Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74181/17.8YIPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO INOMINADO
CONTRATO DE ARQUITETURA
REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
DECLARAÇÃO TÁCITA
FACTO CONCLUDENTE
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
- REPRISTINANDO A SENTENÇA DA 1ª. INSTÂMCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O contrato pelo qual, mediante retribuição, uma das partes se vincula perante a outra a elaborar projectos, envolvendo arquitectura, engenharia e outras especialidades conexionadas com a construção de edifícios ou outras obras, podendo designar-se como “contrato de arquitecto”, é um contrato de prestação de serviço inominado.

II. A tal contrato podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial.

III. Só pode concluir-se pela revogação bilateral tácita de um contrato se, nos termos do art.º 217 do C. Civil, sem prejuízo da exigência de forma contida no nº 2 do preceito, se encontrarem provados os chamados “factos concludentes”, isto é, aqueles factos que com toda a probabilidade revelam por parte dos contraentes a sua vontade de pôr fim ao contrato.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(1ª SECÇÃO)




I - RELATÓRIO


A 400 Projectistas e Consultores de Engenharia, Ldª, intentou uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, iniciada como procedimento de injunção, contra Palácio de ..., SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 61.500,00, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa comercial (sendo os vencidos de € 11.432,52), e as quantias de € 40,00 de despesas e € 153,00 a título de taxa de justiça paga.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou a Autora, em síntese, que em 2 de Dezembro de 2014, no âmbito da reconversão urbanística do edifício conhecido por Palácio de ..., acordou com a Ré, em documento com ela subscrito, a  elaboração e desenvolvimento de projectos de arquitectura, de estruturas e fundações, instalações elétricas, segurança integrada e telecomunicações, pela retribuição global de € 185.111,68 , acrescida de IVA; tal retribuição deveria ser satisfeita pela Ré mediante o pagamento de € 50.000,00, mais IVA, com a adjudicação, e dos restantes  € 135.111,68 em Março de 2015; de harmonia com o convencionado, com a adjudicação a A. emitiu  e enviou à Ré em 11 de Dezembro de 2014 a factura do montante de € 61.500,00 que agora é objecto do pedido, a qual, no entanto, nunca por ela foi paga.


Citada, deduziu a Ré oposição, alegando que, apesar do clausulado no acordo para a prestação de serviços de arquitectura e engenharia celebrado com a Autora, as partes combinaram verbalmente que o valor da adjudicação seria apenas devido aquando do primeiro pagamento à Ré por parte do Turismo de Portugal no âmbito da candidatura a um financiamento externo que tinha em marcha, pagamento que se previa para meados do mês de Março de 2015; sendo que só após o aludido pagamento (previsto para meados do mês de Março de 2015) é que os trabalhos contratados viriam a ser desenvolvidos Autora; a Autora só emitiu a factura nº ...51 – que é objecto do pedido – na data que dela consta porque tinha perfeito conhecimento que ela era imprescindível para que o Turismo de Portugal procedesse à sua validação e pagamento, só então a Ré transferindo a verba correspondente para a conta da Autora; a Direcção Geral das Finanças deu inicio a um procedimento inspectivo junto do Turismo de Portugal na sequência do qual a Ré não veio a receber qualquer tipo de verba ao abrigo da sobredita candidatura, o que a impediu de prosseguir com os trabalhos de remodelação do Palácio de ..... Invocou ainda o abuso do direito por a Autora vir reclamar aquilo a que bem sabe não ter direito, falseando a verdade dos factos ocorridos.

Terminou com a improcedência da acção e a condenação da Autora como litigante de má-fé.


A final foi proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente, sendo por isso decretada a condenação da Ré no pedido.


Inconformada, recorreu a Ré para a Relação, tendo esta revogado parcialmente a sentença e condenado a Ré a pagar à A. a quantia de € 30.300,50 mais IVA à taxa legal em vigor, acrescida de juros legais desde a data da factura até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais.


Irresignada, veio agora a A. pedir revista do acórdão da Relação, formulando no final da respectiva alegação as conclusões que se transcrevem:

1. O recurso colhe fundamento na violação da lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação e na previsão do art.º 674º, 1, a) do art.º 674º do CPC, com violação do disposto, designadamente, nos art.ºs 9º, 236º, 237º 762º, 763º, 798º, 799º, 804º, 805º, 606º. 1154º. 1156º, 1170º, 1171º e 1172º c) do mesmo Diploma.

2. A CAUSA DE PEDIR na ação, consiste na injunção da Ré para pagamento da fatura nº ...51, emitida pela Autora e enviada à Ré para pagamento em 11 de dezembro de 2014, com vencimento na mesma, do valor de € 61.500,00(ponto de facto 6 dos factos considerados provados);

3. Esta fatura foi enviada à ré que a recebeu na data da sua emissão e não apresentou reclamação. (ponto de facto 7 dos factos considerados provados);

4. Respeita ao pagamento de € 50.000,00 (mais IVA), da fase da adjudicação (ponto de facto 5 considerados provados);

5. E refere-se ao acordo que autora e ré celebraram em 02 de dezembro de 2014, em que autora e ré acordaram que a autora desenvolveria para a ré projeto de arquitetura e especialidades para a reconversão do Palácio de ... localizado ..., M... , sendo o objetivo da intervenção reabilitar o empreendimento para permitir a operação hoteleira , conforme clausulado junto aos autos a fls. 31 a 41 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. ponto de facto 3 dos factos considerados provados.

6. As CLÁUSULAS DO ACORDO dado como integralmente reproduzido no ponto 3 da matéria de facto considerada provada, incluem, designadamente, os pontos (deveres) contratuais que se passam a transcrever:

“1.1. Âmbito dos Trabalhos

Esta proposta de honorários refere-se ao desenvolvimento dos [projectos] de arquitectura e especialidades para a reconversão do Palácio de ... localizado ..., M.... O objectivo da intervenção será reabilitar o empreendimento para permitir a operação hoteleira.

A presente proposta terá em consideração os condicionalismos específicos desta obra, nomeadamente no que se refere à adequação do edificado existente aos objetivos transmitidos pelo Dono da obra, que consistem na adequação do espaço existente aos padrões ambientais contemporâneos e às suas referências estéticas e culturais.

A nossa proposta refere-se à elaboração do projeto de especialidade de engenharia e de arquitetura de reabilitação do conjunto edificado, que será orientada pelos objetivos acima descritos.”

“2. Equipa Projetista

2.1. Responsabilidade

A A400 deverá servir os interesses do Dono de Obra, e aplicar todos os conhecimentos e experiência na procura e desenvolvimento das melhores soluções de projeto e em garantir que o Projeto é entregue, com os seus elementos constituintes, perfeitamente compatibilizados, completos e integrados no projeto geral.

A A400 será sempre responsável pelas soluções por si preconizadas em qualquer fase do projeto, mesmo que tenham envolvido a consulta a elementos não integrados na equipa, tais como especialistas, fornecedores e/ou empreiteiros”.

“2.2. Constituição

A equipa projetista será liderada por um técnico de experiência multidisciplinar, que terá a função de Coordenador Geral e deverá integrar todos os técnicos e colaboradores designados, cabendo-lhe empregar todos os meios que forem necessários à perfeita execução dos estudos e projetos. Este trabalhará em articulação com os Técnicos Responsáveis pelos projetos e reporta ao Coordenador das Especialidades e da Arquitetura.”

“3. Projetos

“A A400 será responsável por elaborar os projetos referidos neste subcapítulo dentre do âmbito descrito para cada uma das especialidades.” “3.1. Edifícios

No capítulo dos edifícios serão desenvolvidos: · Projeto de Arquitectura· Projeto de Estruturas e Fundações · Projeto de Instalações Hidráulicas ·Projeto de Instalações Eléctricas, Segurança Integrada e Telecomunicações · Projeto de Instalações Mecânicas – AVAC de Desenfumagem · Estudo de comportamento térmico e emissão de pré certificado energético · Projeto de instalações eletromecânicas · Projeto de segurança contra incêndios · Projeto acústico · Projeto Instalações de Gás

Nesta fase de desenvolvimento do projeto deverá ser aberto um canal de comunicação entre todos os elementos intervenientes no projeto de forma a partilhar com o Arquitecto e o representante do Dono de Obra todas as opções de projeto.

A experiência pluridisciplinar da equipa de projeto proposta leva a realçar os temas de integração ambiental e de eficiência energética a par dos temas clássicos de Engenharia. Neste contexto o técnico responsável por cada área temática deverá procurar implementar as soluções técnicas mais evoluídas, desde que economicamente viáveis, de forma a minimizar o consumo energético e o consumo dos recursos hídricos.”

“8. Honorários

O custo global do projeto é de € 185.111,68 (cento e oitenta e cinco mil, cento e onze euros e sessenta e oito cêntimos) acrescido de IVA à taxa legal em vigor”

“8.1. Condições de pagamento

FASE HONORÁRIOS (€)

Adjudicação – Dezembro 2014         50.000,00

Março de 2015           135.111,68”

“10. Seguro e responsabilidade civil

A A400 exibirá, antes do acto da assinatura do respetivo contrato de prestação de serviços, uma Apólice de Seguro que garanta a sua responsabilidade civil legal de natureza extra-contratual e bem assim a de natureza contratual, nomeadamente garantindo a sua Responsabilidade Civil Profissional em consequência de erros que causem dano ao Dono da Obra e/ou terceiros em geral. O capital a segurar, exigível na referida apólice, deverá ser por um valor não inferior a 500.000€ por sinistro.”

No ponto 12., referente às “Condições gerais”, ficou estabelecido designadamente que “a eventual decisão do Dono da Obra, de mandar suspender, temporária ou definitivamente, a elaboração dos projetos, em qualquer das suas fases, conferirá o direito aos honorários correspondentes às fases já entregues, em laboração e à fase seguinte.”

7. Trata-se de pontos contratuais compreendidas no “acordo” em apreço, que implicam obrigações para as partes.

8. A atividade obrigacional da Autora não se circunscreve a uma pura objetivação documental, pois trata-se de um resultado ou produto intelectual, essencialmente científico e técnico, embora objetivado num documento.

9. Imediatamente à adjudicação, a par de lhe cumprir garantir o seguro, conforme referido no ponto 10 do referido acordo, a Autora constituiu a equipa projetista liderada por um técnico de experiência multidisciplinar, com a função de Coordenador Geral, integrada por todos os técnicos e colaboradores designados, com emprego todos os meios necessários à perfeita execução dos estudos e projetos, em articulação com os Técnicos Responsáveis pelos projetos e reporte ao Coordenador das Especialidades e da Arquitetura, louvando-se na experiência pluridisciplinar da equipa de projeto tendo presente os temas de integração ambiental e de eficiência energética a par dos temas clássicos de Engenharia, cabendo a cada técnico responsável por cada área temática a implementação das soluções técnicas mais evoluídas, desde que economicamente viáveis, de forma a minimizar o consumo energético e o consumo dos recursos hídricos – fundamental para o bom funcionamento e tratamento termal.

10. A Autora envolveu todas as especialidades, conforme referido no ponto 3.1. do acordo, de harmonia com resposta dos Senhores Peritos ao quesito a) da Autora e começou a desenvolver as suas tarefas de índole intelectual e objetivas, de que são exemplos as plantas de arquitetura, juntos aos autos pela Ré na Audiência Prévio, e que a Ré referiu como da criação da Autora e as plantas que a Autora juntou aos autos com o requerimento probatório e os trabalhos referidos no Relatório dos Senhores Peritos nas suas respostas aos quesitos a) da Autora e f) da Ré.

11. Face ao não pagamento pela Ré da fatura nº ...52, vencida em 11 de dezembro de 2014, (cfr., pf., pontos 5, 6 e 7 dos factos considerados provados), a Autora suspendeu temporariamente as suas tarefas em curso nas diversas especialidades de engenharia compreendidas no acordo, a aguardar que a Ré efetuasse o pagamento da fase do acordo vencida na fase da adjudicação (art.º 428º CC, aplicável também aos casos em que sejam diferentes os prazos para o cumprimento das obrigações, mas a sua invocação apenas é permitida ao contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar – cfr., v.g. Ac. Rel. Porto de 17/06/2014. Proc. 473/11.6TBLSD.P1).

12. Porém, a Ré não pagou à Autora a prestação vencida na fase da adjudicação e, posteriormente já a tarefas desenvolvidas pela Autora, de ordem intelectual e documental, designou outra empresa para a prestação de serviço que acordara com a aqui demandante, sem dar conhecimento à Autora de que designara outra pessoa para a prática dos mesmos atos e de que a Autora só teve conhecimento nos inícios do anos de 2017, depois do concurso público (novembro de 2016), lançado pela Ré também sem dar conhecimento à autora, aliás em consonância com as respostas dos Senhores Peritos às questões f) da Autora e g) da Ré.

13. Não se mostra alegada e muito menos provada ter-se verificada qualquer revogação tácita do contrato de prestação de serviços.

14. Nos termos do artigo 1171º, ex-vi do artigo 1156º, ambos do CC, a designação de outra pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos atos implica a revogação do mandato, mas só produz efeitos depois de ser conhecida pelo mandatário.

15. “(…) ao lado dos casos de revogação tácita, como os previstos nos artigos 1171º e 1179º, o mandato pode ser revogado por qualquer das formas de declaração negocial admitidas no Código (cfr. artºs 224º e e sgs), sem prejuízo da inadmissibilidade da prova da revogação por testemunhas, se o mandato tiver sido outorgado por documento autêntico ou particular (cfr. arts 393º e segs).”, cfr. Pires e Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 2ª Edição, Vol. II, pag. 649.

16. A Autora teve conhecimento de que a Ré designou outra empresa para os mesmos fins, face ao processo de concurso a que se refere a resposta dos Senhores Peritos ao quesito f) da Autora e g) da Ré, atrás transcrito, ou seja, posteriormente a novembro de 2016.

17. Um ato de pretensa revogação tácita unilateral, de prestação de serviços de resultado intelectual, por parte do mandante, que versa sobre mandato oneroso e para determinado assunto, sempre conferirá ao mandatário o direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos – art.º 1172º, c) do CC.

18. Nos termos do art. 1172º, do CC., se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente, a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra parte do prejuízo que esta sofrer.

19. “Quando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário”, cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Ibidem, pag. 652º.

20. O prejuízo adveniente da revogação determina-se em função da compensação que o mandato deveria, na normalidade das coisas, propiciar ao mandatário, à luz da Doutrina e da Jurisprudência dominantes.

21. No caso dos autos, a hipótese de revogação tácita de contrato de prestação de serviço pelo solicitante verifica-se posteriormente ao vencimento da primeira prestação ocorrida na adjudicação e já na fase da documentação do trabalho intelectual e técnico da demandante contratualizado, ou seja, já na fase seguinte.

22. No ponto 12 referente às condições gerais do acordo ficou estabelecido designadamente que a eventual decisão do Dono da Obra, de mandar suspender, temporária ou definitivamente, a elaboração dos projetos, em qualquer das suas fases, confere o direito aos honorários correspondentes às fases já entregues, em laboração e à fase seguinte – condição contratual que não deixou de ser considerada para a definição do plano de pagamento e tempestividade da retribuição dos honorários no contrato de prestação de serviço.

23. A conduta da Ré é de ordem a significar uma decisão de suspender definitivamente o contrato, o que a responsabiliza pelos honorários da Ré da fase seguinte à adjudicação – vencida em março de 2015.

24. Importa ter presente que a causa de pedir da presente ação consiste na injunção da Ré para pagamento da fatura nº ...51, emitida pela Autora e enviada à Ré para pagamento em 11 de dezembro de 2014, com vencimento na mesma, do valor de € 61.500,00 (ponto de facto 6 dos factos considerados provados);

25. Que esta fatura foi enviada à ré que a recebeu na data da sua emissão e não apresentou reclamação (ponto de facto 7 dos factos considerados provados);

26. Que respeita ao pagamento de € 50.000,00 (mais IVA) e à fase da adjudicação (ponto de facto 5 considerados provados);

27. E que se refere ao acordo que autora e ré celebraram em 02 de dezembro de 2014, em que autora e ré acordaram que a autora desenvolveria para a ré projeto de arquitetura e especialidades para a reconversão do Palácio de ... localizado ..., M..., sendo o objetivo da intervenção reabilitar o empreendimento para permitir a operação hoteleira , conforme clausulado junto aos autos a fls. 31 a 41 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. ponto de facto 3 dos factos considerados provados.

28. Não é acautelado entender-se que, num contrato de prestação de serviços de resultado intelectual, o “pagamento da fase da adjudicação” é uma antecipação/princípio do pagamento do valor total da prestação de serviços (trabalho intelectual e sua documentação). Aliás, ressalta prima facie do próprio “acordo” que o valor a pagar na fase da adjudicação, não era tão somente um adiantamento da totalidade do valor da prestação, tanto mais que a parte restante dos honorários, como resulta das condições de pagamento, seria pago em março de 2015, já com a pertinente documentação do trabalho intelectual.

29. O Venerando Tribunal da Relação ... com sua interpretação inflige danos despropositados à Autora.

30. O valor estabelecido e vencido na fase da adjudicação visa, na economia e no equilíbrio contratual, retribuir ab initio e tempestivamente, os honorários do mandatário (na “fase da adjudicação”) pelo seu trabalho intelectual, necessariamente incorpóreo, logo com o desenvolvimento das correspondentes tarefas, designadamente nas escolhas dos conceitos e conceções a adequar para a reabilitação do empreendimento de forma conceitual e estética, tendo em conta os especialismos específicos de adequação do edificado existente, a adequação do espaço existente aos padrões ambientais, contemporâneos e as suas referências harmoniosas e culturais; a constituição e disponibilização da equipa projetista liderada por um técnico de experiência multidisciplinar, com a função de Coordenador Geral, e a integração de todos os técnicos e colaboradores designados, o estudo e o emprego de todos os meios técnicos necessários à perfeita execução dos estudos e projetos, em articulação e desenvolvimento concecional com os Técnicos Responsáveis pelos projetos com reporte ao Coordenador das Especialidades e da Arquitetura e nas reuniões de estudo interdisciplinaridade e reuniões dos técnicos das diferentes especialidades de engenharia, e ainda do seguro previsto no ponto 10 do acordo, a par da adequação e disponibilização dos equipamentos técnicos, com desenvolvimento das correspondentes tarefas. – Tudo deveres contratuais da Autora expressos no acordo integrado no equilíbrio contatual das partes e correspondestes fases do pagamento dos honorários.

31. A retribuição do valor dos documentos – projetos – em que se materializa o trabalho intelectual da prestação da Autora enquadra-se na fase de pagamento designado no plano de pagamentos para março de 2015, inclusive os documentos juntos aos autos e referidos no relatório dos Senhores Peritos.

32. A Boa Jurisprudência faz apelo a uma interpretação objetiva, com relevância do contexto clausulado, dos elementos normativos, do início da execução, do equilíbrio económico das prestações – no contrato em apreço há múltiplos deveres – e do fim do negócio.

33. Na opinião concisa de Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4ª edição, pag.743, “o equilíbrio das prestações impõe-se como regra de bom senso, mas muito significativa em termos jurídicos (…) há que validar a interpretação negocial mais justa, ou seja, a que mais equilibrada, sem infligir danos despropositados a uma parte, em proveito da outra”.

34. Devendo a autonomia privada ser articulada com o princípio da tutela e da confiança.

35. A interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas, devendo ter em conta o conjunto das obrigações, a tempestividade das prestações, o regime que dele decorra, e o modo como o contrato seja executado.

36. A interpretação visa, no fundo, a solução mais justa.

37. De modo a uma correta interpretação e aplicação do direito, seguindo a teologia das normas, o sistema normativo e a consciência axiológica, apreciando não só os factos e valores que lhe deram origem, como também os factos supervenientes, convergentes com o concreto problema – efetividade, tempestividade e pontualidade das prestações –e emergentes relações jurídicas – designadamente na interpretação e aplicação das normas constantes dos art.ºs 9º, 10º, 236º, 237º, 762º e 763º do CC e face aos princípios jurídicos que as enformam, com Elevado sentido do Direito e da Justiça.

38. No modesto entendimento da Recorrente o Venerando Tribunal da Relação ... errou na interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 9º, 10º, 236º, 237º, 762º, 763, 798º, 799º, 804º, 805º, 806º, 1154º, 1156º, 1170º, 1171º, 1172º, c) do Código Civil, no seu Acórdão que julgou a Apelação procedente parcialmente a que revogou em parte a sentença recorrida e consequentemente condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 30.300,50 com IVA à taxa legal em vigor, acrescida dos juros legais desde a data da fatura e até efetivo pagamento, do mais absolvendo a Ré.

39. Como diz o Douto Acórdão recorrido, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (art. 406.º, n.º 1 do Código Civil), o que significa, que «o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito». Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, II Vol., Almedina, 5.ª edição, 1992, pág. 14-15.”

40. “No caso dos autos a obrigação de pagar o preço devido constituiu-se conforme acordo das partes na data de vencimento da fatura demandada. (artº 804º e 805º nº 1 a) do cc)”.

41. “Pelo que a partir desta data, se, tem a ré como constituída em mora.”

42. Porém, contrariamente a sua própria exposição, o Venerando Tribunal da Relação ... deliberou discordantemente e de uma forma desarticulada com o princípio da tutela e da confiança e da solução mais justa e com consequentes prejuízos despropositados para a Autora.

43. Quando, afinal, no seguimento da exposição do Douto Acórdão recorrido, a solução justa seria a da improcedência do recurso de apelação e a consequente condenação da Ré no pedido.

44. O Tribunal da Relação ... violou a lei substantiva, designadamente, as disposições dos artigos 9º, 10º, 236º, 237º, 762º 763º, 798º, 799º, 804º, 805º 806º, 1154º, 1156º, 1170º, 1171º, 1172º, c) do Código Civil, e também o artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Conclui a A. recorrente que o acórdão recorrido deve ser revogado e ser repristinado o decidido em primeira instância com condenação da Ré na totalidade do pedido.


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Não houve resposta da recorrida.


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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


É a seguinte a matéria de facto que vem fixada pelas instâncias:

1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto, designadamente, a elaboração de projetos de engenharia e serviços conexos.

2. A Requerida é uma sociedade anónima que tem por objeto designadamente a promoção e exploração de empreendimentos hoteleiros, exercício de atividade e exploração das águas minerais de C....

3. Em 02 de dezembro de 2014 Autora e Ré acordaram que a Autora desenvolveria para a Ré projeto de arquitetura e especialidades para a reconversão do Palácio de ..., localizado em ..., M..., sendo o objetivo da intervenção reabilitar o empreendimento para permitir a operação hoteleira, conforme clausulado junto aos autos a fls. 31 a 41 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4. O acordo referido em 3 previa o pagamento de honorários no total de € 185.111,68, sendo € 78.622,28 para o desenvolvimento do projeto de arquitetura e o restante para as demais especialidades.

5. Tendo ficado estabelecido o pagamento de € 50.000,00 com a adjudicação.

6. Nos termos do acordado a autora em 11 de Dezembro de 2014 emitiu a fatura nº 251º, com vencimento na mesma data, no valor de € 61.500,00.

7. Esta fatura foi enviada à Ré que a recebeu na data da sua emissão e não apresentou reclamação.

8. Os trabalhos realizados pela Autora (de arquitetura e especialidades) têm um valor comercial de € 30.300,50, valor ao qual acresce IVA á taxa legal em vigor.

9. Dá-se por reproduzido o teor do documento nº ... junto com a contestação (fls. 26) que corresponde a e-mail enviado pela empresa de construção civil L... a reencaminhar uma proposta para prestação de serviços de arquitetura e engenharia elaborada pela Autora.

10. Os elementos fornecidos pela Ré à Autora referentes à zona termal e spa (no conceito e na generalidade da compartimentação) são idênticos ao projeto existente no processo e apesentado pela Ré em Novembro de 2016.

11. A Autora preparou o caderno de encargos para execução das sondagens, com vista ao estudo geológico /geotécnico e coordenou os trabalhos.

                                                                       *


III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.


A questão central que vem suscitada na presente revista pela A. e recorrente A 400 – PROJECTISTAS E CONSULTORES DE ENGENEHARIA, LDA, prende-se com uma absoluta divergência quanto ao entendimento do acórdão recorrido de que ocorreu uma revogação tácita do contrato celebrado com a Ré e ora recorrida PALÁCIO DE …, S.A.., porquanto é com fundamento nessa revogação que a Relação vem a fixar a retribuição da A. em montante correspondente ao valor do trabalho por ela efectivamente realizado a despeito do que foi convencionado entre as partes.

Entendimento contra a qual genericamente se rebela a A., ora recorrente, ao sustentar que o contrato celebrado com a Ré e recorrida nunca foi revogado, expressa ou mesmo tacitamente, pelo que lhe é devido o respectivo cumprimento no que concerne à prestação da retribuição já vencida com a adjudicação dos trabalhos ali previstos.

Importará, antes de mais, proceder à qualificação do contrato em causa e, perante ela, determinar o regime aplicável ao quadro factual que concretamente se mostra reunido.

  

No que concerne à qualificação do contrato em apreço, não divergiram as instâncias – nem divergem agora os recorrentes – quanto à sua natureza de prestação de serviço (art.º 1154 do CC), dado que nele a A. se obriga a proporcionar à Ré um certo resultado do seu trabalho intelectual mediante uma determinada retribuição: a elaboração de um projecto de arquitectura e de especialidades para a reconversão de um edifício tendo em vista a sua exploração como unidade hoteleira.

Afigura-se-nos também que o contrato celebrado entre A. e Ré foi um contrato de prestação de serviço inominado, uma vez que não se integra em qualquer das três modalidades típicas previstas no Código: mandato, depósito e empreitada.

Uma vez que a prestação a realizar pela A. consistia num trabalho intelectual, incorpóreo – não confundível com o necessário suporte material ou documental do produto desse trabalho – está afastada a figura da empreitada para a qual é indispensável a criação ou alteração física de uma coisa corpórea (cfr. Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2ª edição, p. 56 e ss).

Mas não se mostrando celebrado entre as partes um típico contrato de empreitada, tal não quer dizer que esteja excluída a aplicação subsidiária de aspectos da sua disciplina, como não está a disciplina do contrato de mandato.

Com efeito, compreendendo a prestação de serviço as modalidades contratuais do mandato, do depósito e da empreitada, estatui-se expressamente no art.º 1156 do C. Civil que “As disposições sobre o mandato são extensíveis, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”.

É aqui visado o contrato de prestação de serviço dito inominado, no qual se integra, sem dúvida, o contrato de prestação de serviço celebrado entre a A. e Ré.

Como se dá nota no Ac. do STJ de 5.06.2001 (CJ, Acórdãos do STJ, Ano IX, T. II, 2001, p. 120 e ss) o contrato em que uma das partes se vincula a elaborar projectos, envolvendo arquitectura, engenharia e outras especialidades conexionadas com a construção de edifícios ou outras obras, podendo designar-se como “contrato de arquitecto”, é um contrato de prestação de serviço inominado.

Significa isto que, para além do convencionado no clausulado contratual, a este contrato inominado poderão ser subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disciplinas de contratos como o mandato ou a empreitada, sem prejuízo de a lei no art.º 1156 apenas se referir ao mandato.

A propósito da aplicação subsidiária do regime do contrato de empreitada ao aludido contrato de arquitecto, escreve Baptista Machado na RLJ, Ano 118, p. 278 (de resto também citado no Acórdão acima aludido): “(…) não hesitaríamos em aplicar a este contrato, com as devidas adaptações, o regime do contrato de empreitada no que concerne à responsabilidade por defeitos da obra (…) como o regime do mesmo contrato relativo à impossibilidade de execução (art.º 1227) e à desistência do dono da obra (art.º 1229) (…)”.

Isto posto, vejamos como o acórdão recorrido operou a subsunção jurídica da factualidade apurada.

No acórdão a Relação considerou que estaríamos confrontados com uma revogação bilateral (tácita) do contrato de prestação de serviço outorgado entre as partes em Dezembro de 2014.

É, portanto, inequívoco que não se reportou à revogação tácita unilateral, revogação que, no âmbito do contrato de mandato, no que concerne à iniciativa do mandante, vem específicamente regulada nos art.ºs 1170 a 1172 do C. Civil.

Não teria, aliás, o necessário respaldo fáctico para concluir em tal sentido.

Mas também julgamos – agora em contraponto ao ali decidido - que nada autorizava o entendimento de que houve uma convergência de vontades de A. e Ré dirigida à revogação tácita do contrato de prestação de serviço de Dezembro de 2014. 

Com efeito, o acórdão recorrido subsumiu a realidade que tinha à sua frente a uma revogação bilateral ou consensual do contrato outorgado por A. e Ré i identificado nos factos provados, considerando que o mesmo foi tacitamente revogado pelas partes.

Não indicou, porém, a base factual que lhe permitiu dar por verificado, não o contrato extintivo (contrarius consensus) em que se traduz a revogação expressa, mas o propósito das partes de extinguir ou pôr fim à relação contratual.

Discorreu-se no acórdão recorrido da forma que segue:

“Está provado que as partes acordaram que com a adjudicação da obra seriam entregues 50.000,00 euros mais IVA.

Que esse momento correspondeu à data de vencimento da fatura cujo valor é reclamado.

Está ainda provado que para a obra global foi fixado o preço de 185.111,68 euros cujo pagamento deveria ser efetuado em três prestações.

E que a Autora apenas executou trabalhos no valor de 30.300,50 euros. Tendo sido colocado fim à execução contratual, que por esta via se não concluiu.

Ora, valor acordado como a pagar no momento da adjudicação não pode ser dissociado do valor global acordado para os trabalhos, constituindo um pagamento parcial dos mesmos.

Este montante correspondente a uma antecipação do preço apenas seria devido se a Autora tivesse executado a sua prestação no montante equivalente.

Não tendo sido o contrato integralmente executado pela Autora, que como se referiu, apenas provou ter desempenhado serviços correspondentes ao valor € 30.300,50 a que acresce IVA, não pode a mesma vir exigir o pagamento de um montante superior.

É que a não execução global dos trabalhos, face à não continuidade da relação por ambas as partes, no caso dos autos, corresponde a uma revogação tácita do contrato”. (…)”.


Não deflui da matéria provada uma ruptura da relação contratual, da iniciativa da A. ou da Ré, em qualquer das formas que a mesma possa revestir (resolução, revogação unilateral, desistência).

Desde logo, não se descortina no acervo fáctico reunido o menor indício de que a Autora tenha pretendido colocar fim à sua execução contratual, nem que a Ré tenha desprezado essa execução, nomeadamente por quaisquer circunstâncias supervenientes ao acordo inicial.

A conclusão do acórdão de que há “revogação tácita do contrato” é extraída do que ali se identifica como “não continuidade da relação por ambas as partes”.

Só que também este suposto encerramento do programa contratual iniciado em Dezembro de 2014 carece de arrimo na factualidade apurada.

Em boa verdade, não conseguimos vislumbrar em que segmento ou segmentos da factualidade apurada o acórdão recorrido se apoia para postular a dita “não continuidade da relação por ambas as partes”.

No que à execução do programa contratual concerne, o que deflui do acervo fáctico é unicamente a suspensão ou não prosseguimento dos trabalhos adjudicados à A. e o incumprimento da Ré com o não pagamento da factura referente ao valor da retribuição já vencido e a liquidar com a adjudicação.  

Por um lado, a não execução integral dos trabalhos a que a Ré se obrigou não podia, em si mesma, ser causa de perda de interesse na prestação por banda da A.. (recorde-se que é a própria Ré que na sua oposição explica o não pagamento da factura accionada pela A. com o não recebimento da ajuda financeira do Turismo de Portugal com que contava). Por outro, a A. tinha o direito (art.º 428, nº 1, do C. Civil) de suspender o prosseguimento dos trabalhos já iniciados diante do não pagamento da primeira da parte da retribuição já vencida e acordada para a adjudicação

De resto, em parte alguma dos articulados a Ré/recorrida ou a A. ora recorrente invocam a revogação expressa ou tácita do contrato.

Não há qualquer alegação de um contrarius consensus (acordo com sinal oposto ao primitivo), como tão pouco há de uma declaração unilateral da Ré como acto discricionário com esse sentido.

Note-se que mesmo não tendo sido invocada pela Ré a revogação do contrato, nada obstaria a que, adquiridos os factos correspondentes, o tribunal deles retirasse o efeito jurídico pertinente, visto não se tratar de excepção peremptória legalmente dependente da manifestação de vontade do interessado (art.º 579 do CPC).[1]

No que respeita ao carácter tácito da declaração revogatória, deve observar-se que, nos termos do art.º 217 do CC, a declaração negocial tácita – e a revogação, unilateral ou bilateral, está sujeita às regras gerais de interpretação das declarações negociais – só pode surgir a partir dos denominados facta concludentia, ou seja, daqueles factos que com toda a probabilidade revelem a vontade de revogação do contrato, sem prejuízo da exigência contida no nº 2 daquele artigo quanto à forma (que no caso não se põe).

O critério para se aferir da emissão de uma declaração negocial tácita é um critério prático ou empírico, que faz apelo aos usos da vida, sendo suficiente um juízo vulgar sobre a probabilidade de determinados factos terem sido praticados com uma dada significação social, “aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1972, V. II, p. 132).

Ora são estes facta concludentia (factos concludentes) que, que além de nunca terem sido esgrimidos na oposição que a Ré oportunamente deduziu, também estão completamente ausentes do acervo fáctico.

Não obstante uma vaga alusão nos art.ºs 24 e 27 de tal articulado à contratação pela Ré de um novo empreiteiro e de uma nova candidatura a um diferente programa de financiamento, nada mais foi concretamente alegado no sentido da destruição da relação contratual estabelecida com a Ré[2]. Alegação que, respeitando a matéria excepcional do interesse da Ré, só a ela naturalmente conviria a sua discussão e prova, por as consequências daí decorrentes poderem revelar-se mais favoráveis - ou menos desvantajosas – do que a pura e simples condenação no pedido[3].

A presente acção – que se iniciou com um procedimento injuntivo – é uma acção de cumprimento, pois que se destina a exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo devedor – art.º 817 do C. Civil.

Para obstar à exigência de cumprimento, podia a Ré defender-se, ou negando a obrigação, ou, reconhecendo embora o crédito da A., contra ele adversando qualquer factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva do direito accionado (art.º 342, nº 2 do C. Civil).

A Ré defendeu-se aceitando em toda a sua dimensão o direito de crédito exercido pela A., ao qual apenas contrapôs, por via excepcional, a existência de uma estipulação verbal entre as partes prevendo o diferimento da exigibilidade do crédito atinente à prestação contratual vencida em Dezembro de 2014 - € 50.000,00 mais IVA[4].

A factualidade atinente à aludida estipulação quedou indemonstrada, conforme se constata do elenco dos factos dados como não provados (alíneas a), b) e c)[5].

Não tendo sido invocada pela Ré a revogação do contrato, nada obstaria a que, adquiridos os factos correspondentes, o tribunal deles retirasse o efeito jurídico pertinente, visto não se tratar de excepção perentória legalmente dependente da manifestação de vontade do interessado (art.º 579 do CPC).

Porém, como se disse, para a declaração tácita faltam os factos concludentes.    

Pelo que, provada a causa de pedir com a demonstração do facto constitutivo do direito da A., acção tem de proceder.

Vencido o crédito contratual da A., a obrigação do seu pagamento integral é uma decorrência do princípio do cumprimento pontual dos contratos ínsito no art.º 406, nº 1, do C. Civil.

A situação do contrato outorgado entre A. e Ré é, por conseguinte, a de um incumprimento temporário ou mora por parte da Ré/devedora (art.º 804, nº 2, do C. Civil), pois que nenhum evento posterior conduziu à extinção da obrigação a que esta aí se vinculou. Obrigação que, assim, se apresenta como válida, vencida e exigível.

A retribuição vencida (e pedida na acção) é a prestação contratualmente devida pela Ré, à qual acresce a indemnização em consequência do retardamento no cumprimento através do pagamento dos correlativos juros de mora, nos termos dos art.ºs 798, 804, nºs 1 e 2, 805, nº2, al.ª a) e 806, nº 1, todos do C. Civil.

Nada consente, por conseguinte, a redução do valor contratualmente acordado entre A. Ré, e entretanto vencido, para o que nos autos foi apurado como o “valor comercial” do trabalho produzido pela A..

Em suma, o acórdão recorrido não pode ser mantido, devendo ficar a valer o decidido em 1ª instância.

Pelo exposto, concedendo-se a revista, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido e, em função disso, julga-se a acção integralmente procedente, condenando-se a no pedido nos precisos termos constantes da sentença prolatada pela 1ª instância.

Custas pela Ré.


Lisboa, 11 de Maio de 2022


Freitas Neto (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Maria Clara Sottomayor

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[1] O efeito (extintivo ou modificativo) que se produziria no direito da A. com a revogação do contrato decorreria de esta integrar a categoria das excepções ditas em sentido impróprio (provenientes das exceptiones facti por oposição às exceptiones iuris do direito romano). A desnecessidade da manifestação de vontade do demandado nas excepções em sentido impróprio é a regra em matéria processual e na larga maioria dos factos extintivos das obrigações (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 133-134).  
[2] Poderia até ter ocorrido uma revogação tácita apenas por iniciativa da Ré, uma vez que à prestação de serviço é subsidiariamente aplicável a norma do mandato constante do art.º 1171 do C. Civil (designação pelo mandante de outra pessoa para a prática dos mesmos actos); ou, inclusivamente, uma desistência da Ré do serviço encomendado, por também ser subsidiariamente aplicável a norma da empreitada do art.º 1229 do C. Civil.
[3] Tenha-se em mente que podia revelar-se bem mais favorável para a Ré a mera obrigação de indemnização prevista no art.º 1172 do C. Civil (para a revogação pelo mandante de um mandato oneroso conferido para certo assunto (al.ª c)).
[4] Estando em causa na alegação somente o momento em que se tornaria devida/exigível a retribuição a satisfazer pela Ré – que coincidiria com o recebimento do apoio a que a Ré se teria candidatado, a ocorrer em Março de 2015 – não se poderá falar com propriedade de uma condição suspensiva com incidência nos efeitos do negócio.
[5] Não se coloca, pois, qualquer problema de limitação probatória do art.º 394 do C. Civil.