da autópsia, a vítima só pode ter morrido pela compressão do pescoço,
- o documento de fls. 58 (cópia do bilhete de comboio, datado de 18 de Março de 1998, comprado pelo arguido na estação de Vilar Formoso),
- os documentos fotográficos de fls. 61 a 71,
- o documento de fls. 81 a 82 (ficha clínica de cuidados médicos do Centro de Saúde da Mêda),
- o relatório da autópsia de fls. 163 a 164 v., (apesar de algumas omissões lhe poderem ser assacadas, dele resulta com toda a clareza e sem contradição de premissas – lesões do pescoço, quer externas , quer internas – que a morte da vítima foi causada por esganamento ou esganadura),
- o certificado do registo criminal de fls. 169,

2. Relativamente aos factos não provados, a ausência de prova em relação aos mesmos produzida, esclarecendo-se ainda que:
- apesar de algumas das lesões apresentadas pelo cadáver serem compatíveis com agressão praticada com o ferro examinado a fls. 131, este não tinha qualquer vestígio demonstrativo de ter sido utilizado na agressão, o arguido exercido o direito ao silêncio, não existiram testemunhas presenciais, os depoimentos das testemunhas DD e EE omissos quanto a este aspecto – depoimentos, aliás, indirectos, na medida em que referiram o quer cada um conversou com o arguido, relativamente aos factos acusados – e é inconclusivo o documento fotográfico de fls. 72, pelo que não se poderia concluir pela utilização de tal instrumento pelo arguido,
- quanto ao estado de embriaguez da vítima, à sua roupa descomposta, à pergunta feita pelo arguido resposta daquela, bem como à sua queda pelas escadas, tais factos são apenas afirmados pelo arguido na sua contestação, sendo certo que este, como se referiu, exerceu o direito ao silêncio; por outro lado, os depoimentos, indirectos, das testemunhas seus filhos apenas podem ser atendidos enquanto colocam o arguido no interior da casa, pois que a causa da morte foi, como se viu, esganamento,
- quanto à morte da vítima ter sido uma qualquer pancada causada pela queda, como se referiu, face à causa da morte provada, está aquela situação necessariamente excluída.
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Cumpre pois, apreciar e decidir:
Não se perfila a existência de vícios constantes das alíneas do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal.

Questiona o recorrente a legalidade do depoimento dos filhos do arguido, DD e EE - que considera ser prova ilegal/ilícita, por violar o disposto no art. 129° do CPP e 35 ° nº 1 e 5° do CR Portuguesa, até porque o Tribunal não obteve a confirmação de tal factualidade junto de outras pessoas - dos quais resultou a convicção do tribunal a quo, de que :
- Nos dias 17 ou 18 o arguido se encontrava na sua residência - Ponto 4 dos Factos Assentes da Sentença;
~No decurso de desentendimento, o arguido, munido de um objecto contundente, de características não concretamente apuradas, desferiu diversas pancadas no corpo da FF".
- "Depois, o arguido rodeou com as suas mãos o pescoço da FF, apertou-o de forma ininterrupta, até lhe causar a morte por esganamento. (Ponto 6 dos Factos Assentes da Sentença).
Aduz que o Tribunal extraiu conclusões do silêncio do arguido, negando-lhe de forma efectiva esse mesmo direito ao silêncio, direito esse que lhe é reconhecido pelo art. 61° n° 1 a!. c) e 343 nº 1 do CPP e 32° da CRP.

Vejamos

Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova. – art~128º do CPP.
Porém, conforme artigo 129º do CPP:
1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha
3. Não pode em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais tomou conhecimento dos factos.
Por sua vez, do artigo 343º nº 1 do CPP, resulta que o arguido “tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.”
Sendo certo que os filhos do arguido, supra referidos podiam ter-se recusado a depor como testemunhas nos termos do artigo 134º nº 1 do CPP, não o fizeram e quiseram ser inquiridos.
O Tribunal Constitucional já decidiu – Ac. nº 440/99, de 8 de Julho, proc. nº 268/99, DR, II série, de 9 de Novembro de 1999, que o artigo 129º nº 1 (conjugado com o artº 128º nº 1) do CPP, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal forma não é inconstitucional.
A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.
Como referiu este Supremo, Ac. 25-01-2006, Proc. n.º 184/06 desta Secção, de acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.
É o caso concreto em que os filhos do arguido transmitiram em audiência, e portanto na presença do arguido, a conversa que tinham mantido com o arguido seu pai, em que havia estado em casa, no dia em que a mulher morreu, que a tinha agredido com uma vassoura, que ela tinha caído pelas escadas e que a morte teria sobrevindo a essa queda.
Não houve prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderia contraditar a informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o possa desfavorecer.
O facto de o arguido nada dizer, significa que não podem extrair-se ilações sobre o seu silêncio.
Mas, não significa, que não possam valorar-se os depoimentos de seus filhos, nas condições legais em que foram produzidas, pois que não constituíam provas proibidas por lei, ficavam sujeitas à valoração constante do artigo 355º do CPP, e à livre apreciação nos termos do artigo 127º do CPP, sendo que por outro lado, inclui-se nos poderes de cognição do tribunal, balizado pelos princípios da necessidade, legalidade, adequação e obtenibilidade das provas, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. – artº 340º do CPP.
Inexiste qualquer ilegalidade, mormente a inconstitucionalidade alegada.
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Por outro lado, não foram exclusivamente os depoimentos dos filhos do arguido DD e EE que ditaram a sorte penal do arguido seu pai.
Como refere o acórdão recorrido, “Ao testemunho transcrito havemos de adir o testemunho da PP e QQ para quem o arguido telefonou, a primeira para lhe pedir que chamasse a GNR para ir a sua casa que a FF estava lá morta e para a segunda para que avisasse a sua mãe que fosse lá a casa porque a sua mulher estava lá morta.”
E, quanto ao demais questionado, a Relação de Coimbra, fundamenta pormenorizadamente a fls 929 e 930 do acórdão, no sentido de que “a tentativa do recorrente não desfaz a convioção adquirida pelo tribunal a quo relativamente à causa do crime e à forma como o mesmo foi consumado pelo agente”, nomeadamente escrevendo :
“Os elementos documentais – relatório de autópsia – e os depoimentos conjugados do médico que realizou a autópsia e da perita médico-legal inculcam a ideia, segura, de que a morte da FF sobreveio por força da acção mecânica e da pressão exercida. Com as mãos no seu pescoço.
Conectada com a causa da morte discrepa o arguido da sua autoria. Ninguém viu o arguido em casa, no dia e hora a que, segundo o libelo acusatório, teria ocorrido ou se situa a ocorrência da morte, os depoimentos indirectos, - dos filhos que referem que o pai terá lhes terá dito que tinha estado em casa e aí agredido a mãe, que viria a cair pelas escadas – não podem travejar uma convicção suficientemente consistente que permita situar o arguido no “local do crime” e os demais elementos não permitem uma certeza na imputação da autoria do facto ilícito do agente.
(…)
“A conjugação dos depoimentos das indicadas testemunhas circunstanciais, o depoimento confirmativo da compatibilidade do relatório de autópsia com a causa da morte e o consequente afastamento da causa da morte induzida ou hipotizada pelo recorrente, bem como a confirmação do exame efectuado pelo médico fautor da autópsia, permitem-nos atestar o veredicto do tribunal da 1ª instância, não só quanto á causa da morte mas também quanto à autoria da acção típica.”
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Relativamente ao artigo 358º nº 3 do CPP.
Considera o recorrente que a violação do artigo 358º do CPPenal, consubstancia-se no facto de o arguido/recorrente ter sido condenado pela prática de homicídio simples, quando estava acusada prática do crime de homicídio qualificado, ficando assim, o arguido/recorrente privado de se defender, com uma latitude diversa e crescente conforme a sua importância e significado, Direito este que foi violado (ao não permitir ao arguido apresentar uma nova defesa) ao não ter sido o arguido/recorrente notificado daquela alteração de forma a poder pedir prazo de defesa.
O artigo 358º nº 1 do CPP determina que se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Por sua vez o nº 3 estabelece que o disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Porém o nº 2 do mesmo preceito, diz que ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
Como salienta Maia Gonçalves – Código de Processo Penal, anotado e comentado, 15ª edição, -2005, p. 696, nota 3 -, “não é necessária a comunicação ao arguido quando a alteração da qualificação jurídica é para uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois que o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos construtivos e possibilidade de os contraditar. Aqui podem apontar-se os casos de convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o crime simples (…)”
É pacífica neste sentido, e, já remota, a jurisprudência do Supremo. (v. v.g. Acs de 3 de Abril de 1991 in Col. Jur. XVI, tomo 2, 17; 23 de Março de 1992, in Col. Jur. XVII, tomo 2; 12 de Novembro de 2003 in proc. Nº 126/03 -3ª, SASTJ, nº 75,93; 10 de Março de 2004, proc. Nº 4024/03 – 3ª)

Pelo exposto, o recurso não merece provimento.
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Termos em que, decidindo:

Negam provimento ao recurso e, confirmam o acórdão recorrido.
Tributam o recorrente em 8 Ucs de taxa de justiça


Lisboa, 12 de Setembro de 2007


Pires da Graça (Relator)
Raul Borges
Soreto de Barros
Armindo Monteiro