Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4127/18.4T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
ILICITUDE
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A violação dos deveres de esclarecimento e de informação decorrentes dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, deve dar-se por verificada desde que a subscrição de obrigações subordinadas tenha sido sugerida pelo intermediário financeiro a clientes que não tinham conhecimentos ou experiência para avaliar o risco daquele produto financeiro e que não tinham a intenção de aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente e sem uma explicação adequada do que eram obrigações subordinadas.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA, BB, CC e DD, na qualidade de herdeiros e representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de EE, instauraram a presente acção declarativa contra Banco BIC Português, SA., pedindo

I. — que o Réu seja condenado:

a. — a reconhecer que os Autores são herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE;

n. — a restituir à herança o capital de € 50.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 4 % desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

II, — subsidiariamente:

a. — que seja declarada a ineficácia da aquisição da obrigação SLN Rendimentos Mais 2004 por EE;

b. — que o Réu condenado a restituir à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE o capital de € 50.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 4 % desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

III. — em qualquer das hipóteses,

— que o Réu seja condenado a pagar-lhes a quantia de € 2.000,00 a título de dano não patrimonial.


2. O Réu Banco BIC Português, SA, contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.


3. Deduziu a excepção dilatória de incompetência relativa, em razão do território, e a excepção peremptória de prescrição.


4. Os Autores responderam às excepções deduzidas pelo Réu.


5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho, em que apreciou a excepção dilatória de incompetência em razão do território, julgando-a improcedente, e em que que remeteu a apreciação da excepção peremptória de prescrição para a sentença.


6. Em 13 de Outubro de 2019, o Tribunal de 1.ª instância julgou procedente a acção.


7. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

Pelo exposto, julgo procedente a presente ação, instaurada pelos autores AA, BB, CC e DD, na qualidade de herdeiros e representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de EE, contra o réu Banco BIC Português, e, em consequência, condeno o réu:

- no pagamento aos autores da quantia (capital) de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de jurosde mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 21 de setembro de 2018 até efetivo e integral pagamento;

- no pagamento aos autores da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização de danosnão patrimoniais”.


8. Inconformado, o Réu Banco BIC Português, SA, interpõs recurso de apelação.


9. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


10. Em 17 de Março de 2020, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso interposto pelo Réu, confirmando a sentença recorrida.


11. Inconformado, o o Réu Banco BIC Português, SA, interpõs recurso de revista.


12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação dorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que…

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. … JUSTIÇA.


13. Os Autores contra alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.


14. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista excepcional.


15. Em 7 de Setembro de 2020, o anterior relator proferiu despacho com o seguinte teor:

As questões subjacentes ao objeto da revista têm a ver com a jurisprudência que virá a ser fixada no âmbito do Recurso para Uniformização de Jurisprudência nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, cujo Plenário, após adiamento com mudança de Relator, aguarda marcação.

Há assim toda a conveniência em que os presentes autos aguardem suspensos pela decisão a proferir naquele processo.

Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 272º, nº 1 do CPC, determino que os autos aguardem até que seja proferida tal decisão.


16. Em 6 de Dezembro de 2021, foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A — e, tendo transitado em julgado o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foram os presentes autos conclusos ao actual relator.


17. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é tão-só a seguinte — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


     OS FACTOS


18. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

5.1 - No dia ... de maio de 2018, faleceu, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, na freguesia ..., concelho ..., EE, no estado de casado no regime da comunhão de adquiridos com AA (artigos 1°,2°,4° da petição inicial);

5.2 - Do casamento de EE com AA, nasceram três filhos: - BB casada no regime da comunhão de adquiridos com FF; - CC, casado no regime da comunhão de adquiridos com GG e DD, solteiro (artigo 3° da petição inicial);

5.3 -Todos os herdeiros de EE aceitaram a herança aberta por seu óbito, que continua indivisa, da qual é cabeça de casal AA (artigos 5°, 6°, 7° da petição inicial);

5.4 - O BPN - Banco Português de Negócios, SA, enquanto sociedade incorporante e o Banco BIC Português, SA, como sociedade incorporada, procederam à sua fusão mediante transferência do património do Banco BIC para o BPN (artigo 8° da petição inicial, artigo 43° da contestação);

5.5 - O BPN, na sequência de tal operação de fusão registada na Conservatória do Registo Comercial tem atualmente a denominação de Banco BIC Português, SA, mantendo na sua titularidade todos os direitos e obrigações daquele (artigo 9° da contestação);

5.6 - EE era cliente do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ...83 onde depositava e movimentava dinheiro, constituía poupanças e efetuava pagamentos (artigo 10° da petição inicial);

5.7 - Após a fusão supra referida a conta de que EE era titular no BPN passou a corresponder no BIC ao número de identificação bancário ...4, NIB que se mantém (artigo 11 ° da petição inicial);

5.8 - No dia 25 de outubro de 2004, EE foi abordado pelo gerente do BPN da agência de ..., que lhe transmitiu existir uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 18°, 19°, 45° da petição inicial);

5.9 - Nessa ocasião, o gerente da agência do BPN de ... transmitiu ainda a EE que, não obstante tratar-se de uma aplicação a 10 anos, era possível levantar o capital e os juros quando o desejasse, bastando avisar a agência com antecedência de alguns dias, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 20°, 21 °,46°, 47° da petição inicial);

5.10 - À data, o BPN era uma instituição que oferecia total confiança ao investidor (artigo 22° da petição inicia);

5.11 - Quando lhe transmitiu tal informação, o funcionário do BPN não ignorava que EE não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnicas ou experiência adquirida que lhe permitissem conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros, avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem (artigo 23° da petição inicial);

5.12 - EE, à data da subscrição, tinha 61 anos e idade, dedicava-se, além do mais à pirotecnia, não era uma pessoa letrada e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 25°, 39°, 52° da petição inicial);

5.13 - O gerente não informou EE que estava a realizar uma operação não adequada a seu perfil, que ao adquirir aquela obrigação perdia o controlo sobre o dinheiro investido, que não o podia movimentar, levantar ou gastar até 25 de outubro de 2014, data do termo de maturidade, a não ser que solicitasse o seu resgate antecipado, e que tal aplicação comportava um empréstimo à SLN (artigos 24°, 48°, 49°, 50° da petição inicial)

5.14 - Confiando nessas informações, e dado que confiava nos funcionários do réu, EE aceitou então aplicar € 50.000,00, limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição "SLN Rendimento Mais 2004" em papel timbrado do BPN cuja cópia consta de fls 18 v destes autos, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido juros remuneratórios convencionados, garantido pelo BPN, desconhecendo que estava a subscrever a referida obrigação (artigos 12°, 26°, 27°, 28°, 35°, 52° da petição inicial);

5.15 - Tal papel subscrito por EE foi previamente preenchido por funcionário do réu (artigo 29° da petição inicial);

5.16 - O produto "SLN Rendimento Mais 2004" subscrito por EE constitui uma obrigação ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00, com data de liquidação financeira de 25 de outubro de 2004, com o prazo de emissão a dez anos (artigos 13 0, 51 ° da petição inicial);

5.17 - A remuneração de tal obrigação envolvia o pagamento de juros semestral e postecipadamente (artigo 14° da petição inicial);

5.18 - EE desconhecia a natureza da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retomo garantido do capital e juros pelo banco BPN, atualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi explicado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 15°, 16°, 17°,39°,52° da petição inicial);

5.19-0 pagamento tempestivo de juros manteve-se até ao semestre terminado em maio de 2015, reforçando a confiança de EE que tinha investido num produto credível e seguro (artigo 30° da petição inicial);

5.20 - Porém, desde então, o BIC não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros e negou o reembolso do capital, remetendo a responsabilidade para a SLN (artigos 31 ° e 32° da petição inicial)

5.21 -No decurso do mês de fevereiro de 2017, a ré, através dos seus funcionários, entregou a EE, no balcão da agência de ..., uma minuta de uma reclamação a pedir o reembolso do capital, que aquele apresentou sem que réu lhe tivesse restituído a quantia em causa (artigos 33° e 34° da petição inicial);

5.22 - Caso EE tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento mais 2004, produto em que o capital não era garantido pelo BPN, não autorizaria tal subscrição (artigos 36°, 53° da petição inicial);

5.23 - Para EE a denominação SLN Rendimento Mais 2004 correspondia a uma conta a prazo (artigo 37° da petição inicial);

5.24 - As orientações e comunicações internas existentes no BPN transmitidas aos seus comerciais e balcões, consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa e de que o banco cobriria sempre a sua solvabilidade, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 40° e 41 ° da petição inicial);

5.25 - Na execução de tais diretivas, o réu e os seus funcionários empenharam-se na colocação de tais produto, assegurando a inexistência de qualquer risco quanto ao reembolso do capital e dos juros, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigo 42° da petição inicial);

5.26 - Nunca o gerente ou funcionários do BPN leram ou explicaram a EE o que eram as obrigações em causa, agindo convencidos de acordo com as orientações e comunicações superiores que receberam, que as referidas obrigações constituíam um produto seguro, sem qualquer risco para os subscritores (artigos 43° e 44° da petição inicial);

5.27 - Até ao momento, nem EE, nem os seus herdeiros, foram reembolsados de qualquer quantia correspondente ao capital aplicado, reembolso esse que lhe foi negado em carta do réu de 2 de novembro de 2017, em resposta à reclamação por aquele subscrita em fevereiro de 2017 (artigo 55° da petição inicial);

5.28 - Até à data do seu óbito em ... de maio de 2018, EE viveu num estado permanente de preocupação, ansiedade e tristeza por ter sido desapossado das suas economias e perante a indefinição da possibilidade de poder reaver o seu dinheiro (artigos 60°, 61 °,62° da petição inicial);

5.29 - A operação supra-mencionada (5.14) constituiu um ato em que o réu intermediou a aquisição do produto financeiro em causa - Obrigações SLN 2004 - (artigo 12° da contestação);

5.30 - No mês seguinte a tal operação, EE recebeu por correio o aviso de débito correspondente à operação efetuada, bem como recebeu os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros, assim como recebia extratos mensais periódicos, onde apareciam discriminadas as suas aplicações financeiras, de forma separada em relação aos depósitos a prazo, o que nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação (artigos 13°, 14°,15°,65°,66°,67°,68° da contestação);

5.31 - O risco de uma obrigação está indexado à solidez financeira da entidade emitente (artigo 27° da contestação);

5.32 - As obrigações SLN 2004 foram emitidas pela "SLN, SGPS, SA", sociedade titular de 1 00 % do capital social do banco BPN até 2008, altura em que foi nacionalizado, sendo o banco um garante de solvabilidade de tal sociedade por ser um dos principais ativos do seu património (artigos 28° e 43° da contestação);

5.33 - À data da subscrição supra mencionada, o Fundo de Garantia de Depósitos era de € 25.000,00 por conta bancária (artigo 54° da contestação);

5.34 - À data da subscrição em causa era comum e rápido endossar as Obrigações SLN Rendimento Mais a terceiros porque tais títulos tinham elevada procura, atenta a sua rentabilidade (artigo 76° da contestação);

5.35 - A presente ação foi instaurada no dia 13 de setembro de 2018, e o réu foi citado no dia 21 de setembro de 20 18 (artigo 19° da contestação e aviso de receção de fls 28v factos provados documentalmente nos termos do disposto no artigo 607°, n° 4, CPC).


19. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos alegados nos arts. 25.°(parcialmente), 54.° e 62.° (parcialmente) da petição inicial e nos arts. 12.°, 19.° (parcialmente), 27.° (parcialmente), 30.°, 33.°, 34.°, 35.°, 36.°, 37.°, 43.° (parcialmente), 44.°, 45.°, 46.°, 47.°, 52.°, 53.°, 55.°, 56.°, 57.°, 58.°, 59.°, 60.°, 61.º, 62.°, 63.°, 69.°, 70.°, 71.º, 72.º, 73.°, 75.°, 77.°, 78.°, 79.° e 80.° da contestação;


     O DIREITO


20. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].


21. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e com as regras dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].


a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que “[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.


O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e o art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].


b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevãncia dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].


22. Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16].

Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de eslcarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.  O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.  O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17].

Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não represantar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


23. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Os factores referidos no n.º 2 do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 correspondem à descrição de um caso exemplar de violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — em lugar de requisitos cumulativos, de cujo preenchimento depende a conclusão de que foi infringido ou violado um dever pré-contratual, devem interpretar-se como factores relevantes para a decisão.

O intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”. Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas [18] e os riscos da sua subscrição [19]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente [20]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios” [21]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [22]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.


24. Face aos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e aos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, como interpretados no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, entendemos que houve uma violação de deveres pré-contratuals de esclarecimento e de informação imputável ao Réu, agora Recorrente.

Os factos dados como provados são suficientes para que se conclua pelo preenchimento dos requisitos da tipicidade e da ilicitude.

Em primeiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 5.8 [23], e foi sugerida pelo intermediário a clientes que não tinham conhecimentos ou experiência para avaliar o risco daquele produto financeiro e que não tinham a intenção de aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 5.11 e 5.12:

5.11 - Quando lhe transmitiu tal informação, o funcionário do BPN não ignorava que EE não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnicas ou experiência adquirida que lhe permitissem conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros, avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem (artigo 23° da petição inicial);

5.12 - EE, à data da subscrição, tinha 61 anos e idade, dedicava-se, além do mais à pirotecnia, não era uma pessoa letrada e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 25°, 39°, 52° da petição inicial).


Em segundo lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 5.8, 5.14 e 5.18 [24], em ligação com os factos dados como provados sob os n.ºs 5.24 e 5.25 [25], e, em todo o caso, sem uma explicação adequada do que eram obrigações subordinadas, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 5.26:

5.26 - Nunca o gerente ou funcionários do BPN leram ou explicaram a EE o que eram as obrigações em causa, agindo convencidos de acordo com as orientações e comunicações superiores que receberam, que as referidas obrigações constituíam um produto seguro, sem qualquer risco para os subscritores (artigos 43° e 44° da petição inicial).


O raciocínio só pode ser reforçado pela constatação de que acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz expressamente, na sua fundamentação, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis” e que, para que a informação seja detalhada e verdadeira, “o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

Ora, os factos dados como provados são suficientes para que se conclua que o Réu fez exactamente o contrário daquilo que deveria fazer (que deveria ter feito).

Em vez de dar conta de que a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados dependia, e dependia sempre da solidez financeira da entidade emitente, o Réu transmitiu ao cliente que a aplicação era igual a um depósito a prazo, “com capital garantido pelo BPN” [26] ou “com retomo garantido do capital e juros pelo banco BPN, actualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco” [27], em vez de dar conta de que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do investidor, “não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios”, o Réu transmitiu ao cliente que o risco de não retorno do capital investido corria por conta do banco [28]; em vez de esclarecer esclarecer o cliente (investidor) sobre o que são obrigações subordinadas,“informa[ndo-o] que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”, o Réu transmitiu ao cliente (investidor) a informação de que era uma aplicação igual a um depósito a prazo [29], convencendo-o de que “a denominação SLN Rendimento Mais 2004 correspondia a uma conta a prazo” [30].


25. Entendendo, como entendemos, que está provada a violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação, deve esclarecer-se se a violação ilícita é imputável ao Réu, agora Recorrente e, caso afirmativo, se lhe imputável a título de culpa grave ou de culpa leve

O art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, consagrava a presunção de culpa do intermediário financeiro [31]; como a presunção de culpa do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários era e é, tão-só, uma presunção de culpa leve, o problema está em averiguar se os factos dados como provados no acórdão recorrido são suficientes para ilidir a presunção, no sentido de qualificar a culpa como grave.

A responsabilidade do intermediário financeiro deve apreciar-se de acordo com um padrão especialmente elevado, determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras. Em tal contexto — no contexto de tal padrão — será mais fácil sustentar-se que a culpa do intermediário financeiro é uma culpa grave: não será necessário que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada da medida normal de cuidado; no sentido de se tratar “[d]aquela [negligência] em que só cai um homem extraordinariamente desleixado” [32]; será suficiente que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada de uma medida elevada, e especialmente elevada, de cuidado.

Ora o padrão especialmente elevado dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e 73.º-74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras tem como consequência que a apresentação de obrigações subordinadas como um produto igual a um depósito a prazo [33], “com capital garantido pelo BPN” [34] ou “com retomo garantido do capital e juros pelo banco BPN, actualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco” [35]. deva coordenar-se ao conceito de culpa grave.

Em termos em tudo semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 e de 10 de Abril de 2018 pronunciaram-se no sentido de que “actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” [36] e, sobretudo, de que, “[a]tento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave” [37].


Ora, como o Réu, agora Recorrente, não tenha suscitado nenhuma questão de causalidade — não tenha, p. ex., pedido que o Supremo Tribunal se Justiça se pronunciasse sobre se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato / da decisão de investir [38] —, a resposta à unica questão só pode ser no sentido de que o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação e de que a violação ilícita dos deveres lhe é imputável por culpa grave.


III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente: Banco BIC Português, SA.


Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; Fátima Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de Fátima Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >.

[4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos.[7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”. [13] Cf. designdamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[19] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[20] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[21] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente: “Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[22] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.

[23] Cujo teor é o seguinte: “5.8 - No dia 25 de outubro de 2004, EE foi abordado pelo gerente do BPN da agência de ..., que lhe transmitiu existir uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 18°, 19°, 45° da petição inicial)”.

[24] Cujo teor é o seguinte: “5.14 - Confiando nessas informações, e dado que confiava nos funcionários do réu, EE aceitou então aplicar € 50.000,00, limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição "SLN Rendimento Mais 2004" em papel timbrado do BPN cuja cópia consta de fls 18 v destes autos, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido juros remuneratórios convencionados, garantido pelo BPN, desconhecendo que estava a subscrever a referida obrigação (artigos 12°, 26°, 27°, 28°, 35°, 52° da petição inicial); 5.18 - EE desconhecia a natureza da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retomo garantido do capital e juros pelo banco BPN, atualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi explicado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 15°, 16°, 17°,39°,52° da petição inicial)”.

[25] Cujo teor é o seguinte: 5.24 - As orientações e comunicações internas existentes no BPN transmitidas aos seus comerciais e balcões, consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa e de que o banco cobriria sempre a sua solvabilidade, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 40° e 41 ° da petição inicial); 5.25 - Na execução de tais diretivas, o réu e os seus funcionários empenharam-se na colocação de tais produto, assegurando a inexistência de qualquer risco quanto ao reembolso do capital e dos juros, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigo 42° da petição inicial)”.

[26] Cf. facto dado como provado sob o n.º 5.8.

[27] cf. facto dado como provado sob o n.º 5.18.

[28] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 5.8., 5.9, 5.13 e 5.18.

[29] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 5.8 e 5.18.

[30] Cf. facto dado como provado sob o n.º 5.23.

[31] O texto do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários é o seguinte: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

[32] Expressão de Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pág. 342.

[33] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 5.8 e 5.18.

[34] Cf. facto dado como provado sob o n.º 5.8.

[35] cf. facto dado como provado sob o n.º 5.18.

[36] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 — processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1.

[37] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1.

[38] Como, em todo o caso, sempre se teria dar como provado, atendendo ao facto n.º 5.22: “Caso EE tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento mais 2004, produto em que o capital não era garantido pelo BPN, não autorizaria tal subscrição (artigos 36°, 53° da petição inicial)”.