Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA DESISTÊNCIA CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO APARENTE MEDIDA DA PENA DANO BIOLÓGICO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
Data do Acordão: | 04/20/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA. DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA. | ||
Doutrina: | -Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª Edição. AAFDL, p. 110; -Cristina Augusta Teixeira Cardoso, A violência doméstica e as penas acessórias, UC, Porto, p. 16, in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9686/1/Tese%20mestrado%20-%20A%20Viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20e%20as%20penas%20acess%C3%B3rias.pdf; -Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, p. 984, 986 a 990, 993 e 1002 ; Direito Penal, Parte Geral, 2.ª Edição, p. 51 e 81; -Helena Moniz, Violação e coacção sexual?, RPCC, 2005, p. 325 e 327; -Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar, n.º 12, p. 9 e ss., 14 e 23; -Pedro Maia Garcia Marques, Ora, trabalha sofre e cala … ou não, Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Prof. Nuno José Espinosa Gomes da Silva, p. 332 a 334 e 337; -Plácido Conde Fernandes, Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal, Revista do CEJ, n.º 8 (especial), p. 304, 305 e 313; -Teresa Magalhães, Francisco Corte-Real e Duarte Nuno Vieira, O Relatório Pericial de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, Aspectos práticos da avaliação do dano corporal em Direito Civil, coordenação de Duarte Nuno Vieira e José Alvarez Quintero, Biblioteca Seguros, 2008, p. 170. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 24.º, N.º 2, 131.º, N.º1, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS B), H) E J), 143.º, N.º 1, 144.º, ALÍNEAS B) E C), 145.º, N.º 1, ALÍNEA C) E 152.º, N.º 1, ALÍNEA B) E N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 12-03-2013, PROCESSO N.º 565/10.9TBPVL.S1; - DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 5572/05.0TVLSB.S1; - DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1; - DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 06-10-2016, PROCESSO N.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1; - DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 1971/12.0TBLLE.E1.S1; - DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1; - DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 118/13.0TBSTR.E1.S1. | ||
Sumário : | I - Na decisão da 1ª instância julgou-se o arguido autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, dos arts. 131.º, n.º 1, 132.º, n.º1 e n.º 2, als. b) e j), 22.º e 23.º, do CP, não sendo este punível em face do disposto no art. 24.º, n.º 2, ou seja, por ter sido considerado provado que a consumação foi impedida por aquele se ter esforçado seriamente para evitar. II - Mas foi condenado pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de (i) um crime de violência doméstica, do artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CP e de (ii) um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, das disposições conjugadas dos arts. 143.º, nº 1, 144.º, als. b) e c), 145.º, n.º 1, al. c), 132.º, n.º 2, als. b), h) e j), todos do CP. III - O arguido defendeu no recurso a existência de concurso aparente entre os crimes atrás mencionados apoiando a sua pretensão nos seguintes factos provados: - No dia 16 de Maio de 2015, M… tomou a decisão de colocar termo à relação, tendo disso informado o arguido. - O arguido não se conformou com tal decisão, e no dia 18 de Maio de 2015, iniciou a prática de actos de perseguição, ameaça à vida e integridade física de M…, que culminaram, em 10 de Agosto, com a tentativa de por termo à vida daquela, através do disparo de vários tiros com arma de fogo. IV - Para aferir da existência, ou não, de concurso aparente o que há a ponderar são as condutas que o recorrente levou a cabo e perante elas é inequívoco que o seu objectivo nos factos ocorridos em 10 de Agosto era o de matar a vítima. V - Que essa actuação tenha redundado depois numa tentativa não punível mercê do comportamento subsequente do recorrente não obnubila as concretas circunstâncias do caso de ponderação decisiva na avaliação da qualificação jurídica que este propõe. VI - Na identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos no crime de violência doméstica generalizadamente, se apontam como carecidas de protecção a saúde e a dignidade da pessoa entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar pois é a estrutura “família” que se toma como ponto de referência da normativização acobertada nas alíneas a) a d) do nº 1 do art. 152º o que não significa porém, que seja a “família” a figura central alvo de protecção mas antes essa pessoa que nela se insere, individualmente considerada. VII - A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto. - Mas pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido. XIX - Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar. X - Se a violência doméstica pressupõe aquela durabilidade relacional familiar e aquela outra situação de domínio e de constrangimento da livre determinação da vítima, de disposição da sua vida, num sentido mais geral, ou, dito de modo mais expressivo, «a eliminação do núcleo fundamental de autonomia da vontade e de disposição livre da mesma pela vítima» naturalmente que a intenção de matar pressupõe um “ir mais além”; pressupõe a intenção de atacar a vida da vítima, pondo-lhe fim e de, por essa via, terminar todo o envolvimento relacional que “possibilitava” uma certa conduta do agente. Atentar contra a vida humana é um plus significativo relativamente a martirizá-la com maior ou menor intensidade. XI - Nas concretas circunstâncias e no tocante existência de concurso aparente a que se pretenderia reconduzida a conduta do recorrente não há uma «unidade de realização típica» na específica perspectiva de que os vários actos singulares – os que ocorreram a partir de 16 de Maio e aquele outro que se desenrolou em 10 de Agosto – não estarem unificados numa «vontade criminosa unitária». XII - Como se ensina o tipo de ilícito – o verdadeiro portador da ilicitude material – é formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito e o tipo objectivo tem sempre, como seus elementos constitutivos, o autor, a conduta e o bem jurídico e só pela conjugação destes elementos, ligados naturalmente ao tipo subjectivo, se alcança o sentido jurídicosocial da ilicitude material dos factos que o tipo abrange implicando uma consideração global desse sentido no concreto comportamento do agente. XIII - Essa situação de concurso legal ou aparente de crimes exige, contudo, a verificação de certas circunstâncias que terão de ser aferidas mediante a percepção dos «sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global». É «a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente, submetido à cognição do tribunal que decide, em definitivo, da unidade de factos puníveis e nesta acepção de crimes». XIV - Os actos tidos como integradores do crime de homicídio tentado – não punido – têm uma matriz autónoma e um sentido social diferenciado dos outros que os precederam e que foram qualificados como de violência doméstica – configurando ameaças, coacção, ofensas corporais e injúrias – pois possuem um diferente desvalor de acção e de resultado, em suma, um desvalor autónomo o que conduz à desconsideração, no caso, do princípio ne bis in idem não apenas na sua faceta de proibição de dupla valoração mas também naquela outra em que se exige que a aplicação de um tipo legal a uma certa conduta deve esgotar todo o desvalor de acção e de resultado inerente a essa conduta. XV - Por conseguinte, condutas diferenciadas, atacando diferentes bens jurídicos com uma inescapável pluralidade de sentidos de ilicitude e, logo, pluralidade de infracções diferenciadamente valoradas para efeito da sua punição e não um único sentido autónomo de ilicitude correspondendo-lhe uma «predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados» caso em que se estaria, então sim, perante uma situação de concurso aparente. - Se, como também é ensinado, a pena pode e deve ser concebida como forma de o Estado «manter e reforçar a “confiança” da comunidade na validade e na vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantibilidade da ordem jurídica», a este propósito se falando de prevenção geral positiva ou de integração, no sentido de meio de «resolução do conflito social suscitado pelo crime», é, decerto, nas normas que, no sistema, tutelam bens pessoais que essa expectativa da comunidade na validade dessas normas, na restauração da paz jurídica, encontra o seu pleno sentido e a sua máxima expressão. E se é a prevenção geral positiva que fornece uma “moldura de prevenção” não pode escamotear-se haver “dentro” dessa moldura de prevenção um efeito de prevenção geral negativa ou prevenção de intimidação que embora não constitua «por si mesma uma finalidade autónoma da pena pode surgir como um efeito lateral (porventura, em certos ou em muitos casos desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos». É ainda dentro da dita “moldura de prevenção” que «devem actuar, em toda a medida possível, pontos de vista de prevenção especial sendo assim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena». XVII - Convirá resenhar de modo sucinto a conduta do arguido no dia 10 de Agosto sublinhando: - A atitude de se emboscar aguardando a chegada da vítima já munido da arma de fogo pronta a disparar; - A surpresa inerente aos primeiros dois disparos, um dos quais logo atingiu a vítima; - A perseguição que desencadeou aquando da tentativa de fuga da vítima com repetição de disparos e a confrontação que manteve com aquela, apesar de estar já ferida, visando concretizar o seu propósito; - A circunstância de ter efectuado mais três disparos dois deles atingindo a vítima em zona não vital, por acção defensiva desta, e o projéctil do terceiro ter ficando encravado no fecho das calças de ganga, por feliz acaso. Tudo isto releva uma elevada ilicitude e um dolo directo intensíssimo que não é possível escamotear. XVIII - Ponderando ainda a circunstância de o arguido ter já uma condenação por crime de detenção de arma proibida e tudo o que ficou provado no tocante ao seu modo de vida caracterizado pelo desfasamento em relação a um modo de vida activo e particularmente ainda a respeito da racionalização justificativa da sua conduta que mais não traduz afinal do que uma forma sublimada de desacreditação da vítima crê-se serem consistentemente fortes as razões de prevenção especial. XIX - Que este tipo de comportamentos lesivo de bens jurídicos de tanto relevo projecta necessariamente fortes efeitos de prevenção geral negativa ou de intimidação, justificando a necessidade de uma «jurisprudência terapêutica», revela-o a realidade. XX - Bastará notar, por exemplo que segundo o destaque estatístico de Novembro de 2016, da Direcção Geral da Política da Justiça, as condenações por homicídio conjugal nos tribunais de 1ª instância entre 2007 e 2015, incluindo aquelas em que a vítima é cônjuge ou companheiro(a) e abrangendo os crimes de homicídio simples, qualificado e privilegiado, nas formas tentada e consumada, ascende ao impressivo número total de 324 verificando-se uma forte prevalência dos casos em que a pessoa condenada é do sexo masculino numa variação anual entre os 83,3% e os 95%. E chegando a atingir o valor percentual de 13,8% do total de homicídios em território nacional, no ano de 2009. XXI - Por isso, numa moldura penal com um mínimo de 3 anos e um máximo de 12 anos de prisão, a pena de 7 anos que foi imposta pelo crime de ofensa à integridade física grave qualificada, é equilibrada não merecendo censura. XXII - É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que «a afectação da integridade físico-psíquica usualmente denominada “dano biológico” (…) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade de exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais». XXIII - No vasto campo de avaliação do dano corporal com tradução médico-legal tem hoje relevo o chamado dano-evento ou “dano biológico” como dano autonomizável em relação ao dano não patrimonial, a se, um dano psico-físico a ser indemnizado como tal, resultante da valoração do direito à integridade física e psíquica com intervenção da equidade, naturalmente, mas não funcionando esta como «único ingrediente da receita» antes procurando arrimo na avaliação médico-legal. Independentemente da existência, ou não, de rebate profissional e da perda de rendimento do trabalho. XXIV - Como já foi afirmado «havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afectação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica de mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cabo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo». XXV - Para equacionar a possível indemnização neste apontado campo, o do dano biológico, necessário se tornaria que os factos provados contivessem o essencial a tal respeito com apoio nos imprescindíveis relatórios periciais. XXVI - Se o relatório pericial mais recente termina com a conclusão relevante de que: «Dado que a situação ainda não se encontra estabilizada, deverá a examinanda ser submetida a novo exame após a data da alta das Consultas Externas de Cirurgia Geral e Ortopedia …», e, em conformidade dos factos provados consta que «Em face da situação clínica da ofendida M… não se encontrar ainda estabilizada, não se encontra ainda concretizada, de momento, qualquer incapacidade de que esta possa padecer.» pode-se concluir outrossim com segurança que uma precisa avaliação do dano corporal em direito civil nos termos exigíveis de indagação completa da responsabilidade civil não estava ainda efectuada pois como já foi salientado «os juízes decidem dependendo da informação que possuem» e esta era, patentemente, até à data da prolação da decisão, inclusiva. XXVII - Portanto, quando a decisão recorrida considerou como danos patrimoniais merecedores de tutela e reparação somente «as despesas por esta suportadas com consultas de psiquiátrica/psicologia, bem como com medicação nestas prescrita, cuja quantificação dos respectivos montantes fica relegada para incidente de liquidação; com o limite peticionado» omitiu pronúncia quanto à reparação do “dano biológico” na sua vertente de dano patrimonial sendo a decisão nula nessa parte, de acordo com o art. 379º, nº 1, al. c) CPP, e em conformidade procedente o recurso. | ||
Decisão Texto Integral: | 1. – No âmbito do processo nº 2263/15.8JAPRT da Instância Central de ..., ... Secção Criminal, ... da Comarca de ..., o arguido AA foi acusado da prática em autoria material de: - Um crime de violência doméstica do artigo 152º, nº 1, alínea b) e nºs 2, 4 e 5 do Código Penal; - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, dos artigos 131º, nº 1, 132º, nº 1 e nº 2, alíneas b), e), h) e j), 22º e 23º e 73º do Código Penal; - Um crime de detenção ilegal de arma proibida, do artigo 86º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 3º, nº 2, alínea l) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro; - Dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, dos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas c), e) e g), do Código Penal e - Um crime de violação de domicílio, do artigo 190º, nºs 1 e 3 do Código Penal. O Centro Hospitalar.... deduziu, contra o arguido, pedido de indemnização civil/reembolso, para que fosse condenado no pagamento da quantia de € 1.574,84, correspondente às despesas em que importaram os serviços prestados à ofendida em virtude das lesões apresentadas na sequência da actuação daquele, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, calculados desde a notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento.
A assistente BB deduziu contra o arguido pedido de indemnização civil para que fosse condenado no pagamento da quantia global de € 375.072,00, acrescida de juros, à taxa legal, a partir da notificação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de “quantia a liquidar em sede de execução de sentença pelos danos morais e patrimoniais originados pela estabilização e consolidação do quadro sequelar da demandante, o que ainda não sucedeu, impedindo a sua total quantificação”.
A assistente CC, menor, representada por sua mãe BB, deduziu também pedido de indemnização civil contra o arguido, para que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais que invoca, acrescida de juros legais desde a notificação até efectivo e integral pagamento.
Feito o julgamento foi decidido: b) - um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, das disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1, 144º, als. b) e c), 145º, nº 1, al. c), 132º, nº 2, als. b), h) e j), todos do C. Penal na pena de 7 anos de prisão; c) - um crime de detenção ilegal de arma proibida, do artigo 86º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 3º, nº 2, alínea l) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; d) - um crime de ofensa à integridade física simples, do artigo 143º, nº 1 do C. Penal na pena de 6 meses de prisão; III – Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil BB parcialmente procedente e, em consequência, condenar o arguido/demandado civil AA a pagar-lhe: - A quantia de € 30.000,00 pelos danos não patrimoniais neste momento considerados (dores, incómodos, limitações, sofrimentos, medos, angústias) por si sofridos, relegando-se para incidente de liquidação a fixação da compensação pelos danos não patrimoniais futuros, com o limite peticionado; - As despesas por esta suportadas com consultas de psiquiátrica/psicologia, bem como com medicação nestas prescrita, cuja quantificação dos respectivos montantes fica relegada para incidente de liquidação; com o limite peticionado; - Os montantes salariais que esta deixou e deixará de auferir em virtude da baixa médica e de situação de desemprego, deduzindo-se o que se vier a apurar ter sido pago à mesma pela Segurança Social pelo período de baixa, assim como os montantes pagos a título de subsídio de desemprego, cuja quantificação se relega, igualmente, para incidente de liquidação, com o limite do peticionado. A tais quantias acrescem juros legais devidos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil. IV – Julgar extinta a instância cível correspondente ao PIC deduzido pela demandante menor CC, representada pela progenitora BB, por impossibilidade superveniente da lide.» O arguido interpôs recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação do Porto nele formulando as seguintes conclusões (transcrição): I. O Arguido não pode conformar-se com o enquadramento jurídico penal vertido no douto acórdão do Tribunal a quo, no que ao Crime de Violência Doméstica e ao Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada diz respeito, uma vez que as conclusões aí chegadas não reflectem, de todo, a solução que a boa interpretação das normas legais a aplicar impunha. II. Dispõe a alínea a) do n° 3 do artigo 152° do Código Penal que "Se dos factos previstos no n° 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos". III. O Tribunal deu como provado, logo no número 5 da Matéria de Facto Provada, que "O arguido não se conformou com tal decisão, e no dia 18 de Maio de 2015, iniciou a prática de actos de perseguição, ameaça à vida e integridade física de BB, que culminaram com a tentativa de por termo à vida daquela, através do disparo de vários tiros com arma de fogo." IV. Atenta esta factualidade dada como provada, o Tribunal considera que todo o comportamento do Arguido, direccionado para com a Ofendida BB, corresponde a uma actuação integradora da tipificação legal do crime de Violência Doméstica, incluindo o episódio do dia 10 de agosto, relatado nos números 26 e ss. da Matéria de Facto Provada. V. Não deveria, assim, ter sido autonomizado um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, relativamente aos actos praticados no dia 10 de agosto, porquanto o Código Penal prevê, precisamente no supra citado artigo, uma punição específica quando do comportamento do arguido resulta "Ofensa à integridade física grave" (alínea a) do n.° 3), ou mesmo a morte (alínea b) do n.° 3). VI. O crime de Violência Doméstica, verificando-se, absorve toda a restante factualidade que, individualmente considerada, pudesse integrar a tipificação legal prevista para outro crime. VII. Prevendo o Código Penal português, para o crime de Violência Doméstica, que em resultado da sua prática possam ocorrer ofensas à integridade física graves ou mesmo a morte, o agente terá de ser punido apenas como autor material do crime de Violência Doméstica, e não deste crime acrescido de um crime ofensa à integridade física grave qualificada ou mesmo de um crime de homicídio. VIII. Neste sentido já se pronunciaram, entre outros, os seguintes acórdãos: Ac. TRL de 8-11-2011, CJ, 2011, T.V, pág.319; Ac. TRG de 15-10-2012; Ac. TRE de 8-01-2013; Ac. TRG de 1-07-2013, todos acessíveis em www.dgsi.pt. IX. Todo o comportamento manifestado pelo Arguido para com a ofendida é integrador deste conceito de especial desconsideração para com esta, tendo sido praticado no contexto de uma relação amorosa. X. Não pode ser o Arguido condenado pela prática de "Um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada", do qual deverá ser absolvido. XI. O Arguido deverá, isso sim, ser condenado pela prática como autor material de um crime de Violência Doméstica previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1, alínea b) e n° 3, alínea a) do Código Penal. XII. O Arguido encontra-se condenado, entre outros, pela prática de "Um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada, previsto nos termos das disposições conjugadas dos arts. 143°, n°. 1, 144°, als. b) e c), 145°, n°. 1, al. c), 132°, n°. 2, ais. b), h) e j), todos do Código Penal na pena de 7 (sete) anos de prisão;" XIII. O "Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada" está em concurso meramente aparente com o "Crime de Violência Doméstica", pelo que deverá, por seu turno, a pena a aplicar pelo crime de Violência Doméstica ser modificada por forma a reflectir os actos de ofensa à integridade física graves que a integram, resultantes da actuação do Arguido no dia 10 de Agosto de 2016, nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do artigo 152° do Código Penal. XIV. Se assim se não entender, e a considerar que o arguido praticou em concurso efectivo com o Crime de Violência Doméstica um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada, a pena concretamente determinada de 7 anos é por demais exagerada. XV. A título comparativo e para efeitos de visão global do nosso ordenamento jurídico, o Artigo 131° do Código Penal prevê que a pena mínima para "Quem matar outra pessoa" é de prisão de 8 anos, sendo que o comportamento em referência nos presentes autos e que se pretende punir não é o de "matar outra pessoa". XVI. A moldura penal a que chegou o Tribunal a quo, por conta única e exclusivamente deste Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada, baliza-se entre um mínimo de 3 anos e o máximo de 12 anos prisão. XVII. Não se vislumbram exigências de repressão e reprovação social deste crime que imponham uma pena tão afastada do mínimo legal previsto. XVIII. Tampouco se alcançam as necessidades de prevenção geral e especial que levaram a que se considerasse como inteiramente justa e adequada a condenação do arguido na pena de 7 anos de prisão, só pelo Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada. XIX. Admitindo-se, por mera hipótese, que o Arguido também deverá ser condenado, autonomamente, por um "Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada", a pena concreta aplicada é excessiva, tendo o Tribunal a quo violado o artigo 71° do Código Penal, devendo, por isso, ser a mesma reduzida para o valor correspondente ao limite mínimo legal, ou, se assim não se entender, para um valor muito próximo do limite mínimo legal. XX. Mais deverá ser recalculado o cúmulo jurídico daí resultante, condenando-se o Arguido a cumprir uma pena necessariamente inferior a 9 (nove) anos de prisão. A este recurso responderam a magistrada do Ministério Público e a assistente BB pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Também a assistente/demandante BB interpôs recurso formulando na motivação respectiva as seguintes conclusões (transcrição): a) A Assistente, com o seu pedido de indemnização civil, concluiu o mesmo impetrando da seguinte forma: (…) Mais deverá o Demandado ser condenado a pagar a quantia a liquidar em sede de execução de sentença pelos danos morais e patrimoniais originados pela estabilização e consolidação do quadro sequelar da Demandante, o que ainda não sucedeu, impedindo a sua total quantificação. b) Com o consequente requerimento de prova requereu a realização de exame médico-legal à pessoa da Assistente, subordinado aos quesitos que apresentou por requerimento de 31 de Março corrente. c) Visava tal perícia apurar, entre outros danos, qual a incapacidade geral (no âmbito do direito civil) de que era portadora. d) O mesmo, embora devidamente ordenado, não ficou concluído, atendendo a que a situação clínica da Assistente ainda não se achava estabilizada, conforme relatório pericial de fls. . e) Tal facto ficou, aliás, provado no douto Acórdão, mormente no seu ponto 62, que reza o seguinte: Em face da situação clínica da ofendida BB não se encontrar ainda estabilizada, não se encontra ainda concretizada, de momento, qualquer incapacidade de que esta possa padecer. f) Contudo, do dispositivo condenatório (quanto ao pedido de indemnização civil) não se abrangeu, como pensamos que deveria, o valor a apurar em sede de execução de sentença quanto ao dano biológico, ou seja, quanto ao dano patrimonial futuro. g) Por as sequelas não se acharem ainda consolidadas (a situação clínica da ofendida não se encontrava estabilizada), era de todo impossível naquele momento liquidar o quantum indemnizatório. h) Sendo certo que do douto Acórdão existe matéria de facto dada como provada da qual se poderá, com bastante segurança, afirmar que existe dano biológico, conforme pontos 64° a 70° dos Factos Provados. i) O dispositivo apenas o fez quanto a alguns danos patrimoniais (despesas médicas e medicamentosas e perdas salariais), não o fazendo porém quanto ao dano biológico. j) O STJ tem vindo a entender, de forma dominante, que o dano biológico deve ser valorado como dano patrimonial futuro e, consequentemente, objecto de indemnização (independentemente da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais). k) Tais danos (ou dano biológico), por ainda não se encontrarem estabilizados, não podiam ser, neste momento, liquidados. 1) E, como impetrado, devia o Demandado ser condenado em quantia a apurar em sede de execução de sentença quanto ao dano biológico ou dano patrimonial futuro. m) O que não sucedeu. n) O Acórdão proferido violou, entre o mais, o disposto no art. 615°, n° 1, al. d), do CPC, ex vi art. 4° do CPP. Não houve resposta a este recurso. No Tribunal da Relação do Porto, foi proferida decisão sumária declinando a competência para apreciação do recurso do arguido por este visar unicamente matéria de direito a respeito da pena parcelar de 7 anos de prisão e da pena única de 9 anos de prisão. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que se não justifica a autonomia da pena de 2 anos e 8 meses respeitante a uma parte dos factos (de 2015.08.10) devendo estes ser punidos, nos termos do art. 152º, nº 1, parte final, e 3 C. Penal, com a pena que cabe ao crime de ofensa à integridade física grave qualificada. Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP tendo o arguido apresentado resposta ao parecer em que defendeu que a subsidiariedade existe mas implica o afastamento da condenação pelo crime de ofensa à integridade física grave qualificada. * 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados foi o seguinte (transcrição): «O "Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada" está em concurso meramente aparente com o "Crime de Violência Doméstica", pelo que deverá, por seu turno, a pena a aplicar pelo crime de Violência Doméstica ser modificada por forma a reflectir os actos de ofensa à integridade física graves que a integram, resultantes da actuação do Arguido no dia 10 de Agosto de 2016, nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do artigo 152° do Código Penal» * 5. – A questão que subsequentemente o arguido coloca no seu recurso prende-se com a sua discordância relativamente à medida concreta da pena imposta pelo crime de ofensa à integridade física grave qualificada pelo qual veio a ser condenado – depois de se ter considerado o homicídio qualificado tentado não punível – na pena de 7 anos de prisão. Se, como é ensinado, a pena pode e deve ser concebida como forma de o Estado «manter e reforçar a “confiança” da comunidade na validade e na vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantibilidade da ordem jurídica»[14], a este propósito se falando de prevenção geral positiva ou de integração, no sentido de meio de «resolução do conflito social suscitado pelo crime», é, decerto, nas normas que, no sistema, tutelam bens pessoais que essa expectativa da comunidade na validade dessas normas, na restauração da paz jurídica, encontra o seu pleno sentido e a sua máxima expressão. E se é a prevenção geral positiva que fornece uma “moldura de prevenção” não pode escamotear-se haver “dentro” dessa moldura de prevenção um efeito de prevenção geral negativa ou prevenção de intimidação que embora não constitua «por si mesma uma finalidade autónoma da pena pode surgir como um efeito lateral (porventura, em certos ou em muitos casos desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos»[15]. É ainda dentro da dita “moldura de prevenção” que «devem actuar, em toda a medida possível, pontos de vista de prevenção especial sendo assim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena[16]». Convirá resenhar de modo sucinto a conduta do arguido no dia 10 de Agosto sublinhando: - A atitude de se emboscar aguardando a chegada da vítima já munido da arma de fogo pronta a disparar (factos 27 e 28); - A surpresa inerente aos primeiros dois disparos, um dos quais logo atingiu a vítima (facto 29); - A perseguição que desencadeou aquando da tentativa de fuga da vítima com repetição de disparos e a confrontação que manteve com aquela, apesar de estar já ferida, visando concretizar o seu propósito (factos 32 a 38); - A circunstância de ter efectuado mais três disparos dois deles atingindo a vítima em zona não vital, por acção defensiva desta, e o projéctil do terceiro ter ficando encravado no fecho das calças de ganga, por feliz acaso. Tudo isto releva uma elevada ilicitude e um dolo directo intensíssimo que não é possível escamotear. Ponderando ainda a circunstância de o arguido ter já uma condenação por crime de detenção de arma proibida e tudo o que ficou provado no tocante ao seu modo de vida caracterizado pelo desfasamento em relação a um modo de vida activo e particularmente ainda a respeito da racionalização justificativa da sua conduta que mais não traduz afinal do que uma forma sublimada de desacreditação da vítima crê-se serem consistentemente fortes as razões de prevenção especial. Quanto à afirmação do recorrente de que se não vislumbram exigências de prevenção geral é ela desprovida de sentido, salvo o devido respeito. Que este tipo de comportamentos lesivo de bens jurídicos de tanto relevo projecta necessariamente fortes efeitos de prevenção geral negativa ou de intimidação, justificando a necessidade de uma «jurisprudência terapêutica», revela-o a realidade. Bastará notar, por exemplo, a este respeito que segundo o destaque estatístico de Novembro de 2016, da Direcção Geral da Política da Justiça, as condenações por homicídio conjugal nos tribunais de 1ª instância entre 2007 e 2015, incluindo aquelas em que a vítima é cônjuge ou companheiro(a) e abrangendo os crimes de homicídio simples, qualificado e privilegiado, nas formas tentada e consumada, ascende ao impressivo número total de 324 verificando-se uma forte prevalência dos casos em que a pessoa condenada é do sexo masculino numa variação anual entre os 83,3% e os 95%. E chegando a atingir o valor percentual de 13,8% do total de homicídios em território nacional, no ano de 2009[17]. Por isso, numa moldura penal com um mínimo de 3 anos e um máximo de 12 anos de prisão, a pena de 7 anos que foi imposta é, crê-se, equilibrada não merecendo censura. Refira-se, por último, que o pedido de redução da pena única tem somente por base o afirmado excesso da pena parcelar imposta pelo crime de ofensa à integridade física grave qualificada, matéria intocada como se acabou de referir, o que retira sentido a esta pretensão. * 6. – A demandante e assistente BB, também recorrente, deduziu pedido civil pedindo o pagamento, além do mais, de «quantia a liquidar em sede de execução de sentença pelos danos morais e patrimoniais originados pela estabilização e consolidação do quadro sequelar da demandante, o que ainda não sucedeu, impedindo a sua total quantificação». Na decisão proferida, em 2016.07.12, foi o arguido/demandando condenado a pagar o seguinte: - A quantia de € 30.000,00 pelos danos não patrimoniais neste momento considerados (dores, incómodos, limitações, sofrimentos, medos, angústias) por si sofridos, relegando-se para incidente de liquidação a fixação da compensação pelos danos não patrimoniais futuros, com o limite peticionado; - As despesas por esta suportadas com consultas de psiquiátrica/psicologia, bem como com medicação nestas prescrita, cuja quantificação dos respectivos montantes fica relegada para incidente de liquidação; com o limite peticionado; - Os montantes salariais que esta deixou e deixará de auferir em virtude da baixa médica e de situação de desemprego, deduzindo-se o que se vier a apurar ter sido pago à mesma pela Segurança Social pelo período de baixa, assim como os montantes pagos a título de subsídio de desemprego, cuja quantificação se relega, igualmente, para incidente de liquidação, com o limite do peticionado. A tais quantias acrescem juros legais devidos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil. Considera a demandante que a decisão recorrida é omissa a respeito do pedido de condenação em danos patrimoniais futuros decorrentes da existência do comprovado dano biológico, ainda não possíveis de quantificar. É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que «a afectação da integridade físico-psíquica usualmente denominada “dano biológico” (…) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade de exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais»[18] Efectivamente, no vasto campo de avaliação do dano corporal com tradução médico-legal tem hoje relevo o chamado dano-evento ou “dano biológico” como dano autonomizável em relação ao dano não patrimonial, a se, um dano psico-físico a ser indemnizado como tal resultante da valoração do direito à integridade física e psíquica com intervenção da equidade, naturalmente, mas não funcionando esta como «único ingrediente da receita»[19] antes procurando arrimo na avaliação médico-legal. Independentemente da existência, ou não, de rebate profissional e da perda de rendimento do trabalho. Como já foi afirmado «havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afectação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica de mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cabo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo»[20] Mas para equacionar a possível indemnização neste apontado campo, o do dano biológico, necessário se tornaria que os factos provados contivessem o essencial a tal respeito com apoio nos imprescindíveis relatórios periciais. Ora, o relatório pericial de fls 1002-1005/v, datado de 2016.06.15, termina com a seguinte conclusão relevante: «Dado que a situação ainda não se encontra estabilizada, deverá a examinanda ser submetida a novo exame após a data da alta das Consultas Externas de Cirurgia Geral e Ortopedia …». E, em conformidade, o ponto 62 dos factos provados é do seguinte teor: ---------------- [17]http://www.siej.dgpj.mj.pt/webeis/index.jsp?username=Publico&pgmWindowName=pgmWindow_636244091765312500 |