Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17777/18.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- É suficiente para que opere a presunção legal prevista no artigo 12.º do CT a verificação de algumas – ou seja, mais que uma – das circunstâncias previstas no referido preceito.

II- Exercendo o trabalhador um trabalho descontínuo ou intermitente o cálculo das prestações por acidente de trabalho deve ter em conta o que receberia de retribuição se trabalhasse todo o ano, à semelhança do previsto para os trabalhadores a tempo parcial.

III- O empregador tem a obrigação legal de celebrar um seguro de acidentes de trabalho e tal obrigação legal não é cumprida com a celebração de outros contratos de seguro.

IV- Em todo o caso, o empregador (ou o segurador de acidentes de trabalho) que pretenda invocar o artigo 17.º, n.º 2 da LAT tem o ónus de provar que a indemnização recebida de terceiro tinha o escopo de reparar o mesmo dano, bem como a medida em que o dano é comum.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 17777/18.0T8PRT.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório
AA, BB e CC intentaram ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Everjets Aviação Executiva SA, na sequência de acidente de trabalho mortal de que terá sido vítima DD.
As Autoras, na qualidade, a primeira, de companheira do sinistrado em união de facto, e a segunda e terceira de filhas do mesmo, pediram que a Ré fosse condenada a reconhecer que o acidente de que resultou a morte do piloto DD foi um acidente de trabalho e a pagar à 1ª Autora uma pensão anual e vitalícia a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, nos termos legais (art. 56.º n.º 2 Lei 98/2009), a pagar à 2.ª e 3.ª Autoras uma pensão anual, a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, até ao limite legal (art.60.º n.º 1 alínea c) da lei 98/2009), a pagar às Autoras a quantia de € 5,561,42 a título de subsídio por morte, bem como os juros de mora à taxa legal.
O Réu contestou, aceitando a existência do acidente, mas recusando a existência de um contrato de trabalho, já que teria com o sinistrado um contrato de prestação de serviços.
Citado, o Instituto da Segurança Social, IP, veio, nos termos do art.º 1.º e 3.º do DL n.º 59/89, de 22/02, deduzir contra a Ré pedido de reembolso de prestações da Segurança Social (pensões de sobrevivência), no montante de € 10.619,92, acrescida do montante das pensões que vier a pagar até ao trânsito em julgado da presente ação, por força da sub-rogação legal prevista no art.º 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro e nos termos do DL n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
As Autoras recorreram.

O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso das Autoras e decidiu:
 I. Reconhecer que o DD foi vítima, aos 20.08.2017, de um acidente de trabalho de que lhe resultou a morte ocorrida nesse dia;
II. Condenar a Ré, Everjets-Aviação Executiva, SA, a pagar à A. AA, com efeitos a partir de 21.08.2017, na residência desta, a pensão o anual e vitalícia, atualizável, de €36.960,00 até à idade da reforma por velhice e a pensão de €49.280,00 a partir dessa idade, pensão essa que deverá ser paga até ao 3º dia de cada mês, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, correspondentes a 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral pagamento;
III. Condenar a Ré, Everjets-Aviação Executiva, SA, a pagar a cada uma das AA. BB e CC, com efeitos a partir de 21.08.2017, na residência destas, a pensão anual, atualizável, de €24.640,00 até aos 22 anos e 25 anos, enquanto frequentarem, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado e curso de nível superior ou equiparado, pensões essas que deverão ser pagas até ao 3º dia de cada mês, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, correspondentes a 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral pagamento;
IV. Condenar a Ré, Everjets-Aviação Executiva, SA, a pagar às AA. AA, BB e CC a quantia de €5.561,42, a título de subsídio por morte, sendo metade devido à A. AA e, a outra metade, às AA. BB e CC, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento;
V. Condenar a Ré, Everjets-Aviação Executiva, SA, a pagar ao Instituto de Segurança Social, ISS, IP a quantia de €10.619,92 a título de reembolso pelas pensões de sobrevivência por este pagas às AA. AA, BB e CC no período de abril de 2018 a junho de 2019, bem como as demais quantias que, a tal título, hajam sido pagas e venham a ser pagas às mencionadas AA. após junho de 2019, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento e desde, sobre quantia de €10.619,92, da data da citação e, sobre as demais, desde a data do pagamento das mesmas às AA. Às quantias devidas às AA. a título de pensões e respetivos juros de mora poderá a Ré deduzir as quantias devidas ao ISS, IP a título de reembolso das pensões de sobrevivência pelo mesmo pagas às AA. e respetivos juros de mora (nos montantes que sejam devidos às AA).

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista. Nas suas Conclusões colocou essencialmente as seguintes questões:

A. Contestou a qualificação como contrato de trabalho do contrato existente entre a Ré e o sinistrado, defendendo que conseguiu ilidir a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do CT (Conclusão 67).

Sustentou, para tanto, que há que ter em conta a especificidade da situação a vários níveis: Em primeiro lugar, dada a complexidade da atividade e o preço do equipamento (designadamente dos helicópteros) não é possível ao prestador, mesmo que autónomo, “trazer” o seu próprio equipamento pelo que a titularidade dos meios de produção teria aqui um reduzido valor indiciário (Conclusão 38); por outro lado, o mesmo se pode dizer do local de trabalho (Conclusão 39); não existiria, por parte do trabalhador um genuíno dever de assiduidade; não seria, em rigor, a Ré quem exerceria o poder de direção, nem tão-pouco qualquer poder disciplinar (Conclusões 41 a 43), tendo o sinistrado total autonomia técnica (Conclusão 45). E não teria havido qualquer obrigação de exclusividade, mesmo no período em que a atividade foi realizada, mas uma opção do trabalhador quanto à disponibilidade que podia oferecer (Conclusões 60 e ss.). Acresce que em rigor não haveria um horário de trabalho (Conclusão 47: “O horário da prestação da atividade não é um horário de trabalho) – o que seria corroborado pela sua duração de 12 horas diárias – e o Estado Português não poderia pactuar com um regime que se fosse de direito de trabalho seria ilegal (Conclusão 53). O próprio pagamento realizado não seria o pagamento por horas de trabalho, porque não estaria dependente das horas trabalhadas (Conclusão 51).

Acrescentava-se, ainda, que o sinistrado era “uma pessoa esclarecida, perfeitamente consciente do tipo de vínculo que o ligava à Recorrente e demonstrativo disso é o facto de ter prestado serviços para a Recorrente em anos anteriores anos e nunca ter reclamado pelas condições em que se encontrava” (Conclusão 63).

E ainda sobre a natureza da relação contratual afirmou a Recorrente que “seriam totalmente incompatíveis com a prestação de trabalho subordinado, a saber, a prestação de atividade sem exclusividade, a definição unilateral das datas de sua disponibilidade e a livre possibilidade de substituição independentemente de justificação, e ainda o não pagamento das férias, de subsídio de férias e de Natal, ao conformismo dos anos anteriores em que se verificou também essa falta de pagamento, o pagamento de uma retribuição mensal totalmente variável, dependente da efetiva prestação de trabalho, a emissão de recibos verdes e a própria realização de descontos” (Conclusão 65), o que, tudo “somado”, seria incompatível com a existência de um contrato de trabalho (Conclusão 66).

B. Quanto à questão da dependência económica, a Recorrente, depois de reiterar que o trabalhador não estava inserido na sua estrutura empresarial, e que não havia qualquer cláusula de exclusividade, afirmou, ainda, que não é exigível a uma empresa aferir se uma pessoa está na sua dependência económica (Conclusão 75) e que “não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência económica o facto de o prestador da atividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família” (Conclusão 76).

C. Questionou, também, a “determinação do valor do salário para efeitos do cálculo da pensão”, sustentando que não foi provado o valor da retribuição mensal do sinistrado e que não havia matéria de facto suficiente para a apurar pelo que haveria aqui uma nulidade do Acórdão recorrido (Conclusão 82). Além disso tratando-se de uma atividade sazonal não se poderia ficcionar o pagamento de uma retribuição anual com base em trabalhos que só poderiam ser prestados no máximo em três ou quatro meses por ano, tendo-se violado o artigo 71.º da LAT (Conclusão 84).

D. Caso a Ré venha a ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização às Autoras filhas do sinistrado, haveria que ter em conta, sob pena de enriquecimento injustificado destas, do valor já pago “a título de indemnização” ao abrigo de outra apólice de seguro, até por força do disposto no artigo 17.º, n.º 2 da LAT (Conclusões 85 e seguintes).

E rematava pedindo a revogação do Acórdão recorrido, “substituindo-se por outro que conclua que ilidiu a Recorrente a presunção de laboralidade constante do art. 12.º do CT, que entenda que não se verifica a situação de dependência económica a que alude o art. 3.º, n.º 2 da Lei 98/2009 e, subsidiariamente, que entenda que a Recorrente, caso seja condenada, apenas tenha de liquidar às AA filhas o diferencial em relação ao já pago pelo seguro de passageiros, nos termos do art. 17.º, nº 2 da Lei 98/2009”.

As Autoras contra-alegaram.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

Fundamentação

De facto:

Foram os seguintes os factos provados nas instâncias:

1. A Autora AA nasceu no dia .../.../1968.

2. A Autora BB nasceu a .../.../1997, filha de DD e de AA.

3. A Autora CC nasceu a .../.../1999, filha de DD e de AA.

4. DD faleceu no dia 20 de agosto de 2017, em ..., ..., ..., Portugal, em consequência da queda de um helicóptero (..., nº serie ...48, matrícula ...),

5. Aeronave que estava a pilotar, numa missão de combate aos incêndios florestais, que a Ré exercia por força de contrato oneroso celebrado com o Estado Português, através da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).

6. O Helicóptero em causa era ..., nº serie ...48, matrícula ....

7. Segundo o relatório elaborado pela autoridade GPIAFF “No dia 20 de agosto de 2017 ao final da manhã um helicóptero em missão de combate a incêndios florestais embateu com o rotor de cauda nas linhas de alta tensão, levando à separação do rotor de cauda e estabilizador vertical. A perda de controlo foi então inevitável e consequente a queda abrupta em rotação. Após o embate com o solo, de imediato deflagrou um violento incêndio que consumiu na totalidade a aeronave”.

8. Em consequência ocorreu a morte do piloto que ficou carbonizado.

9. Durante o horário o piloto ficava de prevenção dentro da base e teria de pilotar o helicóptero em missões de combate aos incêndios quando solicitado pela proteção civil no âmbito do referido contrato celebrado entre a ANPC e a Everjets.
10. Diariamente o piloto tinha de elaborar um relatório da atividade do dia que remetia ao diretor de operações da Everjets, o EE (indicando tempos de voo, combustível gasto, número de baldes e qualquer tipo de anomalia relevante que ocorresse).

11. A manutenção do helicóptero era feita pela Everjets, que dispunha de um mecânico que realizava o serviço no local.
12. Todos os dias no final do dia o piloto preenchia um formulário que remetia á Ré com o registo da sua atividade, nomeadamente: número de saídas, quantidade de baldes atirados sobre o incêndio, duração da missão, etc.
13. Todos os dias ao final do dia tinha uma conversa telefónica, ou enviava mensagem para o diretor de operações da Ré, a reportar a atividade diária.

14. Nos dias em que não estava de serviço e era substituído por outro piloto tinha de lhe passar o serviço, ou seja, dar nota do estado do helicóptero, sistemas de comunicações, etc.
15. Era a Everjets que elaborava a escala de serviços mensais que no final de cada mês enviava aos pilotos para ser aplicada no mês seguinte (e que continha os dias de serviço e as folgas).

16. O piloto dispunha de um ajudante que realizava tarefas de apoio, nomeadamente, colocava combustível e limpava o helicóptero.

17. A Ré entregava ao piloto um manual de operações da empresa Everjets.
18. E um manual de procedimentos de combate aos incêndios florestais, por esta elaborado.
19. Antes do início da campanha a empresa faziam um briefing de 2 a 3 dias num local por si indicado para complemento do manual de operações de empresa e do manual de combate aos fogos.

20. Antes do início da campanha a Everjets dava formação aos pilotos, que era realizada nas instalações da Everjets no Centro Logística Carga 1 do aeroporto ..., na ..., e que constava de programas CRM/crew resource management programs (interação com os GIIPS – militares da GNR que fazem o combate ao fogo),

21. De formação de uso e maneio de fogo controlado.

22. Dava treino de combate a fogos florestais e assegurava o exame correspondente.

23. E também dava formação aos seus pilotos, nomeadamente para fazer inspeções pré-voo e pós-voo, nomeadamente para permitir que estes verificassem o bom estado de funcionamento da aeronave.
24. A Ré pagava mensalmente a DD.
25. A Everjets pagou ao piloto DD, no ano de 2017, as seguintes quantias: a) em junho de 2017 pagou 3.200,00 € (sem IVA), b) em julho de 2017 pagou 9.200,00 € (sem IVA) c) em agosto de 2017 (até 20/08/2017 data do acidente) pagou 6.400,00 € (sem IVA).
26. DD encontrava-se coletado como trabalhador independente, tendo como número de segurança social ... e o NIF ....
27. A Everjets apenas celebrou um seguro de ocupantes do helicóptero, com uma seguradora estrangeira, em consequência do que as 2ª e 3ª Autoras, receberam uma indemnização, no montante de € 250.000,00, já paga.
28. A Ré celebrou com o Estado Português, a 7 de maio de 2013, um acordo designado por Contrato de Locação de 25 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros A) e de prestação dos correspetivos serviços de manutenção e de operação (lote ... do concurso público nº .../2012) junto aos autos a fls. 320 vº a 345, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29. O piloto DD emitia recibos verdes.
30. O piloto DD nunca gozou férias.
31. Nunca recebeu da Ré subsídio de férias e de Natal.
32. A Ré não pagava contribuições para a Segurança Social.

33. O Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões pagou e encontra-se a pagar pensões de sobrevivência, relativamente ao beneficiário nº ...0, DD.
34. Foram pagas pensões de sobrevivência, relativas ao período de abril de 2018 a junho de 2019, num total de € 10.619,92, como se segue:
a) à unida de facto AA, o valor de € 7.042,24, sendo o valor mensal atual de € 420,72;
b) à filha BB, no período de abril de 2018 a fevereiro de 2019e maio de 2019 a junho de 2019, o valor de € 1.772,12, sendo o valor mensal atual de € 104,32;

c) à filha CC, no período de abril de 2018 a junho de 2019, o valor de € 1.806,56, sendo o valor mensal atual de € 112,68.
35. A Autora AA vivia com o piloto DD, desde inícios de 1990.
36. Altura em que iniciaram um projeto de vida em comum.
37. Com o propósito de constituir uma família e ter filhos.
38. Ajudando-se mutuamente.

39. Desde essa data passaram a coabitar, vivendo desde então sempre na mesma casa, com residência na Rua ..., ... ....

40. Tendo criado as filhas referidas em 2) e 3) dos factos assentes.
 41. Com quem sempre viveram.

42. Foi como casal que sempre educaram as filhas e conjuntamente exercerem as responsabilidades parentais.
43. A Autora AA e o seu companheiro DD sempre se apresentaram aos olhos de todos, nomeadamente família e amigos, como um casal.
44. As 2ª e 3ª Autoras encontravam-se em agosto de 2017 a estudar, frequentando o ensino, secundário e superior, respetivamente.

45. Atualmente a Autora BB frequenta o 2º ano curricular da licenciatura em ....

46. E a Autora CC frequenta o 1º ano do curso de ....
47. Aquando do referido em 4), 5) e 6) dos factos assentes, DD pilotava o referido helicóptero por conta, no interesse da Ré EVERJETS.

48. Tal helicóptero era detido pela empresa E... SA.
49. Em junho de 2017 a Everjets admitiu ao seu serviço DD.

50. Por acordo com a Ré Everjets, o DD permaneceria na base de ... na qual se encontrava sediado um helicóptero da Everjets para o combate aos incêndios florestais.

51. Tal base não era fixa, podendo o piloto mudar de base de acordo com as necessidades e instruções da Ré Everjets.

52. O Autor cumpria um horário diário das 8h às 20h (até ao pôr do sol).

53. Não podendo exceder as 12,00 horas por dia.

54. Exceto em situações de calamidade que pusessem em risco pessoas e bens, nomeadamente habitações.

55. Nas situações referidas em 21) o piloto ficaria para além daquele horário, mas teria de elaborar um relatório a justificar o motivo.

56. Relatório que o piloto teria de ser entregue à Everjets, aqui Ré.

57. O ajudante referido em 16) era alguém contratado pela Ré.
58. Os pilotos tinham de conhecer e cumprir os manuais referidos em 17) e 18).

59. Os pilotos deveriam efetuar o preenchimento dos PSV e enviar até ao dia 8 do mês seguinte uma cópia via fax para a Ré.
60. Os pilotos que acordassem com a Ré o transporte do estrangeiro para Portugal e de Portugal para o estrangeiro das aeronaves eram remunerados à razão de € 400,00 por dia.
61.Todos os treinos e formações eram feitos por pessoal da Everjets e, ou, por empresas contratadas por esta.
62.Todos estes cursos eram totalmente assegurados e pagos pela Everjets.
63.A Everjets pagava ao piloto € 400,00 (quatrocentos euros) por cada dia em que prestasse a sua atividade.
64. Desde a data referida em 15) DD não exerceu qualquer outra atividade.
65. Vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela Everjets (resposta ao item 41º).
66. Que constituíam a sua única fonte de rendimento.
67. Sendo este também a principal fonte de rendimento do agregado familiar, constituído pela aqui Autoras.

68. O piloto não se podia fazer substituir no seu trabalho, nem recorrer a substitutos ou auxiliares, não contratados pela Ré.

69. A missão desenvolvida pela Ré, na qual o piloto DD prestava serviços, estava relacionada com o serviço de combate aos incêndios.

70. Que ocorria, principalmente, nos meses de junho, julho, agosto e setembro.

71. Para a realização destas missões, a Ré contava com pilotos integrados na sua estrutura.

72. E que trabalhavam sob ordem e direção da Ré.
73. Além destes pilotos, durante a época de combate aos incêndios, a Ré celebrava acordos verbais com outros pilotos que vinham auxiliar na missão de combate aos incêndios.
74. A Ré, para preparar a missão de combate aos incêndios, que ocorre nos meses de junho, julho, agosto e setembro, contactava diversos pilotos no sentido de saber se os mesmos estavam disponíveis para cooperar com aquela durante o referido período.
75. Estes pilotos estavam sujeitos à realização de testes de aptidão (resposta ao item 54º).
76.A Ré ministrava aos pilotos formação relacionada com o tipo de atividade a desenvolver.
77. E fazia um briefing de 2 a 3 dias, antes do início da missão, cujo objetivo era consolidar os conteúdos objeto da formação.
78. E entregava um manual de operações e um manual de procedimentos de combate aos incêndios, os quais continham as matérias objeto da formação.
79. A atividade da Ré é de combate aos incêndios cujo fim último é a proteção das populações que todos os anos veem os fogos florestais chegar às suas portas.
80. As formações dadas aos prestadores de serviços têm como objetivo garantir, a sua segurança e a das populações.
81. Bem como a adequada articulação entre as entidades envolvidas na missão de combate aos incêndios.
82. A formação destina-se à interação com os militares da GNR e outras entidades que combatem os incêndios.

83. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

84. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

85. O planeamento referido no nº 15 dos factos provados era feito, pelo menos, de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos aquando do referido no nº 74 dos factos provados.

86. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

87. Caso não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço, com o esclarecimento de que DD, salvo os dias de descanso referidos no nº 123 dos factos provados, não teve outras ausências ao trabalho.

88. Os pilotos de escala, em caso de ausência a pedido destes, eram substituídos pela Ré por pilotos disponíveis.

89. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

90. O local de prestação do serviço acordado entre a Ré e a Autoridade Nacional de Proteção Civil (abreviadamente ANPC) era definido por esta.

91. Era a ANPC que detinha o controlo das operações, definindo as bases onde a Ré deveria prestar o serviço e onde, para a prestação deste, esta deveria colocar os pilotos por si contratados, assim como era a ANPC que definia o horário em que os mesmos deveriam estar presentes.

92. Apesar do horário ser definido como das 8h:00m às 20h:00m, sofria alterações, podendo inclusive alongar-se para além desse período.

93. Sempre por decisão da ANPC.
94. A base onde prestava a sua atividade, é detida pela ANPC (ou do Estado Português).
95. Com exceção do referido nos nºs 6 e 7 da clª 8ª do contrato mencionado no nº 28 dos factos provados e de alguns bens móveis pertencentes à Ré, designadamente, um telemóvel, ..., impressora, material de escritório, a base encontrava-se equipada para desenvolver a atividade de combate aos incêndios.
96. Podendo a mesma receber elementos da GNR, dos bombeiros ou de qualquer outra entidade que esteja envolvida nesta missão.
97. As aeronaves são os meios mais eficazes para combater os fogos, sendo imprescindível a sua participação.
98. As aeronaves – helicópteros pilotados pelo DD – apenas podem combater os fogos quando há visibilidade.
99. O que não acontece de noite.
100. As aeronaves têm de estar disponíveis o maior número de horas possível.
101. Tendo quem as manobra de estar disponível durante aquele horário.

102. Ainda que o mesmo possa ser alterado, pela ANPC, de acordo com as condições do dia e as necessidades.
103. A Ré pagava ao piloto € 400,00 por cada dia em que este estivesse disponível para voar.

104. Ficando mais horas a trabalhar, por exigência da ANPC, não receberia qualquer valor adicional.
105. Caso faltasse ao serviço, fosse pelo motivo que fosse, não receberia a contrapartida.

106. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

107. Eliminado pelo Tribunal da Relação.
108. A farda da empresa, utilizada pelos seus trabalhadores, era um fato de voo.

109. Estando estes obrigados ao seu uso.
110. O qual não era utilizado pelo piloto DD.
111. As bases, incluindo a base onde o sinistrado prestava a sua atividade, dispunham de um telemóvel de serviço fornecido pela Ré, para que os pilotos de serviço o pudessem utilizar quando estivessem na base.
112. Que não podia ser retirado de lá.
113. O piloto DD havia prestado serviços à Ré durante os meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2013, junho, julho, agosto e setembro de 2014.
114. Emitiu recibos verdes.
115. Não recebeu qualquer subsídio.
116. Nem teve direito a férias.
117. Noutros anos, que não os referidos em 105), o piloto DD prestou serviços a outras empresas do setor.
118. Os relatórios entregues no final do dia pelo piloto DD destinavam-se ao controlo e manutenção da aeronave.
119. A operação era dirigida pela ANPC.
120. A ANPC determinava o momento em que o piloto deveria levantar voo.
121. Uma vez no ar, cabia ao piloto, de acordo com a sua experiência, prestar o serviço de combate ao incêndio que se verificasse naquele momento.

122. Era o piloto DD que decidia a altura do voo, onde ia buscar água, e onde largava essa mesma água que ia buscar.

123. O sinistrado, no período de 23 de junho de 2017 a 20 de agosto de 2017, trabalhou nos dias 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 de junho, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 de julho, teve um período de descanso nos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 de julho, trabalhou nos dias 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de julho, teve um período de descanso nos dias 1, 2, 3 e 4 de agosto e trabalhou nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de agosto.

124. O piloto, quando estava em serviço, devia, por indicação da Ré, vestir um polo que era por esta fornecido e no qual estava bordada a inscrição EVERJETS”.

De Direito

A primeira questão que se coloca no presente recurso respeita ao âmbito de aplicação subjetivo ou pessoal da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, doravante designada por LAT. Resulta do seu artigo 3.º n.º 1 que a mesma se aplica, em princípio, aos trabalhadores por conta de outrem de qualquer atividade, com ou sem fins lucrativos. Como este Tribunal teve ocasião de reiterar, recentemente, o referido âmbito de aplicação subjetivo da LAT não se restringe ao trabalho subordinado, abrangendo igualmente situações em que não há subordinação jurídica, mas existe dependência económica. De resto, algumas das situações a que a LAT se aplica nem sequer correspondem a um contrato de trabalho como sucede com o estagiário (cfr. o n.º 3 do artigo 3.º). Mas, em princípio, todos os trabalhadores subordinados estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da LAT, desde que a lei portuguesa seja aplicável.

Tendo-se a relação contratual entre o sinistrado e a Ré, em cuja execução ocorreu o acidente de trabalho, iniciado em junho de 2017 (facto 49), há, desde logo, que ter em conta a presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 (Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, doravante designado de CT). Para que a referida presunção se aplique basta que se verifiquem algumas – ou seja, mais do que uma – das cinco características elencadas no n.º 1 do artigo 12.º. Ora dir-se-á, à partida, que tal é o caso já que, por exemplo, a Ré pagava mensalmente ao sinistrado uma quantia, ainda que variável (factos 24 e 25), o equipamento utilizado, mormente o helicóptero, na execução do trabalho pertencia à Recorrente (facto 48) e o sinistrado estava sujeito a um horário de trabalho (facto 52) – estão, pois preenchidas pelo menos três (em rigor, também estaria a prevista na alínea a) características, operando a referida presunção.

No reu recurso a Ré pretende, no entanto, ilidir a referida presunção ou, mesmo, pôr em causa a operação de aplicação do artigo 12.º do CT no caso vertente.

Antes, contudo, de analisar a sua argumentação importa fazer algumas considerações prévias.

É ponto assente na jurisprudência nacional que o nome que as partes dão ao contrato não é decisivo e que a qualificação do mesmo como sendo, ou não, de trabalho subordinado, é feita essencialmente atendendo ao modo como o contrato foi executado, como a relação foi vivida na prática. Por outro lado, o contrato de trabalho é inteiramente compatível com a autonomia técnica do trabalhador.

Outro aspeto a destacar, mas agora já atendendo ao particularismo do caso concreto, é que o trabalho realizado pelo sinistrado não era um trabalho irregular ou eventual. Trata-se, antes, de um trabalho regular, mas de natureza intermitente. Com efeito, se o combate aos incêndios com aeronaves ocorre essencialmente, em Portugal, nos meses de junho, julho agosto e setembro, trata-se de uma necessidade de mão-de-obra especializada (para o caso que aqui importa, pilotos) que se repete cíclica, regularmente numa atividade com descontinuidade.

Por outro lado, estes trabalhadores são contratados para estarem de prontidão para a eventual necessidade de serem chamados a combater incêndios. Sublinha-se este aspeto porque no seu recurso a Recorrente pretende que o trabalhador em rigor só trabalhava quando pilotava o avião, afirmando que não havia propriamente um horário de trabalho e que não pagava em função das horas de trabalho (Conclusões 47 e 51). Tal asserção não é exata. A nossa lei não só se refere a trabalhadores que desempenham atividades de simples presença, como a disponibilidade para intervir pode ser o trabalho a que o trabalhador se obriga. Se em um dos dias em que o sinistrado estava na base de ... de prevenção (facto 10), das 08h00 às 20h00 não houvesse qualquer incêndio e não fosse chamado a pilotar o avião, nem por isso se poderia dizer que não trabalhou, que não executou a sua prestação.

Funcionando a presunção, cabia à Ré ilidi-la e provar que não existia contrato de trabalho.

O facto de o trabalhador não ter gozado subsídios de férias ou de Natal nada prova, porque a questão consiste em saber se não teria esse direito e se o que houve não foi, antes, um incumprimento por parte da Ré. E o argumento de o trabalhador não se queixar, em direito do trabalho, pouco ou nada vale, já que a falta de reação do trabalhador não equivale, frequentemente, a qualquer acordo ou consentimento (na Conclusão 65 fala-se em “conformismo”), mas à resignação de quem não exerce os seus direitos para não se expor a represálias e à perda do emprego. Sublinhe-se, ainda, que dos factos 87 (“Caso [os pilotos] não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço, com o esclarecimento de que DD, salvo os dias de descanso referidos no nº 123 dos factos provados, não teve outras ausências ao trabalho”) e 88 (“Os pilotos de escala, em caso de ausência a pedido destes, eram substituídos pela Ré por pilotos disponíveis”) não resulta que a Ré não tivesse poder disciplinar, mas sim que nunca aplicou sanções disciplinares, limitando-se a não pagar a contrapartida pelo serviço, o que é coisa bem distinta. Um empregador, sobretudo quando dispõe de uma equipa, de um pool de trabalhadores de prontidão, pode não sancionar quem falta, por razões de oportunidade, mas tal não significa que não tenha o poder de o fazer. Em todo o caso, o Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, que o sinistrado não estava inserido no âmbito da sua organização: era o Recorrente quem dava a formação profissional, era o Recorrente quem “elaborava a escala de serviços mensais que no final de cada mês enviava aos pilotos para ser aplicada no mês seguinte (e que continha os dias de serviço e as folgas)” (facto 15), quem proporcionava o equipamento.

Em todo o caso, deve também considerar-se que o sinistrado estava na dependência económica da Recorrente. Com efeito, provou-se que durante a relação contratual em causa o sinistrado não exerceu qualquer outra atividade (facto 64) e viveu exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho, pagos pela Everjets (factos 65 e 66), não se discutindo se existia, ou não, uma cláusula de exclusividade. E não se vê que outro sentido tenha a noção de dependência económica, ao contrário do que pretende o Recorrente.

Face aos factos 25, 63 e 103, a Relação dispunha dos dados necessários para quantificar as pensões, à luz do disposto no artigo 71.º da LAT, não se verificando aqui qualquer nulidade. Aliás, o Tribunal da Relação explicou, detalhadamente, que a remuneração diária era de € 400,00, que a retribuição no dia do acidente tinha sido a normal e que era possível inferir dos factos provados que o trabalhador trabalhava 22 dias por semana e, por conseguinte, determinar a remuneração mensal.

O trabalho prestado pelo sinistrado assumia a natureza de um trabalho descontínuo ou intermitente, não sendo, no entanto, como se disse, um trabalho não regular (n.º 8 do artigo 71.ª). Sublinhe-se que relativamente ao trabalho a tempo parcial – que “pode ser prestado em apenas alguns dias por semana, por mês ou por ano” (n.º 3 do artigo 150.º do CT – o n.º 9 do artigo 71.º da LAT estabelece que “o cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro”. A mesma teleologia de proteção do sinistrado vale para quem trabalha regularmente parte do ano para o empregador ao serviço do qual teve o acidente de trabalho. Acresce que, como expressamente destaca o Tribunal da Relação, mesmo que o trabalhador tivesse sido contratado a termo haveria que chegar à mesma conclusão, em matéria de acidentes de trabalho, ao ter em conta a retribuição anual.

Como resulta do artigo 79.º, n.º 1 da LAT, o empregador é obrigado a celebrar um seguro de acidentes de trabalho, sujeito, aliás, a uma apólice uniforme (artigo 81.º). Nada impede que o empregador celebre outros contratos de seguro, mas a sua eventual existência não pode suprir a exigência legal de um seguro de acidentes de trabalho. Aliás, um outro seguro, seja ele de vida e de acidentes pessoais, seja de responsabilidade civil, por exemplo, pode atribuir uma prestação (no caso de um seguro de vida, predeterminada ou fixada a forfait) que cobre danos que o seguro de acidentes de trabalho não cobre. Com efeito, a responsabilidade por acidentes de trabalho e o respetivo seguro, não havendo culpa do empregador, só abrange certos danos típicos resultantes da perda da capacidade de trabalho ou de ganho – não são abrangidos, designadamente, os danos não patrimoniais sofridos pelas filhas do sinistrado com a morte trágica deste. Em suma, o empregador (ou o segurador de acidentes de trabalho) que pretenda invocar o artigo 17.º, n.º 2 da LAT tem o ónus de provar que a indemnização recebida de terceiro tinha o escopo de reparar o mesmo dano, bem como a medida em que o dano é comum, porque só nessa medida é que haveria um enriquecimento injustificado do lesado – ónus da prova que não foi cumprido no caso dos autos. Como bem destaca o Parecer do Ministério Público junto deste Tribunal, “não há elementos suficientes para afirmar que foram ressarcidos os mesmos danos que à entidade patronal compete reparar no âmbito da LAT”. Além de que a conduta do empregador que celebra um contrato de seguro, o qual não é legalmente exigido – e que, como já foi dito, não pode substituir o tipo de seguro que a lei requer – pode ser interpretada como uma liberalidade, uma vontade de beneficiar os destinatários da prestação.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 1 de junho de 2022

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos Morais