Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA GIRÃO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO COMPENSAÇÃO EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
Nº do Documento: | SJ200311270030962 | ||
Data do Acordão: | 11/27/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7520/03 | ||
Data: | 03/06/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | I - A compensação só pode servir como fundamento de oposição, por embargos, à execução baseada em sentença quando seja posterior ao encerramento da discussão na acção em que foi proferida a sentença exequenda e se prove documentalmente; II - O reconhecimento judicial do crédito a compensar não pode ser obtido no próprio processo de embargos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:À execução de sentença para pagamento da quantia de 5.400.000$00, com juros legais, desde a citação, instaurada por A contra B, veio esta deduzir os presentes embargos para efeitos de compensar com a quantia exequenda o crédito de 6.702.706$00, que diz ter sobre a exequente/embargada, relativo a rendas habitacionais por esta recebidas, mas que pertencem à embargante. Na contestação, a embargada admite ter recebido o aludido montante de rendas, mas que o fez por acordo com a embargante, alegando ainda que o destinou ao pagamento de dívidas da herança, de que ambas e outra são herdeiras, pelo que não pode funcionar a pretendida compensação. A embargante apresentou réplica, que, no entanto, por despacho de fls. 299, foi mandada desentranhar atento o disposto no nº2 do artigo 817 do Código de Processo Civil. Realizado o julgamento, foi sentenciada a improcedência dos embargos, decisão que veio a ser confirmada pela Relação do Porto, que, com fundamentação diferente, negou provimento à apelação interposta pela embargante. Continuando inconformada, pede agora a embargante a revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões: 1. Na acção ordinária nº990/97 em que era autora a ora recorrida e ré a recorrente, em 23/4/98 foi proferido despacho, atenta a revelia desta última, a declarar confessados os factos articulados por aquela autora; 2. Por douta sentença proferida naqueles autos, em 18/9/98, foi a ora recorrente condenada a restituir à autora, aqui recorrida, a quantia de 5.400.000$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação; 3. A aqui recorrida deu à execução a referida sentença; 4. A recorrida recebeu rendas das fracções que pertencem à recorrente, no período entre Fevereiro de 1997 e Março de 2000; 5. Em 24/3/2000 a recorrente distribuiu acções de despejo contra os inquilinos com fundamento na falta do pagamento das rendas; 6. Após a propositura daquelas acções, e nas contestações a estas, em 2/10/2000, tomou a embargante, aqui recorrente, conhecimento de que as rendas das fracções tinham sido pagas à sua irmã, aqui recorrida; 7. A recorrida recebeu no período de Fevereiro de 97 a Março de 2000 de rendas pertencentes às fracções A, B e C, do prédio sito na Rua da Preciosa, ..... e Antunes Guimarães, .... a ..... no Porto, pertencentes à recorrente, a quantia global de 6.702.706$00, que lhe foram pagas pelos respectivos inquilinos; 8. Encontra-se provado que a embargada recebeu as rendas por acordo e consentimento da embargante; 9. Por embargos de executado veio a aqui recorrente invocar a excepção da compensação parcial do seu crédito (que é de 6.702.706$00) com o crédito da recorrida, dado à execução; 10. Em 1ª instância o Mº Juiz julgou improcedentes os embargos pela não verificação da exigibilidade do crédito da embargante, requisito indispensável à procedência da excepção da compensação requerida, atendendo a que o quantitativo recebido pela embargada o foi em consequência de acordo e com o consentimento da embargante; 11. Desta decisão proferida em 1ª instância foi interposto recurso do qual foi proferido douto acórdão em que considerou, com pertinente fundamentação, ser o crédito exigível judicialmente e por isso, verificável aquele requisito da compensação e a consequente nulidade da sentença, mas manteve a decisão recorrida embora com outros fundamentos; 12. É entendimento do douto acórdão de que as rendas percebidas entre Fevereiro de 97 e Abril de 98 não podem integrar o crédito passivo para serem levadas à compensação, por estarem cobertas pelo caso julgado formado na sentença da acção declarativa, consubstanciado pelo despacho nela exarado de 23/4/98 que encerrou a discussão, assim se formando caso julgado em relação às excepções alegáveis naquela acção; 13. Entende também o douto acórdão em crise ser impossível fazer a discriminação do valor das rendas recebidas até aquela data (Abril de 98) e desde ali até Março de 2000, porquanto a embargante não discriminou no seu articulado o montante mensal das rendas pagas por cada um dos seus inquilinos durante o período temporal em que a embargada procedeu ao seu recebimento, apenas fazendo referência ao total das rendas recebidas, por inquilino, no período de Fevereiro de 97 a Março de 2000, razão pela qual não se pode operar a compensação parcial do crédito; 14. Ora, na verdade assim não é, como supra e desenvolvidamente se alegou; 15. Desde logo na petição inicial de embargos foi alegada a materialidade essencial quanto ao recebimento das rendas, nomeadamente em 41 da p.i. de embargos foi alegado o quantitativo global por cada inquilino e fracção, bem como o período temporal em que a embargada procedeu ao recebimento das rendas e remeteu-se para os documentos juntos àquela petição inicial, dos quais resultam claramente indicados os factos necessários ao apuramento daqueles valores alegados na petição, conforme supra se apuraram com base naqueles elementos; 16. Foi alegado na petição inicial o essencial e para além disso os documentos juntos com a petição inicial devem considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas que possam enfermar e mesmo que não tenham sido levados à especificação deverão mesmo assim ser tidos em conta no acórdão; 17. Os documentos não foram impugnados e foram confessados aqueles valores, bem como o período do recebimento; 18. O tribunal recorrido podia, assim, determinar o montante exacto dos valores pagos durante o período de Fevereiro de 97 a Abril de 98, com a indicação por meses, inquilinos e fracções e que ascende ao total de 3.164.514$00, como supra se expôs e assim julgar procedentes os embargos, revogando a decisão recorrida, pela procedência da excepção da compensação; 19. Ao não o ter feito violou o disposto no artigo 668, nº1, c) e d) do CPC, aplicável nos termos dos artigos 716, 732, 715, nº2 e 726 do mesmo diploma, determinando a nulidade do acórdão recorrido; 20. Igual violação decorre da interpretação do douto acórdão quando entende que face à materialidade provada, que apelida de insuficiente na parte em que refere que a embargada recebeu rendas no período de Fevereiro de 97 a Março de 2000, entendendo por isso, que as recebeu entre Fevereiro de 97 e Abril de 98, quando abstraindo-se da análise dos documentos juntos, como efectivamente se abstraiu ao não fazer a discriminação dos valores pagos, não podia chegar a tal conclusão, pois sempre o recebimento sempre poderia ter ocorrido na totalidade após Abril de 98; 21. Embora se esteja a falar de rendas, que em princípio têm vencimentos mensais, mas nem sempre o pagamento ocorre no vencimento, o que bem podia ter sido o caso e só sabemos que assim não foi pela análise dos documentos 2, 3, 4 e 5 juntos à petição de embargos; 22. Por outro lado, o acórdão recorrido violou lei substantiva - artigos 770 e 476 do C. Civil, porquanto à data da formação do caso julgado na sentença condenatória (23/4/98), não existia sequer obrigação da embargada pagar as rendas à embargante, porque nessa altura tal obrigação impendia sobre os respectivos inquilinos; só deixou de ser responsabilidade dos inquilinos tal pagamento, após o consentimento e a ratificação dado pela embargante, mas o que ocorreu muito mais tarde; 23. Provou-se que a embargante deu o seu acordo e consentimento ao recebimento das rendas por parte da embargada, mas tal só aconteceu em 2/10/2000, conforme é alegado nos embargos, o que determinou a procedência dos mesmos por douto acórdão da Relação, uma vez que não o podia fazer antes, porque até àquela data pura e simplesmente desconhecia que as rendas estavam a ser pagas à embargada e por isso seria impossível dar o seu acordo a uma coisa que desconhecia; 24. Antes daquela data (2/10/2000), por falta de acordo e consentimento da credora embargante, a obrigação do pagamento das rendas a esta incumbia aos respectivos inquilinos, uma vez que o pagamento a terceiro não extingue a obrigação - artigo 770 do C.C., podendo mesmo o devedor ter que a repetir - artigo 476, nº2 do C.C.; 25. Só após o consentimento e acordo prestado pela embargante é que cessa a obrigação dos inquilinos e portanto «nasce» a obrigação da embargada em devolver tais valores recebidos; 26. Portanto, à data da formação do caso julgado (23/4/98) não existia a obrigação da embargada de pagar à embargante o valor das rendas até aí recebidas e portanto não podia esta última vir alegar na acção condenatória a excepção da compensação como forma de extinção do crédito; 27. Ao não ter assim julgado o acórdão recorrido, além de normas processuais que determinam a sua nulidade - artigo 668, nº1, als.c) e d), 716 e 732 do CPC, violou normas de direito substantivo -artigos 770 e 476 do C.C. Termina pedindo a revogação quer do acórdão recorrido, quer da sentença da 1ª instância e, julgando-se procedentes os embargos, ordenar-se operada a compensação parcial do crédito da embargante com o da embargada e em consequência declarar-se extinta a execução. A recorrida não contra-alegou. Corridos os vistos, cumpre decidir. Com relevância para a apreciação da apelação, o acórdão recorrido considerou os seguintes factos provados: 1º Na acção ordinária nº990/97, em que era autora a ora embargada e ré a embargante, em 23/4/98 foi proferido despacho, considerando confessados, por falta de contestação, os factos articulados por aquela autora; 2º Por sentença proferida em 18/9//98, a ora embargante foi condenada a restituir à ora embargada a quantia de 5.400.000$00, a crescida de juros, à taxa legal, desde a citação; 3º C Júnior legou a sua filha, a embargante, as fracções A, B e C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Avenida Antunes Guimarães, .... a ....., e rua da Preciosa, ....., e à embargada e outra, também suas filhas, as restantes fracções do mesmo imóvel; 4º A embargada recebeu as seguintes rendas, no período de Fevereiro de 1997 a Março de 2000: --de D, relativa à fracção B, a quantia de 1.380.314$00; --de E, relativa à fracção C, a quantia de 520.486$00; --de F, relativa à fracção A, a quantia de 2.030.759$00; --de G, relativa à fracção A, a quantia de 4.955.567$00, tendo desta em seu poder a quantia de 2.771.147$00, já que o restante corresponde à parte da embargante e da sua irmã, que foi depositada no tribunal de Matosinhos, para pagamento de uma acção de alimentos; 5º A embargada recebeu as indicadas quantias, por acordo e com o consentimento da embargante. A questão a solucionar nesta revista é, no fundo, a de saber se, a uma execução baseada em sentença, pode o executado opor-se com um crédito que alega ter sobre o exequente, crédito esse que pretende ver judicialmente reconhecido nos próprios embargos, declarando-o, aí também, compensado com o crédito exequendo. A resposta tem que ser necessariamente negativa, como sempre temos defendido e nos evidencia o desenrolar do presente processo. Como é sabido, quando a execução se baseia em sentença, o executado só pode opor-se-lhe com os fundamentos taxativamente alineados no artigo 813 do Código de Processo Civil. A primeira parte - que é a que releva para o caso em apreço -- da alínea g) deste artigo prevê, como um destes fundamentos, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. Indiscutivelmente que a compensação é uma das causas extintivas das obrigações. Mas para que possa ser oposta pelo executado ao crédito do exequente é necessário que se verifiquem os requisitos substantivos que a configuram nos termos do artigo 847 do Código Civil e ainda os pressupostos formais exigidos pela referida alínea ) do artigo 813 do CPCivil. Ou seja, é necessário que o crédito do executado/embargante: --seja exigível judicialmente, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (al. a) do nº1 do artigo 847 do C.C.); --esteja vencido, ainda que seja ilíquido; --seja posterior ao encerramento da discussão no processo em que a sentença exequenda foi proferida; --se prove por documento. O crédito do executado compensante não pode, assim, ser controvertido. Tem que já estar judicialmente reconhecido - cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/1/89, BMJ 383º-501 e de 21/11/2002, proferido no recurso nº2634/02, da 7ª secção Permitir que o executado utilizasse os embargos para ver, neles, reconhecido judicialmente o seu contra-crédito, seria abrir o caminho para entorpecer, ou até inviabilizar, a actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa. Quanto à justificação dos pressupostos da posterioridade (relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa) do contra-crédito compensante e da sua comprovação documental, de verificação cumulativa nos termos da alínea g) do artigo 813 do CPCivil, nada melhor do que transcrever o que Alberto dos Reis ensinou, a esse propósito e sobre o correspondente nº9 do artigo 813 do CPCivil de 1939, no seu Processo de Execução, 2º--28/29: «Sem dificuldade se compreendem estas duas exigências. Pretende-se evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribui ao exequente; tem-se em vista, por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa. E como a sentença assenta no estado de coisas existente à data do encerramento da discussão (artigo 663º), daí o tornar-se como ponte de referência, não a data da sentença, mas a data em que a discussão se encerrou.». Como já dissemos, os presentes embargos são a comprovação, pela negativa, do acerto desta interpretação, que defendemos, da norma da alínea g) do artigo 813 do Código de Processo Civil. Na verdade, a embargante, ora recorrente, pretende, através deles, demonstrar que tem um crédito a contrapor, para efeitos de compensação, ao crédito da embargada, ora embargada. Na petição dos embargos, alegou a recorrente que esse seu crédito diz respeito a rendas habitacionais de prédios da sua pertença, relativas ao período de Fevereiro de 1997 a Março de 2000 e recebidas indevidamente, à sua revelia, pela recorrida. Esta, na contestação, admite ter recebido essas rendas, mas com autorização da recorrente, sendo certo que as mesmas se destinavam a fazer face às despesas da herança de que, além de outra, ambas - recorrente e recorrida - são herdeiras. Realizado o julgamento, apurou-se apenas que a recorrida recebeu, no período de Fevereiro de 1997 a Março de 2000, as rendas em causa, por acordo e com o consentimento da recorrente. Mas ficou por apurar - nem sequer foi alegado, designadamente pela recorrente - quando é que a recorrida tinha que entregar essa rendas à recorrente. Ou seja, nada se provou sobre o vencimento do crédito da recorrente -- requisito essencial da compensação, como já se viu. É certo que a recorrente pretende colmatar essa falha fáctica, jogando agora, na fase de recurso, com o facto por si alegado -- e aceite pelo acórdão da Relação que, revogando o despacho de liminar rejeição, mandou prosseguir os embargos -- de ter tido conhecimento desse recebimento das rendas pela recorrida só em 2/10/2000 - quando foi notificada das contestações apresentadas pelos inquilinos nas acções de despejo que, contra eles, intentou --, para daí concluir que o recebimento das rendas pela recorrida e o consentimento da recorrente a esse recebimento, necessariamente só poderiam ter ocorrido depois dessa data (2/10/2000). Esquece, no entanto que, para além de o referido facto - o de a recorrente ter tido conhecimento do recebimento das rendas pela recorrida em 2/10/2000 - apenas relevar para os efeitos do nº2 do artigo 816 do Código de Processo Civil (prazo para a dedução do embargo), não é, seguramente, a alegação do recurso de revista a peça processual adequada para alegar factos e deles extrair ilações. Provavelmente tê-lo-á também feito na réplica. Só que esta peça foi, e bem, mandada desentranhar. Efectivamente, nos termos do nº2 do artigo 817 do Código de Processo Civil, no processo de embargos de executado não são admitidos mais articulados depois da contestação. Limitação esta que constitui mais um reforço argumentativo da tese, acima explanada, no sentido de que não é nos embargos à execução que o executado poderá obter o reconhecimento judicial de um crédito que pretenda compensar com o crédito exequendo. DECISÃO Por todo o exposto nega-se a revista e, com fundamentação diferente, confirma-se o acórdão recorrido.Custas pela recorrente. Lisboa, 27 de Novembro de 2003 Ferreira Girão Luís Fonseca Lucas Coelho |