Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B394
Nº Convencional: JSTJ00000431
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: CONTRATO
CONCLUSÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ200205020003947
Data do Acordão: 05/02/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 681/2001
Data: 06/18/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 332 ARTIGO 406.
Sumário : O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado, em todas as cláusulas sobre as quais, qualquer delas tenha julgado necessário tal acordo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, Lda., intentou, a 27 de Março de 1998, acção declarativa, de condenação, contra B, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

a) a quantia a que se obrigou no montante de 13928370 escudos, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 1036042 escudos, e vincendos,
b) a quantia de 5000000 escudos a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Para tanto, em síntese, a autora alegou que, como empreiteira, celebrou com a ré, como dona da obra, um contrato de empreitada de construção de um edifício, pelo preço de 57218295 escudos, a pagar em diversas parcelas relacionadas com o andamento da obra. A ré só pagou as duas primeiras parcelas, não tendo pago as terceira e quarta parcelas, apesar de facturadas pela autora. Na sequência de negociações e da realização de uma peritagem foi acordado entre a autora e a ré a revogação do contrato, pagando a ré à autora a quantia de 11905210 escudos, acrescida de IVA. Foi, até, elaborada uma minuta escrita deste acordo mas a ré não a assinou. Entretanto, a ré tem denegrido o bom nome da autora.
A ré contestou, no que aqui e agora continua a interessar, no sentido de ser absolvida do pedido.

O Primeiro Juízo do Tribunal Cível da Comarca do Porto, por sentença de 18 de Julho de 2000, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 11904590 escudos, acrescida de IVA e de juros de mora a contar de 8 de Maio de 1998, e absolveu-a do restante pedido.

De harmonia com o respectivo discurso, o tribunal, tendo partido da quantia necessária à conclusão da obra, concluiu que os trabalhos executados eram no valor de 17626420 escudos. A este valor deduziu a quantia já paga, assim se tendo alcançado a de 11904590 escudos.

Em apelação da ré, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 18 de Junho de 2001, revogou a sentença e absolveu a ré do pedido.

Segundo este acórdão, a causa de pedir do primeiro pedido - o único cuja discussão permanece aberta - consiste na aceitação pela ré de um auto de medição efectuado e o compromisso assumido de liquidar à autora o montante de 11905210 escudos. Ora, a segunda componente que integra a causa de pedir, o aludido compromisso assumido pela ré de pagar à autora aquela quantia, não se provou, atenta a resposta de não provado dada ao décimo-quarto quesito.

Inconformada, a autora pede revista mediante a qual pretende a revogação do acórdão recorrido para ficar a valer o decidido pela sentença, dizendo-se que no acórdão se violou o disposto nos art.ºs 406º, 433º, e 289º do Cód. Civil.
A ré alegou no sentido de ser negada a revista.
O recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento.
A questão a decidir é a de saber se a ré deve ser condenada a pagar à autora a quantia de 11904590 escudos, acrescida de IVA e juros a contar da citação, com fundamento nas cláusulas do distrate do contrato de empreitada; tendo o acórdão recorrido, ao negar à autora esta pretensão, violado o disposto nos art.ºs 406º, 432º, 433º, e 289º do Cód. Civil.

A matéria de facto a considerar é adquirida pelo acórdão recorrido para cujos termos aqui se remete, de harmonia com o disposto nos art.ºs 713º, nº6, e 726º, ambos do Cód. de Proc.º Civil.

O disposto nos art.ºs 432º, 433º. e 289º do Cód. Civil não é convocável para a solução da questão que cabe julgar.
Na verdade, os art.ºs 432º e 433º do Cód. Civil e, por remissão do segundo, o 289º do mesmo Código, referem-se à resolução do contrato, ou seja, à sua destruição, com efeitos retroactivos (em regra), feita por uma das partes mediante adequada declaração negocial dirigida à outra, com fundamento num facto posterior à celebração do contrato.
Não é disto que aqui se tratou, de harmonia com o que foi alegado na presente acção.
Na espécie, as partes, perante o agravar dos seus diferendos a respeito da execução de um contrato de empreitada, negociaram entre si com vista à celebração de um outro contrato mediante o qual iriam revogar aquele contrato de empreitada, com possível pagamento de uma quantia a efectuar pela dona da obra (ré) à empreiteira (autora). Este contrato seria, precisamente, de distrate do contrato de empreitada.

Porém, apesar de se ter realizado determinada perícia cujo resultado até recebeu a aceitação das partes, o distrate nunca foi concluído.

O distrate, se tivesse sido concluído, seria eficaz e teria obrigado as partes, de harmonia com o disposto no art.º 406º do Cód. Civil (preceito legal este correctamente convocado pela recorrente).
O que sucede é que não se provou que o distrate haja sido concluído.

As partes chegaram a acordo no sentido da revogação (resposta afirmativa ao quesito décimo-sexto) mas não a respeito da quantia a pagar pela ré à autora (resposta negativa ao quesito décimo-quarto).

Por isto mesmo, a minuta preparada em escritório de advogado formalizando o distrate nunca foi assinada (escrito de fls. 33 a 35).
Ora, nos termos do disposto no art.º 332º do Cód. Civil,
o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.
Por isto, não se tendo celebrado o distrate, tal contrato, meramente projectado, nunca concluído, não obriga as partes. Daqui que, no acórdão recorrido, ao absolver-se a ré do pedido de cumprimento de uma das suas projectadas cláusulas, se não haja violado o disposto no art.º 406º do Cód. Civil.
O incumprimento do contrato de empreitada pela ré, pelo que respeita à obrigação de pagamento do preço, não é objecto do presente recurso de revista visto que não vem fundamentado na violação do disposto nos art.ºs 1207º e 1211º do Cód. Civil.
Em todo o caso - e tendo em especial a roupagem que a autora vestiu à causa de pedir na réplica - observa-se que as quantias cujo pagamento a autora reclamou da ré respeitam às terceira e quarta parcelas do preço, consoante as facturas fotocopiadas a fls. 21 e 22.
Ora, acontece que não se provou que as obras correspondentes a tais parcelas do preço hajam sido executadas pela autora, atentas as respostas de não provado dadas aos quesitos primeiro e terceiro.

Pelo contrário, até se provou que a ré abandonou a obra na sua fase inicial, isto é, durante a construção das fundações (resposta afirmativa ao quesito vigésimo-segundo).
Quer isto dizer que a ré nem sequer levou a cabo a parte da obra que justificaria o pagamento da terceira parcela do preço.

Da circunstância de os peritos, convocados para apurar com rigor o estado da obra e consequentemente, face ao valor global da empreitada, determinar com base na medição da obra qual o montante em débito à autora, terem respondido que o montante necessário para concluir a obra é de 39591875 escudos, não resulta que o valor do trabalho efectuado seja a diferença entre este montante e o do preço da empreitada. O que cabe que considerar é o teor do contrato celebrado entre as partes e o faseamento dos pagamentos com relação ao adiantamento dos trabalhos, como acima se procedeu.
Pelo exposto acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista à autora.
Custas pela autora.

Lisboa, 2 de Maio de 2002
Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês,
Ilídio Gaspar Nascimento Costa,
Dionísio Alves Correia.