Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
115/16.3T8VNC-B.G1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO FINAL
RECLAMAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I- Quanto às decisões interlocutórias, isto é, aquelas que foram processualmente suscitadas, na ponderação de uma intercorrência processual, decidindo sobre questões processuais que não importaram na extinção da instância, releva atender aos acórdãos nos quais se vertam questões de natureza adjetiva suscitadas ex novo no Tribunal da Relação, designadas na doutrina e jurisprudência por decisões interlocutórias novas, que o regime  resulta da articulação do disposto no art.º 673 e 671, n.º4, a saber, a impugnação desses acórdãos é deferida para a revisa interposta ao abrigo do n.º 1, do art.º 671, a não ser que tal determine a absoluta inutilidade do que venha a ser decidido, bem como existindo norma que possibilite a sua admissão, caso em que é admissível o recurso autónomo, art.º 673; relativamente a tais acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, que carecendo de autonomia, seriam acoplados ao recurso previsto no n.º1, do art.º 671, não sendo este último admissível, caso da dupla conforme, ou optando o vencido pela não interposição, a impugnação de tais acórdãos da Relação é deferida para depois do trânsito em julgado daquele, enquadrável no n.º 1, do art.º 671, ficando a respetiva admissão condicionada à verificação de um interesse objetivo, n.º 4, do art.º 671.

II- As indicadas decisões interlocutórias velhas reportam-se às que já tinham sido objeto de apreciação na 1.ª instância, são admitidas em termos restritos, obedecendo tais designadas “revistas continuadas”, ao regime previsto no art.º 671, n.º 2, isto é, quando o recurso seja sempre admissível, art.º 629, n.º 2, a) a c), ou quando se verifique uma contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito.

Decisão Texto Integral:


Reclamação n.º 115/16.3T8VNC-B.G1-A.S1

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A – RELATÓRIO

Resultam da certidão eletrónica remetida, bem como da consulta efetuada no Citius, as seguintes ocorrências processuais, tidas como relevando para o conhecimento da reclamação apresentada da Decisão singular que conheceu da Reclamação nos termos do art.º 643, do CPC:

1. AA veio em 15.09.2016 instaurar processo especial de revitalização, sendo declarada a respetiva insolvência em 7.03.2017.

1.1. Requerida a exoneração do passivo restante, foi a mesma admitida liminarmente em 4.05.2017.

1.2. Em 10.04.2022 a Habilitante, P...– Unipessoal, Lda., pediu a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.

Proferido despacho a julgar que o Habilitante carecia de legitimidade para formular tal pretensão, e declarado findo o período de cessão de rendimentos, em 12.04.2022, foi concedida a exoneração em 12.05.2022 ao Devedor.

2. Encerrado o processo de insolvência, no âmbito da assembleia de credores em 26.04.2017, por insuficiência da massa insolvente, foi declarado extinta a verificação e graduação de créditos, na qual a sentença não fora ainda proferida, decisão de 19.06.2017 (apenso A).

3. Em 7.11.2019, P...– UNIPESSOAL, LDA. veio requer habilitação de cessionário contra AA, (Apenso B) para ser habilitada como credora para todos os efeitos legais, no lugar do cedente “Novo Banco, S.A” e na qualidade de cessionária dos créditos identificados, passando a constar como credora reclamante na plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais.

3.1. Alega para tanto que por escrito de 9 de Outubro de 2019  adquiriu ao Novo Branco, SA., os créditos emergentes, bem como as suas garantias e acessórios de dois  contratos de financiamento, encontrando-se por reembolsar ao Banco o montante total de 16.000.000,00€, pois que deles é devedor o Insolvente, como avalista, tendo o Cedente e Cessionária comunicado o contrato de cessão ao Insolvente, por cartas registadas de 7 de Outubro e 18 de Outubro de 2019, não tendo este último manifestado oposição.

Á Requerente assiste interesse em agir na insolvência, pois é titular ativa da relação material controvertida, cabendo-lhe o direito a prosseguir como credora nesse processo, enquanto cessionária.

3.2.  O Requerido apresentou contestação, invocando a inexistência de uma relação substantiva em litígio, e assim vedado à Requerente substituir processualmente o credor cedente através de um incidente de habilitação, não podendo ser promovido por não admissível na hipótese subjuditio, tendo o processo de insolvência sido encerrado, determinando a extinção da instância insolvencial.

Mais invocou a nulidade da cessão de créditos por simulação absoluta, consubstanciando uma fraude à lei.

Subsidiariamente, que a transmissão efetuada, ainda que simulada, foi feita apenas para tornar mais difícil a posição do Requerido no procedimento de exoneração do passivo restante.

Impugnou também o factualismo aduzido.

4. Por despacho de 26.01.2020 foi fixado ao incidente o valor de 75.000,00€, e apreciada a impossibilidade/inutilidade da habilitação de cessionário, sendo julgado admissível o presente incidente de habilitação de cessionário, ordenando-se o prosseguimento dos autos para o conhecimento das demais questões suscitadas.

5. Realizado o julgamento com várias vicissitudes processuais, em 21.05.2022 foi proferida sentença, que na procedência do incidente, julgou habilitada a Requerente, P...– Unipessoal, Lda., como cessionária na posição até então ocupada por Novo Banco, SA, credor reclamante no processo de que esse incidente constituía apenso.

6. Em 17.06.2022, inconformado, veio o Requerido interpor recurso de apelação, abrangendo também o despacho proferido em 26.01.2020, decisão intercalar[1], sendo proferido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 3.11.2022[2], no qual não se reconhecendo os argumentos invocados pelo recorrente neste recurso de apelação para defender que não é admissível a habilitação de cessionário por não existir processo pendente e não existir cessão de direito em litígio improcede a pretensão da revogação do despacho recorrido que admitiu o incidente, julgou improcedente o recurso de apelação do despacho e da sentença recorrida.

6.1. O Acórdão foi notificado às partes, eletronicamente, em 4.11.2022.

7. Em 13.12.2022, sob a invocação da prática do ato no 3.º dia útil seguinte ao termo do prazo, vem o Requerido interpor recurso de revista do acórdão da Relação de Guimarães de 3.11.2022, no segmento em que julgou admissível o incidente de habilitação.

7.1. Nas alegações apresentadas, ora relevantemente, formula as seguintes conclusões: (transcritas)

1.ª– Decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas ao longo do processo, e que não põem termo à instância;

2.ª – Dentro da espécie das decisões interlocutórias da Relação há que distinguir entre as decisões intercalares novas e velhas: no primeiro caso, a Relação conheceu de uma questão nova no processo; no segundo caso, a Relação conheceu de uma questão que fora julgada na 1.ª instância;

3.ª – Relativamente às decisões interlocutórias novas da Relação rege o disposto no art.º 673.º do CPC; por sua vez, a recorribilidade das decisões interlocutórias velhas de 2.º grau está prevista nos n.ºs 2 e 4 do art. 671.º do CPC;

 4.ª – Em regra, a impugnação dos acórdãos da Relação que apreciam decisões interlocutórias que recaiam sobre a relação processual (quando admissível, nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC), é diferida para o recurso das decisões finais previstas no n.º 1 do art. 671.º do CPC; essa regra comporta, contudo, a exceção expressamente prevista no n.º 4 do art. 671.º do CPC, que reproduz o n.º 4 do anterior art. 721.º, na redação introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto;

5.ª – Por conseguinte, não havendo ou não sendo admissível recurso da decisão da Relação a que possa acoplar-se a impugnação dos acórdãos intercalares, a parte interessada pode interpor recurso autónomo, no prazo de 15 dias, depois daquele transitar em julgado;

6.ª – Ou seja, o n.º 4 do art. 671.º do CPC permite a impugnação, num recurso autónomo, de decisões interlocutórias da Relação que não seja possível integrar no recurso do acórdão final, por este não ser admissível ou, sendo-o, a parte vencida optar pela não interposição da revista;

7.ª – A apreciação da decisão interlocutória da Relação fica apenas condicionada à verificação de um interesse objetivo do recorrente, à semelhança do que, relativamente à apelação, está previsto no n.º 4 do art. 644.º do CPC;

8.ª – Ainda que formalmente único, o acórdão recorrido integra duas decisões distintas e autónomas: uma que recai sobre o despacho da 1.ª instância de 26.1.2020 que julgou admissível o incidente de habilitação, e outra que confirmou a sentença de fls…

9.ª – No segmento em que julgou admissível o incidente de habilitação, o acórdão recorrido constitui uma decisão interlocutória velha incidente sobre a relação processual, isto é, uma decisão da Relação que teve por objeto uma questão que já fora julgada pela 1.ª instância;

10.ª – Uma vez que a impugnação de acórdão da Relação que aprecie decisão interlocutória da 1.ª instância não cabe no âmbito do n.º 1 do art. 671.º do CPC, estamos caídos na previsão do n.º 4 da mesma disposição legal;

11.ª – Com efeito, resulta do n.º 4 do art. 671.º do CPC que da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por ausência de recurso da decisão final são ressalvados os acórdãos que tenham interesse para o recorrente independentemente dessa decisão, tal como previa o n.º 4 do anterior art. 721.º;

12.ª – Sendo que, na hipótese subjudice, se verifica o interesse objetivo do recorrente na revogação da decisão interlocutória recorrida, na parte que julgou admissível o incidente de habilitação;

13.ª – Na realidade, a questão do não preenchimento dos requisitos de admissibilidade do incidente de habilitação situa-se a montante da sentença que declarou habilitada a recorrida, revestindo uma natureza prévia e prejudicial;

14.ª – Daí que, revogado que seja o acórdão recorrido no segmento dispositivo em causa, daí segue-se a inadmissibilidade do incidente de habilitação por falta de verificação dos requisitos legais, aí residindo o interesse objetivo do recorrente;

(….)

7.2. A Recorrida veio apresentar a seguinte resposta, na parte ora relevante: (transcrita)

Vem a recorrente pedir a impugnação de uma alegada decisão interlocutória da Relação, buscando amparo, para sustentar a revista, no artigo 671.º n.º 2 e 4.º do Código de Processo Civil, mas sucede, porém, que não existe nos autos qualquer decisão interlocutória do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que seja suscetível de ser impugnada por esta via.

Outrossim, verifica-se que, tal como elencado factualmente na douta alegação, ocorreu, de facto, uma decisão interlocutória do Tribunal de Primeira Instância que foi impugnada por via da apelação instaurada pelo recorrente e que, tal como sucedeu com a decisão final, foi confirmada “in totum” pelo Acórdão do Tribunal da Relação proferido nos autos.

Ou seja, de facto, o que o recorrente pretende e quer colocar em causa, não é nenhuma decisão interlocutória do Tribunal da Relação que seja suscetível de cair na previsão do artigo 671.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, pois nenhum acórdão foi proferido foi proferido na “pendência do processo na Relação”, como expressamente se exige naquele normativo, mas, verdadeiramente, a Decisão final constituída pelo Acórdão confirmativo da Decisão de primeira instância.

Aquilo que, ao cabo e ao resto, pretende o recorrente, equivale a fazer repristinar o estabelecido, outrossim, pelo artigo 644.º, n.º 4 daquele catálogo adjetivo, querendo impugnar, agora, transitada a Decisão final do processo, uma decisão interlocutória proferida na realidade pelo Tribunal de primeira instância.

Mas tal recurso apenas seria possível se não houvesse sido instaurado recurso contra essa decisão final, e, no caso, não só foi instaurado, como julgado improcedente, confirmando a Relação, por decisão final, quer a Sentença proferida, quer a decisão interlocutória do douto Despacho, ambos da primeira instância.

Conforme preceitua o artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não é admitida a revista do Acórdão da Relação que confirme a Decisão de primeira instância (sem voto vencido e na falta de fundamentação essencialmente distinta), pelo que, para que este recurso pudesse ser admitido, caberia ao recorrente convencer da admissibilidade daquele recurso por via excecional, com fundamento no estabelecido pelo artigo 672.º, n.º 1, alínea a), b) ou c) da mesma codificação.

O que, nos termos do próprio recurso, não sucedeu, nem foi alegado.

Pelo que a presente revista não pode sequer ser admitida.

(…)

8. Foi proferido Despacho pela Desembargadora Relatora nos seguintes termos:

“Indefiro liminarmente o recurso de revista interposto a 13.12.2022 em relação ao acórdão proferido nestes autos a 03.11.2022, uma vez:

a) Que o acórdão de 03.11.2022 conheceu o objeto do recurso de apelação da sentença proferida pela 1ª instância no incidente de habilitação de cessionário, e, nesta medida, não se trata de decisão proferida na pendência do processo na Relação (que pudesse revestir interesse para o recorrente independentemente de acórdão proferido sobre o objeto do recurso e irrecorrível), para que pudesse aplicar-se o regime do nº4 do art.671º do C. P. Civil.

b) Que, a ser admissível recurso do acórdão de 03.11.2023, o recurso deveria ser interposto no prazo de 15 dias após a sua notificação, por ter sido proferido em recurso de processo urgente (art.9º/1 do CIRE, arts.638º/1 e 677º do C. P. Civil), prazo este não observado uma vez que o recurso de revista foi interposto no 3º dia útil após o decurso do prazo de 30 dias, contado desde a notificação às partes deste acórdão desta Relação.”

9. O Recorrente veio apresentar reclamação no âmbito do art.º 643, do CPC, do Despacho de inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto artigo 643.º do Código Processo Civil, com os seguintes fundamentos: (transcritos)

1. No atual modelo de tramitação dos recursos ordinários, findos os prazos concedidos às partes (recorrente(s) e recorrido(s)) para alegarem, as peças processuais são submetidas ao tribunal (juiz da 1.ª instância ou relator na Relação) que proferiu a decisão recorrida, o qual se pronunciará sobre a admissão ou rejeição do recurso (art. 641.º, n.º 1, CPC).

Se nada obstar, o juiz ou desembargador relator ordena a subida do recurso de apelação ou de revista; se, pelo contrário, se concluir nessa apreciação liminar que o recurso não deve ser admitido é proferido despacho de rejeição.

No caso de revista, a competência para admitir ou rejeitar o recurso cabe ao relator do acórdão recorrido.

Nos termos do n.º 2 do art. 641.º do CPC, o requerimento de recurso é indeferido quando:

a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora do prazo ou que o recorrente não tem as condições necessárias para recorrer;

b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou esta não tenha conclusões.

Adicionalmente, o requerimento de recurso pode ser indeferido por falta insanável de pressupostos processuais gerais – v. g., falta de incompetência absoluta do tribunal a quo ou do tribunal ad quem (arts. 99.º, n.º 1 e 577.º, al. a) do CPC).

Por conseguinte, são pressupostos de recorribilidade:

a) A decisão admitir recurso, em termos gerais ou especiais;

b) O recurso ser interposto atempadamente;

c) O recorrente ter as condições necessários para recorrer, maxime a legitimidade recursória (cfr., art. 631.º CPC);

d) O recurso conter a alegação do recorrente e as conclusões, tal como imposto pelos arts. 637.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1, do CPC.

Como sublinha Rui Pinto, “estes fundamentos (i) são taxativos e (ii) devem ser interpretados tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (in Manual do Recurso Civil, vol. I, 2020, pg. 325).

Isto dito.

2. No requerimento de interposição do recurso de revista, o reclamante invocou expressamente o art. 671.º, n.º 4, do CPC, como fundamento de recorribilidade do Acórdão da Relação de Guimarães de 3.11.2022, e delimitou o objeto recursório ao segmento dessa decisão em que foi julgado admissível o incidente de habilitação.

E, nas alegações de recurso, o reclamante sustentou a admissibilidade do recurso (n.ºs 1 a 5 da motivação) nos termos que, depois, condensou nas conclusões (1.ª a 14ª).

Para justificar o “indeferimento liminar” da revista, o despacho sob reclamação começa por invocar que, tendo o acórdão recorrido conhecido da apelação da sentença da 1.ª instância proferida no incidente de habilitação de cessionário, não constitui uma “decisão proferida na pendência do processo na Relação”, “para que pudesse aplicar-se o regime do n.º 4 do art. 671.º do CPC”.

Salvo o devido respeito, o despacho reclamado labora em manifesto erro de julgamento.

Em primeiro lugar, não é exata a premissa em que assenta o raciocínio da decisão em exame.

Com efeito, o acórdão recorrido contém duas decisões distintas: uma que recaiu sobre o despacho da 1.ª instância de 26.1.2020 que decidiu no sentido da admissibilidade do incidente de habilitação, e outra que teve por objeto a sentença de 21.5.2022 que conheceu do mérito do incidente.

Ou seja, ainda que formalmente único, o acórdão recorrido integra duas decisões distintas que recaíram sobre objetos processuais autónomos e autonomizados.

No segmento em que, confirmando a decisão da 1.ª instância, julgou admissível o incidente de habilitação, o acórdão recorrido constitui uma decisão interlocutória incidente sobre a relação processual.

Com efeito, “as decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas ao longo do processo, e que não põem termo à instância, em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, o da impugnação diferida e concentrada com o recurso da decisão final” – cfr. Ac. STJ de 9.3.2021, P. 2616/17, em www.dgsi.pt; v. d., na doutrina, Rui Pinto, CPC Anotado, vol. II, 2018, pg. 353.

E, dentro da categoria das decisões interlocutórias, trata-se de uma decisão interlocutória velha, por se tratar de uma decisão na Relação que teve por objeto uma questão que já fora julgada pela 1.ª instancia – cfr. Rui Pinto, CPC Anotado, vol. II, 2018, pgs. 352-353.

As decisões interlocutórias velhas estão previstas nos n.ºs 2 e 4 do art. 671.º do CPC, regendo o art. 673.º do mesmo compêndio legal para as decisões interlocutórias novas.

Em regra, a impugnação das decisões interlocutórias da Relação (quando admissível nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC) é diferida para o acórdão final, isto é a decisão de 2.º grau que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.

Ou seja, a regra aplicável aos acórdãos cujo objeto sejam decisões interlocutórias da 1.ª instância é o da sua irrecorribilidade autónoma.

Esta regra comporta, porém, a exceção prevista expressamente no n.º 4 do art. 671.º do CPC que, reproduzindo, ipsis verbis, o n.º 4 do anterior art. 721.º, na redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, reza assim:

“Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito”.

Trata-se de um preceito paralelo ao do n.º 4 do art. 644.º do CPC, relativo à apelação.

Por conseguinte, não havendo ou não sendo admissível recurso do acórdão da Relação a que possa acoplar-se a impugnação dos acórdãos intercalares, a parte interessada pode interpor recurso autónomo, no prazo de 15 dias, depois daquele transitar em julgado” – cfr., A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.º ed., pg. 395.

No caso dos autos, não é admissível recurso de revista do acórdão recorrido na parte em que julgou de mérito o incidente de habilitação por a tanto obstar a regra da dupla conformidade e não se verificar, relativamente a esse segmento dispositivo, nenhuma das situações excecionais previstas no n.º 2 do art. 629.º para que remete a ressalva contida no n.º 3 do art. 671.º, ambos do CPC.

Não sendo admissível, nessa parte, o recurso de revista a que possa acoplar-se a impugnação de decisão interlocutória da Relação que julgou admissível o incidente, está-se caído na previsão do n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Como assinala certeiramente Rui Pinto, “a contrario, a acessoriedade da impugnação das decisões interlocutórias dita que se não houver ou não for admissível revista das decisões previstas no n.º 1 do art. 671.º as mesmas não podem ser impugnadas em revista.

No entanto, a lei prevê no n.º 4 do art. 671.º, uma salvaguarda, semelhante à que vigora em sede de recurso de apelação, no n.º 4 do art. 644.º “. (in CPC, vol. II, 2018, pg. 387).

No mesmo sentido, discreteando com a clareza e assertividade que são o seu timbre, escreveu A. Abrantes Geraldes:

Se acaso o acórdão da Relação proferido nos termos do n.º 1 não admitir recurso (v. g. em casos dupla conforme ou por via da sucumbência) ou, sendo admitido, a parte vencida optar pela não interposição do recurso, a impugnação do acórdão interlocutório da Relação é diferida para o momento posterior ao trânsito em julgado do acórdão a decisão final  (n.º 4 do art.º 671)…” (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª ed.pg 346).

Em suma, o n.º 4 do art. 671.º do CPC permite a impugnação, num recurso autónomo, de decisões interlocutórias da Relação que não seja possível integrar no recurso do acórdão final, por este não ser admissível ou, sendo-o, a parte vencida optar pela não interposição de revista.

Pelo que, sendo o acórdão recorrido, na parte em que julgou admissível o incidente de habilitação uma decisão interlocutória, e não havendo recurso para o STJ da decisão final de mérito, a revista deve ser admitida ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Em segundo lugar, e não menos decisivamente, para que o recurso seja admitido o recorrente não tem que demonstrar a verificação do fundamento específico invocado; cabe ao Tribunal ad quem apreciar a existência do pressuposto específico de recorribilidade, não tendo o Tribunal a quo poder jurisdicional para tanto.

Veja-se o lugar paralelo do recurso de revista interposto com fundamento em ofensa de caso julgado.

Nesse caso, tal como no subjuditio, sendo o fundamento de recorribilidade comum ao do recurso, basta a indicação do fundamento para que a revista seja admitida; saber se o fundamento do recurso procede é questão de mérito de que só o Supremo Tribunal de Justiça é competente para conhecer.

É este, precisamente, o ensinamento de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro:

“O fundamento especifico da recorribilidade pode ser intrínseco (à decisão), confundindo-se com o fundamento do recurso (v. g., arts. 629.º, n.º 2, als. a) e b), e 630.º, n.º 2. Nesse caso, só o tribunal competente para conhecer do mérito do recurso pode decidir do fundamento da recorribilidade, que é comum ao do recurso – por exemplo, ofensa ao caso julgado. Para que o recurso seja admitido pelo tribunal a quo – reunidos que estejam os restantes pressupostos (art. 641.º, n.ºs 1 e 2) – basta ao recorrente indicar o fundamento referido neste número” (in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil. Vol. II, 2014,

Ao indeferir “liminarmente”  o recurso, a Senhora Desembargadora-Relator decidiu do fundamento do recurso, o que está vedado ao tribunal recorrido por se tratar de uma competência exclusiva do Tribunal de recurso.

A própria expressão utilizada (“indefiro liminarmente o recurso interposto”) evidenciou, mesmo aos olhos de quem não seja entendedor de semiótica, que se trata de uma decisão sobre o mérito do recurso.

Interpretado o art. 641.º, n. 2, al. a) de que o recurso pode ser rejeitado com base num juízo sobre o seu fundamento, tal interpretação padece de inconstitucionalidade material por violação do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, o que se deixa expressamente suscitado para efeitos de fiscalização pelo Tribunal Constitucional.

3. Mesmo que se entenda que o Tribunal da Relação (rectius: o relator) se pode pronunciar sobre a improcedência do fundamento do recurso – o que não se concede e apenas se configura a benefício de raciocínio –, pode concluir-se que estão verificados os pressupostos da aplicabilidade do n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Como se deixou antedito, da regra de não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por não haver recurso da decisão final são excetuados os acórdãos que tenham interesse para o recorrente independentemente dessa decisão (final), tal como prevê o n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Na espécie, verifica-se o interesse objetivo do recorrente/reclamante na revogação do acórdão interlocutório recorrido, na parte em que julgou admissível o incidente da habilitação.

Na verdade, a questão do não preenchimento dos requisitos de admissibilidade do incidente de habilitação (mormente a natureza não litigiosa do crédito cedido) situa-se a montante do juízo de mérito sobre o incidente, revestindo natureza prévia e prejudicial relativamente à decisão final.

Revogado que seja o acórdão recorrido, na parte que é objeto de recurso de revista interposto, daí segue-se a inadmissibilidade do incidente de habilitação por falta de verificação dos respetivos requisitos legais.

Vale isto por dizer que o recurso sub judice corresponde a um interesse independente da decisão final do incidente de habilitação: sendo a decisão interlocutória recorrida autónoma, não é consumida pela decisão final sobre o mérito do incidente.

Conforme sublinha o Ac. STJ de 31.3.93, P. n.º 083789, em www.dgsi.pt, verifica-se o interesse na apreciação de decisão interlocutória da Relação, independentemente da decisão final, quando a primeira (decisão interlocutória) verse sobre qualquer ponto não solucionado na segunda (decisão final).

Para finalizar neste ponto, há que ter presente que um recurso só deve ser rejeitado quando for ostensiva a falta de pressuposto específico; qualquer dúvida sobre a sua verificação deverá ser resolvida no sentido da admissibilidade do recurso, de modo a não pôr em causa a imagem de imparcialidade do julgador.

Consequentemente, em derradeira alternativa, o despacho reclamando viola o principio pro actione ou favor actionis consagrado nos n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da CRP, e concretizado no art. 2.º, n.º 1, do CPC.

Decorre deste princípio que as normas de processo civil devem ser interpretadas segundo o sentido mais favorável ao exercício do direito de ação (no qual se inclui o direito ao recurso), sendo de afastar soluções formalmente severas, violadoras do processo equitativo.

A Constituição, embora não consagre um direito irrestrito ao recurso, garante, todavia, a interpretação mais favorável ao uso das vias recursivas que estejam legal e tipicamente positivadas.

Justamente, no domínio dos recursos vigora o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, consagrado no art. 627.º, n.º 1, do CPC, e da consequente excecionalidade dos casos de irrecorribilidade – cfr., Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1987, pg.40; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1994, pg. 151; Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 2005, pg. 107, e Rui Pinto, O Recurso Civil, Uma Teoria Geral, 2017, pg. 205.

4. O segundo argumento esgrimido para rejeitar o recurso prende-se com a sua alegada intempestividade.

A invocação de o recurso não ter sido interposto em tempo só pode ficar a dever-se a um manifesto equívoco, que, aliás, ressuma dos próprios termos da decisão em escrutínio.

Diz-se “expressis et apertis verbis” no despacho sob reclamação:

b) Que, a ser admissível recurso do acórdão de 03.11.2023, o recurso deveria ser interposto no prazo de 15 dias após a sua notificação, por ter sido proferido em recurso de processo urgente (art. 9.º/1 do CIRE, arts. 638.º/1 e 677.º do C.P. Civil), prazo este não observado uma vez que o recurso de revista foi interposto no 3.º dia útil após o decurso do prazo de 30 dias, contado desde a notificação às partes desde acórdão desta relação”.

Ao contrário do decidido, o início do prazo de 15 dias para a interposição do recurso, conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão final, como resulta expressamente da letra do n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Tendo em conta que o acórdão recorrido, proferido em 3.11.2022, se considera notificado em 7.11.2022, a partir dessa data iniciou-se o prazo de 15 dias para o trânsito em julgado.

O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art. 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.

Significa isto que só pode considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso.

Quanto aos recursos interpostos na 2.ª instância, o prazo normal de interposição é de 30 dias, que, contudo, é reduzido para 15 dias nos recursos de revista interpostos no âmbito de processos urgentes e nos interpostos de acórdãos intercalares previstos no art. 677.º do CPC (art. 638.º, n.º 1, do CPC).

No caso dos autos, seja por se estar no âmbito de um processo urgente seja por se tratar de um recurso de acórdão interlocutório da Relação, o prazo para o trânsito em julgado é de 15 dias, tendo-se consumado em 22 de Novembro de 2022.

Nos dizeres expressos do n.º 4 do art. 671.º do CPC, é a partir do trânsito em julgado da decisão final (que, no caso, ocorreu em 22.11.2022) que se iniciou o prazo 15 dias para a interposição do recurso de revista da decisão interlocutória da Relação.

O prazo de 15 dias para a revista autónoma prevista no n.º 4 do art. 671.º terminou em 7 de Dezembro de 2022, podendo ainda o ato ser praticado, independentemente de justo impedimento, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo (art. 139.º, n.º 5, do CPC).

Donde, o recurso podia ser apresentado até 13.12.2022 (correspondente ao 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo), pelo que tendo dada a entrada em juízo nessa data, foi interposto atempadamente.

Aliás, no próprio despacho em reclamação é reconhecido que “o recurso de revista foi interposto no 3.º dia útil após o decurso do prazo de 30 dias”, residindo o erro de julgamento no facto de não ter atentado que o prazo de 15 dias para interposição do recurso apenas se inicia com o trânsito em julgado que, por sua vez, apenas se verifica depois de decorridos 15 dias sobre a notificação da decisão. Ou seja, no caso em apreço o prazo para a interposição da revista reconduz-se, de facto, segundo a enunciada tramitação processual, a 30 dias, a que acresce o prazo de 3 dias úteis facultado às partes em termos gerais no n.º 5 do art. 139.º do CPC.

5. Nos termos do art. 641.º, n.º 6, do CPC, a decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no art. 643.º do mesmo diploma legal.

Assim, se o relator rejeitar o recurso ordinário interposto de uma decisão proferida pela Relação, a impugnação é feita através de reclamação a interpor diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, não havendo lugar à intervenção da conferência.

10. Foi proferida Decisão singular que indeferiu a Reclamação deduzida.

11. O Reclamante veio requerer a submissão à Conferência, invocando, sobre a sua pretensão:

5. As decisões das instâncias podem ser finais ou interlocutórias.

6. Constituem decisões formalmente finais as que extinguem a instância, nos termos do art. 277.º do CPC.

7. Por sua vez, constituem decisões materialmente finais as que decidem do mérito da causa, no todo ou em parte.

8. Em sede de apelação, a lei prevê dois regimes distintos de recurso das decisões proferidas em 1.ª instância: apelação imediata e apelação diferida.

9. São de apelação imediata as decisões finais e as decisões interlocutórias previstas no n.º 2 do art. 644.º   o CPC.

10. Estão sujeitas a apelação diferida e acessória todas as demais decisões interlocutórias (n.º 3 do art. 644.º do CPC), salvo as do n.º 4 do art. 644.º do CPC, que são decisões diferida e autonomamente apeláveis.

11. As decisões formalmente finais são as referidas na al. a), do n.º 1 do art. 644.º do CPC: decisões, proferidas em 1.ª instância, que ponham termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente.

12. A al. b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC reporta-se às decisões materialmente finais, que, embora não ponham termo ao processo, decidem de parte do mérito da causa ou absolvem parcialmente da instância.

13.Relativamente às decisões não finais (logo interlocutórias), algumas merecem, pela sua significância procedimental, recurso de apelação imediato e autónomo, à semelhança das decisões finais. A lei enuncia de modo típico essas decisões no n.º 1 do art. 644.º do CPC.

14. Todas as demais decisões interlocutórias estão sujeitas a recurso de apelação diferido e acessório: a sua recorribilidade depende do recurso da própria decisão final, ou seja, são decisões diferidas e acessoriamente apeláveis.

15. Por outras palavras, quanto às decisões interlocutórias da 1.ª instância que não podem ser objeto de recurso autónomo, a sua (re)apreciação pela Relação faz-se no âmbito da apelação das decisões finais previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC.

16. No entanto, algumas dessas decisões interlocutórias estão subtraídas à dependência do recurso da decisão final; são as decisões diferida e autonomamente apeláveis previstas no n.º 4 do art. 644.º do CPC: se tiverem interesse para o apelante independentemente da decisão final podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão

17. Por seu turno, o recurso de revista pode ter por objeto três grupos de decisões: decisões finais, decisões interlocutórias velhas e decisões interlocutórias novas.

18. Em paralelismo com o art. 644.º, n.º 1, do CPC, o art. 671.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal submete a recurso de revista o acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.

19. Quando julga a apelação ao abrigo do n.º 1 do art. 644.º do CPC, a Relação conhece do mérito ou profere outro tipo de decisão final.

20. Como pertinentemente advertem J. Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, em comentário à norma do n.º 1 do art. 671.º do CPC, “(…) a oração gerundiva final não é, como literalmente aparenta, um desenvolvimento do conceito de decisão que põe termo ao processo, acrescentando, isso sim, à previsão do artigo um outro tipo de decisão (como, com maior clareza, é feito no art. 644.º-1-b)” (in CPC Anotado, vol. 3.º, 3.ª ed., pg. 199).

21. Temos assim que todo o acórdão da Relação que, julgando sobre uma decisão proferida na 1.ª instância, conheça do mérito da causa ou extinga a instância é suscetível de revista, desde que se verifiquem os requisitos gerais do art. 629.º do CPC e não ocorra nenhuma das causas excludentes dos arts. 630.º, n.º 1, do CPC (poder discricionário) e 671.º, n.º 3, do CPC (dupla conforme).

22. A alusão no n.º 1 do art. 671.º do CPC à absolvição da instância deve ser entendida como abrangendo a extinção da instância por outro modo que não seja a decisão de mérito – cfr., A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª ed., pgs. 340-343; A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L.F. Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I., 2018, pg. 807.

23. Todas as restantes decisões da Relação não são material ou formalmente finais.

24. Há, então, que ter em conta se esses acórdãos apreciaram decisões interlocutórias da 1.ª instância – necessariamente não decididas nos termos finais a que se refere o n.º 1 do art. 671.º do CPC – ou se se trata de decisão interlocutória da própria Relação.

25. No primeiro caso, a Relação conhece de uma questão que já fora julgada na 1.ª instância; no segundo, a Relação conhece de uma questão nova no processo.

26. Relativamente às decisões interlocutórias da Relação, a sua impugnação é diferida, em princípio, para a revista interposta ao abrigo do n.º 1 do art. 671.º do CPC.

27. A acessoriedade da impugnação dos acórdãos interlocutórios da Relação determina, em princípio, que, se não houver ou não for admissível recurso das decisões previstas no n.º 1 do art. 671.º do CPC, as mesmas não podem ser impugnadas em revista.

28. Esta regra, é, porém, excecionada no n.º 4 do art. 671.º do CPC, que institui uma salvaguarda, semelhante à que vigora em sede recurso de apelação (art. 644.º, n.º 4,do CPC).

29. Assim, da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por não ter sido interposto recurso da decisão final ou o mesmo não ser admissível, são ressalvados, por força do disposto no n.º 4 do art. 671.º do CPC (correspondente ao anterior art. 721.º, n.º 4) os acórdãos cuja impugnação tenha interesse para o recorrente independentemente dessa decisão final.

30. A este propósito, escreve A. Abrantes Geraldes, comentando o art. 671.º do CPC:

Se acaso o acórdão da Relação proferido nos termos do n.º 1 não admitir recurso (v.g., em casos de dupla conforme ou por via da sucumbência) ou, sendo admitido, a parte vencida optar pela não interposição de recurso, a impugnação do acórdão interlocutório da Relação é diferida para momento posterior ao trânsito em julgado do acórdão sobre a decisão final (n.º 4 do art. 671.º), ficando a sua apreciação naturalmente condicionada pela verificação de um interesse objetivo, de modo semelhante ao que, para a apelação, está previsto no n.º 4 do art. 644.º” (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª ed., pg. 346).

30. Em suma, não havendo ou não sendo admissível recurso do acórdão da Relação a que possa acoplar-se a impugnação da decisão intercalar, a parte interessada pode interpor revista autónoma, no prazo de 15 dias após aquele transitar em julgado (n.º 4 do art. 671.º do CPC).

32. Feito este breve esboço do regime recursório, estamos munidos dos elementos necessários para interpretar o n.º 4 do art. 671.º do CPC.

Pois bem.

33. O n.º 4 do art. 671.º do NCPC corresponde ipsis verbis ao n.º 4 do art. 721.º do CPC de 1961, na redução introduzida pelo DL n.º 303/2007.

34. Os pressupostos de aplicação do n.º 4 do art. 671.º do CPC são os seguintes:

a) que não haja ou não seja admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1 do art. 671.º do CPC;

b) que se trate de acórdão proferido na pendência do processo na Relação;

c) Que a impugnação tenha interesse para o recorrente independentemente da decisão final.

Subsumindo ao caso dos autos.

35. O acórdão recorrido contém duas decisões distintas; uma, que recaiu sobre o despacho de 26.1.2020 que decidiu no sentido da verificação dos pressupostos de admissibilidade da habilitação de cessionário, e outra, que teve por objeto a sentença de 21.5.2022 que, conhecendo do mérito, julgou procedente o incidente.

36. Ou seja, ainda que formalmente único, o acórdão recorrido integra duas decisões distintas que recaíram sobre objetos processuais autónomos e autonomizados.

37. No segmento em que, confirmando a sentença da 1.ª instância, julgou procedente a habilitação, o acórdão recorrido pôs termo ao incidente: é, pois, uma decisão final, visto que com a sua prolação é extinta a instância (art. 277.º, al. a) do CPC).

38. Em face do efeito extintivo da instância que, nessa parte, promana do acórdão recorrido, está-se perante uma das situações em que, nos termos do n.º 1 do art. 671.º do CPC cabe recurso de revista, salvo nos casos de ocorrência de dupla conforme.

39. Na espécie, apesar de o acórdão recorrido constituir, no segmento dispositivo em análise, uma decisão final, dele não é possível, contudo, interpor recurso de revista por a tal obstar a conformidade decisória das instâncias (art. 671.º, n.º 3, parte inicial, do CPC).

40. Mostra-se, portanto, preenchido o primeiro elemento da previsão do n.º 4 do art. 671.º do CPC (“se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1”).

41. Por sua vez, o acórdão recorrido, na parte em que teve por objeto o despacho de 26.1.2020 que julgou estarem verificados os requisitos de admissibilidade do incidente, é uma decisão interlocutória velha.

 42.Trata-se de uma decisão interlocutória porque apreciou uma decisão intercalar da 1.ª instância – necessariamente não decidida em termos finais.

43. E cuida-se de uma decisão interlocutória velha porque, tendo sido proferida na pendência do processo na Relação, conheceu de uma questão que já fora julgada na 1.ª instância. – cfr., Rui Pinto, CPC Anotado, vol. II, 2018, pgs. 352-353.

44. Com efeito, “as decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas ao longo do processo, e que não põem termo à instancia, em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, o da impugnação diferida e concentrada com o recurso da decisão final” – cfr., Ac. STJ de 9.3.2021, Proc. n.º 2616/17.

45. A impugnação em revista das decisões interlocutórias velhas está regulada nos n.ºs 2 e 4 do art. 671.º do CPC, ao passo que as decisões interlocutórias novas são regidas pelo art. 673.º do mesmo catálogo legal. – cfr., Rui Pinto, CPC Anotado, vol. II, 2018, pg. 387.

46. Como sublinha J. Lebre de Freitas, em comentário ao art. 673.º do CPC, “trata-se de revistas novas, isto é, interpostas da decisão de questões normalmente de natureza processual, originadas e pela primeira vez decididas na própria relação” (in CPC Anotado, vol. 3.º, 3.ª ed., pg. 224).

47. O n.º 4 do art. 671.º do CPC tem por objeto os acórdãos da Relação que recaíram sobre decisões interlocutórias da 1.ª instância impugnadas acessória e diferidamente com o recurso da decisão final.

48. Já o n.º 2 do art. 671.º do CPC tem por objeto as decisões da Relação proferidas sobre o recurso de apelação autónomo respeitantes a questões processuais – cfr. J.Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 3.º. 3.ª ed., pg. 209.

49. Não é essa a hipótese dos autos.

50. A impugnação junto da Relação do despacho de 26.1.2020 foi feita diferida e acessoriamente com a apelação da sentença que julgou procedente a habilitação.

51. Ou seja, o acórdão recorrido não apreciou em apelação autónoma essa decisão interlocutória; apreciou-a, isso sim, acessoriamente, no âmbito do recurso da decisão final que conheceu de mérito do incidente.

52. Significa isto que o acórdão recorrido não se limitou a apreciar uma decisão interlocutória que, incidindo unicamente sobre a relação processual, tenha sido objeto de apelação autónoma, pelo que não tem aplicação o n.º 2 do art. 671.º do CPC.

53. É neste ponto decisivo que, salvo melhor juízo, reside o erro de julgamento da douta decisão em reclamação.

54. Uma vez que se trata, no segmento dispositivo em causa, de acórdão proferido no âmbito de impugnação de decisão interlocutória acoplada ao recurso da decisão final, estamos caídos na previsão do n.º 4 do art. 671.º do CPC, cujo regime é homólogo do previsto no n.º 4 do art. 644,º do CPC, relativo à apelação.

55. Neste sentido, afirma A. Abrantes Geraldes: “Não havendo ou não sendo admissível recurso do acórdão da Relação a que possa acoplar-se a impugnação de acórdão intercalares, a parte interessada pode interpor recurso autónomo, no prazo de 15 dias, depois daquele transitar em julgado” (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª ed., pg 395).

56. Na mesma linha de pensamento, observa Rui Pinto: “A contrario, a acessoriedade da impugnação das decisões interlocutórias dita que se não houver ou não for admissível revista das decisões previstas no n.º do art. 671.º as mesmas não podem ser impugnadas em revista. No entanto, a lei prevê no n.º 4 do art. 671.º uma salvaguarda, semelhante à que vigora em sede de apelação no n.º 4 do art. 644.º” (in CPC Anotado, vol. II, 2018, pg. 387).

57. Do exposto segue-se que “os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação” a que alude o n.º 4 do art. 671.º do CPC, são as decisões interlocutórias velhas cuja impugnação não é possível com o recurso da decisão final, por a revista não ser admissível ou não ter sido interposta.

58. Em síntese, o n.º 4 do art. 671.º do CPC permite a impugnação, num recurso autónomo, de decisões interlocutórias da Relação que não seja possível integrar na revista do acórdão final, por este não ser admissível ou, apesar de o ser, a parte vencida optar pela sua não interposição.

59. É precisamente o caso dos autos: por um lado, o acórdão recorrido, na parte em que julgou verificados os requisitos legais de admissibilidade da habilitação é uma decisão interlocutória velha e, por outro lado, o recurso de revista da decisão final que pôs termos ao incidente, nos termos do n.º 1 do art. 671.º do CPC, não é admissível em face da verificação da regra da dupla conforme. Finalmente, mostra-se outrossim preenchido o requisito do interesse do reclamante na impugnação da decisão interlocutória da Relação.

61. Na verdade, a questão do não preenchimento dos requisitos de admissibilidade do incidente de habilitação de cessionário (nomeadamente, a natureza não litigiosa do crédito cedido) situa-se a montante do juízo de mérito sobre o incidente, revestindo natureza prévia e prejudicial relativamente à decisão final.

62. De sorte que, revogado que seja o acórdão recorrido, daí segue-se a inadmissibilidade do incidente de habilitação por falta de verificação dos respetivos requisitos legais.

63. O mesmo é dizer que o recurso subjudice corresponde a um interesse independente da decisão final do incidente: sendo a decisão interlocutória autónoma (recte:prejudicial) não é consumida pela decisão final sobre o mérito do incidente. Conforme decidiu o Ac. STJ de 31.3.93 (Proc. n.º 083789, disponível em www.dgsi.pt), “verifica-se o interesse na apreciação de decisão interlocutória da Relação, independentemente da decisão final, quando a primeira (decisão interlocutória) verse sobre qualquer ponto não solucionado na segunda (decisão final)”. . A questão interlocutória (inadmissibilidade do incidente por falta de verificação dos requisitos legais), que é objeto da presente revista autónoma, não está coberta pelo caso julgado da decisão que julgou procedente a habilitação.

66. Em face da diversidade de natureza da questão interlocutória e da questão de mérito, é evidente que não ocorre tal consumpção.

67. A decisão de mérito não tem o efeito de precludir a apreciação do recurso quanto à questão interlocutória subjudice. Isso mesmo decorre expressamente do n.º 4 do art. 671.º do CPC.

68. Por outro lado, não é menos certo que o resultado da decisão da questão interlocutória pode influenciar o da decisão de mérito, mormente alterá-la.

69. É defeso, pois, concluir-se que, pelo facto de não ser admissível recurso da decisão de mérito, o reclamante não pode colher nenhuma vantagem da eventual procedência deste recurso quanto à questão interlocutória.

70. Pelo contrário.

71. É que, sendo revogado o acórdão recorrido, na parte em que julgou admissível o incidente, daí resultará a inutilização de todos os atos que sejam afetados pela procedência do recurso, entre eles a decisão final que julgou procedente a habilitação.

72. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o Ac. RG de 17.5.2018, Proc. n.º 4444/07: “Sendo revogada a decisão que rejeitou um meio de prova, tem de se produzir o meio de prova prejudicado pela rejeição e as diligências e os trâmites processuais não podem deixar de ficar sujeitos às vicissitudes do decidido. Assim, a procedência do recurso de apelação do despacho que rejeita um meio de prova implica a inutilização e a repetição de todos os atos que sejam afetados por aquela procedência, entre eles a sentença final proferida (n.º 2 do  artigo 195.º, Código de Processo Civil, aplicável por analogia), ficando, consequentemente, prejudicado o recurso da sentença anulada” (v.d., t.b., Ac. RL de 23.6.2022, Proc. n.º 1202/20, e jurisprudência aí citada.

73. Abordando esclarecida e proficientemente essa questão num post de 21.1.2016 (publicado no Blog do IPPC, com o título “Recurso de decisão interlocutória e suspensão do trânsito em julgado”), escreve M. Teixeira de Sousa: “(…) o espírito do sistema não pode ser outro que não o de que uma sentença final não pode transitar em julgado enquanto se encontrar pendente a apreciação de um recurso que incide sobre uma questão prejudicial dessa mesma sentença. Na verdade, a correção da sentença depende do sentido da decisão proferida no recurso”.

74. E conclui nos seguintes termos: “ - Enquanto estiver pendente um recurso sobre uma decisão interlocutória de cuja decisão depende a correção da sentença final, esta sentença não pode transitar em julgado.

- Depois do proferimento da decisão de recurso sobre a decisão interlocutória, pode verificar-se uma de duas situações:

(i) o recurso interposto da decisão interlocutória é decidido contra o recorrente; nesta hipótese, a sentença final transita em julgado no momento do trânsito em julgado da decisão de recurso;

(ii) o recurso interposto é decidido a favor do recorrente; nesta situação, há que aplicar, por analogia, o disposto no art. 195.º, n.º 2, CPC: a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os atos que sejam afetados por aquela procedência; entre esses atos inclui-se a sentença final”

75. Donde, à luz do ensinamento da doutrina e da jurisprudência, se o recurso subjudice for julgado procedente e, em consequência, revogado o acórdão recorrido na parte em que decidiu sobre a questão interlocutória da (in)admissibilidade do incidente, haverá que proceder à invalidação do despacho de 26.1.2020 e de todos os atos posteriores, incluindo a sentença de mérito sobre o incidente. – cfr., A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pgs. 156 e 57 e nota 223.

76. Em conclusão, é inquestionável o interesse objetivo do reclamante no recurso, pelo que estão verificados todos e cada um dos requisitos da revista autónoma regulados no art.º 671.º, n.º 4, do CPC.

Termos em que se requer que seja admitido o recurso a fim de a revista vir a ser decidida.

IIENQUADRAMENTO JURÍDICO

1. Na decisão singular proferida consignou-se:

“Em termos breves, o procedimento previsto no art.º 643, do Código do Processo Civil[3] (CPC) consubstancia-se num mecanismo legal de reação à não admissão de um recurso, tendo assim por finalidade, única, a alteração do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso, em termos de indeferimento.

Importando necessariamente a motivação, com os fundamentos que na perspetiva do reclamante devem determinar a revogação do despacho, e desse modo a admissão do recurso, sem que tal importe a apreciação de todo o possível argumentário convocado para fundar a sua pretensão, mas o em termos relevantes para tanto, sobretudo não cabe no seu âmbito, como se divisa de forma clara, o conhecimento de questões que extravasam os fundamentos nos quais a decisão reclamada fundou o juízo formulado.

2. Resulta da Reclamação apresentada, a invocação expressa do disposto no art.º 671, n.º4, como fundamento para a interposição de recurso pelo Reclamante pois pretende submeter à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça o segmento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, que julgou admissível o incidente de habilitação, enquanto decisão interlocutória passível de ser enquadrada naquela disposição legal, evidenciado o interesse objetivo na revogação dessa decisão, pois de modo necessário, conduziria à inadmissibilidade do incidente de habilitação por falta dos respetivos requisitos legais, o que não mereceu acolhimento em sede do despacho reclamado.

Não sendo exigível a demonstração em termos da verificação do fundamento recursório invocado pelo recorrente, ora Reclamante, não podia o Tribunal a quo do mesmo conhecer como o fez, indeferindo liminarmente o recurso, pelo que a interpretação do art.º 641, n.º 2, a) no sentido de o permitir, padece de inconstitucionalidade material, por violação do art.º 20, da Constituição Republica Portuguesa.

Alude também o Reclamante, que sendo excecionais os casos de não recobilidade, havendo dúvidas quanto a esta última, deve ser resolvida no sentido do recurso ser admitido, na concretização do princípio pro actione ou favor actionis, com acolhimento quer na lei ordinária quer em sede constitucional.

Ainda quanto ao despacho reclamado, defende o Reclamante que não existe a apontada intempestividade na apresentação do recurso, tendo em conta os termos como foi formulada a instância recursiva.

3. Não se configura questionável, que a lei processual civil estabelece regras que regem a admissibilidade do recurso, próprias do que venha a ser interposto, mas que se centram na observância de requisitos essenciais que se prendem com a legitimidade do recorrente, a possibilidade da decisão ser recorrível, e a observação do prazo estabelecido para a respetiva interposição.

Deste modo, ao Desembargador relator, que tramita todos os termos da instância recursiva que lhe foi distribuída, até final, art.º 652, n.º1, como é o caso sob análise e a quem o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal foi apresentado, compete ordenar a subida do recurso, se a tal nada obstar, art.º 641, n.º1, indicando-se neste preceito legal, agora no n.º 2, que o “requerimento é indeferido”, se entender que a decisão não admite recurso, foi interposto fora do prazo, ou o requerente/recorrente carece das condições necessárias para recorrer.

A decisão proferida, se admitir o recurso, não vincula o tribunal superior, nem para o que ora interessa, não pode ser impugnada pelas partes, n.º5, enquanto aquela que não o admita pode ser impugnada através de reclamação, n.º 6, ambos do art.º 641.

A rejeição do recurso deve resultar da análise do requerimento e respetivas alegações apresentados, tal como foram delineadas pelas partes, numa apreciação que passa pela sua leitura e atendimento dos preceitos legais atendíveis no concerne à admissibilidade do recurso particular em causa, e assim não pode necessariamente importar no conhecimento do mesmo, reservado para o Tribunal superior, sendo que em situações como a convocada pelo Reclamante, isto é, ofensa do caso julgado como fundamento do recurso conforme o art.º 629, n.º 2, a), a devida aferição do pedido recursório no concerne à sua admissibilidade, incumbe ao relator do Tribunal superior a quem o processo for distribuído, nos termos dos artigos  652, n.º1, b) e 679.

4. No que respeita à (in)admissibilidade do recurso de revista, releva frisar que merece acolhimento o entendimento que o atual regime do recurso de revista, ordinária e excecional, previsto no art.º 671, nos parâmetros estabelecidos, não visa garantir, genericamente, um terceiro grau de jurisdição, resultando tais limitações não só da aludida disposição legal, e do consignado no art.º 672, com os demais normativos correlativos do regime em causa, tendo em conta critérios decorrentes do art.º 629, para além das limitações especificamente consignadas em matérias diversas, tais como, entre outras, a insolvência e os processos de jurisdição voluntária[4].

Podendo dizer-se que no art.º 671, encontram-se as regras essenciais da revista, no artigo 672, do mesmo diploma legal são previstos os casos de revista excecional, aquando da existência de dupla conforme, desde que se mostrem reunidos os demais pressupostos da admissibilidade da revista (normal).

5. Reportando ao disposto no art.º 671, para o caso que nos interessa, o n.º1 prevê a admissibilidade da revista quanto à decisão que conheceu do mérito da causa, ou teve por objeto uma questão processual que absolvendo o réu da instância, consubstancia-se numa decisão formalmente final, nesta última situação, no atendimento do legalmente consignado “termo do processo”, sem prejuízo da restrição que possa advir da existência de “dupla conforme”, n.º 3.

Quanto às designadas decisões interlocutórias, isto é, aquelas que foram processualmente suscitadas, na ponderação de uma intercorrência processual[5], decidindo sobre questões processuais que não importaram na extinção da instância, releva atender aos acórdãos nos quais se vertam questões de natureza adjetiva suscitadas ex novo no Tribunal da Relação,  as designadas na doutrina e jurisprudência por decisões interlocutórias novas, cujo regime resulta da articulação do disposto no art.º 673 e 671, n.º4, a saber, a impugnação desses acórdãos é deferida para a revista interposta ao abrigo do n.º 1, do art.º 671, a não ser que tal determine a absoluta inutilidade do que venha a ser decidido, bem como existindo norma que possibilite a sua admissão, caso em que é admissível o recurso autónomo, art.º 673; relativamente a tais acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, que carecendo de autonomia, seriam acoplados ao recurso previsto no n.º1, do art.º 671, não sendo este último admissível, caso da dupla conforme, ou optando o vencido pela não interposição, a impugnação de tais acórdãos da Relação é deferida para depois do trânsito em julgado daquele, enquadrável no n.º 1, do art.º 671, ficando a respetiva admissão condicionada à verificação de um interesse objetivo, n.º 4, do art.º 671[6].

Relativamente às indicadas decisões interlocutórias velhas, reportam-se as mesmas às que já tinham sido objeto de apreciação na 1.ª instância, são admitidas em termos restritos[7], obedecendo tais designadas revistas continuadas, ao regime previsto no art.º 671, n.º 2, isto é, quando o recurso seja sempre admissível, art.º 629, n.º 2, a) a c), ou quando se verifique uma contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito.

6. Reportando ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, ínsito no art.º 20, n.º1, da CRP, quanto a uma enunciada violação decorrente de uma restrição do direito de recurso, esse direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas.

É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos”[8].

Com efeito, reiteradamente vêm-se afirmando na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com a confirmação da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a garantia de acesso ao direito, não determina a garantia de um duplo grau de jurisdição, isto é, não impõe o direito ao recurso das decisões judiciais, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, e em conformidade, muito menos obriga a um duplo grau de recurso, ou seja, um triplo grau de jurisdição, pelo que, deste modo, e no que concerne ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no apontado art.º 20, da CRP, não emergindo como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não ditando que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões[9].

7. Delineado em traços rápidos o quadro legal atendível, não avulta desde logo quanto ao despacho reclamado, que neste tenha sido efetuado o conhecimento do objeto do recurso, mas e tão só, uma leitura do requerimento e alegações que o Reclamante apresentou, que a Desembargadora Relatora entendeu não se enquadrar nos requisitos legais enunciados segundo o seu entendimento para o caso dos autos, sendo certo que a formulação achada para afirmar a sua discordância não se encontra afastada da terminologia legal adotada para a não admissão do recurso interposto, ao mencionar o indeferimento, acrescendo o “liminarmente”, que independentemente da bondade do consignado, não produz outros efeitos para além da não admissão decidida, não se patenteando, desse modo, o apontado vício de inconstitucionalidade material.

Especificamente quanto ao fundamento de admissibilidade invocado pelo Reclamante, o mesmo assenta numa realidade que não se configura nos autos.

Com efeito, a decisão que se pretende em crise, resulta do conhecimento realizado em 1.ª instância da questão da admissibilidade do incidente de habilitação, que não gozando de autonomia, foi diferidamente apreciada no Acórdão da Relação, que se debruçou sobre ela e a confirmou, tal como o fez quanto ao mérito, concluindo pela improcedência da apelação, no concerne às duas decisões proferidas em 1.ª instância.

Decorre assim do exposto que consubstanciando-se o pretendido recurso como “revista velha”, o que aliás não é escamoteado pelo Reclamante, contrariamente ao que o mesmo pretende e explanou, não se está perante o regime previsto no invocado art.º 671, n.º4, e desse modo, tal como foi entendido no despacho reclamado, não se mostra  a decisão passível de recurso, ficando preterida a questão da tempestividade.

Não se divisando que tenha sido posto em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com consagração constitucional, no atendimento da liberdade dada ao legislador de conformar o exercício do direito ao recurso, também não se mostra que fosse exigível qualquer outra atuação ao julgador em nome da proporcionalidade ou razoabilidade, nem do princípio pro actione ao favor actionis, por inexistir qualquer obstáculo a remover com vista à concretização de um direito, neste caso a um recurso, que conforme o vertido, não assiste ao Reclamante, nos termos legalmente previstos e apreensíveis, como ora se delineou. 

Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de impugnação da Decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada, confirmando-a nos precisos termos.

2. Compulsando o Despacho em crise com os fundamentos do requerimento apresentado pelo Reclamante, embora o mesmo se mostre circunscrito à questão das decisões interlocutórias novas e às decisões interlocutórias velhas, no que concerne ao regime de admissibilidade do recurso, conjugando o disposto no art.º 673, e 671, n.º 4, não se vislumbram que não sejam de atender as razões vertidas no Despacho impugnado pelo Reclamante, como fundamento da inadmissibilidade do recurso de revista, até porque, para além do desenvolvimento das considerações realizadas nada de realmente novo é aduzido em favor da tese prosseguida pelo Reclamante.

Reafirme-se, tão só, que não se escamoteia  que o disposto no art.º 673 se reporta às decisões interlocutórias novas, isto é, revistas dos Acórdãos proferidos na Relação, limitando a sua admissibilidade, tendo como regra geral o diferimento da sua impugnação para o recurso de revista final, ou em recurso autónomo, verificado os pressupostos ali constantes, ao abrigo do n.º4, do art.º 671.

De igual modo, patenteia-se que no caso dos autos nos reportamos a uma decisão interlocutória velha, como o Reclamante defende e resulta do explanado em termos de ocorrências processuais.

Assim citando Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, fls. 200/201, referenciados aliás no Despacho impugnado e também no requerimento formulado pelo Reclamante, quanto a admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que aprecie decisões interlocutórias, recaindo sobre a relação processual, e reportando-se ao n.º 2, do art.º 671, “ O Código é extremamente restritivo, porquanto estabelece como regra a irrecorribilidade de tal acórdão (“Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista nos casos previstos nas alíneas a) e b)”). Nos escassos casos em que o recurso é admitido, pode falar-se de “revista continuada” por oposição aos recursos – novos – de  decisões proferidas na Relação, regulados no art.º 673.” (…) não se justificando que contem mais com mais do que o duplo grau de jurisdição.

Por sua vez, a fls. 209, consigna-se: “O n.º 4 estabelece que, se não houver ou não for admissível revista nas decisões previstas no n.º 1 (art.º 671), os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação que não eram autonomamente recorríveis (cf. art.º 673), podem ser impugnados, caso haja interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado.

Trata-se de norma paralela à constante do art.º 644, n.º 4, relativa ao recurso de apelação”.

Desta forma repita-se, inexistem fundamentos para discordar com o decidido, apenas se dando nota quanto ao natural labor do Reclamante para demonstrar a bondade da sua pretensão, para além da divergência quanto à interpretação realizada da Doutrina convocada, o reporte efetuado ao recurso de apelação e à aplicação a casos referenciados, não se sobrepõe ao previsto para a revista, para além de um paralelismo que sempre terá que ser observado à luz das  características próprias de cada um dos recursos.

Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de impugnação da Decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada, confirmando-a nos precisos termos.

Custas pelo Reclamante, com três UCs de taxa de Justiça.

                                   

Lisboa,  28 de junho 2023

Ana Resende (Relatora)

Maria José Mouro

Graça Amaral

     

Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC).

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[1] Consignando-se nas conclusões das alegações, “ A habilitação é um incidente processado autonomamente, pelo recurso das decisões interlocutórias proferidas (…) só sendo impugnáveis com o recurso da decisão final (…) o despacho recorrido… na parte em que julgou improcedente a falta de verificação dos pressupostos de habilitação cessionária invocada pelo Recorrente, pode ser impugnado com o recurso da decisão final que, julgando procedente o incidente, declarou habilitada a Recorrida. Cuidando-se esse despacho de uma decisão intercalar que não admite recurso imediato (…) só podendo ser impugnada, como efetivamente o é, no âmbito do recurso interposto da decisão final do incidente (…) não pode ser considerada como tendo transitado em julgado.”
[2] Indicando “(…) como questões a decidir: 1) em relação ao despacho de 26.01.2022: Se é admissível ou não a habilitação de cessionário: com base na cessão de créditos de 2019, ocorrida após o encerramento do processo de insolvência e a extinção da instância da reclamação de créditos por inutilidade de 2017; em relação a crédito que o recorrente defende não ser litigioso por ter sido reconhecido pelo administrador da insolvência e ter-se formado caso julgado sobre o mesmo (conclusões 1 a 22) (…)”
[3] Diploma a que se fará referência, se nada mais for dito.
[4] Cf. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pag. 99 a 102, e Lopes do Rego, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pag. 764, apud Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pag. 401.
[5] Cf. entre outros o Ac. STJ de 15.12.2022, processo n.º 2194/21.2T8GDM-A.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, fls. 416/417, e segs.
[7] Cf. Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, fls. 200/201, reportando a uma autonomia meramente procedimental, não justificando mais de que um grau de jurisdição, e referenciando Acórdão do STJ de 29.06.2017, processo 2487/07, em que estava em causa a decisão que julgara improcedente um incidente de habilitação de um cessionário.
[8] Ac. do STJ de 24.5.2022, processo n.º 20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, apud  Acórdão do STJ, de 13.7.2022, processo n.º14281/21.2T8LSB.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.

[9] A mero título de exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/97 e 132/2001, publicados no Diário da República, 2.ª Série, respetivamente de 30.06.1997 e de 25.06. 2001,  13 de julho de 2021, processo n.º 541/2021, reportando,  Acórdãos do Tribunal Constitucional,  processos, n.ºs 40/2008,  638/98, na senda de entre outros, 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 276/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007, 263/2020, de 13.05.2020, 159/2019, proferido no processo nº 43/16, in www.tribunalconstitucional.pt, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.03.2021, processo n.º 17369/19.6T8PRT.P1.S2., de 26.01.2021, processo n.º1028/19.2T8VRL.G1.S1, de 21.03.2019, processo n.º 850/14.0YRLSB.L1.S2, in www.dgsi. pt.