Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3081/06.0TTLSB.4.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- Deve ser rejeitado o recurso que impugna a decisão sobre a matéria de facto, sem que o recorrente indique os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
II- A decisão do Tribunal da Relação nesta sede, traduzindo a aplicação de uma regra de direito, é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 3081/06.0TTLSB.4.L1.S2

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


1. Relatório

BB e CC, entre outros trabalhadores, que não estão abrangidos pelo presente recurso, vieram, nos termos dos artigos 358.º e seguintes do CPC. deduzir contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (doravante designado por IFAP), e o Estado Português, incidente de liquidação de sentença pugnando pela fixação do valor ilíquido a que as Rés foram condenadas nos presentes autos, por sentença transitada em julgado.

Foi proferida sentença (fls.171 a 192) que decidiu: “liquidar a sentença proferida no âmbito destes autos, transitada em julgado, nos seguintes termos:
“ (…) j) Ao Autor BB não se fixa qualquer valor;
g) À Autora CC fixa-se o valor em € 7.536,70 (sete mil quinhentos e trinta e seis euros e setenta cêntimos) acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, encontrando-se vencidos à data da interposição da liquidação o valor de € 480,70 (quatrocentos e oitenta euros e setenta cêntimos). Sobre as quantias em causa relativas a retribuições à autora/ requerente e que se encontrem em divida nos moldes que acima constam são devidos juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, ou a qualquer outra que venha a estar em vigor, juros a contar após o dia 11 de Agosto de 2016, e até integral e efetivo pagamento”.

O IFAP e o Estado Português interpuseram recursos de apelação.
Também os Autores interpuseram recurso. Destaquem-se as seguintes Conclusões do mesmo:
“Está em causa também a resposta dada ao ponto 14 da matéria julgada provada porquanto, relativamente ao montante auferido pelo Autor BB, o tribunal erra no montante de subsídio de desemprego auferido, atribuindo-lhe € 28.453,30 em vez de € 26.809,20” (Conclusão 7);
“No que se reporta à A. CC, esteve bem o tribunal ao considerar que a mesma teria direito à indemnização de antiguidade mas estabelecer o montante dos salários intercalares, pese embora tivesse parado a contagem dos mesmos no momento da aposentação da A., depois descontou a integralidade dos montantes recebidos, incluindo a dita pensão de reforma, pelo que existe um erro de julgamento no facto n.°17, na medida em que apenas poderão ser contabilizados os 51.090,65 € recebidos a título de prestações de desemprego” (Conclusão 9).

Realizado o julgamento foi proferido Acórdão, por maioria, com o seguinte teor:
Face a todo o exposto, julgam-se procedentes os recursos interpostos pelos Réus, revoga-se a sentença recorrida na parte em que liquidou aos Autores a seguir mencionados, as seguintes quantias a título de indemnização de antiguidade: DD, -€ 6 770.49. EE - € 26.849,48. CC - € 8 017,40.
- Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida no que respeita aos Autores BB e CC, nos seguintes termos:
- Quanto ao Autor BB, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em € 81.079,26. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação. Quanto à Autora CC, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em € 94.748,85. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação.”

Inconformado o IFAP interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:
1. O Tribunal a quo considerou no Acórdão recorrido que “Face à discrepância dos valores relativos aos montantes dos subsídios de desemprego auferidos pelos autores BB e CC, conforme os documentos de fls 29 a 31 e 32 a 34 juntos pelos autores e de fls 87 a 90 e 93 a 96 pela Ré IFADAP, Dever [iam] os referidos autores juntar aos autos comprovativo dos montantes auferidos a título subsídio de desemprego durante o período em causa, no prazo de 10 dias";
2. Apesar de notificados para o efeito, os referidos AA/Exequentes/Recorrentes nada disseram e/ou promoveram e/ou diligenciaram no sentido da satisfação do ónus processual decorrente da notificação do Despacho de 19/01/2019, que lhes foi dirigida;
3. Em tais circunstâncias, o Tribunal a quo, conhecendo e apreciando a questão sub judice nos recursos destes AA, fixou, no Acórdão recorrido, a seguinte factualidade: “Fundamentos de facto: n.º 3: A  Ré  IFAP processou e pagou,  em  07/01/2015,  as seguintes quantias: (...) BB, 101.403,89 €; CC, 3.328,77 €. (...) n.º 14: O Autor BB auferiu, no período de 27/10/2006 a 14/02/2013, o valor de € 28.453,30 a título de subsídio de desemprego; (…) n.º 17: A Autora CC auferiu, no período de 22/07/2006 a 01/10/2010, o valor de € 139.424,05 a título de subsídio de desemprego”.
4. Aliás, isso mesmo é o que decorre dos documentos da Segurança Social apresentados pelos próprios AA ao IFAP para efeitos de liquidação os salários de tramitação, conforme cópias juntas ao presente recurso sob DOC. 1 e DOC 2, em ordem à remoção definitiva das dúvidas suscitadas pelo Tribunal a quo no Despacho de 19/01/2019, uma vez que os AA o não fizeram, apesar de, para tal efeito, terem sido notificados de tal Despacho.
5. Face a tais “Fundamentos de facto”, afigura-se não haver dúvida alguma que tais fundamentos de facto estão em oposição com a decisão de provimento parcial do recurso dos AA BB e CC, e muito mais, ainda, nos termos em que se acha decidido no Acórdão recorrido, o provimento parcial do recurso destes AA, no sentido de que “Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida no que respeita aos Autores BB e CC, nos seguintes termos: Quanto ao Autor BB, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em € 81.079,26. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação. Quanto à Autora CC, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em 94.748,85. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação.”
6. Resulta da economia do Acórdão recorrido, que a decisão de provimento parcial concedida pelo Tribunal a quo ao recurso destes AA, acha-se sustentada nas considerações tecidas pelo Tribunal a quo na fundamentação de direito do Acórdão recorrido, a respeito da motivação do Tribunal de 1ª instância relativamente aos Factos Provados 14. e 17. -os documentos 6 e 7 juntos pelos AA/Exequentes à Petição de Liquidação.
7. Tendo presente fundamentação de facto fixada pelo Tribunal a quo em 14 e 17 dos Fundamentos de Facto do Acórdão recorrido, afigura-se obscura a subsequente Fundamentação de Direito dele constante, o que tudo ponderado, torna, por um lado, absolutamente ininteligível a decisão recorrida e, por outro lado, evidencia claro erro do Tribunal a quo na apreciação de tal factualidade e na subsunção do direito a ela aplicável.
8. Tendo presente tudo quanto precede, afigura-se que o Tribunal a quo, tendo desconsiderado, no Acórdão recorrido, por um lado, os valores dos pagamentos processados pelo IFAP em 07/01/2015 a cada um destes AA, a saber: ao A. BB, a quantia de € 101.374,29 (cfr. DOC 6 junto á Contestação do IFAP); à A. CC, a quantia de € 3.328,77 (cfr. DOC 7 junto á Contestação do IFAP): e,  por outro  lado,   as  operações aritméticas feitas  na  Sentença proferida na 1ª instância, errou na liquidação efetuada, relevando-se, aqui, a circunstância de o IFAP haver obtido ganho de causa relativamente à liquidação feita nessa 1ª instância referente â A. CC, conforme se alcança do provimento concedido, no Acórdão recorrido, os recurso interposto pelo IFAP dessa parte da Sentença de liquidação proferida na 1ª instância.
9. Como tal, a decisão do Tribunal a quo que concedeu parcialmente provimento aos recursos dos AA BB e CC deverá ser revogada, por oposição com os respetivos fundamentos, erro na aplicação do direito e erro na liquidação efetuada relativamente a estes AA;

Termos em que, com o douto suprimento, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão constante do Acórdão recorrido que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida no que respeita aos Autores BB e CC, nos seguintes termos: “Quanto ao Autor BB, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em € 81.079,26. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação. Quanto à Autora CC, liquida-se a quantia em divida a título de salários intercalares em € 94.748,85. Sobre esta quantia incidem juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação”, substituindo-se por outra decisão que negue provimento aos recursos interpostos pelos AA BB e CC da Sentença de Liquidação proferida em 1ª instância, assim se fazendo Justiça”.

Também o Ministério Público interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
a) O douto acórdão recorrido, dando parcial procedência à apelação interposta pelos AA BB e CC, revogou o decidido pelo tribunal de primeira instância e liquidou as quantias € 81,079,26 a favor do A BB e de €94.748,85 a favor da A CC.
b) Para apurar tais valores o tribunal recorrido considerou os valores definidos pela sentença condenatória como sendo devidos aos requerentes a título de indeminização por despedimento ilícito, de danos não patrimoniais e da chamada retribuição por tramitação, este último descontado das quantias recebidas pelos AA a título de retribuição noutra atividade, de compensação pela cessação do contrato de trabalho e de subsídio de desemprego;
c) Dos fundamentos da decisão ora impugnada consta, também (ponto 3. dos "Fundamentos de facto"), que o IFAP pagou ao requerente BB a quantia de € 101.403,89 e à requerente CC a quantia de € 3.328,77;
d) Tais pagamentos foram levados em conta pela decisão proferida em primeira instância para fixar os valores devidos aos AA BB e CC, sendo certo que, nessa parte, a referida decisão não foi revogada pelo acórdão recorrido;
e) Já o douto acórdão recorrido, ao não tomar em consideração para o apuramento dos montantes a liquidar, os pagamentos efetuados pelo IFAP-EP, que dera como provados, incorreu no vício previsto pela al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil - oposição entre os fundamentos e a decisão;
f) Através do douto despacho proferido a fls. 260 dos autos em epígrafe, datado de 16/01/2019, a Exma. Sr Desembargadora Relatora fez impender sobre os AA BB e CC o ónus de fornecerem aos autos documentos comprovativos do recebimento, a título de subsídio de desemprego, de montantes diferentes dos que foram dados como provados pelo tribunal de primeira instância, isto é de € 28.453,30 e € 139.424,05, respetivamente;
g) Tendo os AA guardado silêncio e nada tendo oferecido aos autos, deveriam ter sofrido as consequências negativas da sua inação;
h) O douto tribunal recorrido, porém, acabou por conceder provimento à apelação dos AA, nessa parte, considerando, que a titulo de subsídio de desemprego, o A BB terá recebido € 26.809,20 e a A CC € 51.090,65 quando o certo é que os termos do "iter" decisório impunham, a conclusão contrária, isto é, impunham que se mantivessem os montantes dados como provados pela primeira instância;
i) Esta decisão revela também, a nosso ver, manifesta contradição entre o caminho lógico-jurídico delineado pelo próprio Tribunal da Relação para formar a decisão e a conclusão dispositiva que acabou por tirar:
j) As incongruências evidenciadas pelo douto acórdão recorrido acima expostas encerram clara oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos, vício suscetível de integrar a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil e como tal, determinam a nulidade parcial do mesmo acórdão;
k) O douto acórdão recorrido violou o disposto pelos arts 607.º números 3 e 4 e 615.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil[1];

E rematava afirmando que “deverão, pois, ser julgadas procedentes as arguidas nulidades e consequentemente deverá o douto acórdão recorrido ser modificado de forma a manter-se o decidido em primeira instância quanto às liquidações efetuadas relativamente aos AA BB e CC”.
Tendo tanto o IFAP, como o Estado Português, nos seus requerimentos de interposição do recurso de revista invocado várias nulidades, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação.
O Estado Português arguiu a nulidade do Acórdão recorrido, por tal Acórdão não ter considerado as importâncias pagas pelo IFAP aos Autores BB e CC, e haver manifesta oposição entre os fundamentos de facto e a decisão (artigo 615.º, alínea c do CPC). Invocou ainda uma nulidade que resultaria de o Tribunal não ter retirado consequências negativas da falta de resposta dos Autores ao despacho que lhes ordenara que provassem os montantes auferidos a título de subsídio de desemprego. O IFAP arguiu as mesmas nulidades e ainda a existência de obscuridade do acórdão face à fundamentação de facto fixada pelo Tribunal em 14 e 17.
Em resposta o Tribunal afirmou que “está em causa, um eventual erro de julgamento, mas não uma contradição entre a fundamentação e a decisão, dado que o acórdão deduziu os montantes reportados ao Subsídio de Desemprego e às novas atividades exercidas pelos trabalhadores em causa e decidiu conforme essa dedução” e negou a existência de qualquer obscuridade.
Os Autores contra-alegaram.
O Relator do processo neste Tribunal para garantir o contraditório e evitar decisões surpresa colocou às Partes a questão do eventual incumprimento pelos agora Recorridos no seu recurso de apelação em matéria de facto dos ónus constantes do artigo 640.º do CPC.
2. Fundamentação

De facto
l. Por sentença de 28/07/2007, confirmada pelo Tribunal da Relação......, já transitada em julgado, as Rés foram condenadas solidariamente a:
“c) Condenar os réus (Estado Português e IFAP), solidariamente, a:
i- Pagar aos autores, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, a quantia correspondente ao produto da retribuição base pelo número de anos completos ou fracção, decorridos desde as respectivas datas de admissão até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros, desde 16/05/2010 até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano aos quais acrescem ainda, desde o trânsito em julgado da sentença, juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória;
ii- Pagar a cada um dos AA. a quantia de € 2.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
 Pagar a cada um dos AA. a quantia que se vier a liquidar, correspondente ao valor global das retribuições (incluindo retribuição de férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal) vencidas desde 27/10/2006 (A. BB) e 22/07/2006 (demais AA.) até ao trânsito em julgado da presente sentença ou de acórdão que confirme a ilicitude do despedimento, deduzida do valor global:
a. das importâncias que cada um dos AA. tenha comprovadamente obtido a título de rendimentos do trabalho decorrentes de activid.ad.es profissionais iniciadas após o despedimento;
b. da quantia que cada um dos AA. recebeu a título de compensação pela cessação do respetivo contrato de trabalho.
c. das importâncias que cada um dos AA. tenha auferido a título de subsídio de desemprego referente ao período temporal decorrido desde o despedimento.”.

2. Da referida sentença constam ainda provados os seguintes factos:

1- O A. DD foi admitido ao serviço da Agência de Controlo das Ajudas Comunitárias ao sector do Azeite (ACACSA) em 1988. (...) 3- A A. FF foi admitida ao serviço da ACACSA em 01/02/2000 (...) 6- O A. EE foi admitido ao serviço da ACACSA em 1991 (...) 7- O A. GG foi admitido ao serviço da ACACSA em 1988, (...) 9- O A. HH foi admitido ao serviço da ACACSA em 1988 (...) 12- A A. CC foi admitida ao serviço da ACACSA em 1999, (...) 13- O A. BB foi admitido ao serviço da ACACSA em 02/11/1989 (...) 15- Ao serviço da ACACSA, os AA. auferiam mensalmente: a) A. DD: € 884,88, a título de “remuneração base”; € 442,44 a título de “isenção de horário de trabalho”; b) A. FF: € 738,98, a título de “remuneração base”; c) A. JJ: € 1.902,96 a título de “remuneração base”; € 380,59 a título de “isenção de horário (20%)”; € 380,59 a título de “subsídio de coordenação”; d) A. EE: € 1538,23 a título de “remuneração base”; € 307,65 a título de “subsídio de função”; e) A. GG: € 1.538,23 a título de “remuneração base”; f) A. HH: € 1538,23 a título de “remuneração base”; € 307,65 a título de “subsídio de função”; g) A. KK: € 1.284,50, a título de “remuneração base”; € 256,90, a título de “subsídio de função”; h) A. LL: € 1.049,80 a título de “remuneração base”; i) A. CC: € 1.657,16 a título de “remuneração base”; € 828,58 a título de “isenção de horário (50%)”; j- BB: € 1.706,16 a título de “remuneração base”; (...) 5- Os “valores líquidos referidos em 34- são os seguintes:
a) A. DD: € 26.982,16;
b) A. FF: € 6.563,67;
c) A. JJ: € 54.786,83
d) A. EE: € 32.818,19
e) A. GG: € 36. 798,86
f) A. HH: € 31.873,30
g) A. KK: € 10.145,42;
h) A. LL: € 6.563,67;
i) A. CC: € 23.982,63
j) A. BB: € 38.368,81”.

3 A Ré IFAP processou e pagou, em 07/01/2015, as seguintes quantias: DD, € 3.328,77;
FF, € 7.220,98;
EE, € 50.791,66;
HH, € 88.314,95;
GG, € 128.601,72:
BB, € 101.403,89;
CC € 3.328,77.
4. O Autor DD reformou-se em junho de 2009.
5. O Autor DD auferiu no período de 22/07/2006 a junho/2009 o valor de € 42.134,40 a título de subsídio de desemprego.
6. A Autora FF auferido no período de 22/07/2006 a 14/02/2013 o valor de € 669,56 a título de subsídio de desemprego.
7. No mesmo período a Autora FF auferiu o valor de € 72.512,07 como retribuição de outra atividade laboral.
8. O Autor EE reformou-se em 01/12/2010
9. O Autor EE auferiu, no período de 22/07/2006 a 01/12/2010, o valor de € 52.965,26 a título de subsídio de desemprego.
10. O Autor HH auferiu, no período de 22/07/2006 a 14/02/2013, o valor de € 28.422,00 a título de subsídio de desemprego.
11. O Autor HH auferiu a quantia de € 76.606,13 a título de rendimentos do trabalho no período de 22/07/2006 a 14/02/2013.
12. O Autor GG auferiu a quantia de € 18.125,42 a título de rendimentos do trabalho no período de 22/07/2006 a 14/02/2013
13. O Autor GG auferiu, no período de 22/07/2006 a 14/02/2013, o valor de € 21.829,24 a título de subsídio de desemprego.
14. O Autor BB auferiu, no período de 27/10/2006 a 14/02/2013, o valor de € 28.453.30, a título de subsídio de desemprego[2].
15. O Autor BB auferiu, no período de 27/10/2006 a 14/02/2013, o valor de € 43.182,02 a título de rendimentos do trabalho[3].
16. A Autora CC reformou-se a 06/10/2010.
17. A Autora CC auferiu, no período de 22/07/2006 a 31/10/2010, o valor de € 139 424,05 a título de subsídio de desemprego[4].

Fundamentação de Direito

O recurso interposto pelo IFAP, embora sem referência às normas jurídicas violadas, é perfeitamente inteligível, compreendendo-se perfeitamente o âmbito do recurso, como, aliás, é demonstrado pela resposta dos Autores que, embora afirmando a incoerência e ininteligibilidade do recurso, lograram apresentar uma resposta que demonstra terem compreendido perfeitamente o referido âmbito. Sublinhe-se, também, que o recurso do Estado cumpre os requisitos da norma do artigo 77.º, então em vigor, sobre a necessidade de suscitar autonomamente a questão das nulidades no requerimento de interposição do recurso.

Os recursos interpostos, tanto pelo IFAP, como pelo Ministério Público, incidem exclusivamente sobre o valor dos salários de tramitação em dívida a dois Autores, BB e CC, tendo em conta, por um lado, os montantes já pagos pelo IFAP e, por outro, o montante dos subsídios de desemprego recebidos pelos mencionados Autores.

A este respeito pode ler-se o seguinte no Acórdão recorrido:
“Os Autores impugnam os factos descritos sob os pontos n.°s 14,15 e 17, defendendo que, relativamente ao Autor BB, o montante de subsídio de desemprego auferido foi no valor de € 26.809,20, ao invés da quantia considerada provada de € 28.453,30€, e que o subsídio de desemprego auferido pela Autora CC foi no valor de € 139 424,05 e não no valor de €51.090.65.
A primeira instância fundamentou a resposta à referida matéria de facto, com os documentos n.º 6 e 7, juntos com o requerimento inicial de liquidação. Ora, compulsados tais documentos, constata-se que os Recorrentes têm razão: de facto o montante que consta ter sido recebido a título de subsídio de desemprego pelo Autor BB é no valor de € 26.809,20 não 28 453,30 (doc. n.°6 cf. fls.31) e compulsado o doc.n.°7, fls.-34, constata-se que a Autora CC recebeu a título de subsídio de desemprego a quantia de 51.090,65 e não de €139.424,05, pelo que, terá de proceder a alteração requerida aos referidos pontos da matéria de facto.
Assim, ao Autor BB, relativamente aos salários intercalares (27/10/2006 a 14/02/2013), mantém-se a liquidação dos salários calculados pela primeira instância, matéria que não foi impugnada - € 151.070,48. A este valor terão de ser descontados os valores recebidos a título do subsídio de desemprego - € 26.809,20, e as retribuições auferidas em nova atividade € 43.182,02, mantendo assim em dívida € 81.079,26. Sobre esta quantia incide juros tal como definido na sentença que subjaz à liquidação.
Autora CC mantém-se a liquidação dos salários calculados pela primeira instância, (22/07/2006 a 06/10/2010) matéria que não foi impugnada no valor de 151.593,37. A este valor terão de ser descontados os valores recebidos a título do subsídio de desemprego - € 51.090,65, e o remanescente da indemnização paga aquando da cessação - € 5.753,87, o que redunda em € 94.748,85 em dívida.
Devem ser calculados juros de acordo com o que resulta da sentença que subjaz à liquidação e fazer aplicação do disposto no art.° 785.º n.º l, do C.Civil, imputando-se o pagamento parcial em primeiro lugar aos juros e só depois ao capital.”

Sublinhe-se, antes de mais, que na passagem aqui transcrita se afirma que “terá de proceder a alteração requerida aos referidos pontos da matéria de facto” pelos Autores BB e CC, sendo os pontos da matéria de facto em causa os pontos 14, 15 e 17. No contexto deste recurso de revista há, pois, que partir da premissa que embora tenha transcrito na íntegra, sem nesse momento introduzir alterações, os pontos 14, 15 e 17 da matéria de facto, o Tribunal alterou-os ao considerar procedente o recurso de apelação dos Autores quanto a esses pontos (ainda que depois também não faça alusão expressa à alteração da matéria de facto no segmento decisório).

Analisando agora as questões suscitadas, importa dizer que:

Em relação às quantias já pagas assiste razão tanto ao IFAP como ao Ministério Público, porquanto o facto n.º 3 não foi alterado. Assim, face à matéria de facto dada como provada, o Tribunal teria, tanto mais que, por maioria, decidiu que não havia lugar ao pagamento de indemnização de antiguidade pelo despedimento ilícito, por não terem os trabalhadores direito à reintegração em virtude de se terem entretanto reformado, de deduzir as importâncias já pagas aos montantes dos salários de tramitação ainda em dívida.
Verifica-se, assim, uma nulidade parcial por contradição dos fundamentos de facto com a decisão de direito, que pode ser conhecida por este Tribunal, tanto mais que integra o âmbito da revista e foi devidamente invocada.
Já a questão respeitante ao montante dos subsídios de desemprego se coloca em termos distintos. Com efeito, o Tribunal recorrido alterou a matéria de facto respeitante aos pontos 14 e 17[5] respeitantes aos montantes de subsídio de desemprego recebidos pelos Autores, pelo que não pode proceder o pedido de declaração de nulidade desta parte da decisão, por contradição dos fundamentos com a decisão, tal como apresentado pelo IFAP (Conclusões números 3, 5 e 7) e pelo próprio Ministério Público (Conclusões i e j).
A sentença fundamentou a resposta que tinha dado aos pontos 14 e 17 com os documentos 6 e 7 juntos ao requerimento inicial de liquidação. Na verdade, os valores encontrados para os subsídios de desemprego que tinham sido recebidos pelos trabalhadores BB e CC correspondiam aos indicados nos documentos 6 e 7 juntos à contestação do IFAP e terá havido um erro material do Tribunal de 1.ª instância nesta sua fundamentação.
No requerimento inicial de liquidação afirmava-se que “para facilidade de análise e por razões de economia processual os ora Requerentes juntam com o presente requerimento descrição individualizada dos montantes a que reputam ter direito, sendo que os Requeridos já dispõem na sua posse de documentos atinentes aos rendimentos de trabalho e montantes de prestação de desemprego auferidos por cada um deles. Contudo,” (artigo 2.º) “caso o tribunal entenda pertinente, uma vez que os mesmos constam também de execução que correu em apenso, os Requerentes desde já se mostram disponíveis para repetir a remessa de documentação, o que só não se faz agora por questões de economia processual (…)” (artigo 3.º). 
Os documentos 6 e 7 juntos ao requerimento são assim, nas palavras dos próprios Autores, “descrições individualizadas” dos montantes a que os Autores consideravam ter direito. Por despacho proferido pela Exma. Relatora no Tribunal da Relação, a 16/01/2019, mencionado na Conclusão f) do recurso de revista do Estado, solicitou-se aos trabalhadores que viessem aos autos provar o montante do subsídio de desemprego que haviam recebido. Apesar de tal despacho ter ficado sem resposta o Tribunal da Relação julgou e alterou a matéria de facto, atendendo aos valores que constavam dos documentos 6 e 7 juntos ao requerimento inicial de liquidação.

Como é sabido, são muito limitados os poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto à solução dada pelo Tribunal da Relação ao recurso em matéria de facto. No entanto, este Tribunal pode sindicar a aplicação das regras de direito, mormente do disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC. Esta norma impõe que o Recorrente, designadamente, especifique, sob pena de rejeição os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Os documentos 6 e 7 juntos ao requerimento dos Autores são, no fundo, ainda um modo de fazer o pedido e não meios de prova, não se enquadrando no conceito previsto n.º 1 do artigo 417.º CPC (“documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa). Há, pois, que afirmar que o Tribunal da Relação deveria ter rejeitado o recurso dos Autores, por incumprimento do disposto na alínea b) n.º 1 do artigo 640.º do CPC. Acresce que o erro material da sentença de 1.ª instância ao fazer alusão aos documentos juntos ao requerimento inicial da liquidação terá acarretado que o Tribunal da Relação não valorou os documentos juntos à contestação do IFAP, tanto mais que os mesmos não são mencionados na decisão sobre a alteração da matéria de facto nos pontos 14 e 17. Face ao exposto, e resultando que a regra de direito do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) foi violada pelo acórdão recorrido há que revogar o segmento decisório respeitante à alteração da matéria de facto.
E, revogando-se o Acórdão recorrido na parte em que procedeu à alteração dos pontos 14 e 17., e atendendo à matéria de facto apurada nos autos conclui-se
- quanto ao Autor BB, como o IFAP tinha sido condenado a pagar € 81.079,26, há que concluir que nada mais é devido a esse trabalhador pelos Recorrentes, para além do que foi fixado na sentença de 1.ª instância.
- quanto à Autora CC, atendendo ao montante do subsídio de desemprego que lhe foi efetivamente pago (facto 17: € 139 424,05), também há que concluir que nada mais lhe é devido pelos Recorrentes, para além do decidido em 1.ª instância

Decisão: Acorda-se em conceder as revistas, repristinando a decisão da 1.ª instância
Custas do recurso pelos Recorridos
10 de fevereiro de 2021

Para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 1 de maio) consigna-se que o Ex.mo Conselheiro Joaquim António Chambel Mourisco e a Ex.ma Conselheira Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues votaram em conformidade, sendo o Acórdão assinado apenas pelo Relator.

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)


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[1] No recurso esta Conclusão vem identificada com a letra l.
[2] Transcrito no Acórdão na fundamentação de facto, mas na realidade alterado pelo Tribunal da Relação.
[3] Transcrito no Acórdão na fundamentação de facto, mas na realidade alterado pelo Tribunal da Relação.
[4] Transcrito no Acórdão na fundamentação de facto, mas na realidade alterado pelo Tribunal da Relação.
[5] E também o facto n.º 15, mas que neste momento não releva.