Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
683/1997.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: CONTRATO DE ARQUITECTURA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO ATÍPICO
LIBERDADE CONTRATUAL
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
CÂMARA MUNICIPAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA E AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE A REVISTA E PROCEDENTE O AGRAVO
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - DIREITOS DE AUTOR - OBRA INTELECTUAL E ARTÍSTICA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA- RECURSOS
Doutrina: - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., II, 90.
- Brito Correia, ROA, ano 54, 587/588.
- Diogo Leite de Campos, Contrato a Favor de Terceiro, Almedina, 161.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1990, 2ª, 165.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, 405.º, 434.º, 444.º, 799.º, 1154.º, 1209.º, 1212.º, 1221.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, N.º1, 668.º, N.º1, ALÍNEAS D) E), 731.º, 762.º, N.º3.
CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR: - ARTIGOS 41.º, 83.ºE SS.
DL N.º 405/93 DE 10/12: - ARTIGO 1.º, N.º4.
PORTARIA DE 7/2/1972.
PORTARIA DE 22/11/74: - ARTIGO 18.º
Sumário :

I - Configura um contrato de arquitectura, o acordo celebrado entre autor e ré, em que a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, no caso, na elaboração de estudo prévio, projecto base e projectos de arquitectura, além da assistência técnica à respectiva execução, com vista à reabilitação de zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, obrigando-se o autor à realização de uma obra intelectual e artística, embora condicionada a critérios previamente definidos, materializada num conjunto de peças desenhadas, que, em si mesmas, são coisas corpóreas.
II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do CC), embora atípico, abrangido pelo princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica.
III - Considerando que a ré se comprometeu a fazer doação à Câmara Municipal de um projecto de reordenamento e valorização da referida zona monumentalizada, tendo adjudicado essa obra ao autor na sequência de concurso, promovido ao abrigo da Lei do Mecenato, do qual este saiu vencedor, não pode deixar de se considerar o contrato celebrado com o autor como um contrato a favor de terceiro, sendo o promitente o autor, a promissária a ré e a beneficiária a Câmara Municipal (arts. 443.º e segs. de CC).
IV - Nesta modalidade de contratos, o beneficiário adquire, desde logo, o direito à prestação, independentemente da aceitação, podendo, por isso, apesar de não ser parte no contrato, exigir do promitente o cumprimento da prestação prometida, nos exactos termos acordados, sem prejuízo de igual direito pertencer, também, ao promissário (art. 444.º do CC); criam-se, assim, dois direitos de crédito de conteúdo igual sobre o mesmo objecto, mas sem que isso implique solidariedade, mas alternatividade.
V - A possibilidade do promissário resolver o contrato por incumprimento do promitente depende da conformação do contrato, sobretudo, do relevo que nele assuma o benefício prometido; não sendo a prestação devida ao terceiro elemento preponderante na economia do contrato, o direito de resolução competirá ao promissário, sem prejuízo do direito de indemnização, que eventualmente seja devida ao terceiro; porém, sendo elemento essencial do contrato a referida prestação, não deve ser permitido ao promissário resolver o contrato contra o interesse do terceiro em mantê-lo em vigor.
VI - Embora a prestação a que o autor se obrigou se traduzisse na realização de uma obra de índole intelectual e artística, para o desenvolvimento da qual sempre se lhe terá de reconhecer ampla liberdade de concepção, o certo é que essa liberdade se encontrava condicionada por Programa Preliminar que definia as linhas mestras a que devia obedecer a elaboração do projecto de arquitectura encomendado, pelo que o autor não cumpriria a prestação a que se obrigou mediante a apresentação dos estudos e projectos que entendesse, em seu exclusivo critério, serem os mais adequados, senão quando as soluções arquitectónicas propostas respeitassem os critérios previamente definidos.
VII - Não tendo o autor respeitado os critérios definidos no Programa Preliminar, cumpre concluir que não cumpriu a sua prestação, tratando-se de um não cumprimento objectivo e definitivo, visto que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual e, mesmo que materialmente possível, deixou de ter interesse para o credor, no referido contexto, perda de interesse que, não tendo a ver com qualquer situação de mora, se afigura perfeitamente justificável e objectivamente atendível, perante o parecer negativo, praticamente unânime, de todas as entidades que formavam a comissão de acompanhamento dos trabalhos do autor e às quais competia dar parecer sobre eles, e face à não reformulação do projecto-base, de acordo com as orientações vinculativas definidas no Programa Preliminar, apesar de a Câmara Municipal ter concedido ao autor prazo suplementar para o efeito.
VIII - Perante o incumprimento definitivo pelo autor, podia a ré resolver o contrato.
IX - O facto da prestação a que o autor se obrigou se subdividir em três fases – elaboração de Estudo Prévio, Projecto Base e Projecto de Execução – não prejudica a unidade da prestação, que consistia na elaboração e aprovação do projecto de arquitectura em causa, visto que se está perante simples fases de trabalho, vulgarmente utilizados em trabalhos de arquitectura, todas complementares e interdependentes umas das outras, orientadas para a produção do resultado final.
X - O critério essencial para a distinção entre um contrato de execução continuada ou periódica e um contrato de execução instantânea, reside na forma como é satisfeito o interesse do credor.
XI - Se, para cumprir a sua obrigação, de modo a satisfazer o interesse do credor segundo o plano contratualmente acordado, o devedor tem de desenvolver uma actividade complexa, que se prolonga no tempo, mas o interesse do credor só será satisfeito a final, aquando da conclusão da obra, trata-se de um contrato de execução instantânea.
XII - É este o esquema contratual no caso presente, em que existe uma prestação única cuja execução se prolonga no tempo, mas o interesse do credor não é satisfeito de forma continuada ou periódica em relação a cada um dos actos de execução que vão sendo praticados pelo devedor; esses actos de execução apenas concorrem para o resultado final e só este é apto a satisfazer o interesse do credor, segundo o programa do contrato.


Decisão Texto Integral:


Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,
AA,
intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
C...P... Petróleos, SA,
alegando muito resumidamente:
- A Ré, ao abrigo da Lei do Mecenato, promoveu concurso para selecção de equipa projectista para elaboração de projecto para a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, de acordo com as intenções e propostas definidas no Programa Preliminar que faz parte do processo do concurso.
- A elaboração do referido projecto foi adjudicado pela Ré ao A., tendo sido celebrado entre ambos o contrato documentado a fls. 90 e seg.
Do programa do concurso e do caderno de encargos (docs. n°s 2 e 3, juntos com a p.i.) constava que o projecto ficava sujeito a aprovação de várias entidades entre as quais a Câmara Municipal de Lisboa (dona da obra).
O cumprimento do contrato, por banda do autor, implicava a colaboração de diversas entidades envolvidas no projecto, designadamente fornecendo os levantamentos das edificações existentes no interior da chamada zona monumentalizada do castelo.
- Sem dispor desses elementos, o autor, por carta de 10/10/1996, comunicou à ré a suspensão do contrato.
- A ré, porém, por carta de 23/10/1996, recebida pelo autor em 25/10/1996, rescindiu - sem fundamento - o contrato celebrado entre ambos.
- Em consequência daquela rescisão tem, o autor, direito a receber da ré:
a) A factura n° 5/95, de 9/9/96, vencida em 9/10/1996, relativa à entrega do anteprojecto no valor de Esc. 16.378.669$00;
b) Juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento daquela factura até integral pagamento;
c) Esc. 16.798.635$00, a título de indemnização sobre o valor total dos honorários (cláusula 16°, n°2, do contrato);
d) Juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia referida em b);
e) Indemnização, a fixar em liquidação de sentença, pelos prejuízos e lucros cessantes por ter ficado impedido de aceitar outros trabalhos, durante a vigência do contrato;
f) Indemnização, não inferior a Esc. 2.500.000$00, pelas despesas feitas com aquisição de material específico para a elaboração do projecto contratualizado, bem como com admissão de pessoal «ad hoc» para a sua concretização;
g) O montante a apurar em liquidação de sentença, correspondente a despesas resultantes da actuação contratual da ré, designadamente em custas e procuradoria.
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2. A ré contestou alegando, em síntese, que, em 19/9/1996, o autor foi informado de que o anteprojecto que apresentara não tinha sido aprovado pelas entidades competentes.
Contudo, recusou proceder às alterações necessárias que pudessem conduzir à sua aprovação.
A falta de elementos referida na petição inicial nenhuma influência teve no trabalho a desenvolver pelo autor, pois só seriam necessários para a elaboração do projecto de execução, fase que não se chegou a iniciar.
Perante a recusa do autor em alterar o Estudo Prévio e o Anteprojecto nos termos do parecer vinculativo do IPPAR, de que lhe foi enviada cópia, a ré, por carta de fls. 359, resolveu o contrato de prestação de serviços que celebrara com o autor.
Deve, pois, ser absolvida do pedido.
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Em reconvenção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe Esc. 16.378.669$00, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos desde 24/10/1996, até integral pagamento.
Como fundamento do pedido reconvencional alega, em síntese, que, no âmbito do contrato celebrado com o autor, já lhe pagou Esc. 16.378.669$00 quantia que, por força da resolução do contrato e do disposto na cláusula 15a, n° 3, do contrato, aquele é obrigado a restituir à ré, com juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da carta de fls. 359, até integral pagamento.
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Deduziu ainda a intervenção acessória provocada passiva do "Município de Lisboa" e da "EBAHL - Equipamentos dos Bairros Históricos de Lisboa" (actualmente "EGEAC, Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, EM"), alegando que, em caso de procedência da presente acção, lhe assiste direito de regresso contra as chamadas.
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3. Foi admitida a intervenção requerida (despachos de fls. 920 e 924).
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4. As intervenientes apresentaram contestação (cf. fls. 928 e 999).
4.1. Na sua contestação, o Município de Lisboa, defendendo-se por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial, a incompetência absoluta do Tribunal, a sua falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade passiva; por impugnação, alegou que toda a documentação necessária para a elaboração das duas primeiras fases - Estudo Prévio e Anteprojecto - foram entregues ao autor. Este, porém, não procedeu em conformidade com o Programa Preliminar que se obrigara a respeitar, nos termos contratuais, pelo que o anteprojecto que elaborou obteve pareceres negativos de todas as entidades intervenientes, sendo o do IPPAR vinculativo.
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4.2. A "EGEAC, Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M." (ex-EBAHL) invocou a excepção de ilegitimidade passiva e, defendendo-se por impugnação, alegou que o autor não cumpriu os objectivos definidos no programa contratual pelo que, em qualquer caso, a acção deve improceder.
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5. O autor replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. Pediu ainda a condenação da ré, como litigante de má fé.
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6. Foi apresentada tréplica. Por despacho de fls. 1025, ao abrigo do disposto no art. 503°, n° 1, do CPC, foi ordenado o seu desentranhamento, com o fundamento de que na réplica o autor não modificou o pedido nem a causa de pedir, nem se defendeu por excepção, no que respeita ao pedido reconvencional.
7. Inconformada com este despacho, a ré interpôs recurso de agravo, o qual foi admitido com subida diferida (tal recurso veio a ser julgado improcedente, não estando aqui em causa tal matéria).
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8. Foi elaborado despacho saneador, julgando improcedentes as excepções invocadas (nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, incompetência absoluta do tribunal, falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva). Foi ainda fixada a matéria assente e organizada a base instrutória.
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9. Foi realizado o julgamento.
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10. No decurso de uma das sessões de julgamento, o autor requereu se procedesse à acareação das testemunhas BB e CC, por alegada contradição entre os seus depoimentos - cf. acta de audiência de fls. 1705 (Vol. IX).
11. Por despacho proferido em acta, foi indeferida a acareação.
12. Inconformado, agrava o autor, recurso que foi admitido com subida diferida (recurso julgado improcedente e que aqui não interessa considerar).
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13. A final, foi proferida sentença (aclarada, posteriormente, por despacho de fls. 2102, vol XI) que:
- Julgando improcedente a acção, absolveu a ré do pedido;
- Julgando procedente o pedido reconvencional, condenou o autor a pagar à ré o montante de EUR 81.696,46 (correspondente a Esc. 16.378.669$00), acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 24/1/1996 até integral pagamento (sendo os vencidos até 31/10/2008, no valor de EUR 61.348,45).
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Inconformado, recorreu o A.
A Relação, conhecendo da apelação, julgou-a parcialmente procedente, condenando o A. a pagar à Ré 68.273,80 € (13.687.669$00) acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, confirmando, no mais a sentença recorrida.
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Do acórdão da Relação, interpôs a Ré C... recurso de agravo e o A., recurso de revista.
Contra-alegaram o chamado Município e a Ré C....
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Conclusões
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Oferecidas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:
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Conclusões do Agravo da Ré C...
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A) O fundamento do presente recurso reside no facto de o Acórdão recorrido se ter pronunciado sobre questões que não foram postas à sua consideração, tendo havido assim um excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, em violação do disposto no art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C.
B) Com efeito, no acórdão proferido por aquele Venerando Tribunal, foi o Autor-Recorrido absolvido do pagamento de juros de mora sobre o montante de €68.273,80, (correspondente ao valor de ESC. 13.687.669$00), relativamente ao período decorrido entre a data do envio da carta de 24 de Outubro de 1996 e a data da notificação ao Autor da contestação com reconvenção apresentada pela Ré-Recorrente, tendo sido igualmente absolvido da restituição da quantia de € 13.422,66 (correspondente ao valor de ESC. 2.691.000$00).
C) Sucede, contudo, que tais questões não foram abordadas pelo Autor-Recorrido nas suas alegações de recurso, nem foram por este peticionados os efeitos resultantes do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, limitando-se, o mesmo, a alegar a invalidade da resolução do contrato operada pela Ré-Recorrente.
D) Ora, nos termos dos preceitos do C.P.C, supracitados, são as alegações do Recorrente que fixam os limites do objecto do recurso, e quais as questões a serem reanalisadas pelo Tribunal ad quem.
E) Pelo que se verifica que o tribunal ad quem extravasou largamente o âmbito e o objecto do recurso interposto pelo Autor, o qual ficou delimitado pelas conclusões das alegações de recurso por si apresentadas, havendo, pois, um excesso de pronúncia por parte daquele Tribunal, nos termos do art. 668.°, n.° 1, ai. d) do C.P.C., sendo, pois, o acórdão proferido nulo.
F) E, em consequência, deve a matéria erradamente considerada pelo Tribunal ser considerada como transitada em julgado.
G) Por outro lado, o acórdão da Relação de Lisboa deve ser reformado, porquanto, constam do processo documentos que implicam decisão diversa da proferida, os quais, por lapso manifesto, não foram tomados em consideração pelo juiz.
H) Com efeito, no acórdão proferido pelo tribunal ad quem, este manteve a decisão de condenação do Autor-Recorrido a pagar à Ré-Recorrente juros de mora até integral pagamento, mas apenas desde a data da citação do pedido reconvencional apresentado pela segunda, e não desde a data de 24 de Outubro de 1996, conforme a sentença recorrida, e apenas relativamente à quantia de €68.273,80 (correspondente ao valor de ESC. 13.687.669$00), e já não relativamente à quantia de €13.422,66 (correspondente ao valor de ESC. 2.691.000$00).
I) Para tanto, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que não foi efectuada prova de que a Ré-Recorrente houvesse solicitado ao Autor-Recorrido a devolução das quantias em dívida.
J) Sucede, no entanto, que o Autor-Recorrente foi interpelado pela Ré-Recorrida para a restituição das quantias em dívida, não apenas aquando da notificação da contestação com pedido reconvencional, mas logo no dia 23 de Outubro de 1996, data em que a Ré-Recorrente procedeu à resolução do contrato celebrado com o Autor-Recorrido, através de carta enviada para este, na qual lhe comunicou ainda que este deveria, "de imediato, restituir as importâncias recebidas nos termos do mesmo ".
K) Ademais, tal como consta da matéria assente na sentença proferida em primeira instância, a carta referida na alínea anterior foi recebida pelo Autor-Reconvindo, conforme decorre do Ponto AJ) da Matéria de Facto, não contestado por aquele.
L) A não consideração da carta de resolução, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, deve ser considerada como um lapso manifesto, devendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ser reformado em conformidade, condenando-se o Autor-Reconvindo a pagar juros de mora desde a data em que foi interpelado pela Ré-Reconvinte C... para devolver as quantias que esta lhe havia pago no âmbito do contrato celebrado entre as duas partes.
M) No que ao pagamento da quantia de € 13.422,66 concerne, cuja devolução a Ré-Reconvinte C... peticionou nos artigos 211.° a 216.° do seu pedido reconvencional, o mesmo encontra-se igualmente documentado nos autos, através dos Docs. n.° 11 e 12 juntos com a contestação.
N) Mas mais: o pagamento daquele montante decorre expressamente do contrato para elaboração de estudo prévio, projecto base, projectos de arquitectura e respectiva assistência técnica às obras, e refere-se ao pagamento inicial a realizar no acto da assinatura do contrato, conforme consta expressamente da Cláusula 12ª , n.° 1, alínea do Contrato, através da qual devia ser realizado um pagamento de 10% do valor da adjudicação.
O) Ora, tendo a adjudicação o valor base de ESC. 23.000.000$00, o pagamento inicial com a assinatura do contrato foi de 2.300.000$00, acrescido de IVA à taxa legal, não tendo, em momento algum, sido posto em causa pelo Autor-Reconvindo o pagamento de tal quantia.
P) Todos os elementos ora mencionados têm o valor de documento e meio de prova plena, de acordo com o disposto no artigo 376.° do Código Civil, pelo que a sua desconsideração pelo Tribunal da Relação de Lisboa representa um lapso manifesto.
Q) Em face do exposto, considera-se que constam do processo documentos que implicam, necessariamente e por si só, uma decisão diversa da proferida no acórdão do Venerando Tribunal da Relação, motivo pelo qual deve ser reformado.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem determinar:
A) A nulidade do acórdão por violação do disposto na alínea d) do n.° 1 do art. 668° do C.P.C., mantendo-se relativamente ao Autor Reconvinte a decisão condenatória proferida em Primeira Instância;
B) A reforma do acórdão, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 669.° do CPC, aplicável ex vi n.° 1 do art. 716° do CPC, ordenando-se o pagamento de juros de mora, até integral e efectivo pagamento, desde a data da interpelação para pagamento, ou seja, desde 24.10.1996, bem como a condenação do Autor-Reconvindo no pagamento à R. da quantia de € 81.696,46, correspondente a €13.422,66 mais €68.273,80.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, farão Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, o que é de inteira JUSTIÇA!
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Conclusões da Revista do A.
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A. O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 406.°, 432.°, 434.°, 762.° e 808.°, do Código Civil, razão pela qual entende ser a presente revista admissível.
B. De várias cláusulas do Contrato dos autos resulta que o mesmo é regulado, em alguns aspectos, por normas decalcadas do regime jurídico das empreitadas de obras públicas.
C. Por outro lado, ex vi cláusula 20ª do Contrato o Recorrente transmitiu, definitivamente, à Recorrida C..., todos os direitos de propriedade intelectual sobre as peças que criou e produziu, pelo que este aspecto deverá ser regulado pelo Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.
D. Atenta a faculdade de publicar as peças produzidas pelo Recorrente, trata-se de um contrato de edição, regulado pelos artigos 83° e seguintes do citado Código (dos quais consta um preceito especial para a resolução do contrato, artigo 106° desse Código).
E. Essa transmissão de direitos operou automática e imediatamente, nos termos da cláusula 20ª, n° 1, do Contrato.
F. Posto que o Recorrente entregou o Estudo Prévio e o Projecto Base, automática e imediatamente transmitiram-se os referidos direitos de autor a favor da Recorrida C....
G. Com fundamentos nos aspectos referidos, o Contrato dos autos deverá ser qualificado como um contrato misto, com elementos de um contrato de empreitada, de um contrato de prestação de serviços, de um contrato de transmissão de direitos de autor e de um contrato de edição, com uns laivos de obra pública.
H. Mal andou o Tribunal a quo, ao reconhecer que a Recorrida C..., ao abrigo da cláusula 15ª do Contrato, operou licitamente a resolução do Contrato, por motivo imputável ao Recorrente, e que este incorria na obrigação, prevista na cláusula 15ª, n°3, do Contrato, de devolver as verbas que recebera.
I. A Recorrida C... resolveu o Contrato ao abrigo do disposto no n°2 da cláusula 15ª do Contrato, alegando como fundamento, a não aprovação do Estudo Prévio e do Anteprojecto pelas entidades competentes, nos termos exigidos pelo ponto 5 do Programa de Concurso e pelo não acatamento do estabelecido no Programa Preliminar e das orientações da comissão de acompanhamento.
J. Nos termos da lei, designadamente do artigo 342.°, n.°l, do Código Civil, e da cláusula 15ª do Contrato, especialmente do seu n°l, cabe à Recorrida C... o ónus de provar a verificação dos fundamentos constitutivos do seu pretenso direito a resolver o Contrato, alegados na carta de resolução.
K. Nos termos da cláusula 15ª, n.° 2 do Contrato, os alegados incumprimentos que a Recorrida imputa ao Recorrente apenas são passíveis de se subsumir, em tese, na alínea c) da cláusula transcrita.
L. Na carta de resolução enviada pela Recorrida C... (de fls. 359 a 361), esta última erigiu como principal fundamento a violação do ponto 5 do Programa de Concurso, o qual, na versão da Recorrida C..., exigia que "todos os trabalhos a realizar por V. Ex.ª e sua equipa ficaram sujeitos à aprovação da Câmara Municipal de Lisboa e respectivas entidades competentes.". Só que essa afirmação, basilar para todo este processo, é falsa.
M. Efectivamente, os projectos de arquitectura e das especialidades, interiores e exteriores, estavam sujeitos à aprovação da Recorrida, Câmara Municipal de Lisboa e respectivas entidades competentes.
N. Contudo, o Estudo Prévio e o Anteprojecto não estavam, como resulta do confronto entre as alíneas do ponto 5 do Programa de Concurso que, ex vi cláusula 3ª, n° 6, do Contrato, faz parte integrante do mesmo.
O. Em segundo lugar, na mesma carta de resolução, alega ainda a Recorrida C... que o Recorrente não acatou, nem o estabelecido no Programa Preliminar, nem as orientações da comissão de acompanhamento, o que não ficou provado.
P. Os pareceres negativos, designadamente o do IPPAR que vieram mencionados na carta de resolução, continham críticas que não evidenciam nenhum incumprimento culposo das obrigações que impendiam sobre o Recorrente.
Q. Do exposto resulta, portanto, que os fundamentos alegados pela Recorrida C..., na sua carta de fls. 359 a 361, eram inexistentes, pelo que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 432.° do Código Civil ao considerar que a resolução do contrato, operada pela Recorrida C..., foi lícita.
R. Ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, não resulta provado que a Recorrida C... tenha, em algum momento, concedido ao Recorrente qualquer prazo adicional para o que quer que fosse.
S. O Tribunal a quo entendeu que a alegada incapacidade técnica de uma parte em observar as suas obrigações configura um acto voluntário do devedor, que se traduz na recusa do cumprimento das ditas obrigações, o que contraria a jurisprudência superior, que defende que "Só a recusa, absoluta e inequívoca, de cumprimento, através de declaração séria, categórica e definitiva, ou comportamento inequívoco evidenciador da vontade de não cumprir, configura hipótese de incumprimento definitivo que dispensa interpelação, notificação admonitória ou prova, pelo credor, da insubsistência do seu interesse no cumprimento." Da factualidade julgada provada, não nos é possível concluir que o Recorrente recusou cumprir as obrigações a que se vinculou, nos termos propugnados pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que se afigura incorrecta a argumentação utilizada pelo Tribunal a quo e, consequentemente, a aplicação do disposto no artigo 808.° do Código Civil.
T. Não resulta da cláusula 9ª do Contrato que a não observância desses prazos configure uma situação de incumprimento definitivo, pelo que também neste ponto carece o Tribunal a quo de razão, verificando-se, mais uma vez, que aplicou incorrectamente o disposto no artigo 808.° do Código Civil.
U. Ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo, nenhum dos factos dados como provados, designadamente os 23., 24., 26., 27., 28., 30., 31., 36. e 39, com base nos quais o Tribunal a quo suporta a sua argumentação, integra qualquer das alíneas da cláusula 15ª do Contrato.
V. A factualidade apurada não permite concluir que houve perda do interesse na prestação a ser executada pelo Recorrente, nos termos do artigo 808.° do Código Civil, pelo que o Tribunal a quo faz uma interpretação incorrecta do referido preceito. Senão vejamos.
W. O simples decurso do tempo, ainda que implique a violação de um prazo contratual, sem que as partes tivessem acordado, ab initio, que o incumprimento desse prazo determinava de imediato o incumprimento definitivo do contrato, não releva para efeitos da perda de interesse prevista no artigo 808.° do Código Civil.
X. Não resulta da factualidade julgada provada que o eventual desrespeito pelos prazos parcelares ou globais previstos no contrato, consubstanciavam uma situação de incumprimento definitivo por parte do Recorrente, tal como parece propugnar o Tribunal a quo.
Y. O Tribunal a quo não esclarece em que medida é que o negócio ficou destruído. Só assim seria, se os vários pareceres negativos emitidos pelas entidades identificadas nos presentes autos, fossem inultrapassáveis/derradeiros. Ora, tal não era o caso, pelo que a mora (nas palavras do Tribunal a quo: o retardamento), não pode configurar uma situação de incumprimento definitivo.
Z. A Recorrida C..., limitando-se a acolher a sugestão de resolver o Contrato, sem mais, violou a obrigação de envidar todos os esforços para o manter, a que estava vinculada nos termos da lei geral e do Contrato, mormente pelo disposto na cláusula 23ª. Nos termos da lei e do Contrato, estava vinculada a envidar todos os esforços para o manter. A Recorrida tinha de ter conversado com o Recorrente, expor-lhe a situação e as críticas de que era alvo o seu Anteprojecto e exigir-lhe, se necessário fosse, um novo projecto ou, no mínimo, a sua revisão.
AA. A Recorrida tinha, nos termos da cláusula 9ª, n°4, do Contrato, de solicitar rectificações no prazo de 15 dias, após a entrega do anteprojecto. Só que, em vez de adoptar esse comportamento de Boa Fé e transparência, informando e criticando construtivamente, a Recorrida C... deu o facto por consumado: informou e, no mesmo momento, anunciou a intenção de resolver o contrato, sem dar hipótese ao Recorrente para dialogar e tentar corrigir o que estivesse errado ou não servisse a finalidade pretendida.
BB. O conteúdo dos pareceres juntos não constituía um obstáculo definitivo e incontornável.
CC. As críticas contidas nos referidos pareceres aos trabalhos apresentados pelo Recorrente, não evidenciam nenhum incumprimento culposo das obrigações que sobre ele impendiam.
DD. Não resulta dos autos que a Recorrida C... tivesse realizado a interpelação admonitória exigida pelo artigo 808.° n.° 1 do Código Civil, pelo que, em momento algum, se poderia ter entendido que uma eventual mora no cumprimento das obrigações, por parte do Recorrente, que não se aceita, determinou o incumprimento definitivo do Contrato por parte do Recorrente. Pelo que se verifica que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o artigo 808.° do Código Civil aos presentes autos, pelo que tem necessariamente de se concluir que a resolução do Contrato pretendida pela Recorrida C... era ilícita, bem como todas as consequências e efeitos subsequentes que pretendesse alcançar.
EE. Antes de a Recorrida poder resolver o contrato, por causa de questões relacionadas com projecto, teria, anteriormente, que observar uma série de procedimentos que, no caso concreto, não foram observados, o que implica que a resolução do Contrato em análise seja necessariamente ilícita.
FF. De acordo com o regime das empreitadas de obras públicas ou privadas, conjugados com a Cláusula 9º, n° 5, do Contrato, em relação às peças entregues pelo Recorrente, a Recorrida C... tinha 15 dias para solicitar rectificações. Caso nada solicitasse, dever-se-ia considerar aprovada a peça entregue. Ora, como nada disse, durante o período de 15 dias que sucedeu à entrega dos trabalhos, estes dever-se-ão considerar aprovados.
GG. À mesma conclusão se chegará, se se aplicarem as regras do mandato. Com efeito, o artigo 1163° do Código Civil estatui que, uma vez comunicada a execução do mandato, o silêncio, por tempo superior àquele em que teria de se pronunciar, segundo os usos, vale como aprovação. Posto que as partes acordaram 15 dias para a Recorrida C... solicitar rectificações às peças produzidas pelo Recorrente, se aquela nada dissesse durante esse prazo, os trabalhos entregues dever-se-iam considerar aprovados. Como a Recorrida nada disse, os trabalhos entregues foram aprovados.
HH. Se era necessária a aprovação pela Recorrida C... dessas peças para se passar às fases seguintes, como parece resultar do disposto na Cláusula 9ª, n.° 5, do Contrato, a verdade é que a Recorrida, devidamente informada, remeteu-se ao silêncio. E a parte no Contrato, sobre quem recaía tal ónus, era a Recorrida C... e não a Câmara Municipal de Lisboa, nem qualquer outra entidade. Pelo que, nos termos do Contrato e da lei, a consequência só pode ser a de esse silêncio valer como aprovação. E, a verdade é que se passou da fase do Estudo Prévio à da elaboração do Projecto Base, sem que a Recorrida se tenha manifestado em sentido contrário.
II. As partes pretenderam preservar a continuidade do Contrato, através de alterações ao trabalho executado. Na economia contratual, a extinção do contrato, designadamente através da respectiva resolução, seria o mecanismo derradeiro, depois de esgotadas as vias consensual ou unilateral de proceder às alterações ao trabalho produzido pelo Recorrente.
JJ. Nos termos da cláusula 12ª do Contrato, resulta que a execução e continuidade do Contrato não dependiam da aprovação dos trabalhos. Logo, a falta de aprovação não daria lugar à extinção do Contrato.
KK. Do n.° 3 da Cláusula 14ª ressalta, uma vez mais, que o pagamento dos honorários reporta-se a cada fase e que o direito a recebê-los, depende apenas da respectiva entrega e não da sua aprovação. Dispõe esta estipulação contratual, que a suspensão por mais de 90 dias em cada fase do projecto, conferia ao Recorrente, se essa suspensão não lhe tivesse sido imputável, o direito a receber os honorários das fases já entregues e da fase em elaboração. Daqui resulta o sinalagma estabelecido entre a entrega dos trabalhos respeitantes a cada fase, e o preço do contrato.
LL. No n.° 6 da mesma Cláusula, prevê-se que a Recorrida C... podia suspender o Contrato em caso de incumprimento das disposições do mesmo (n° 6, c)). Dado que a cláusula 15ª, n.° 2, alínea c), também prevê que a Recorrida C... tinha direito a resolver o Contrato em caso de incumprimento do mesmo, verifica-se que a mesma situação se subsume em duas estipulações diferentes, uma que prevê uma reacção provisória (a suspensão) e outra, mais radical, que prevê uma reacção definitiva (a extinção do contrato através de resolução).
MM. A Recorrida C... não podia, a seu bel-prazer, e de modo arbitrário, escolher, perante a mesma situação, entre uma reacção mais suave e uma mais violenta. A aplicação tem de obedecer a um critério justo, que trate com equilíbrio as situações em causa. Em face de um incumprimento, o credor terá de suspender e, apenas numa segunda fase, se a suspensão não for remédio suficiente, poderá lançar mão da resolução.
NN. Da análise da cláusula 18ª do Contrato, conclui-se que as partes pretendiam salvaguardar a continuidade do Contrato. Mesmo havendo erros graves no projecto, que pusessem em causa a finalidade a que se destinava, as partes ajustaram um mecanismo que permitisse, facilmente, obter as alterações necessárias. Ou acordavam nessas alterações ou, não sendo possível acordar, ou havendo falta de cumprimento do prazo na entrega das alterações, a Recorrida podia avocar a si essa faculdade, procedendo às necessárias alterações. Daqui resulta que as partes pretenderam dotar-se de instrumentos contratuais que evitassem a extinção do Contrato e que facilitassem as alterações ao Projecto.
OO. Se se enquadrar sistematicamente este mecanismo na economia contratual, a cláusula 23ª do contrato impunha às partes que envidassem todos os esforços para salvaguardar o contrato, em homenagem ao Princípio de Continuidade, obrigação que não foi observada pela Recorrida C....
PP. Na hipótese de incumprimento por parte da Recorrente, fosse qual fosse o tipo contratual a que se recorresse, a resolução operada não teria efeito retroactivo.
QQ. A prestação dos serviços em causa, que se reconduz à elaboração e fornecimento de documentos e prestação de assistência técnica, traduz, na senda do propugnado por Jacinto Rodrigues Bastos, a existência de "tantos contratos independentes quantas as respectivas prestações, e daí que a parte já cumprida se tenha como um contrato executado, e, portanto, não abrangido pela resolução".
RR. O Contrato dos autos é um contrato de execução continuada, pelo que, nos termos do artigo 434°, n.° 2, do Código Civil, a regra é a de que a resolução não tem efeito retroactivo.
SS. O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 434.°, n.° 2, do Código Civil.
TT. Relativamente a cada uma das peças especificadas, à medida que o Recorrente as produzia e entregava, ocorria a transmissão das mesmas. Ora, os pagamentos efectuados remuneraram parcialmente essas transmissões, pelo que não podem ser devolvidos por efeito da resolução. O sinalagma deste Contrato estabeleceu-se entre as quantias pagas e a imediata transmissão dos direitos de autor sobre as peças do projecto produzidas e entregues: uns são a razão de ser recíproca dos outros.
UU. Logo, a obrigatoriedade de devolução dessas quantias, consignada na cláusula 15ª, n.° 3, em caso de resolução, viola a reciprocidade referida, tanto mais que, como no caso vertente, a Recorrida C... se locupletou com os direitos de autor que lhe foram imediatamente transmitidos.
VV. O Acórdão a quo violou, por tudo quanto acima se disse, as cláusulas do Contrato, especialmente as cláusulas 14ª, 15ª, 16ª e 23ª, e os artigos 236° e seguintes, 406.°, 434.°, n.°2, 762.° e seguintes, 1172.°, 1221.°, do Código Civil, e 170.°, 216.°, do Decreto Lei n.° 405/93, de 10 de Dezembro.
WW. O comportamento da Recorrida C... é, por outro lado, gravemente atentatório do princípio da Boa Fé.
XX. Com efeito, sobre os sujeitos jurídicos impende o dever de, quer nos preliminares de um contrato, quer no decurso da sua execução, actuarem de acordo com os ditames da boa fé, designadamente, de acordo com o princípio da tutela da confiança.
YY. A Recorrida C... criou no Recorrente a legítima convicção de que o Contrato dos autos fora celebrado de acordo com as exigências legais e estando reunidos todos os elementos para que o mesmo pudesse ser cumprido. Como se provou, tal não correspondia à verdade.
ZZ. Designadamente, a Recorrida C..., não informou o Recorrente do entendimento do IPPAR, expresso, ainda, na fase de Concurso, sobre os termos desse mesmo Concurso.
AAA. Por outro lado, conhecendo a Recorrida C... os termos em que estava a ser executado o Contrato (e conhecia-os desde o primeiro momento, uma vez que o Recorrente sempre informou a Recorrida C... dos mesmos), esta não poderia resolver o Contrato, porquanto, estaria a violar o subprincípio da tutela da confiança: ao não ter imputado ao Recorrente qualquer incumprimento do Contrato, ao ter sido informada da necessidade de obter elementos essenciais à execução do Contrato e nada ter dito sobre os mesmos, ao ter sido confrontada com os entraves identificados pelo Recorrente à execução do Contrato, ao ter-lhe sido solicitada uma reunião urgente para analisar todos estes aspectos e nada ter dito, ao ter sido confrontada com uma suspensão do Contrato e, uma vez mais, nada ter dito, a Recorrida violou a Boa Fé, gerando no Recorrente a confiança de que o Contrato estava a ser cumprido e que esta mesma Recorrida nada tinha a imputar ao Recorrente.
BBB. Pelo que, ainda que assistisse à Recorrida C... o direito a resolver o Contrato dos autos, o que não se concede, este Tribunal deverá considerar o exercício desse direito abusivo, conforme dispõe o artigo 334.° do Código Civil.
CCC. O Acórdão ao ter julgado lícita a resolução operada pela Recorrida C..., violou não só os artigos 798.° e seguintes do Código Civil, como violou os artigos 227.°, 762.°, n.°2, e 334.° do Código Civil.
DDD. Ao resolver o Contrato, torna-se inequívoco que a Recorrida C... não o pretendia cumprir. Assim, a Recorrida C... incumpriu culposamente o Contrato, violando o artigo 406.° do Código Civil. Nessa medida, a Recorrida C... terá que responder perante o Recorrente pelas consequências do seu inadimplemento, ao abrigo do disposto nos artigos 798.° e seguintes do Código Civil.
EEE. Assistem, assim, ao Recorrente os direitos a exigir o pagamento da factura n.° 5/95, acrescida de juros, bem como a ser indemnizado nos termos peticionados na P.I., que aqui se dão por reproduzidos.
Nestes termos e nos demais de Direito doutamente supridos por V. Excelências, concedendo provimento ao presente recurso de revista e revogando o Acórdão em crise, cumprirão Vossas Excelências, Ilustres Conselheiros, a lei, assim fazendo a costumada e sã Justiça.
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Os Factos
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Na apelação o A. impugnou inúmeros pontos de facto tidos por provados na 1ª instância.
Na sua reapreciação das provas, a Relação alterou alguns desses pontos de facto, fixando a seguinte factualidade:
1) A Ré C... promoveu um concurso ao abrigo da Lei do Mecenato, tendo por objecto a selecção de Equipa ou Gabinete projectista para elaboração de projecto para a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, em Lisboa.
2) Por fax de 27.05.96, que faz fls. 261, dos autos, a ré C... comunicou ao Autor a intenção de lhe adjudicar a elaboração do projecto para a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge.
3) Na sequência da adjudicação referida no quesito anterior é celebrado o acordo referido no quesito I).
4) O Autor acordou com Ré C..., em 3 de Junho de 1996, nos precisos termos do documento junto aos autos a fls. 89 a 100.
5) Do acordo referido no quesito anterior fazem parte integrante os documentos juntos aos autos a fls. 101 a 248.
6) Em 04.06.96, teve lugar a primeira reunião conjunta do Autor e sua equipa no Gabinete do Departamento Camarário Plano Integrado do Castelo (PIC) na presença de representantes da EBAHL (Equipamentos dos Bairros Históricos de Lisboa).
7) Na reunião referida na alínea anterior a representante da Câmara Municipal de Lisboa esclareceu que o programa do concurso era já o resultado da consulta às várias entidades intervenientes no processo - Projecto para a Zona Monumentalizada do Castelo.
8) Todos os projectos de arquitectura e das especialidades ficavam sujeitos à aprovação da Câmara Municipal de Lisboa e respectivos serviços competentes, bem assim como da EPAL, LTE, Portugal Telecom, GOP, ouvidos previamente o Regimento de Sapadores de Bombeiros e o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico.
9) Foram quatro, as entidades a pronunciar-se sobre o projecto de arquitectura e especialidades apresentado pelo autor e sua equipa: IPPAR, OGEMN, GTPIC e EBAHL.
10) O autor solicitou à CML, através do PIC, que lhe fossem abonados os seguintes elementos:
a) Implantação da área de estacionamento na planta geral do conjunto;
b) Fotografias aéreas das várias épocas, desde os anos 40;
c) Plantas, cortes e alçados dos espaços construídos - conjunto Casa Ogival, Casa do Leão.
11) O autor fez diligências tendo em vista a realização do levantamento topográfico da Casa do Leão, Sala Ogival, Sala da Cisterna e Cadeias.
12) Para efectuar o levantamento topográfico anterior, foi ouvida pelo autor a empresa "Nível" que apresentou um prazo de 45 dias para o levantamento clássico e 90 dias para o levantamento estéreo - restituído.
13) A proposta referida no quesito anterior foi veiculada pelo Autor, através de fax de 19/6/96, que faz fls. 278 a 282 dos autos, à Câmara Municipal de Lisboa.
14) O autor tinha o encargo de proceder por si próprio, ou com recurso a outras entidades habilitadas para o efeito, ao necessário levantamento e angariação de alguns elementos.
15) Nada obstava, do ponto de vista da instrução documental e informativa do projecto, a que o autor pudesse desenvolver o trabalho a que estava obrigado.
16) Em 28.06.96, o Autor apresentou formalmente o "Estudo Prévio", que consubstanciava a 1ª fase do Projecto.
17) O Estudo Prévio apresentado pelo autor foi apenas aprovado na sua parte documental, excluindo o orçamento que o integrava.
18) No Estudo Prévio a equipa projectista apresentou essencialmente intenções de projecto, sem apresentação formal, a qual só é definida a nível de Anteprojecto, pelo que não é possível afirmar que essas opções se encontravam delineadas e aprovadas.
19) Na 2ª quinzena de Julho iniciaram-se escavações arqueológicas na "Praça Nova", do conjunto do Castelo de S. Jorge.
20) Em 11.07.96, o Autor enviou à ré C..., e esta recebeu, a carta que faz fls. 291 dos autos, solicitando o pagamento da nota e honorários de Esc. 13.687.669$00.
21) A Ré C... aceitou o montante referido no quesito anterior, pagando o valor indicado.
22) Não havia indicações sobre redes de infra-estruturas (água, esgotos, electricidade, comunicações), localização de postos de transformação eléctrica, potências a prever, tipos de equipamentos.
23) A chamada, Câmara Municipal de Lisboa, sempre anotou informalmente a sua posição de não-aceitação de alguns pormenores defendidos no trabalho do Autor durante a fase que precedeu a apresentação do Ante - Projecto.
24) A Câmara Municipal de Lisboa reivindicou sempre, nas reuniões quinzenais que então se realizavam, a adequação e respeito pelo programa preliminar, sob pena de não vir a ser aprovado o Anteprojecto.
25) Em 02.08.96, o Autor enviou à ré C..., e esta recebeu, a carta que faz fls. 298 a 299 dos autos.
26) Em 9 de Agosto de 1996, é formulado parecer subscrito pela coordenadora do PIC - Câmara Municipal de Lisboa, Clara Vieira e por Helena Pinto, também do PIC, pronunciando-se pela não aprovação do "Anteprojecto.
27) Em 12.08.96, face ao parecer referido no quesito 42), o autor e a sua equipa enviam à Ré C..., e esta recebeu, a carta que faz fls. 300 a 301.
28) Em 13.08.96, o Autor enviou cópia da carta referida no quesito anterior, por fax, ao PIC - Câmara Municipal de Lisboa.
29) Em 14.08.96, a Câmara Municipal de Lisboa, através de CC, Director da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana, enviou ao autor o fax que faz fls. 322 dos autos.
30) Em 16.08.96, o Autor enviou o fax que faz fls. 325 a 326, à Direcção Municipal de Reabilitação Urbana, propondo a seguinte metodologia:
- Apresentação dos elementos complementares, relativos ao anteprojecto e mencionados no fax referido no quesito 57°, quinze dias após a entrega à equipa do autor dos levantamentos do conjunto edificado Casa do Leão e Casa Ogival;
- A equipa do autor continuaria a evoluir para projecto de execução nas restantes áreas da zona Monumentalizada, naquilo que não é dependente da entrega desses elementos;
- A entrega do projecto global, a nível de Projecto de Execução, 20 dias após a aprovação definitiva e global da fase anterior.
31) A Câmara Municipal ao estabelecer o prazo de 10/09 para a entrega do Anteprojecto, visava conceder ao autor o tempo necessário para a apresentação de um anteprojecto reformulado.
32) No ofício do DMRU, foi aposto pelo Vereador do Pelouro, o despacho de "Concordo", datado de 4/9/96.
33) O autor enviou o fax de fls. 331-332.
34) O parecer do IPPAR, relativamente aos prazos do concurso, constitui uma mera tomada de posição sobre aqueles prazos, que se encontravam estabelecidos no Caderno de Encargos, e apenas condicionou a actuação daquele Instituto sobre a escolha da equipa projectista, não tendo prejudicado a sua participação activa na análise dos projectos apresentados.
35) A posição do IPPAR encontrava-se explícita na acta de reunião de apreciação de propostas, de 22 e 23 de Maio de 1996, a qual sempre integrou o respectivo Processo de Concurso.
36) As entidades que emitiram parecer sobre o anteprojecto apresentado pelo autor (IPPAR, DGEMN, CML/PIC e EBAHL), pronunciaram-se pela sua «não aprovação», nos termos constantes do doe. de fls. 334-350, que, para os devidos efeitos, aqui se dá por integralmente reproduzido.
37) A reunião de 19/9/96, que se destinava à apreciação dos elementos complementares do Anteprojecto, limitou-se à constatação que os pareceres do IPPAR e do OGEM sobre os referidos elementos complementares, eram negativos.
38) Na reunião atrás referida, os representantes do OMRU e EBAHL, entidades da Câmara Municipal de Lisboa, presentes na reunião, CC e DD, respectivamente, acrescentaram que a equipa do Autor não tem cumprido de forma cabal com o Programa Preliminar, fundamentalmente no que diz respeito à integração do Bairro do Castelo na Zona Monumentalizada, valorização das preexistências e apresenta uma série de objectos arquitectónicos que não são pedidos no programa.
39) O Anteprojecto de arquitectura e especialidades para a Zona Monumentalizada do Castelo de S. Jorge, apresentado pelo autor, não foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, pelas razões constantes da informação e despacho subsequente de fls. 334 -337 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
40) Em 23.10.96, a Ré C... enviou ao Autor, e este recebeu, a carta que faz fls. 359 a 361 dos autos, comunicando-lhe a rescisão do acordo celebrado em 03.06.96, a solicitação da Câmara Municipal de Lisboa.
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Fundamentação
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Como se vê da revista, pretende o A. que, ao contrário do decidido pelo acórdão recorrido, foi a Ré quem incumpriu o contrato, daí que lhe assistam os direitos peticionados (parte restante dos honorários + indemnização pelo não cumprimento do contrato + juros + IVA + lucros cessantes).
Por sua vez, no agravo, apenas está em causa a quantia que o A. foi condenado a devolver à Ré (honorários já pagos pela Ré), no pressuposto de ter sido o A. o incumpridor.
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É, portanto óbvio que a eventual procedência da revista, inutilizaria o agravo, razão porque, se começa por conhecer do objecto da revista.
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Revista do A.
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Antes de mais, convém recordar a factualidade tida por provada, e que se reputa de essencial para apreciar a questão de saber a quem deve ser imputado o incumprimento do contrato, como para o qualificar juridicamente.
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Vejamos então.
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Está provado que a Ré C... promoveu um concurso, ao abrigo da Lei do Mecenato, para a selecção de equipa projectista, para elaboração de projecto para a zona monumentalizada do Castelo de São Jorge.
Ou seja, como melhor se vê do acordo de fls. 416/421, celebrado entre a Ré C... e a Câmara Municipal de Lisboa, aquela comprometeu-se a fazer doação a esta, de um projecto de reordenamento e valorização da referida zona monumentalizada, compreendendo os projectos de arquitectura e de especialidade, de acordo com o Programa Preliminar anexo, que a C.M.L. entregou à Ré.
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Na sequência deste acordo, a Ré lançou o referido concurso, do qual saiu vencedor o A., razão pela qual a obra a ele foi adjudicada.
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Celebraram, então, A. e Ré, o contrato de 3/6/1996, documentado a fls. 89 e seg. dos autos, que teve como objecto a elaboração de Estudo Prévio, Projecto Base e Projecto de Arquitectura, destinados ao referido reordenamento e valorização da zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, bem como a respectiva assistência técnica à execução das obras necessárias.
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Como resulta do contrato e dos seus anexos, os projectos a desenvolver pelo A. e sua equipa, deviam obedecer, às regras técnicas e regulamentares de carácter geral ou especial, às especificações técnicas emanadas dos organismos oficiais, como ainda às finalidades previamente definidas no Caderno de Encargos e Programa Preliminar aprovado para a referida zona monumentalizada.
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Na execução do contrato, o A. e a sua equipa, elaboraram e apresentaram à comissão de acompanhamento o estudo prévio (em 28/6/96), e que veio a ser aprovado na sua parte documental.
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Nesse estudo prévio, a equipa projectista apresentou, essencialmente, intenção de projecto, sem apresentação formal, a qual só é definida a nível de anteprojecto (pelo que não é possível afirmar que as opções apresentadas no estudo prévio, se encontravam delineadas e aprovadas).
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A CML, sempre anotou, informalmente, a sua posição de não aceitação de alguns pormenores defendidos no trabalho do A., durante a fase que precedeu a apresentação do anteprojecto (projecto base), tendo sempre reivindicado, nas reuniões quinzenais que se realizavam, a adequação e respeito pelo Programa Preliminar, sob pena de não vir a ser aprovado o anteprojecto.
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Em 2/8/96, o A. apresentou o anteprojecto, que igualmente remeteu à Ré – C....
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Em 9/8/96, recaiu sobre o dito anteprojecto parecer, elaborado pelos coordenadores do PIC/CML, pronunciando-se pela sua não aprovação.
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No essencial, o parecer acima referido, põe em causa a componente paisagística, que entende não respeitar o determinado no Programa Preliminar que integra o Processo do Concurso.
Em resumo, conclui que o projecto apresentado deverá ser revisto no que respeita ao paisagismo, tendo em conta os princípios expressos no Programa Preliminar.
E, quanto ao projecto de arquitectura, considera que não contém as informações descritas no Art.º 18 da Portaria de 22/11/74 (ou seja, não continha plantas, alçados e cortes, em escalas apropriadas ..., planta topográfica e perfis do terreno que definam, com exactidão, a implantação do edifício e das infra-estruturas que expressem, com clareza, a sua integração urbana e paisagística), razões pelas quais, nos termos em que foi apresentado, não deve o anteprojecto ser aprovado (cofr. doc. de fls. 316/321, que se reproduz).
*
O A. informou a Ré C... do referido parecer, sugerindo a prorrogação dos prazos, conforme consta do doc. de fls. 300/301, que aqui se reproduz.
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Em 16/8/96, o A. enviou à Direcção Municipal de Reabilitação Urbana, o fax de fls. 325/326, propondo, além do mais a prorrogação dos prazos.
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A CML estabeleceu o prazo de 10/9/96 para a entrega do anteprojecto (corrigido), assim, prorrogando o prazo inicialmente previsto no contrato, visando conceder ao A. o tempo necessário para a apresentação do anteprojecto reformulado.
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O A. apresentou elementos complementares ao anteprojecto de 2/8, ao que parece, em 9/9/96.
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Sobre o referido anteprojecto reformulado, emitiram pareceres negativos as seguintes entidades:
- IPPAR – fls. 338/342 – sobre anteprojecto de 2/8 e
Fls. 438/440 – sobre o anteprojecto reformulado em 9/9.
- DGEMN – fls. 349/350;
- EBAHL – fls. 343/347 e
- CML/PIC – parecer da coordenadora do Projecto Integrado do Castelo, dirigido ao Director Municipal – fls. 335/337.
*
Perante este último parecer e sobre o despacho que sobre ele recaiu, no sentido da não aprovação do anteprojecto reformulado, foi proferida a decisão seguinte:
Concordo. Não aprovo o anteprojecto
96/10/03
(assinatura ilegível)”
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No parecer da coordenadora do PIC, acima referido, pode, entre o mais, ler-se:
“1- O Programa Preliminar prevê que a intervenção acentue a interação entre a zona monumentalizada e a zona habitacional ...
O Projecto acentua a separação entre as duas áreas.
- Estava previsto a utilização do castelejo para «a realização de espectáculos diversos, desfiles de moda, actuações de pequenos grupos de teatro popular etc...».
O projecto propõe uma área considerável ocupada por espaço verde, o que dificulta essa utilização ou mesmo a inviabiliza.
- O Programa Preliminar prevê a valorização do espaço para clarificação das pré-existências.
A proposta de arranjos exteriores ignora-os.
Não foi estudada a cartografia antiga para a definição dos principais eixos estruturantes e clarificação dos espaços.
2- Os novos elementos arquitectónicos propostos – cabana primitiva, pavilhão do espaço de segurança, tanque de espaldar, coroamento dos portões ... – são elementos “estranhos” ao sítio, que não figuram no programa preliminar, e não têm afinidade formal com a arquitectura existente na freguesia.
3- Os representantes das entidades exteriores à CML que integram a Comissão de Acompanhamento, nomeadamente IPPAR, DGEMN e EBHAL, pronunciaram-se no sentido da não aprovação.
Assim e pelo que fica exposto, julgo que não será de aprovar o anteprojecto.
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Do despacho que, recaindo sobre o acima referido parecer, e o submeteu a decisão do Vereador, lê-se, além do mais “... Dado o tempo decorrido e a relutância dos projectistas em acatar as orientações da comissão de acompanhamento não se vê possibilidade de solicitar à mesma equipa um novo projecto. Assim ... proponho a rescisão do contrato que terá de ser pedido à C... ..."
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Mais se provou que o A. tinha o encargo de proceder, por si próprio, ou com o recurso a outras entidades habilitadas para o efeito, ao necessário levantamento e angariação de alguns elementos, nada obstando, do ponto de vista da instrução documental e informativa do projecto, a que o A. pudesse desenvolver o trabalho a que estava obrigado.
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Esta, em síntese, a matéria de facto que importa ter presente.
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Haverá, com base nela e antes de mais, qualificar juridicamente o contrato em causa.
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Estamos perante um dominado contrato de arquitectura, em que a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, no caso, na elaboração de estudo prévio, projecto base e projectos de arquitectura (além da assistência técnica à respectiva execução), com vista ao desenvolvimento do Programa Preliminar estabelecido pelo Grupo de Trabalho do Projecto Integrado do Castelo de S. Jorge, destinado a constituir, juntamente com o caderno de Encargos, o Processo a apresentar a concurso para adjudicação da futura empreitada, e a facultar todos os elementos necessários à boa execução dos trabalhos. Pretendeu-se, em suma, a reabilitação de toda a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, de modo a conferir-lhe legibilidade que realce a dignidade e unidade do espaço, segundo os critérios definidos no Plano do Concurso, Caderno de Encargos, Programa Preliminar e Proposta do A., aceite pela Ré, ou seja, pretendeu-se, nas palavras do próprio A., desenvolver a zona em causa com vista “à melhor fruição paisagística, lúdica e turística”, valorizando as potencialidades patrimoniais e amplificando a sua capacidade emblemática e inspiradora (cofr. Proposta do A.).
Portanto, a prestação a que o A. se obrigou, traduz-se, antes de mais, na realização de uma obra intelectual e artística, embora condicionada aos critérios definidas nos instrumentos referidos, designadamente, no Programa Preliminar, apesar de, naturalmente, se materializar num conjunto de peças desenhadas, que, em si mesmo, são coisas corpóreas.
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Sendo assim, será difícil de conciliar (pelo menos) algumas regras do contrato de empreitada, com este tipo de obra intelectual, designadamente, no que concerne às regras de transferência da propriedade (Art.º 1212º C.C.), visto que sempre terão de ser ressalvadas as excepções decorrentes dos direitos de autor, assim como dificilmente se concilia, com a criação intelectual ou artística, o direito do dono da obra de fiscalizar a sua realização (Art.º 1209º CC), ou mesmo, o direito de exigir a eliminação de defeitos (Art.º 1221º).
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Todavia, a realização de um projecto de arquitectura, para além da criação intelectual e artística, não deixa de obedecer a regras de ordem técnica e, estas, não podem deixar de estar submetidas à fiscalização do dono da obra, e podem, evidentemente, ser objecto de correcção se se encontrarem viciados por erros ou imprecisões de ordem técnica.
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Assim, em casos como o dos autos, estaremos perante um contrato de prestação de serviços (Art.º 1154º do CC), embora atípico, que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará, a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica.
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Por outro lado, tratando-se de obra de índole marcadamente intelectual e artística, pode ter de considerar-se as normas de protecção previstas no C. dos Direitos de Autor.
Mas, então, tendo em conta o que está em causa nos presentes autos (isto é, o cumprimento ou incumprimento do contrato), é oportuna a observação que, a respeito, fez o acórdão recorrido, quando refere que “relativamente à tese que sustenta a aplicação das regras de Direito de Autor, há que notar que estas normas se dirigem essencialmente à protecção do resultado final, pelo que não se vê como possam ser o instrumento normativo de eleição para solucionar problemas atinentes às patologias de uma relação contratual em que um dos titulares se obriga perante outro a atingir um determinado resultado futuro”.
De facto, como observa Brito Correia (ROA, ano 54 – 587/588) “A admitir que o Direito de Autor seria o ordenamento primário de incidência sobre o processo causal (de produção/criação), teríamos de concluir que o contrato pelo qual alguém se obrigaria perante outrem a alcançar certo resultado de ordem intelectual, mas que, no entanto, não fosse cumprido, estaria desprovido de regulamentação ... .
Assim ... deve ser operada uma divisão analítica entre, por um lado, a regulamentação que incide sobre o processo que leva à produção de determinado resultado intelectual e, por outro, a regulamentação que incide sobre esse mesmo resultado intelectual”.
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Ora, no caso, a protecção conferida pelo Código dos Direitos de A. não interfere com a solução que terá de encontrar-se para a questão aqui em análise (cumprimento/incumprimento do contrato).
De qualquer modo, face ao alegado pelo recorrente, convém referir que, o que consta da cláusula 20 do contrato, não põe em causa o direito de autoria das peças arquitectónicas elaboradas pelo A. e a possibilidade de as expor, publicar, reproduzir, divulgar ou utilizar, está devidamente autorizado pelo A., seu criador, nada impedindo que essa utilização seja concedida a título gratuito, como é o caso, visto que a lei apenas presume a onerosidade e o carácter não exclusivo, e essa presunção está ilidida pelos próprios termos do contrato (confr. Art. 41º do C.D. Autor).
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Por outro lado, tal faculdade concedida pelo A. à Ré, por via do contrato, não consubstancia um contrato de edição (ao contrário do alegado genericamente), por não corresponder minimamente à previsão dos Art.ºs 83 e seg. do C.D.A., como facilmente resulta da simples leitura de tais disposições.
Consequentemente, não tem aqui qualquer aplicação a disposto no art.º 106º do referido diploma legal.
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Do que acaba de dizer-se, pode concluir-se, com segurança, que não se está em face de um contrato de empreitada, muito menos de um contrato de empreitada de obras públicas. O A. não é, evidentemente, um empreiteiro, e não se obrigou à realização de trabalhos de construção, reconstrução, reparação, conservação ou adaptação de bens imóveis (confr. Art.º 1º n.º 4 do D.L. 405/93 de 10/12).
Tais trabalhos materiais, pertenceriam ao empreiteiro escolhido pelo dono da obra, para executar o projecto arquitectónico que o A. elaborasse, e não, evidentemente, ao A./arquitecto.
Ora, essa execução material do projecto, é que constituiria uma empreitada de obras públicas, como será óbvio.
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Por outro lado, o facto de no articulado do contrato se conter algumas cláusulas decalcadas do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, não permite qualificar o contrato como tal, nem recorrer à sua disciplina específica, em relação a situações que foram reguladas no contrato, de forma diferente do referido regime jurídico.
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Estamos, como se disse, perante um contrato de prestação de serviços atípico, abrangido, sem dúvida, pelo princípio da liberdade contratual (Art. 405º de CC.), daí a faculdade das partes de lhe darem o conteúdo que melhor lhes aprouver, e, dentro dos limites da lei (que no caso não foram, evidentemente excedidos – cofr. Art.º 280º de CC.-), nele incluir as cláusulas que entenderem.
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Seja como for, pensamos que, no caso concreto, o contrato e seus diversos componentes, contém a regulamentação bastante do regime a que as partes pretenderam sujeitar-se, não sendo necessário recorrer analogicamente às regras específicas do contrato de empreitada ou de mandato.
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Mas noutra perspectiva (e portanto, independentemente da qualificação acima referida), parece que não pode deixar de considerar-se o contrato em causa, como um contrato a favor de terceiro, sendo o promitente o A., a promissária a Ré e a beneficiária a CML (cofr. Art. 443º e seg. de CC.).
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Ora, nesta modalidade de contratos, o terceiro a favor de quem foi convencionada a promessa (isto é, o beneficiário) adquire, desde logo, o direito à prestação, independentemente da aceitação (que, aliás, no caso existe e foi mesmo objecto de acordo prévio, documentado nos autos a fls. 416/421), podendo, por isso, apesar de não ser parte no contrato, exigir do promitente o cumprimento da prestação prometida, nos exactos termos acordados, sem prejuízo de igual direito pertencer, também, ao promissário (Art. 444º do C.C.).
Criam-se, assim, dois direitos de crédito de conteúdo igual sobre o mesmo objecto, mas sem que isso implique solidariedade, mas alternatividade.
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E poderá o promissário resolver o contrato por incumprimento do promitente?
Desde que o direito à prestação se consolidou na esfera jurídica do beneficiário, parece que a resposta dependerá da conformação do contrato, sobretudo, do relevo que nele assuma o benefício prometido.
Assim, não sendo a prestação devida ao terceiro, elemento preponderante na economia do contrato, o direito de resolução competirá ao promissário, sem prejuízo do direito de indemnização, que eventualmente seja devida ao terceiro.
Porém, sendo elemento essencial do contrato a referida prestação, parece que não deve ser permitido ao promissário resolver o contrato contra o interesse do terceiro em mantê-lo em vigor.
Como observa Diogo Leite de Campos (Contrato a favor de terceiro – Almedina – 161 -) “Nos contratos só a favor de terceiro, naqueles em que o promitente se obriga só (ou, pelo menos, principalmente) a uma prestação ao terceiro, para se resolver o contrato será necessário que o beneficiário nisso tenha interesse. O promissário, que agiu em benefício do terceiro, não pode resolver o contrato, pois, o principal interessado é aquele. Embora o terceiro não seja parte e, portanto, não possa dispor do contrato, parece que, neste caso, o seu interesse é decisivo e lhe permitirá tomar decisões que, sob o ponto de vista prático, respeitam essencialmente ao objecto do contrato”.
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No caso, porém, a questão não se coloca, pois, é manifesto que a Ré podia resolver o contrato com fundamento no não cumprimento do A., visto que, não só essa resolução era do interesse da CML, beneficiária, como esta expressamente lho solicitou.
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Fica, assim, qualificado o contrato em causa nos autos, assim como fica justificada a legitimidade, não só da intervenção da beneficiária na fase executiva ou funcional do contrato, como a intervenção resolutiva da Ré.
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É altura de averiguar se ocorreu cumprimento defeituoso ou incumprimento do contrato, por parte do A. e sua equipa, que autorizasse a Ré a resolver o contrato nos termos em que o fez, ou se, ao contrário, foi a Ré ou a C.M.L. quem violaram o contrato, como pretende o A.
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É, de facto, nesta sede, que as questões são equacionadas pelas partes.
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Como se verifica da p.i., o essencial da argumentação do A. vai no sentido de procurar demonstrar que a Ré incumpriu o contrato, não lhe assistindo, por isso, direito de resolvê-lo.
Segundo a sua versão, o A. e respectiva equipa sempre cumpriram o acordo celebrado com a Ré, tanto quanto lhes foi possível.
Se mais não fizeram, foi porque não dispuseram de todos os elementos necessários que lhes permitissem desenvolver plena e regularmente as suas obrigações contratuais.
Ora, essa carência de elementos ficou a dever-lhe a falta de colaboração da Ré e da C.M.L., que os não forneceram ao A., como estavam obrigados a fazer.
Por outro lado, seriam inconsistentes as considerações negativas dos serviços camarários e demais elementos intervenientes, que constam dos pareceres negativos sobre o projecto-base apresentado pelo A., que nunca justificariam a resolução do contrato pela Ré, resolução, que, portanto, foi ilegal e, consequentemente, geradora da obrigação de indemnizar o A. nos termos peticionados.
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Ao contrário, defende a Ré ter sido o A. quem incumpriu o contrato, e nessa base alicerça o seu pedido reconvencional.
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No que se refere à versão do A., que, no essencial foi levada à base instrutória, há que chamar à colação os seguintes artigos da p.i. e os quesitos que lhes correspondem:
— artigos 12 (q. 9.); 25, 26 e 27 (q. 11, 12 e 13; 36 (q. 18); 38 (q. 22); 49 (q. 29); 53 (q. 30); 62 (q. 32 e 33); 66 (q. 35); 69 (q. 36); 72 (q. 37); 73 (q. 38); 74 (q. 39); 84 (q. 43); 85 (q. 44); 86 (q. 45); 87 (q. 46); 142 (q. 47); 146 (q.49); 161 (q. 59); 165 (q. 60); 167 (q. 61); 169 (q. 63); 176 (q. 65); 179 (q. 67); 182 (q.68); 185 (q. 69); e 203 (q. 75) ...
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Acontece que toda essa matéria de facto, apesar de reapreciada em sede de apelação, mereceu no essencial, respostas negativas, o que quer dizer que o A. não provou, como lhe competia, nem a alegada falta de colaboração da Ré ou da C.M.L. (terceira beneficiária da prestação), necessária ao regular cumprimento das obrigações contratuais a que o A. se obrigou, nem a inconsistência das críticas negativas emanadas da Câmara Municipal e das outras entidades que, segundo o contrato e demais anexos, tinham a função de acompanhar e apreciar os trabalhos do A. e sua equipa.
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Ao contrário, o que se provou, foi, no essencial, a factualidade alegada pela Ré e pela Câmara, designadamente, que o A. e sua equipa, dispuseram de todos os elementos documentais e informativos que lhes permitia cumprir cabalmente as obrigações assumidas.
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Está também demonstrado que, embora a prestação a que o A. se obrigou se traduzisse na realização de uma obra de índole intelectual e artística, para o desenvolvimento da qual sempre se lhe terá de reconhecer ampla liberdade de concepção, o certo é que essa liberdade se encontrava condicionada pelo Programa Preliminar, que definia as linhas mestras a que devia obedecer a elaboração do projecto de arquitectura encomendado ao A. para a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, como se vê do Programa do Concurso (cof. ponto 2 – fls. 107 e ponto 19 – fls. 127) e do citado Programa Preliminar (fls. 136 e seg.).
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Significa isto que o A. não cumpriria a prestação a que se obrigou mediante a apresentação dos estudos e projectos que entendesse, em seu exclusivo critério, serem os mais adequados, senão quando as soluções arquitectónicas propostas, respeitassem os critérios previamente definidos no referenciado Programa Preliminar, tal como um pintor que se obrigasse a retratar certa pessoa, não cumpriria a sua prestação apresentando ao credor um quadro representando, por ex., uma natureza morta.
Ora o A., como se vê da sua Proposta (fls. 221 e seg.), aceitou tais condicionamentos, pelo que se obrigou nesses exactos termos.
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Aliás, foi disso repetidamente advertido pela C.M.L., que, embora informalmente, manifestou a sua posição de não aceitação de alguns pormenores defendidos no trabalho do A. durante a fase que precedeu a apresentação do anteprojecto e sempre reivindicou, nas reuniões quinzenais que se realizavam, a adequação e respeito pelo Programa Preliminar, sob pena de não vir a aprovar o projecto base ou anteprojecto.
De resto, perante o anteprojecto entregue pelo A. em 2/8/96, recaiu parecer, subscrito pela coordenadora do PIC (Plano Integrado do Castelo), que, depois de explicitar uma série de razões pelas quais o anteprojecto não se adequa às linhas programáticas do Programa Preliminar, conclui que não deve ser aprovado, antes deveria ser revisto “no que respeita ao paisagismo, tendo em conta os princípios expressos no Programa Preliminar ...”.
E, como resulta dos autos, a C.M.L., concedeu ao A. a prorrogação do prazo para apresentar o anteprojecto revisto, até 10/9/96.
Ora, sendo certo que dentro desse prazo (ao que parece, em 9/9/96) o A. apresentou elementos complementares, o certo é que, a C.M.L., apreciando o anteprojecto revisto, decidiu não o aprovar, porquanto, o Programa Preliminar não foi respeitado em aspectos importantes ... como tudo consta explicitado na matéria de facto provada e acima transcrita.
De resto, as diversas entidades que sobre ele se deviam pronunciar, designadamente o IPPAR, igualmente deram parecer no sentido da não aprovação do anteprojecto, atenta a sua falta de adequação aos critérios obrigatórios previstos no citado Programa Preliminar, sendo certo que o parecer do IPPAR é vinculativo, visto tratar-se de uma intervenção arquitectónica em património cultural classificado como Monumento Nacional.
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Portanto, perante o quadro fáctico provado, e que este S.T.J não pode alterar, deparamos logo com uma decisão camarária que se traduz num acto administrativo definitivo, visto que não consta que dessa decisão o A. tenha recorrido, graciosa ou contenciosamente.
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A C.M.L. tinha legitimidade contratual para apreciar o anteprojecto em causa, dada a sua qualidade de beneficiária da prestação do A. e dona da obra, além de que não podia aprová-lo contra o parecer negativo do IPPAR.
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Por outro lado, a fundamentação do parecer de 26/9/96 (fls. 335/337) e do despacho que sobre ele recaiu e suportam a decisão final do vereador do pelouro de 3/10/96, de não aprovar o anteprojecto, não pode aqui ser posta em causa, dada a sua definitividade e também, porque nada nos autos permite contrariar a sua consistência.
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Consequentemente, não podendo desconsiderar-se as críticas tecidas pelas entidades que constituíam a comissão de acompanhamento do projecto de arquitectura encomendada pela Ré ao A., sobretudo as referenciadas e concretizadas pela C.M.L., dona da obra, e pelo IPPAR (o seu parecer vinculava a própria Câmara, no caso concreto), não pode senão concluir-se que o A., não respeitou, como estava contratualmente obrigado, os critérios definidos no Programa Preliminar, e por conseguinte, não cumpriu a sua prestação de acordo com o programa contratual.
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Diríamos, mesmo, que a tornou impossível, visto que a não aprovação definitiva do anteprojecto, impossibilitou, desde logo, a elaboração do projecto de execução, que mais não é do que a peça arquitectónica elaborada a partir do anteprojecto aprovado pelo dono da obra.
Estamos, portanto, perante um não cumprimento objectivo e definitivo, visto que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual e mesmo que materialmente possível, deixou de ter interesse para o credor, no referido contexto, perda de interesse que, não tendo a ver com qualquer situação de mora, se nos afigura perfeitamente justificável e objectivamente atendível, perante o parecer negativo, praticamente unanime, de todas as entidades que formavam a comissão de acompanhamento dos trabalhos do A. e às quais competia dar parecer sobre eles, e face à não reformulação do projecto-base, de acordo com as orientações vinculativas definidas no Programa Preliminar, apesar de a dona da obra (C.M.L.) ter concedido ao A. prazo suplementar para o efeito, depois do parecer negativo de 9/8/96 (fls. 316/321), que não foi observado pelo A. no anteprojecto revisto ou complementado, apresentado em 9/9/96.
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Não estamos, no caso, perante uma situação de mora (dado a prorrogação do prazo para a apresentação do anteprojecto reformulado, este foi efectuado tempestivamente) que devesse converter-se em incumprimento definitivo através de uma qualquer interpelação admonitória, nem interessa, aqui, distinguir se se trata de cumprimento defeituoso, visto que, tendo sido logo rejeitado o anteprojecto, a situação não se diferencia do não cumprimento puro e simples.
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Ocorreu, pois, ao contrário do alegado pelo A., incumprimento definitivo do contrato.
Tal incumprimento foi ilícito, uma vez que a ilicitude no âmbito da responsabilidade contratual se traduz na desconformidade entre a conduta devida (prestação) e o comportamento observado (confr. A. Varela – Das Obrigações em Geral – 4ª ed. – II – 90), e foi culposo (o que, de resto se presume nos termos do disposto no Art.º 799º do C.C.), visto que imputável ao A., que, atentas as circunstâncias concretas, podia e devia ter agido de modo diferente, uma vez que ficou provado que teve à sua disposição todos os elementos documentais e informativos que lhe permitiriam conceber o projecto encomendado em conformidade com as directivas constantes do Programa Preliminar, e todavia, não respeitou essas directivas, como estava obrigado, apesar de alertado para as observar, e inclusive, de lhe ter sido concedido prorrogação do prazo para esse efeito.
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Está, também, presente, como é óbvio, o necessário nexo de causalidade.
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Assim, é claro que, deparando-se com a situação descrita, podia a Ré resolver o contrato, quer nos termos da cláusula resolutiva expressa constante do contrato, quer ao abrigo das regras gerais do direito dos contratos, sendo certo que os factos materiais fixados pelas instâncias e que a Ré relata resumidamente na sua carta de resolução de 23/10/96 (fls. 359/361), cabem perfeitamente no âmbito do n.º 2 alíneas b) e c) da cláusula do contrato em lide,
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Ficam, assim, rebatidos, na generalidade, as conclusões da revista, restando tecer algumas considerações sobre a particular argumentação contida em algumas delas.
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Vejamos melhor:
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Alega o A. que apenas os projectos de arquitectura e das especialidades interiores e exteriores estavam sujeitos à aprovação da C.M.L. e respectivas entidades competentes, e não já o Estudo Prévio e o Anteprojecto.
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Tal argumentação não pode, seriamente, aceitar-se.
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Resulta evidente de toda a economia do contrato e dos demais elementos que dele fazem parte (Programa do Concurso, Caderno de Encargos, Programa Preliminar e Proposta do A.), que o projecto de arquitectura encomendado, constituía a prestação a que o A. se obrigou.
Todavia, até porque se tratava de uma intervenção arquitectónica muito sensível, a ser implementada numa zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, entendeu-se organizar o trabalho, distribuindo-o por diversas fases, de modo a garantir-se a sua melhor execução em conformidade com as directivas e orientações previstas no Programa Preliminar que obrigatoriamente deviam ser respeitadas.
Para o mesmo efeito, criou-se uma comissão, da qual fazia parte a CML, como dona da obra e terceira beneficiária da prestação do A., com a incumbência de acompanhar todos os trabalhos realizados nas diversas fases e sobre cada uma, dar o seu parecer, cabendo, em última análise, à dona da obra, aprovar cada uma das fases em que o trabalho foi organizado.
Por isso mesmo o contrato estabeleceu que, para execução e concretização do objecto do contrato (ou seja, para a elaboração do Estudo Prévio, Projecto Base e Projectos de arquitectura ...) o A. terá em consideração o estabelecido na Portaria de 7/2/1972 ... (confr. Cláusula 1ª e 2ª n.º 2).
Ora, como resulta expressamente do citado diploma, quer o Estudo Prévio, quer o Anteprojecto (ou Projecto base), estão sujeitos à aprovação do dono da obra (cofr. Art.º 1º n) o) e p) e Art.º 5º e 6º, designadamente).
Aliás, só após tal aprovação é que se passa à fase seguinte, que mais não é do que o desenvolvimento da anterior,
Portanto, é evidente que resulta do próprio contrato que o A. devia submeter à aprovação da CML, dona da obra, quer o Estudo Prévio, quer o Anteprojecto ou Projecto base, como de resto, sempre foi entendido pelo A., como se vê, nomeadamente, da sua proposta, que pressupõe submeter à aprovação da dona da obra cada uma das fases em causa, o que, diga-se de passagem, sempre fez.
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Não há, pois, que confundir o licenciamento final do projecto de arquitectura, para o qual concorrem necessariamente todas as fases anteriores, com a aprovação pela dona da obra de cada uma destas.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões L, M e N.
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Por outro lado, recorde-se que a CML, como beneficiária da prestação a que se obrigou o A., como já se viu, tinha legitimidade para exigir o seu cumprimento nos termos definidos no contrato, com ou sem a colaboração da Ré/promissária, e foi o que, de facto, fez.
Como assim, tendo sido concedido pela CML prorrogação do prazo parcelar para a apresentação do anteprojecto reformulado, nos termos contratuais, não tinha a Ré/promissária de conceder nova prorrogação, aliás não requerida pelo A..
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É, pois, irrelevante o que se diz na conclusão R.
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Quanto à conclusão S, aceita-se que da factualidade provada não pode concluir-se, mesmo tacitamente, ter ocorrido recusa do A. a cumprir o contrato, o que, porém, não prejudica ter-se verificado incumprimento nos termos acima referidos.
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Não está em questão a violação dos prazos contratuais, nem se verifica uma situação de mora que tivesse de ser convertida em incumprimento definitivo, como já se explicitou.
Por outro lado, tendo já o A. sido convidado pela CML a rever o primeiro anteprojecto apresentado em 2/8/96, de modo a conformá-lo com o Programa Preliminar em conformidade com o parecer camarário que sobre ele recaiu, para efeito do que lhe foi concedido o prazo suplementar de 15 dias, é evidente que houve a preocupação de preservar o contrato com a razoabilidade exigível.
Vale aqui o que se disse a respeito da conclusão R.
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De todo o modo, não foram os pareceres negativos que constituíram obstáculo definitivo e incontornável ao cumprimento da prestação. O que, na verdade, evidencia o incumprimento culposo, foi o facto de o A. não ter acatado as orientações contidas no parecer da CML/PIC, que recaiu sobre o primeiro anteprojecto que apresentou em 2/8/96, apesar de lhe ter sido prorrogado o prazo para o reformular.
É que o anteprojecto revisto que o A. apresentou em 9/9/96, continuava a não respeitar as directivas do Programa Preliminar, tendo sido essa reiterada desconformidade que despoletou a decisão de não aprovar tal anteprojecto, como acima se deixou referido.
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Improcedem, assim, as conclusões Z, AA, BB, CC, EE, HH e II.
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A suspensão da eficácia do contrato, prevista no n.º 6 da cláusula 14, é uma mera faculdade que o contrato conferia à Ré e não qualquer obrigação contratual que se lhe impusesse.
Deste modo, é óbvio que a Ré não estava obrigada a suspender o contrato, face ao incumprimento do A.
No caso concreto, perante a posição da CML, beneficiária da prestação do A. e dona da obra, não se vê que fosse exigível à Ré suspender o contrato em vez de o resolver, como lhe fora solicitado pela CML, tanto mais que o A. já tivera oportunidade de conformar o seu anteprojecto com o Programa Preliminar, como várias vezes já foi salientado.
Portanto, perante a decisão definitiva de não aprovar o anteprojecto, justificou-se a opção de resolução, até face à quebra de confiança na equipa projectista, expressamente manifestada pela dona da obra.
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Refira-se, igualmente, que não se encontra na factualidade provada, qualquer violação dos princípios da boa-fé, ou indícios de conduta abusiva por parte da Ré.
Designadamente, a Ré não criou ao A. a convicção de que estavam reunidos todos os elementos para que o contrato pudesse ser rigorosamente cumprido, contra a verdade.
Ao contrário, o que se provou, foi que o A. dispunha de todos os elementos documentais e informativos que lhe permitiam cumprir a prestação a que se obrigara.
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E, também se mostra irrelevante que o A. tenha tido ou não conhecimento do parecer do IPPAR, anterior à fase da adjudicação, visto que esse parecer não teve as consequências alegadas pelo A. na petição inicial (confr. Artigos 193, 194, 195 e 196), porquanto, o que se provou, foi que esse parecer, limitado aos prazos do concurso, não prejudicou a sua participação activa na análise dos projectos apresentados pelo A.
Dito por outras palavras, não foi pelo facto de não concordar com os prazos estabelecidos no programa do concurso para a elaboração dos projectos em causa, que o IPPAR formulou, depois, os dois pareceres negativos, quando apreciou os anteprojectos apresentados pelo A., devendo notar-se que esses prazos foram expressamente aceites por este (A.).
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Improcedem as conclusões LL, MM, NN, OO, PP, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB e DDD.
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Prevenindo a hipótese de se entender, como se entende, que ocorreu incumprimento contratual imputável ao A., vem este alegar que, nem por isso, a reconvenção devia proceder.
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Por um lado, resultaria do texto contratual (cláusula 1ª) que existem tantos contratos independentes quantas as respectivas prestações, e assim, quanto à parte já cumprida (entrega do estudo prévio) se deva ter o contrato como executado, e, portanto, não abrangido pela resolução.
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Mas, por outro lado, deve considerar-se estar em causa um contrato de execução continuada, em relação ao qual, a regra é de que a resolução não tem efeito retroactivo (Art. 434 n.º 2 do C.C.).
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Finalmente, a procedência da reconvenção violaria a reciprocidade das prestações estabelecidas, porquanto, foram logo transferidos para a Ré os direitos autorais, o que, por si só, justificaria os pagamentos já efectuados, que não têm de ser restituídos.
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Facilmente se verifica que não assiste razão ao recorrente.
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O contrato em questão é unitário e não um aglomerado de contratos distintos entre si, como quer o recorrente.
De resto, quanto à questão aqui em causa, isto é, quanto à elaboração do Estudo Prévio, Projecto Base e Projecto de Execução, afigura-se-nos manifesto que não estamos perante três prestações distintas e independentes, mas de uma só prestação, que consistia na elaboração e aprovação do Projecto de Arquitectura para remodelação da zona monumentalizada em causa, de acordo com os critérios previamente definidos no Programa Preliminar existente para a dita zona.
O facto de essa prestação única se subdividir em 3 fases, não prejudica a referida unidade da prestação, visto que se está perante simples fases de trabalho, vulgarmente utilizados em trabalhos de arquitectura, todos complementares e interdependentes umas das outras, orientadas para a produção do resultado final, como é óbvio.
*
Assim sendo, não só cada uma destas fases de trabalho não pode ser considerada como um contrato autónomo, como o contrato em causa também não pode ser qualificado como um contrato de execução continuada ou periódica.
*
O critério essencial para a distinção entre um contrato de execução continuada ou periódica e um contrato de execução instantânea, reside na forma como é satisfeito o interesse do credor.
Deste modo, se, não obstante para cumprir a sua obrigação, de modo a satisfazer o interesse do credor segundo o plano contratualmente acordado, o devedor tem de desenvolver uma actividade complexa, que se prolonga no tempo, como acontece, por ex., no contrato de empreitada, mas o interesse do credor só será satisfeito a final, quando da conclusão da obra, então, estaremos perante um contrato de execução instantânea.
Existe uma prestação única cuja execução se prolonga no tempo, mas o interesse do credor não é satisfeito de forma continuada ou periódica em relação a cada um dos actos de execução que vão sendo praticados pelo devedor. Esses actos de execução apenas concorrem para o resultado final e só este é apto a satisfazer o interesse do credor, segundo o programa do contrato.
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Ora, é exactamente este esquema contratual que, no caso, as partes estipularam, como já se viu.
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Assim, o facto de o A. ter executado a primeira fase dos trabalhos, ou seja, o Estudo Prévio, não significa que tenha cumprido a prestação a que se obrigou. O que se verifica é que o A. não desenvolveu adequadamente essa primeira fase, que, por isso, ficou completamente inutilizada pela não aprovação da segunda fase, frustrando-se a realização do interesse do credor, segundo o programa contratual.
*
E, não altera a situação o facto de se ter estipulado pagamentos diferenciados para as diversas fases pelas quais se desenvolvia o cumprimento da prestação, já que isso corresponde, apenas, a um fraccionamento do pagamento do preço unitário estipulado no contrato (23.000.000$00), embora sujeito a actualizações.
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Quanto a este aspecto, existe manifesta semelhança com o que se passa com o pagamento a prestações, e nunca ninguém classificou tal tipo de pagamento como constituindo uma obrigação continuada ou periódica.
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Portanto, quanto à obrigação assumida pelo A., de elaborar o Estudo Prévio, Projecto Base e Projectos de execução, existe uma intima ligação entre todas estas fases do trabalho, de modo que as duas primeiras, mais não são do que as precedentes lógicas da última, sendo que só com a aprovação do Projecto final de execução se mostraria realizada a obra intelectual encomendada e satisfeito o interesse do credor.
Por isso, as diversas fases referidas, não constituem prestações independentes umas das outras, antes traduzem as diversas partes pelas quais se desenvolve uma actividade complexa em ordem a atingir um fim unitário.
Estamos, como se disse, no âmbito de uma obrigação de execução instantânea.
Consequentemente, a resolução do contrato tem eficácia retroactiva quanto à restituição da parte do preço pago pela Ré com a execução da 1ª fase do trabalho, quer nos termos do Art.º 434º do CC. (que não foi violado), quer nos termos expressamente acordados no contrato para o caso da resolução ter ficado a dever-se a motivos imputáveis ao A., como se verificou (confr. Cláusula 15 n.º 3 do contrato).
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A este respeito, notar-se-á, ainda, que o Art.º 434º do C.C. é uma norma supletiva (confr. Menezes Cordeiro – Direito das Obrigações – 1990 – 2ª – 165), pelo que as partes podem regular os efeitos da resolução de modo diverso da regra geral, como fizeram para o caso em que a resolução fosse imputável à Ré, ou em relação aos bens e direitos resultantes e integrantes do contrato, que sempre reverteriam para a Ré, independentemente da parte que promoveu a resolução (confr. N.ºs 4 e 6 da referida cláusula 15ª).
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Convém ainda referir que o A. não chegou a transferir para a propriedade da Ré a obra intelectual a que se obrigou, pela simples razão que a não realizou.
Consequentemente, não há qualquer quebra de reciprocidade pelo facto de ter de devolver a parte do preço que recebeu, nem se vê que a Ré se tenha enriquecido à custa do A., com a circunstância de ter ficado dona do estudo prévio, nos termos acordados, até porque não está provado, nem foi alegado nos articulados da acção, que esse estudo prévio tenha tido qualquer tipo de utilidade para a Ré.
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Improcedem, assim, as conclusões JJ, KK, QQ, RR, SS, TT, UU e VV.
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Concluímos, portanto, pela total improcedência da revista de A., daí que, deva agora, apreciar-se o AGRAVO da Ré C....
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Como se vê dos autos, a RÉ formulou pedido reconvencional.
Fundou-o na resolução do contrato por motivos unicamente imputáveis do A. (incumprimento das obrigações contratuais), o que implica a obrigação do A. de repor ou restituir à Ré as verbas que dela tenha anteriormente recebido…
A Ré pagou ao A., logo com assinatura do contrato a quantia de 2.691.000$00 e com a entrega do Estudo Prévio, a quantia de 13.687.669$00.
Logo, pede a condenação do A. a pagar-lhe a importância global de 16.378.669$00, acrescida dos juros de mora, contados desde 24/10/96, data da carta de resolução, na qual a Ré interpela o A. para lhe restituir de imediato as importâncias recebidas no âmbito do contrato.
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A 1ª instância, após ter julgado totalmente improcedente a acção, julgou procedente o pedido reconvencional, tal como formulado, isto é, condenou o A. a pagar à Ré o montante de 81.696.46€ (16.378.669$00), acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar de 24/10/1996, até integral pagamento, sendo os vencidos até 31/10/2008 (data da sentença) no valor de 61.348.45€.
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Foi desta decisão que recorreu o A.
Apreciada a apelação, o acórdão recorrido, embora tenha julgado improcedente toda a argumentação do apelante, acabou por lhe conceder parcial provimento, porquanto, no que respeita à reconvenção, julgou-a, apenas, parcialmente procedente, uma vez que reduziu a importância que o A. deve pagar à Ré, para 68.273.80€ (16.378.669$00), respeitante à factura 4/96 (porque apenas se provou tal pagamento da Ré ao A. a título de honorários) e determinou que os juros de mora se contem desde a citação (da reconvenção), porque não se provou que a Ré tivesse solicitado ao A. a devolução da referida quantia e que este tenha recusado fazê-lo.
É desta parte do acórdão que agrava a Ré C..., arguindo o vício da nulidade, porquanto “absolveu parcialmente o A. do pedido reconvencional em quantidade superior e diversa do pedido” formulado nas alegações do recurso, violando os Artºs 661º nº1 e 668º nº1 e) do C.PC. e ainda porque o acórdão “pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, porquanto, as mesmas não foram delimitados pelo A… nas conclusões das suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”, violando o nº1 d) do Artº 668º do C.P.C.
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Decidindo
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Quanto à invocada nulidade da alínea e) do nº 1 do Artº 668º, diremos que não se verifica, sendo até incompreensível a argumentação da agravante.
Na verdade, o pedido a que se refere a mencionada alínea e) só pode ser o formulado pelo A. na petição inicial ou o pedido reconvencional do R.
Nas alegações do recurso, não se formula qualquer pedido, no sentido em que o termo ”pedido” é utilizado no citado preceito.
Já quanto à nulidade da alínea d), segunda parte, parece, de facto, verificar-se, na medida em que a Relação, ao alterar a quantia objecto da condenação reconvencional e a data a partir da qual se começavam a contar os juros de mora, conheceu da questão de que não podia tomar conhecimento, por não ter sido submetida à sua apreciação no âmbito do recurso de apelação.
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Efectivamente, compulsadas as alegações da apelação e suas conclusões, em parte alguma delas o A. coloca em causa ter recebido da Ré a quantia global de 16.378.669$00, correspondendo 2.691.000$00 ao valor pago, logo na altura da assinatura do contrato, e 13.687.669$00, após a entrega do Estudo Prévio (ambas as quantias incluindo já o IVA), nem põe em questão ter sido interpelado pela Ré para lhe devolver imediatamente, essas quantias, pela carta de resolução documentada a fls. 359/361, datada de 23/10/1996.
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Quanto às referidas quantias (2.691.000$00 + 13.687.669$00) pagas pela Ré e recebidas pelo A. foram descriminadas na reconvenção e documentadas através das respectivas facturas emitidas pelo A. (factura 1/96 a 4/96 – fls. 442/445), sem que o A. tenha impugnado esses pagamentos e recebimentos, como se vê da sua resposta à reconvenção.
Aliás, consta do próprio contrato que, com a sua assinatura, seria logo pago ao A. 10% dos honorários (2.300.000$00 + IVA) e resulta do articulado inicial ter o A. recebido as aludidas duas quantias, a título de honorários, como se deduz, sem margem para dúvidas, da nota explicativa da revisão do cálculo de honorários que instruiu a carta enviada pelo A. à Ré, e que aquele juntou com a petição inicial. (v. artigo 46 e 47 da P.I., carta de fls. 291, e respostas positivas aos quesitos 40 e 41).
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Quer isto dizer que, diferencialmente do que se diz no acórdão recorrido, está provado nos autos que o A. recebeu da Ré, a título de honorários, no âmbito do contrato em lide, não só 13.687.669$00, mas também os 2.691.000$00, pagos pela Ré com a assinatura do contrato. Se assim não fosse, ficaria sem sentido toda a argumentação do A. no sentido de não ter de restituir os honorários já recebidos.
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No que respeita à interpelação para a restituição das ditas quantias, foi o próprio A. que juntou a carta de resolução, oriunda da Ré, da qual consta o pedido de restituição dessas importâncias, apesar do que, como é óbvio, o A. não as restituiu.
Portanto, fica claro que aquilo que o A. impugnou na apelação nada tem a ver com o valor dos honorários já recebidos (os tais 2.691.000$00 + 13.687.669$00), nem com a data em que o seu reembolso lhe foi exigido pela Ré, mas exclusivamente com a questão do incumprimento do contrato, que, na sua versão, deve ser imputada a conduta da Ré, daí os direitos que se arroga.
Por outro lado, hipotetizando, sem conceder, que se considerasse ser o incumprimento contratual imputável ao A., sendo, por isso, legítima a resolução da Ré, ainda assim, essa resolução não teria efeitos retroactivos, e, de qualquer modo, tendo os pagamentos efectuados (admitindo, por conseguinte ter recebido, a título de honorários, as verbas em questão) remunerado parcialmente a transmissão de direitos autorais, não poderão ser restituídas à Ré por efeito de resolução, como pretende a reconvinte, além de que a resolução do contrato pela Ré, sempre seria abusiva por contrária aos princípios da boa fé…
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Quer dizer, se é verdade que toda a impugnação do A. põe implicitamente em causa o pedido reconvencional, o certo é que nunca suscitou a questão do valor das verbas recebidas a título de honorários, nem a data em que a Ré resolveu o contrato e lhe solicitou o reembolso do que pagara.
Assim, na perspectiva do A., desenvolvida na apelação (e também na revista) a improcedência do pedido reconvencional, resultaria, naturalmente, quer de não lhe imputável a título da culpa ou qualquer outro, o incumprimento contratual, que teria derivado da conduta culposa da Ré, quer porque, a ser imputável ao A. tal incumprimento, a resolução do contrato pela Ré, que então seria admissível, não teria eficácia retroactiva ou seria ilegítima por abuso de direito.
O que o A. nunca equacionou, foi a questão de, na hipótese de improceder a sua argumentação, dever alterar-se a condenação no pedido reconvencional, por não ser correcta ou não estarem provados os valores que foram objecto daquela condenação, ou a data a partir da qual deveriam contar-se os juros moratórios.
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Sendo assim, uma vez que o acórdão recorrido julgou totalmente improcedente a argumentação desenvolvida na apelação, devia ter confirmado a sentença recorrida, não lhe sendo lícito alterar a quantia que o A. foi condenado a pagar ao A. , no âmbito da reconvenção e a data do vencimento dos juros de mora fixados pela sentença de 1ª instância, visto que essa matéria não fora posta em causa na apelação, designadamente, nos respectivas conclusões, e o facto de a questão dos efeitos da resolução ter sido suscitada, isso nada ter a ver com a prova ou correcção dos valores fixados na sentença recorrida ou com a data do início do vencimento dos juros de mora (factos que, de resto, até têm de ter-se por adquiridos nos autos, como resulta do que acima se deixou referido).
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Consequentemente, o acórdão recorrido excedeu os seus deveres de pronúncia e, como tal, nessa parte, é nulo, conforme decorre do disposto do Artº 668º nº1 d), segunda parte, do C.P.C.
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Como assim, tendo em conta o disposto nos Artºs 731º e 762º nº 3 do C.P.C., há que suprir tal nulidade, modificando a decisão em conformidade, isto é, eliminando da decisão o conhecimento das questões cujo conhecimento não podia legalmente ocorrer.
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Ora, no caso concreto é simples a reformulação do acórdão recorrido, já que, sendo totalmente improcedente a revista do A., como se viu, resta condená-lo no pedido reconvencional nos exactos termos em que o faz a sentença de 1ª instância.
Procede, pois, o agravo da Ré.
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Decisão:
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Termos em que acordam neste S.T.J. em:
- julgar improcedente a revista de A.
- julgar procedente o agravo da Ré C....
- revogar o acórdão recorrido, na parte em que alterou a condenação do A. no pedido reconvencional proferida na sentença de 1ª instância, passando a valer a condenação aí exarada.
-Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.
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Custas da revista e do agravo pelo A.
Lisboa, 24 de Abril de 2012

Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Paulo Sá