Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1341/17.3T9CLD-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CAMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
RECURSO ORDINÁRIO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Se os arguidos/recorrentes, na sua estratégia de defesa, ignoraram facto (que era fácil de perceber e entender, pelo próprio texto do relatório, sendo do conhecimento geral, que o Labelec se trata de laboratório pertencente ao grupo da EDP) ou não o quiseram utilizar na altura própria, nomeadamente, antes do julgamento e de ser proferida a sentença na 1ª instância e nem requereram outra perícia, a responsabilidade é deles, não podendo considerar-se tal circunstância como um facto novo.

II. Se houve uma má preparação da defesa a culpa não é do tribunal (devendo antes ser demandados os respetivos responsáveis que asseguraram esse tipo de defesa), sendo certo que também essa razão não transforma aquele relatório técnico em facto novo.

III. Os condenados, desde sempre tiveram acesso aos autos, conhecimento dos documentos que o instruíram e a oportunidade de os contraditar, bem como de juntar todos os que tivessem por convenientes e fossem úteis para a descoberta da verdade. Assim, não tendo junto antes aos autos outros documentos, sibi imputet, isto é, são suas as consequências.

 IV. O que aqui sucede é que os recorrentes pretendem renovar discussões que deviam ter colocado em sede de recurso ordinário e, agora, por esta via, visam transformar o recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário, o que não pode ser.

V. A revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados, não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes já se socorreram, ainda que sem êxito.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório


I. Os arguidos/condenados J.N.M. agropecuária, Lda, AA e BB, vieram nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença e do acórdão do TRC, transitados em julgado, proferidos no processo comum (tribunal singular) n.º 1341/17.3T9CLD, pendente no Juízo Local Criminal ..., juiz ..., comarca de Leiria, transitado em julgado (confirmado por ac. do TRC de 4.05.2022), na parte que foram condenados respetivamente:

- o Arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º n.º1 e n.º2 e 26º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à diária de 10,00 €, o que perfaz a multa total de 1.800,00 €;

- a Arguida BB, em co-autoria, pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º n.º1 e n.º2 e 26º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à diária de 7,50 € euros, o que perfaz a multa total de 1.350,00 €;

- a J.N.M. Agropecuária, Lda. pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1 e 218º n.º2 alínea a), 11º n.º 2 alínea a), 90º-A e 90º-B do Código Penal na pena de 440 dias de multa, à taxa diária de 150,00 €, o que perfaz um total de 66.000,00 € (sessenta e seis mil euros);

- o Arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1, 218º n.º2 alínea a) e 26º do Código Penal na pena de três anos e seis meses de prisão;

- a Arguida BB, em co-autoria, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1, 218º n.º2 alínea a) e 26º do Código Penal na pena de três anos e seis meses de prisão;

- Suspender a pena de três anos e seis meses de prisão dos arguidos pelo período de três anos e seis meses, sujeita à obrigação de pagamento, por cada um deles, da quantia de 7.343,04 € (sete mil trezentos e quarenta e três euros e quatro cêntimos), até ao final do período da suspensão.

- Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela Demandante ERedes Distribuição de Eletricidade, S.A. contra os Demandados AA e BB e J.N.M. Agropecuária, Lda. e, em consequência, condená-los no pagamento à Demandante da quantia de 22.029,11 (vinte e dois mil, e vinte e nove euros e onze cêntimos), acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar até efetivo e integral pagamento.


II. Para o efeito, os recorrentes apresentam conjuntamente as seguintes conclusões neste recurso de revisão:

A - A Douta Sentença DE 1º INSTÂNCIA, decidiu condenar os recorrentes AA e BB, em co-autoria pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, bem como por um crime de burla qualificada, devido aos factos constantes da acusação pública que lhes imputava essas práticas, igualmente decidiu condenar a recorrente J.N.M., Lda, pela prática de um crime de Burla qualificada;

B - Decidiu ainda condenar todos os recorrentes ao pagamento da totalidade do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante E-Redes, Distribuição de Electricidade SA;

C - Não conformados, com o teor da Sentença, todos os recorrentes decidiram apresentar recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por sua vez entendeu negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

D - Ora a condenação de todos os recorrentes, tem por base o facto de nas instalações da recorrente sociedade, existir um contador propriedade de EDP, que alegadamente foi manipulado, por alguém!!...Sendo que esse alguém não foi apurado, constando na Sentença de 1º Instância que não se provou que foram os recorrentes a manietar o contador ou a mandar manietar, não se fazendo prova, em momento algum, que teriam sido os recorrentes a manietar ou a mandar manietar o contador em causa, a Sentença de 1ª Instância, através de recurso a prova indirecta, decidiu condenar todos os recorrentes, por serem os sócios e gerentes da firma arguida, ora recorrente, únicos beneficiários da alegada falsificação, bem como a firma que foi a beneficiada com a alegada falsificação.

E - O contador em causa nestes autos, com o nº de série ...80, foi instalado na sociedade arguida, ora recorrente no ano de 2012, tendo registo de aberturas, sendo a primeira abertura registada no ano de 1992, posteriormente no ano de 2012, 2013, 2014 e 2017, todas efectuadas por técnicos da EDP.

F - Esse contador, no ano de 2017após o alerta dado pelos recorrentes de que um veiculo pesado teria embatido no poste onde o mesmo estava instalado, foi vistoriado pelos técnicos da EDP, que detectaram um leitura discrepante, abaixo da considerada real, tendo enviado o contador para um laboratório para análise, sendo que o relatório desse laboratório LabLec, apontava uma discrepância de 43/44% entre consumo registado e consumo real, facto que não se verifica quer nas facturas desse ano de 2017, que se juntam, quer nos mapas de consumo dos 3 anos anteriores que igualmente se juntam;

G - Foi com base nesse relatório que surgiu a acusação pública e a posterior condenação de todos os arguidos ora recorrentes.

H - Em todo o processo nada nem nenhum parecer técnico independente, foi apresentado ou requerido pelo Tribunal, tendo simplesmente a Meritíssima Juíz, que não é técnica especializada, nem perito independente credenciado, se limitado a seguir um relatório que foi apresentado pela ofendida e de um Laboratório que não é de forma alguma imparcial, pois é do Grupo EDP, com esta aceitação do teor do relatório do laboratório da ofendida, com base em prova indirecta apenas, a Meritíssima Juíz “ a quo” decidiu condenar todos os arguidos, ora recorrente, mesmo fazendo “tábua rasa” dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela própria assistente, Sr. CC e Engenheira DD, que ao responderem sobre as questões que lhe foram colocadas sobre o contador e os seus registos entraram em profunda contradição nos depoimentos, o que gerou uma séria duvida sobre a fidedignidade do registo de tampas do contador em causa nos autos;

I - Ademais, e tendo em conta que a testemunha da Ofendida DD não é uma testemunha comum, é uma Engenheira Técnica especializada de um Departamento da assistente que especificamente procede á analise dos alarmes gerados pelos contadores instalados, afirmou expressamente e em juízo que: “todos os acessos ao aludido contador tinham sido registados…”, afirmação especializada esta que, só por si, demonstra a inexistência, “in casu” de qualquer acesso ilegítimo por parte dos arguidos, ora recorrentes e desmente toda a tese da acusação – o que na verdade teria conduzido o aresto da primeira instância e o douto Acórdão em sentido diverso, porém e incompreensivelmente, o teor determinante de tal depoimento e as consequências jurídico-penais do mesmo não foram retiradas, nem sequer foram tidas em conta pela senhora Juiz “a quo” na elaboração da sentença recorrida, ou, se quisermos, esta premissa essencial não integrou o “silogismo judiciário”;

J - Esse séria e fundamentada duvida que se gerou durante a produção de prova, sobre o registo de tampas do contador em causa nos presentes autos, associada à livre convicção da Meretíssima Juíz “a quo” quando expressamente dá como provado que não se prova quem procedeu à manipulação e alteração do contador, são factos que indubitavelmente deveriam ter resultado na absolvição dos arguidos, ora recorrentes de todos os crimes, em obediência ao principio “in dúbio pró réu”, entre outros princípios, o que não aconteceu.

L - Sucede que o referido laboratório é propriedade da assistente EDP, facto do qual só após a elaboração da Sentença de 1º Instância é que os recorrentes tomaram conhecimento, precisamente ao lerem a Sentença onde se diz (“É claro que se trata de um relatório técnico de um Laboratório pertencente ao grupo da EDP.”),

M - Caso os recorrentes em momento anterior à elaboração e leitura de sentença tivessem todo conhecimento deste facto, poderiam ter requerido ao tribunal de 1º Instância, uma peritagem técnica por perito independente a designar pelo Tribunal, sem ser do grupo EDP, de forma a poder verificar se as conclusões do referido relatório que ditou a condenação dos recorrentes era imparcial, rigoroso e consequentemente legítimo.

N - Os recorrentes ficaram impedidos de durante a preparação da sua defesa poderem ter tido acesso a um relatório técnico imparcial, sobre a verificação de um contador, que foi a peça chave e trunfo único quer da assistente, quer do Ministério Público e que ditou a condenação totalmente injusta de todos os recorrentes, com base no pressuposto que existia um défice de consumo registado de menos 43/44%, facto que não se vislumbra nas facturas da própria assistente.

O - Existe assim um facto novo, que não foi tido em conta no julgamento, nem no momento de preparação da estratégia de defesa dos recorrentes, que conjugado com o registo de abertura de tampas do contador( de fls 59) e também com as declarações das testemunhas da assistente DD e EE, bem como dos factos provados em relação aos registo de abertura da tampa do contador( 1º abertura em 1992) e a sua data de construção( construído em 2012), suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação!

P - Após a elaboração de sentença e do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, surgiu igualmente uma outra questão, que em momento algum foi levantada, quer pela acusação, quer pela própria Assistente, quer até pelas próprias testemunhas que a assistente carreou aos autos, a qual se passa a expor, ou seja o facto de o contador em causa nos autos, ter sido montado nas instalações da firma arguida, ora recorrente, no ano de 2012, no entanto a firma não abriu nesse ano, já laborava continuamente desde o ano de 2000, tendo para o efeito requisitado um contador à EDP.

Q - Nesse ano de 2012, houve um pico de energia que causou uma avaria geral, o que fez com que os técnicos da EDP acompanhados da testemunha de defesa dos arguidos, Sr. FF, tivessem de retirar o contador originário da instalação e montado este contador com o nº ...80, de forma provisória para a instalação poder laborar!!!

R - Este facto como se disse não foi reportado aos autos, não foi apreciado, não foi validado por qualquer meio de prova, porque simplesmente ficou esquecido, tendo sido reportado após a condenação, por um ex-trabalhador da firma arguida, que á data dos factos assistiu a operação de montagem e desmontagem, juntamente com a testemunha arrolada FF, de seu nome GG, sendo que por motivos de ter estado internado devido à pandemia Covid 19, atendendo também à sua idade, estava impossibilitado de depôr em Julgamento, pelo que se passa a indicar como meio de prova, requerendo-se a sua inquirição, bem como a reinquirição da testemunha FF e este novo facto.

S - O facto do contador ter sido substituído por um contador provisório por motivo de avaria, que só agora veio a conhecimento dos recorrentes, juntamente com o registo de abertura de tampas do contador ( de fls 59) e também com as declarações das testemunhas da assistente DD e EE, bem como dos factos provados em relação aos registo de abertura da tampa do contador( 1º abertura em 1992) e a sua data de construção( construído em 2012), bem como o facto de não poder ser um contador novo , mas sim usado, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação!

T - Caso os ora recorrentes acatassem a sentença condenatória, iriam com certeza, face ao valor elevadíssimo das multas que lhe foram aplicadas, ser forçados a encerrar a sua actividade, ficando sem qualquer meio de subsistência e no caso da recorrente JNM seriam postos em causa os postos de trabalho que ainda hoje assegura.

Termina pedindo a autorização para a revisão da decisão impugnada, indicando como meios de prova testemunhas, prova documental e requerendo peritagem técnica ao contador em causa nos presentes autos, com o nº ...80, com consequente nomeação de perito independente a nomear pelo Tribunal, indicando 4 quesitos.


III. Na 1ª instância respondeu o Ministério Público, sustentando, em resumo, “que o primeiro fundamento de revisão invocado - o desconhecimento de que o relatório valorado pelo Tribunal é pertença do Grupo EDP (pontos La O das conclusões)- não merece, de todo, ser atendido porquanto antes e durante o julgamento o recorrente poderia ter diligenciado por saber donde provinha o mesmo, seja através de perguntas às testemunhas, seja através de requerimento dirigido ao processo nesse sentido seja ainda através de investigação própria, podendo igualmente ter requerido uma outra peritagem a entidade diferente. Não o tendo feito quando estava nas suas mãos fazê-lo livremente não pode invocar ter ficado preterida a sua defesa. E, por outro lado, como resulta sobejamente da doutrina e jurisprudência elencada, o alegado não suscita as alegadas graves dúvidas sobre a justiça da condenação exigidas em sede de revisão.

Idêntico raciocínio se impõe diante do outro alegado facto novo (pontos P a T das conclusões) porquanto também do mesmo não resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação e porquanto o seu concreto apuramento não teria a virtualidade de mudar o sentido da decisão de condenação, salientando-se a bastante fundamentação tecida na sentença em causa.”

Acrescenta que do alegado no recurso não resulta a existência de “clamoroso e intolerável erro judiciário e tão pouco se extrai a conclusão consequente que seria necessária: que esses alegados novos factos e novas provas não se destinavam apenas a esclarecimentos de dúvidas mas antes demandavam a absolvição dos arguidos”, sendo certo que “não pode, por isso, deixar de se dizer que este recurso de revisão surge na tentativa de conseguir o que os arguidos não conseguiram por via do recurso.”

Assim termina que deve ser negada a revisão e mantida na integra a sentença recorrida.


IV. A Srª. Juiz pronunciou-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), nos seguintes termos:

 Vêm os arguidos requerer o pedido de revisão da sentença proferida por este Tribunal, nos ternos previstos no artigo 449º n.º 1 alínea d) do CPP, invocando, na sua lógica argumentativa, dois factos novos e um novo meio de prova.

O primeiro dos novos factos alegado pelos arguidos prende-se com a circunstância do laboratório onde foi elaborado o relatório técnico que justifica a condenação ser propriedade da EDP. Invocam os Arguidos desconhecer, até ao momento da leitura da sentença, que o relatório em questão tivesse sido elaborado por uma entidade pertencente à lesada, o que determinou com que não fosse pedida uma peritagem técnica por perito independente.

Justifica o seu desconhecimento de tal facto, por não vir o mesmo indicado na acusação pública, pelo que os arguidos nunca puderam contraditar tal facto.

Concluem que este novo facto, conjugado com o registo de abertura de tampas do contador (fls. 59) e com as declarações das testemunhas DD e EE e com as datas da construção e da montagem do contador nas instalações da sociedade arguida suscitam grandes dúvidas sobre a justiça da condenação.


*


O segundo facto novo trata-se de no ano de 2012 ter havido um pico de energia que causou uma avaria geral, o que fez com que os técnicos da EDP acompanhados da testemunha FF, tivessem de retirar o contador originário da instalação e montado esse contador com o n.º ...80 de forma provisória para a instalação poder laborar.

Tal facto ficou esquecido, no dizer dos Arguidos, tendo sido reportado por um ex-trabalhador da firma arguida – GG - que, à data dos factos, assistiu à operação de montagem e desmontagem, juntamente com a testemunha arrolada FF, e que se encontrava impossibilitado de depor em julgamento por ter estado internado devido à pandemia Covid 19 e à sua idade.

Conclui, pedindo admissibilidade deste novo meio de prova; a reinquirição da testemunha FF, entre outros, por entender que este novo facto articulado com os supra referidos, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


*


Cumpre apreciar:

O primeiro “novo facto” alegado pelos arguidos não é um facto e, por isso, não tinha que constar da acusação pública. O relatório técnico em questão trata-se de um meio de prova que foi contraditado pelos arguidos (nomeadamente por recurso à prova testemunhal arrolada), sendo a sua autoria evidente da análise do documento, na medida em que resulta expressamente identificada em todas as folhas do relatório, quer no canto superior esquerdo, com os dizeres “edp labelec – Centro de Excelência Técnica do Grupo EDP”, quer no rodapé ao centro, em que figura o logotipo da edp (bem conhecido do público, em geral) - cfr. fls. 18 e seguintes do presente apenso. Não tinham, assim, os arguidos como ignorar a autoria deste relatório, sendo certo que não o impugnaram, nem em sede de contestação (cfr. fls. 268 e seguintes dos autos), nem em audiência de julgamento (fls. 331 a 333, 337 a 338, 339 e 340, 364 e 365), não tendo igualmente requerido a realização de nova peritagem técnica ao contador, como podiam ter feito, atenta a sua discordância com o teor do relatório da Labelec.

Em face do exposto, a alegação deste “novo facto” como fundamento de recurso de revisão é manifestamente improcedente, afigurando-se-nos, aliás, como uma conduta de má fé processual.

Relativamente ao segundo facto novo, os arguidos lançam argumentos em todas as direções para forçar a subsunção do seu inconformismo ao disposto no artigo 449º n.º 1 alínea d) do CPP. O novo facto seria, assim, que o contador com o n.º ...80 teria sido instalado de forma provisória no ano de 2012, na sequência de uma avaria generalizada.

Tal facto terá “ficado esquecido”, tendo sido reportado aos arguidos já depois do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou o teor da sentença proferida, por um ex funcionário da sociedade arguida. Apesar de reconhecerem que só tiveram conhecimento de tal facto em momento posterior ao julgamento, não deixam os arguidos de alegar, sem provar, que tal testemunha teria estado impedida de comparecer ao julgamento, devido a internamento por Covid 19 e devido à sua idade avançada. Admitem, contudo, que tal facto terá sido presenciado igualmente pela testemunha FF que terá assistido à operação de montagem e desmontagem.

Ora, esta testemunha foi ouvida em audiência de julgamento, duas vezes, a primeira vez por 18 minutos (fls. 332 verso) e a segunda vez por 22 minutos (cfr. fls. 364 verso) e nunca mencionou tal facto.

O contador em questão foi objeto de peritagem técnica especializada, foram juntos os registos de abertura de tampa, foram ouvidas testemunhas que verificaram o contador (EE, CC e, duas vezes, FF). Da referida prova concluiu-se nos autos que aquele contador sofreu uma modificação no circuito de medição das correntes de entrada. A circunstância de lá ter sido colocado a título definitivo ou provisório em 2012 não se nos afigura como relevante na medida em que se provou a substituição de componentes e a modificação efetuada no circuito de medição daquele contador em concreto, e não de qualquer outro.

Acresce que os Arguidos não justificaram, no nosso entendimento, os motivos pelos quais, no seu entendimento, este facto novo suscitaria graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Revisitada a sentença proferida por este Tribunal resulta que as grandes linhas argumentativas do presente recurso de revisão foram consideradas na sua fundamentação de facto, tendo sido afastadas, de forma fundamentada.

Entendemos, assim, e sem delongas teóricas sobre os fundamentos da revisão da sentença e do seu caráter excecional, já pertinentemente aludidos na pronúncia do Ministério Público, e que os Exmos. Srs. Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça bem conhecem, que os fundamentos invocados pelos Arguidos não integram a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, nem qualquer outra desse preceito.


*


É o que me cumpre informar, na certeza, porém, que V. Exas. melhor decidirão.

*


Remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.


V. Neste Tribunal o Sr. PGA pronunciou-se no sentido da negação da revisão, concordando com a posição do Ministério Público na 1.ª Instância e da Mm.ª Juiz titular do processo quando prestou a sua informação, entendendo que o alegado pelos recorrentes, além de ser «algo absolutamente irrelevante – v.g. porque ninguém os impediu de solicitar uma outra perícia a entidade diversa e porque tiveram todas as possibilidades de contraditar o seu conteúdo – verifica-se a inexistência de “facto” e, sobretudo, de “facto novo”, concordando-se com a Mmº Juiz a quo quando classifica esta conduta como má-fé processual….».


VI. Notificado do Parecer do Sr. PGA, os recorrentes não responderam.


VII. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.


Fundamentação


VIII. Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória, confirmada por acórdão do TRC de 4.05.2022[1], o seguinte:

Factos Provados

Da Acusação Pública

1) A EDP Distribuição Energia, S.A., com o NIPC 504394029, é operadora de redes de distribuição de electricidade, estando-lhe cometidos o estabelecimento e a exploração daquelas redes, em regime de serviço público e em exclusivo, tendo as mesmas redes declaração de utilidade pública.

2) A sociedade arguida, com o NIPC 504907468 e sede na Travessa Filipe de Almeida, n.º 7, Rostos, Landal, dedica-se à exploração agropecuária e serviços conexos, produção e comercialização de produtos agrícolas e pecuários, em especial frutícolas, vinícolas, avícolas e suinícolas, compra e venda de combustíveis e lubrificantes.

3) No âmbito da actividade de tal sociedade foi contratado, através da empresa Endesa, o fornecimento de energia eléctrica para as instalações sitas na Travessa ..., ..., ....

4) Os arguidos AA e BB são os legais representantes da sociedade arguida desde o ano de 2011 e 2012 respetivamente.

5) Em data anterior ao dia 22/06/2017, data da vistoria por parte dos técnicos da EDP, os arguidos AA e BB, em comunhão de esforços e vontades, por si próprios ou mandando terceiro quebraram os selos metrológicos do contador com o n.º ...80 e procederam à substituição de componentes no circuito do contador, tendo sido essa modificação realizada no circuito de medição das correntes de entrada, fazendo com que o valor de corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real da energia consumida.

6) Assim, no período que decorreu entre 15/04/2014 e 22/06/2017, e em consequência da conduta dos arguidos AA e BB, o referido contador registou menos de 47% da energia consumida, o correspondente ao consumo indevido de 183.349 KWH, perfazendo a quantia de € 18.167,38, e a quantia de € 3.662,28 referente à potência indevidamente tomada.

7) Para além daqueles valores, a sociedade lesada teve ainda de prejuízo a quantia total de € 199,45, sendo 69,60 € referente à deteção e tratamento de anomalias e 129,85 €, referente ao equipamento danificado.

8) Os arguidos AA e BB agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e vontades, e em nome e no interesse da sociedade arguida, ao quebrar os selos do contador que tinham sido apostos pela EDP e ao proceder à substituição de componentes no circuito de medição da energia consumida, de forma a reduzir o registo do consumo de energia, com o propósito de obter um benefício ilegítimo em montante não inferior a € 22.029,11.

9) Mais sabiam os arguidos AA e BB que não se achavam autorizados a realizar qualquer intervenção no contador, como fizeram, que agiam contra os interesses da sociedade lesada EDP Distribuição Energia, S.A. e que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Do Pedido de Indemnização Civil

10) A demandante exerce em regime de concessão de serviço público a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no Concelho ....

11) No âmbito da sua atividade a Demandante gere toda a rede de distribuição de energia elétrica, coordenando a ligação à rede elétrica, a assistência técnica à rede de clientes e leitura de equipamentos de contagem.

12) Na qualidade de concessionária da rede de distribuição de energia elétrica, a Demandante procede à ligação à rede elétrica pública das instalações de consumo que para tanto tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica com os comercializadores legalmente constituídos.

13) A última deslocação técnica à instalação do equipamento da contagem tinha sido efetuada a 15.04.2014, não tendo sido detetadas quaisquer anomalias.

Mais se provou que:

14) A sociedade arguida apresenta uma situação económica estável, apresentando lucros.

15) Tem apenas três funcionários, dois deles os arguidos, que são igualmente gerentes, com ordenados entre 750,00 € e os 800,00 €.

16) As instalações onde labora pertencem à sociedade arguida.

17) As contas de eletricidade da empresa oscilam, em regra, entre os 500 e os 1000,00 € por mês.

18) Nada consta do seu certificado do registo criminal.

19) Os Arguidos AA e BB têm outras empresas, sendo perspetivados pela comunidade como pessoas sem necessidades económicas.

20) O Arguido AA é funcionário da sociedade arguida, auferindo 800,00 € por mês.

21) Vive em casa própria, com a sua mulher e dois filhos, com 22 e 7 anos.

22) Despende 230,00 € na escola dos filhos.

23) A sua mulher é escriturária.

24) Tem o 9º ano de escolaridade.

25) Nada consta do seu certificado do registo criminal.

26) A Arguida BB aufere 750,00 € de ordenado.

27) Vive em casa própria, com o marido e os 2 filhos, menores, pagando a prestação de 500,00 €.

28) Depende cerca de 490,00 € mensais, no pagamento da terapia da fala, e desenvolvimento e psicóloga.

29) É licenciada.

30) Nada consta do seu certificado do registo criminal.


Factos não provados

A. Em consequência da conduta dos arguidos AA e BB, existiu ainda uma perturbação do serviço público a que a rede está adstrita, danificando-a e aumentando as perdas, pondo em risco a segurança do abastecimento de electricidade e de pessoas e de bens.

B. Os Arguidos sabiam que perturbavam o fornecimento de energia aos demais consumidores.

C. Os arguidos sabiam e queriam apoderar-se de energia elétrica sem proceder ao respetivo pagamento.


Motivação da matéria de facto

A factualidade provada resultou da análise de toda a prova produzida à luz das regras de experiência e de normalidade social, nomeadamente: na documentação junta aos autos (fls. 4 auto de vistoria do ponto de medição de 22.06.2017; fotografia de fls. 5; listagens de faturação de fls. 26 a 28, certidão de registo comercial de fls. 30 a 37; relatório de ensaio ao contador trifásico de fls. 43 a 62; contrato de fornecimento de energia elétrica de fls. 137 e seguintes; e certificados de registo criminal de fls. 291 a 293; nas declarações dos Arguidos AA e BB e nos depoimentos das testemunhas EE, técnico de contagens da EDP que verificou o contador existente nas instalações da sociedade arguida e procedeu à substituição do contador; CC, técnico de contagens EDP-Redes, que acompanhou a testemunha anterior ao local; FF, eletricista, que presta serviços à sociedade arguida; DD, Engenheira eletrotécnica Responsável da Unidade Organizativa de Lisboa da Direção de Operações de redes inteligentes; HH, Técnico Superior E-Redes, exercendo funções na unidade de faturação; II, mediador de seguros; JJ, eletricista; KK, consultor comercial.

Os factos 1, 10, 11, e 12 resultaram provados da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas DD e HH, à luz das regras de experiência comum, tratando-se de factos do conhecimento geral dos cidadãos.

Para prova dos factos 2 e 4 atendemos à certidão de registo comercial da sociedade arguida, supra identificada.

O facto 3 resulta evidenciado no contrato de fornecimento de energia elétrica de fls. 137 e seguintes.

Para prova dos factos 5 a 9 resultaram provados da análise conjugada das declarações dos Arguidos, com os depoimentos das testemunhas ouvidas, com o teor do auto de vistoria; fotografia de fls. 5; listagens de faturação de fls. 26 a 28, certidão de registo comercial de fls. 30 a 37; e relatório de ensaio ao contador trifásico de fls. 43 a 62, nos termos que melhor se demonstrarão.

Os Arguidos prestaram declarações, confirmando a sua relação com a sociedade arguida e demonstrando conhecimento direto sobre a vida da mesma. Negam determinantemente qualquer manipulação do contador efetuada por si ou a seu mando.

As declarações do Arguido AA foram mais demoradas e detalhadas, revelando um conhecimento mais aprofundado da atividade da empresa.

No entanto, a Arguida BB está responsável pela parte administrativa da empresa, fazendo a ponte com a contabilidade, efetuando os pagamentos; tinha conhecimento de que os pagamentos das faturas da EDP eram feitas por débito direto, tendo ainda afirmado não se ter apercebido de alterações da faturação com a mudança do contador.

Ambos revelaram, assim, conhecimento direto e profundo sobre a vida da empresa, ainda que o Arguido AA sobre as partes técnicas da atividade, e a Arguida BB sobre a parte administrativa.

Durante as suas declarações percecionou o Tribunal um ambiente de cumplicidade entre os arguidos, cruzando olhares, questionando o arguido a sua irmã sobre o valor do colégio dos filhos que, aparentemente, é o mesmo que os filhos desta frequentam.

A sua postura em audiência de julgamento e o conteúdo das suas declarações evidenciou um relacionamento profissional e pessoal de grande proximidade, como é natural, atendendo ao facto de serem irmãos. Tanto assim foi que o grosso dos esclarecimentos foram prestados pelo Arguido AA, não querendo a Arguida BB nada acrescentar, mas não discordando das declarações do seu irmão.

Não cremos, assim, que seja possível a atuação de um à revelia do outro, mormente em assuntos que respeitam à atividade da empresa e que se repercute na sua faturação, pela distribuição de tarefas que ambos fizeram na gestão da sociedade.

Avança o Arguido AA a hipótese dos danos no contador terem sido causados pelo embate de um “carro de frangos”na caixa onde estão alguns disjuntores, presa ao mesmo poste onde se situa o contador. Tanto que terá sido nessa sequência que decidiram substituir a caixa, o que implicou a deslocação dos técnicos da EDP ao local para efetuarem as ligações necessárias.

Escudam-se, assim, os arguidos no insólito que seria eles próprios terem motivado a presença dos técnicos da EDP no local para identificarem a manipulação do contador que lhes é imputada.

As suas declarações não mereceram credibilidade do Tribunal, por diversos motivos. Desde logo as mesmas desafiam as regras da lógica e da normalidade social, sendo, ainda, incoerentes com muitos outros elementos de prova.

Inexistem dúvidas de que foi realizada uma vistoria ao contador em causa no dia 22.06.2017 conforme atesta o respetivo auto de fls. 4, e que dessa vistoria resultou a retirada do contador e o seu envio para análise do Lablec, informação que consta igualmente do referido auto de vistoria e que foi confirmado pelo depoimento das testemunhas EE e CC. Estas testemunhas prestaram depoimentos objetivos, lógicos e coerentes entre si e com a demais prova produzida. Ambos afirmaram categoricamente que tinham um aparelho para medir os consumos, tendo verificado uma discordância significativa (cerca de 43-44%) entre os valores contados pelo seu medidor e os que estavam a ser registados pelo contador, o que levou à sua substituição e envio do contador para análise. Acrescenta a testemunha CC que assim que procederam à substituição do contador a contagem da energia passou de imediato a ser corretamente contabilizada.

Por outro lado, ambas as testemunhas foram categóricas ao afirmar que nenhum embate de viatura é suscetível de alterar os componentes de entrada do contador, esclarecendo que este tipo de manipulação exige intervenção humana.

Confrontadas as testemunhas com o auto de vistoria que identifica na tampa superior que não estava devidamente selada, não estando igualmente desselada e que não apresentava selos sem marca esclarecem que o contador tinha selo, não estava era devidamente desselado. Mais esclarecem que existem técnicas muito complexas de simular o selo, que só em análise laboratorial permite perceber.

Os depoimentos das testemunhas foram ainda confirmados pelo depoimento da testemunha FF, arrolada pela defesa, que, na qualidade de eletricista da sociedade arguida, acompanhou a visita dos técnicos da EDP afirmou que o que lhes causou estranheza foi a verificação do selo estar um pouco danificado “e realmente estava”, confirmou a testemunha.

A defesa bateu-se igualmente pela valorização da referência aos parafusos aliviados que consta com indicação negativa na verificação, no auto de vistoria. Ora, tal indicação não é concludente de ausência de manipulação, porquanto os parafusos tanto se podem aliviar como apertar, não sendo excludente de qualquer comportamento.

Finalmente, do relatório do Labelec resultou que:

Ao analisarem-se os selos metrológicos, que são um fio de selagem com as pontas cunhadas, constatou-se que estes estavam colocados com as inscrições dos cunhos voltadas para o contador, Figura 2, posição contrária àquela em que os selos são cunhados em fábrica”.

“Observando a Figura 2 constata-se que um dos selos metrológicos está quebrado e o seu cunho apresenta uma fenda.” (…)

“Na figura 3 é visível que os selos estão degradados e apresentam sinais de manipulação. Depois de analisado o selo colocado no parafuso do lado direito verificou-se que, tal como o outro selo, este também estava quebrado. O arame de selagem foi cortado e a ponta foi encaixada no cunho. A figura 4 mostra este selo metrológico depois de ser desencaixado o arame de selagem do cunho”. - cfr. relatório de fls. 54 dos autos.

A inspeção ao circuito do contador “a alteração efetuada consistiu na substituição de componentes, tendo esta modificação realizada no circuito de medição das correntes de entrada. A figura 5 mostra as resistências que foram substituídas, e cujo valor óhmico é diferente das resistências originais e a figura 6 mostra o circuito original” - fls. 55.

Da análise conjugada dos depoimentos das referidas testemunhas, com o auto de vistoria e o citado relatório do Labelec, resulta que o contador que se encontrava instalado nas instalações exteriores da sociedade arguida foi enviado para análise técnica onde se concluiu que existiam dois selos metrológicos quebrados e que o circuito do contador foi adulterado mediante a substituição das resistências. Essa adulteração vem igualmente explicada no relatório, a fls. 56:

“O valor da corrente de entrada assumido pelo contador é proporcional ao valor da queda de tensão nestas resistências, pelo que, a alteração do seu valor óhmico irá provocar uma variação da corrente lida pelo contador e, consequentemente, da energia elétrica. Neste caso, a troca de resistências efetuada faz com que o valor corrente de entrada assumido pelo contador seja menor que o valor real e, consequentemente, a energia contabilizada é inferior à consumida (sublinhado nosso)

Perante as conclusões alcançadas pelo relatório técnico cai por terra a hipótese adventada pelo Arguido de que a causa do defeito do contador ou da adulteração da contagem de energia tenha sido o embate da viatura no poste onde se encontrava o contador.

Com efeito, nenhum embate, por maior que fosse, teria a virtualidade de trocar as resistências que lá se encontravam por outras diferentes. E, bem assim, não causaria em hipótese lógica alguma a inversão da posição dos cunhos dos selos.

Fica, assim, excluída a possibilidade da adulteração do contador ter sido acidental.

E fica, assim, por responder a questão: quem procedeu à manipulação do contador que servia as instalações da sociedade arguida?

Não foi produzida prova direta relativamente a este facto. Nenhum elemento de prova existe nos autos de que aponte para a autoria dos factos por parte dos arguidos. Ninguém os viu a proceder a tal adulteração; ninguém os ouviu a pedir tal serviço a terceira pessoa. Inexiste prova direta.

No entanto, a prova indireta é admissível em processo penal.

A livre apreciação da prova não está sujeita a regras legais que pré-determinem o valor das provas. A prova indireta pressupõe que a factualidade conhecida permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não diretamente demonstrado. Para isso importa que exista prova direta sobre os factos que permitirão o salto lógico para o facto desconhecido.

Assim, provou-se diretamente que:

- Os arguidos são os legais representantes da sociedade arguida;

- A mesma labora apenas com três funcionários, dois dos quais os Arguidos;

- O aparelho de medição da energia fornecida às instalações da sociedade arguida encontrava-se com os selos quebrados, tendo sido substituídas as suas resistências, fazendo com que o valor de corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real da energia consumida;

Tais factos permitem-nos inferir logicamente o facto desconhecido da autoria dos factos. Com efeito, os arguidos foram e seriam os únicos beneficiados com esta manipulação do contador.

Não faz qualquer sentido equacionar que esta adulteração possa ter sido efetuada por qualquer pessoa que acedesse às instalações da sociedade, porquanto tal facto carece de qualquer suporte lógico em que assenta o raciocínio indutivo.

Quem teria o trabalho de levar a cabo um trabalho de alguma complexidade técnica que constitui crime se nada beneficiasse com isso?

Apenas os arguidos beneficiaram da adulteração do contador, porquanto consumiram quase o dobro da energia que efetivamente pagaram, em representação da sociedade que gerem, de facto e de Direito.

Este raciocínio lógico não foi abalado por qualquer outro elemento de prova que permita suscitar com o mínimo de verosimilhança hipótese diferente.

Com efeito, o facto desta situação ter sido despoletada por iniciativa do Arguido ao substituir a caixa embatida pelo “carro dos frangos”, não abala a nossa convicção.

Desde logo, porque o Arguido desconhecia, à data em que decidiu reparar a caixa, que tal implicaria a convocatória de funcionários da EDP. Essa informação foi-lhe fornecida pela testemunha FF. Acresce que, a adulteração poderia ter ocorrido há tantos anos, nomeadamente em 2014, não se recordando o Arguido de tal facto e da possibilidade da EDP o descobrir.

Pugna, ainda, a defesa pela desconfiança das caraterísticas do contador, questionando as testemunhas sobre o seu ano de fabrico e sobre os registos de abertura de tampa, suscitando a questão de que o mesmo contador pudesse ter sido utilizado por outro cliente, vindo já daí adulterado.

Ora, DD afirmou em audiência de julgamento que “não é prática da EDP reinstalarmos contadores de média tensão, sendo sempre novos. No mesmo sentido, HH afirmou que nos seus 42 anos ao serviço da EDP nunca teve conhecimento de que são utilizados contadores usados.

O argumento da defesa para concluir pela reutilização deste contador é a tabela de fls. 59 referente ao registo de aberturas de tampa de terminais guardadas na memória do contador, da mesma contando o registo do dia 1 de janeiro de 1992 o que coloca em causa a data da origem do contador identificada no relatório do Lablec.

Ora, se é certo que existem registos de abertura datados de 1992, e que não foram devidamente justificados por nenhuma testemunha, não é menos certo de que tal facto não nos desvia do raciocínio supra explanado pelos seguintes motivos:

- É inequívoco que houve adulteração do equipamento, independentemente do seu ano de origem e da sua utilização por diversos consumidores;

- É ilógico defender que a EDP instalava contadores adulterados, com os selos visivelmente alterados, sem nada fazer para garantir a integridade dos equipamentos e o controlo de outras interferências sobre o mesmo que a pudessem lesar significativamente;

- A testemunha HH esclareceu que quando há instalação de um contador, os colegas fazem o ensaio com o aparelho de medição para verificar se o contador está operacional e regista a energia efetivamente fornecida;

- O equipamento foi verificado em 15.04.2014 fls. 247 e 248 não tendo sido registada qualquer anomalia.

Assim, fica afastada a hipótese do equipamento já ter sido instalado com defeito, ilibando assim os arguidos.

Por fim, bate-se a defesa com o facto de os únicos registos de abertura de tampa serem os que constam de fls. 247, não havendo qualquer registo entre o dia 15 de abril de 2014 em que tudo foi identificado como estando bem (facto 15); e o dia 22 de junho de 2017, em que se procedeu à substituição do equipamento. Isto porque a testemunha DD afirmou que estes contadores dão alarme quando alguém lhes mexe. Conclui, assim, a defesa que não se encontra registada nenhuma abertura de tampa não autorizada, pelo que não houve qualquer intervenção no contador.

Esta conclusão é, no nosso entender, precipitada e parcial, porquanto ignora o resultado do relatório técnico que de forma fundada e documentada conclui não só pela quebra de selos, como pela substituição de componentes do contador. Que tal intervenção não tenha ficado registada é já outra questão que pode encontrar múltiplas explicações técnicas, podendo a memória do contador ter sido parcialmente apagada. Por outro lado, o registo de aberturas de tampas de fls. 59 não deixa de nos causar muita estranheza, colocando-se em causa a fiabilidade dos seus dados. Com efeito, a 1 de janeiro de 1992 já havia contadores digitais? A testemunha FF, no seu depoimento, referiu que deixou de trabalhar como empreiteiro da EDP há 25 anos (ou seja, em 1996) e assegura que, naquela altura, ainda não havia contadores digitais). Por outro lado, a legenda da tabela de fls. 59 é que a tabela 1 mostra as aberturas de tampa de terminais guardadas na memória do contador, o que não significa que não possa haver outras que, por algum motivo, não tenha ficado registada no respetivo contador.

Entendemos, assim, que estas dúvidas lançadas pela defesa não têm a virtualidade de abalar a nossa convicção na demais prova produzida, nomeadamente no teor do relatório do Labelec.

É claro que se trata de um relatório técnico de um Laboratório pertencente ao grupo da EDP. No entanto, entender que este Laboratório se encontra conluiado com a Demandante, falsificando dados e produzindo provas incriminatórias dos Arguidos, sem que se vislumbre qualquer motivo para isso, é uma situação absolutamente fora do esquema de normalidade social que deve balizar o Tribunal na apreciação da prova. Com efeito, nenhuma prova se produziu, nem nenhuma suspeita fundada se lançou sobre a existência de conluio prévio e sério entre os arguidos e o grupo onde se integra a Demandante. A imputação de um comportamento persecutório à EDP ao ponto de mover um processo judicial e de fabricar provas contra um cliente para se ver ressarcida de uma quantia que para a EDP é irrisória, não assume qualquer sentido lógico.

Em face do exposto, entendemos ter-se provado a autoria dos factos por parte dos arguidos.

Mais, provou-se que os arguidos atuaram em comunhão de esforços e vontades, uma vez que se desconhece qual deles efetuou a adulteração ou deu a ordem nesse sentido, mas não temos dúvidas que tal decisão foi por ambos tomada ou consentida, por não ser crível que numa empresa onde laboram apenas três pessoas, duas delas os co-arguidos, seja possível ocorrer uma alteração técnica no contador, que os arguidos sabiam constituir um ilícito, porquanto é do conhecimento geral que não se pode alterar o sistema de contagem dos aparelhos de medição, daí se encontrarem selados, sem o conhecimento de ambos. Desde logo, porque tal decisão partiu certamente da vontade de diminuir os custos da empresa com energia, circunstância que teve de ser discutida entre os dois irmãos, na medida em que o Arguido AA é que conhece as necessidades técnicas da empresa, mas é a Arguida BB que conhece a realidade da faturação.

Atendendo, assim, ao relacionamento familiar entre os arguidos, à proximidade relacional evidenciada em audiência de julgamento, à distribuição de tarefas operada na empresa, à dimensão familiar da mesma, com apenas três funcionários, e ao facto da decisão em causa interferir com a área de atuação dos dois arguidos parte técnica e faturação, entendemos encontrar-se devidamente demonstrada a atuação concertada dos mesmos.

A demais factualidade resultou provada das declarações prestadas pelos arguidos que se nos afiguraram credíveis e, relativamente ao facto 19, do depoimento da testemunha FF, e dos certificados de registo criminal.

Sobre os factos A e B não foi produzida nenhuma prova, tendo, aliás, sido produzida prova em contrário pela testemunha DD.

Relativamente ao facto C, não foi produzida prova, na medida em que se provou existir um contrato em vigor de fornecimento de energia para as instalações da sociedade arguida.


IX. Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva[2], que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

Os arguidos/condenados, no requerimento/petição desta providência de revisão de sentença condenatória, invocam como seu fundamento o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, alegando, em resumo, por um lado, que apenas descobriram, após a elaboração da sentença da 1ª instância, que o laboratório que elaborou o relatório técnico sobre o contador em questão nos autos com o n.º ...80 pertencia à EDP, ofendida nos autos, não sendo imparcial, mas tendo sido essencial, para a sua condenação como resulta da fundamentação, levando à desvalorização de parte da prova testemunhal apresentada (designadamente no que respeita a contradições em que entraram, gerando-se dúvidas sobre a fidedignidade do registo de tampas do dito contador e sobre a análise de alarmes gerados pelos contadores instalados, que demonstrariam a impossibilidade de acesso dos arguidos ao mesmo contador e que deveria ter conduzido à sua absolvição) e impedindo-os de preparar devidamente a sua defesa e requerer um relatório técnico imparcial, o que revela que se estaria perante um facto novo que não foi tido em conta no julgamento e, por outro lado, sustentando, que também resultou depois da elaboração do Acórdão da Relação de Coimbra outro facto novo que nunca antes foi levantado e que consiste na circunstância do mesmo contador ter sido montado nas instalações da firma arguida em 2012, sendo que a firma não abriu nesse ano, já laborava continuadamente desde o ano de 2000, tendo para o efeito requisitado um contador à EDP em 2012, o que aconteceu devido a uma avaria geral, instalação presenciado pela testemunha FF e pelo ex trabalhador GG, que esteve internado com Covid 19 e também atendendo à sua idade, estava impossibilitado de depor em julgamento (pedindo a re-inquirição da testemunha FF e indicando como testemunha o referido GG), razão pela qual, também se geravam graves dúvidas sobre a sua condenação, devendo ser revista a sentença, e, consequentemente, absolvidos, inclusive do pedido cível.

Vejamos.

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que o acórdão condenatório tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos, sendo certo que os arguidos recorreram da decisão proferida pela 1ª instância, para a Relação, mas foi julgado improcedente o recurso).

É pressuposto do fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva[3], “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que, entretanto, passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”[4]

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é[5]).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Feitas estas considerações teóricas, analisemos a argumentação dos recorrentes.

Da leitura da motivação do recurso apresentado conjuntamente pelos arguidos verifica-se que os mesmos pretendem transformar este recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário, o que não pode ser, esquecendo, além do mais, que já esgotaram todas as vias de recurso ordinário.

Com efeito toda a sua argumentação renova o seu desacordo quanto às decisões tomadas quer pela 1ª instância, quer pela 2ª instância, sendo certo que nesta última foi ainda desatendida, entre outras, as questões colocadas quanto ao invocado erro de julgamento da matéria de facto, quanto a vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP e quanto à violação do princípio in dubio pro reo.

Ora, o recurso extraordinário não pode ser subvertido e utilizado como um recurso ordinário, que é o que aqui fazem os recorrentes.

Com efeito, o relatório técnico, referido neste recurso conjunto, foi elaborado pelo Labelec, estava junto aos autos e dele constava, como refere a Senhora Juíza na informação que prestou, os dizeres “edp labelec – Centro de Excelência Técnica do Grupo EDP”.

Portanto, se os arguidos, na sua estratégia de defesa, ignoraram esse facto (que era fácil de perceber e entender, pelo próprio texto do relatório, sendo do conhecimento geral, que o Labelec se trata de laboratório pertencente ao grupo da EDP, o que também poderiam sempre confirmar facilmente deslocando-se a uma loja da EDP ou consultando simplesmente a internet) ou não o quiseram utilizar na altura própria, nomeadamente, antes do julgamento e de ser proferida a sentença na 1ª instância, requerendo uma outra perícia, a responsabilidade é deles, não podendo considerar-se tal circunstância como um facto novo.

Se houve uma má preparação da defesa a culpa não é do tribunal (devendo antes ser demandados os respetivos responsáveis que asseguraram esse tipo de defesa), sendo certo que também essa razão não transforma aquele relatório técnico em facto novo.

Portanto, ao contrário do que argumentam, os recorrentes, não ficaram impedidos de apresentar a defesa que entenderam e as provas que consideraram úteis para sustentar a sua versão, sendo que o dito relatório técnico, junto aos autos não constitui nenhum facto novo, sendo perfeitamente lícita a apreciação que dele foi feita pelo tribunal da 1ª instância, em articulação com as demais provas indicadas na fundamentação da sentença, confirmada por acórdão do TRC de 4.05.2022.

Por isso, se os recorrentes não requererem prova pericial na 1ª instância foi porque assim o entenderam na sua estratégia de defesa, não se podendo concluir, como o fazem na motivação conjunta que apresentaram, que não tiveram possibilidade de requerer outras provas, nomeadamente outro exame pericial, o que “conjugado com o registo de abertura de tampas do contador (de fls. 59) e também com as declarações das testemunhas da assistente DD e EE, bem como dos factos provados em relação aos registos de abertura da tampa do contador (1ª abertura em 1992) e a sua data da construção (construído em 2012), e a data de montagem nas instalações da recorrente JNM (seja igualmente em 2012), suscitaria graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Improcede, pois, essa parte da sua argumentação, afigurando-se, como bem diz a Srª Juiz, na sua informação, existir até uma conduta reveladora “de má-fé processual.”

Invocam, ainda, os arguidos/recorrentes que nunca antes do acórdão do TRC foi levantado a questão do mesmo contador ter sido montado nas instalações da firma arguida em 2012, sendo que a firma tinha requisitado um contador à EDP nesse ano devido a uma avaria geral (o que foi presenciado pela testemunha FF e pelo ex trabalhador GG, que esteve internado com Covid 19 e também atendendo à sua idade, estava impossibilitado de depor em julgamento, pedindo a re-inquirição da testemunha FF e indicando como testemunha o referido GG), argumentando que este contador provisório instalado em 2012 (do qual só tiveram conhecimento através do ac. do TRC), “juntamente com o registo de abertura de tampas do contador (de fls. 59) e também com as declarações das testemunhas da assistente DD e EE, bem como dos factos provados em relação aos registo de abertura da tampa do contador (1ª abertura em 1992) e a sua data de construção (construído em 2012) e o facto de o contador poder não ser novo na altura (2012), mas sim usado, vem suscitar graves dúvidas sobre a sua condenação, devendo ser revista a sentença, e, consequentemente, absolvidos, inclusive do pedido cível.

Pois bem.

Esta argumentação dos recorrentes esquece o que consta da fundamentação de facto da sentença da 1ª instância, que foi confirmada por acórdão do TRC, mostrando que os arguidos pretendem continuar a discutir a decisão sobre a matéria de facto que já está definitivamente assente, tendo esgotado os recursos ordinários possíveis nesta causa e que estão a usar indevidamente este recurso extraordinário.

Com efeito, como bem diz a Senhora Juiz, na sua informação, a argumentação apresentada pelos recorrentes foi afastada na fundamentação de facto da sentença confirmada pela Relação, de forma fundamentada, sendo certo que os arguidos nem sequer conseguem justificar os motivos pelos quais, entendem, que estes factos que voltam a alegar (e que, ao contrário do que alegam, não são factos novos) suscitariam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

De resto, quanto à circunstância alegada do contador com o n.º ...80 ter sido instalado de forma provisória no ano de 2012, na sequência de uma avaria generalizada, como informa a Senhora Juíza, “Apesar de reconhecerem que só tiveram conhecimento de tal facto em momento posterior ao julgamento, não deixam os arguidos de alegar, sem provar, que tal testemunha teria estado impedida de comparecer ao julgamento, devido a internamento por Covid 19 e devido à sua idade avançada. Admitem, contudo, que tal facto terá sido presenciado igualmente pela testemunha FF que terá assistido à operação de montagem e desmontagem. Ora, esta testemunha foi ouvida em audiência de julgamento, duas vezes, a primeira vez por 18 minutos (fls. 332 verso) e a segunda vez por 22 minutos (cfr. fls. 364 verso) e nunca mencionou tal facto. O contador em questão foi objeto de peritagem técnica especializada, foram juntos os registos de abertura de tampa, foram ouvidas testemunhas que verificaram o contador (EE, CC e, duas vezes, FF). Da referida prova concluiu-se nos autos que aquele contador sofreu uma modificação no circuito de medição das correntes de entrada. A circunstância de lá ter sido colocado a título definitivo ou provisório em 2012 não se nos afigura como relevante na medida em que se provou a substituição de componentes e a modificação efetuada no circuito de medição daquele contador em concreto, e não de qualquer outro. “

Por isso, como bem refere a Senhora Juíza da 1ª instância, a argumentação dos recorrentes não se pode confundir com qualquer novidade de meios de prova ou com qualquer novidade de factos.

Acresce que, a prova documental que os recorrentes juntam, sendo que parte dela não é nova como se verifica da análise dos autos (v.g. da documentação já junta aos autos), também não integra factos ou meios de prova novos, não se impondo ao Tribunal a apreciação pessoal e subjetiva que os recorrentes fazem de parte das provas que indicam.

Os documentos juntos pelo recorrente (sendo que parte deles já se encontram nos autos e parte deles está sujeito a livre apreciação), mesmo que se considerassem “novos”, não tinham a virtualidade de pôr em causa a apreciação das provas produzidas em julgamento e muito menos a justiça da condenação, tanto mais que a leitura da motivação da fundamentação de facto da sentença, confirmada pela Relação, permite compreender que não se deram os factos como provados tão só com recurso ao relatório técnico, mas da conjugação deste com as demais provas produzidas.

Isso, para além de que, os condenados, desde sempre tiveram acesso aos autos, conhecimento dos documentos que o instruíram e a oportunidade de os contraditar, bem como de juntar todos os que tivessem por convenientes e fossem úteis para a descoberta da verdade. Assim, não tendo junto antes aos autos outros documentos, sibi imputet, isto é, são suas as consequências.

Percebe-se, pois, que os documentos juntos em sede do recurso em análise - particularmente os que não são repetidos - não invalidam a apreciação constante da fundamentação da decisão a rever e não suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação.

Portanto, como acima já se referiu, o que aqui sucede é que os recorrentes pretendem renovar discussões que deviam ter colocado em sede de recurso ordinário e, agora, por esta via, visam transformar o recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário, o que não pode ser.

Com efeito, os recorrentes, mais uma vez, só que por um meio impróprio (recurso de revisão), pretendem discutir matéria de facto que já foi debatida e apreciada, quer no julgamento na 1ª instância, quer em sede de recurso ordinário, onde tiveram a oportunidade de impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto e impugnar os meios de prova apresentados em julgamento.

Ora, a revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados (não sendo o “erro notório na apreciação da prova” um dos seus fundamentos precisamente porque antes se relaciona com o recurso ordinário), não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes já se socorreram, ainda que sem êxito.

Do exposto resulta que, não foram apresentados novos factos ou novos meios de prova, o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Tão pouco o demais alegado em sede de motivação da sua petição conjunta da revisão da decisão condenatória suscita quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença.

Em conclusão: não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelos recorrentes em conjunto nesta providência, sendo manifestamente infundado o presente recurso extraordinário.


Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em negar a revisão pedida pelos condenados J.N.M. agropecuária, Lda, AA e BB.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 4 (quatro) UC`s.

Nos termos do art. 456.º do CPP, vai cada recorrente condenado a pagar a quantia de 6 (seis) UC`s, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão formulado conjuntamente aqui em apreciação.

                        

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.


*


Supremo Tribunal de Justiça, 29.06.2023


Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Adjunto)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)

_____

[1] Por acórdão do TRC de 29.06.2022 foi indeferida a reclamação dos arguidos/recorrente de 23.05.2022, relativa ao acórdão de 4.05.2022.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.
[4] Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Francisco Caetano), consultado no site do ITIJ - Bases Jurídico-Documentais. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e ac. do STJ de 11.11.2021, processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no mesmo site.
[5] Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), consultado no mesmo site.