Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1770/13.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: CONTRATO DE SWAP
ARBITRAGEM
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / GARANTIAS DA COMPETÊNCIA / INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA.
Doutrina:
- M. P. Barroca, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, p. 171.
- Raúl Ventura, “Convenção de Arbitragem”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Setembro de 1986), p. 380.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º A 238.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 96.º, AL. B).
D.L. N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (LCCG): - ARTIGOS 5.º, 8.º.
LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGOS 12.º, N.º5, 21.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10-03-2011.
Sumário :

1. A interpretação de qualquer convenção de arbitragem – que no caso dos autos assume a natureza de cláusula compromissória, por reportada a litígios eventuais e futuros, decorrentes de uma concreta e específica relação contratual - está submetida às regras de interpretação  das declarações negociais, contidas nos arte. 236º a 238º;

2. A conexão funcional e económica entre um contrato-quadro e os contratos sucessivamente celebrados entre as partes sob cobertura daquele conduz a que, apesar da autonomia jurídico-formal dos contratos, a convenção de arbitragem estipulada no âmbito da primeira relação contratual quadro se encontre incluída na genérica «repristinação» dos efeitos desse primeiro contrato, operada aquando da celebração dos subsequentes;

3. Ao STJ apenas cumprirá nestas circunstancias e em sede de recurso de revista verificar se é manifesta e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa; pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, deverão as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio

4. Basta uma plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem para que, sem mais, cumpra devolver ao tribunal arbitral voluntário apreciação da sua própria competência, nos termos do art. 21º, nº1, da LAV, só podendo o tribunal judicial deixar de proferir a absolvição da instância se for manifesta, clara, patente a invalidade ou a inexequibilidade da cláusula;

5. A convenção de arbitragem abrange toda a conflitualidade prática e jurídica compromissória decorrente tanto do contrato-quadro (master agreement) como das operações financeiras a estabelecer entre as partes no desenvolvimento e sob cobertura desse contrato quadro nela se incluindo nos termos contratuais tanto as permutas financeiras (swaps) como de taxas de juro (Interest rate swaps).

6. Como as partes acordaram numa convenção de arbitragem para os litígios decorrentes do contrato que celebraram e a acção foi proposta nos tribunais comuns, existiu em violação da dita cláusula a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96º al. b) CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:                                                                                       

I - AA, SA intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Banco BB, SA com vista a declaração de nulidade do contrato que A e R. celebraram, contrato esse que o R. comercializava sob a denominação de “Contrato de Permuta de Taxa de Juros”.

Alega em síntese que previamente a este contrato as partes haviam celebrado um «Contrato Quadro para Operações Financeiras» o qual visava regular as condições gerais a que estavam sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer entre as partes, constituindo parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes; a cláusula 41º desse contrato foi estabelecido que os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral.

Na perspectiva da A o tribunal judicial é o competente para a presente acção uma vez que o pedido e a causa de pedir são incompatíveis com aquela cláusula compromissória, já que no entendimento da A sendo o objectivo da demanda ver reconhecida a nulidade do contrato não estaremos perante “diferendos entre as partes”.

Alega que o contrato em causa não tem subjacente qualquer realidade económico-financeira (o montante nominal nele inscrito não é mais do que uma cifra), inexistindo qualquer gestão de risco, mas antes um risco criado pelo contrato, não sendo o mesmo um verdadeiro swap de taxa de juro antes sim um acordo subsumível à categoria do jogo e de aposta que não se pode qualificar de lícito.

Pediu que o contrato dos autos seja declarado nulo, sendo restituídos à A. os valores resultantes da diferença entre os créditos e os débitos resultantes da sua execução (1.053.545,53 €) acrescidos de juros legais até efectivo e integral pagamento.

Na contestação a R invocou a excepção da incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral.

Referiu que à luz do contrato-quadro mencionado pela A. foram celebrados três contratos de swap, estando aqui em causa o terceiro (que reestruturou o segundo que, por sua vez, reestruturara o primeiro), todos eles se regulando sucessivamente e sendo abrangidos pelas disposições daquele contrato-quadro, bem como que no contrato-quadro as partes convencionaram que em «tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato» e que «os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral».

Tanto o pedido como a relação contratual em que ele se baseia tem por base e resulta da aplicação das regras estabelecidas no contrato-quadro sendo este que, em primeira linha rege todas as relações relativas a operações financeiras entre as partes e sendo o contrato de swap uma dessas operações, a (in)validade deste está abrangida pela cláusula de arbitragem estabelecida naquele.

Concluiu o R. pela verificação da excepção da incompetência absoluta do Tribunal e pela sua consequente absolvição da instância.

Notificada para que se pronunciasse sobre a invocada excepção, a A. sustentou: que não existe qualquer cláusula compromissória quanto ao contrato em discussão nos presentes autos; que o pedido de nulidade versa sobre o contrato de swap de taxa de juros e não sobre o contrato quadro; trata-se (o contrato-quadro) de um contrato de adesão construído com recurso a cláusulas contratuais gerais, não tendo o R. comunicado à A. a cláusula em referência, a mesma considera-se excluída; dada a formulação ambígua da cláusula deve prevalecer o sentido que se mostra mais favorável ao aderente.

Concluiu a A. pela improcedência da excepção.

No saneador foi decidido julgar procedente a excepção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, nos termos dos arts.96.º, 577.º a) e 576.º n.º 2 do CPC, absolver o R da instância».

Interpôs a A recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão no qual se decidiu julgar improcedente a apelação confirmando a decisão recorrida.

II – Deste acórdão foi interposto recurso de revista excepcional o qual foi admitido pela formação competente.

Tendo em conta a alegação da recorrente e particularmente as suas conclusões (constantes de fls. 291 a 295 dos autos que aqui se dão por reproduzidas) a questão jurídica controvertida (v. ponto 02 das conclusões da alegação) consiste em saber se a circunstancia de as partes terem celebrado um contrato quadro de operações financeiras no qual incluíram uma clausula compromissória arbitral – que no seu teor se referia a dirimir “os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato” -  afasta a competência dos tribunais judiciais para julgarem a nulidade de um contrato de permuta de taxas de juro celebrado a jusante do mesmo.

Apresentou o Banco recorrido contra-alegações nas quais conclui da forma constante de fls. 343 a 348.

III. – Os factos –

1 - A autora e a ré acordaram conforme consta do documento escrito junto a fls. 28 a 35 epigrafado “Confirmação de contrato de permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap),” datado de 5 de Março de 2007.

2 - Consta de tal documento o seguinte “O objectivo desta carta (“confirmação”) é confirmar os termos e condições particulares do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap) acordado entre o Banco BB S.A. e AA (…). Esta carta constitui uma confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras (“Contrato Quadro”) celebrado por nós em 11 de Março de 2005. No caso de divergência entre o estabelecido no Contrato Quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última.

3 - As partes acordaram conforme consta do documento escrito junto a fls. 36 epigrafado “Contrato Quadro para Operações Financeiras”, datado de 29.12.2005, que ambas as partes assinaram.

4 - Nos termos da cláusula 1.ª desse contrato “1. O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.” (…) 3. Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato. 4. Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordadas o contrário. 5. Sem prejuízo de outras, que como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações: 5.1. Permutas financeiras (swaps): de taxas de juro (Interest Rate Swaps-IRS) (…)”

5 - Consta da 41.ª do contrato quadro, sob a epígrafe “resolução de conflitos” o seguinte: “1. Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância. (…)”.

IV. Do mérito – de acordo com a argumentação utilizada pela recorrente na sustentação do recurso de revista a sua posição de discordância das decisões das instancias parte do principio que o contrato que dá origem aos autos (contrato de swap que constitui o documento 1, junto com a petição inicial) não inclui (ele próprio) uma convenção arbitral, a qual está inserida no contrato-quadro e só ao mesmo se aplica; nesse contexto argumentativo a convenção de arbitragem não se aplicaria aos diferendos que pudessem surgir em cada uma das operações financeiras celebradas no âmbito e desenvolvimento desse contrato quadro.

Argumenta ainda a recorrente que estando em causa na acção a invalidade do contrato de swap tal realidade é anterior à formação do contrato não constituindo um diferendo entre as partes relacionado com a execução contratual que possa cair no âmbito da cláusula compromissória a qual, ainda na perspectiva da recorrente, deve ser enquanto cláusula contratual geral excluída do contrato porque não comunicada previamente (artigos 5º e 8º nº 1, alínea a) do DL 446/85).

Indo directamente à primeira questão suscitada - a qual consiste em saber se a cláusula compromissória inserida no contrato quadro se aplica apenas aos diferendos entre as partes no âmbito especifico desse contrato ou igualmente aos contratos celebrados posteriormente e a ele subordinados - parece-nos obvio, face à factualidade relevante dada como assente, que da inter-relação entre o contrato quadro celebrado entre as partes e o contrato de swap posteriormente celebrado entre as mesmas partes (nos termos que constam dos pontos 1 e 2 dos factos provados) transparece uma evidente conexão funcional e económica entre as duas relações contratuais[1]; essa conexão funcional e económica mostra-se bem expressa no texto dos pontos 1, 3, 4 e 5 da referida cláusula 1ª do contrato quadro - “1. O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.” (…) 3. Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato. 4. Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordadas o contrário. 5. Sem prejuízo de outras, que como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações: 5.1. Permutas financeiras (swaps): de taxas de juro (Interest Rate Swaps-IRS) (…)”.

Não se podendo de forma nenhuma ignorar que a interpretação de qualquer convenção de arbitragem – que, no caso dos autos assume a natureza de cláusula compromissória, por reportada a litígios eventuais e futuros, decorrentes de uma concreta e específica relação contratual[2] - está submetida às regras de interpretação  das declarações negociais, contidas nos arte. 236º a 238º CC[3] (valendo tal convenção com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, devendo a interpretação adoptada ter – porque se trata de negócio formal – um mínimo de correspondência no texto do documento que a corporiza) torna-se também obvio que o sentido da vontade naturalística das partes apurada pelas instâncias (lê-se no acórdão recorrido que “a interpretação que qualquer declaratário razoável retiraria daquela cláusula, no contexto apontado – tendo em consideração as demais cláusulas mencionadas e o natural encadeamento dos acordos – é a de que a cláusula compromissória abrange os diferendos resultantes da conjugação do contrato-quadro com as estipulações constantes do escrito denominado «Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro», a isso se reconduzindo o «âmbito» do contrato, não se restringindo a quaisquer eventuais diferendos emergentes, tão só, do contrato-quadro”) se conforma em absoluto com os critérios normativos definidos pelas citadas disposições da lei civil, não sendo consequentemente passível de censura.

Temos assim que concluir que a convenção de arbitragem na forma de cláusula compromissória inserida no contrato quadro deve ser entendida como aplicável a todos os contratos e operações financeiras a estabelecer de futuro entre as mesmas partes no desenvolvimento e dentro da cobertura desse mesmo contrato quadro.

Após esta análise sobre a questão do âmbito de aplicação da cláusula 41º (convenção de arbitragem/cláusula compromissória) do contrato-quadro passaremos à segunda questão que tem a ver com a alegada “invalidade/inexistência” dessa mesma cláusula (cláusula contratual geral) por alegada aplicação do disposto nos artigos 5º e 8º nº 1 do DL 446/85 ou (sem prescindir) pela aplicação do sentido interpretativo (restritivo e limitando a aplicação da cláusula ao contrato quadro) mais favorável ao aderente.

Antes de proceder à apreciação desta questão, se a tal houver lugar no âmbito do presente recurso, terá que proceder à análise prévia de uma outra – a qual constitui o âmago do recurso - que consiste em saber se a competência para dirimir o litígio compete aos tribunais comuns (como pretende a recorrente) ou se face à cláusula compromissória essa competência cabe ao tribunal arbitral.

Assim e numa abordagem geral de enquadramento, temos que (v. Acórdão deste STJ de 10-03-2011, relator Conselheiro Lopes do Rego) na vigência do Código de Processo Civil de 39 a aplicação da excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral voluntário dependia da apreciação da validade, da eficácia e da aplicabilidade da convenção de arbitragem, decorrendo que a decisão judicial que julgasse tal excepção procedente vinculava o árbitro; ao contrário e actualmente no domínio da LAV (Lei de Arbitragem Voluntária), a avaliação e decisão sobre a questão de saber se a convenção de arbitragem é ou não inoperante compete ao árbitro, salvo quando se verifique a situação de excepção que decorre da aplicação da doutrina do artigo 12º, nº 5 da LAV ou seja quando for de todo manifesta, óbvia, evidente a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, situações estas em que o juiz pode e deve decidir julgar improcedente a excepção[4].

Dentro deste quadro normativo vigente, ao STJ apenas cumprirá, nestas circunstancias e em sede de recurso de revista, verificar se é manifesta e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa; pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, deverão as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio[5].

Perante isto e passando à questão concreta em apreciação, os factos revelam de forma clara que as partes celebraram – inserindo no contrato uma clausula nesse sentido - uma convenção de arbitragem tendente a solucionar os “os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato” ou seja, voluntariamente decidiram cometer a resolução de conflitos a surgir na vigência do contrato acima referenciado a um tribunal arbitral.

Apesar da argumentação da recorrente no sentido de fazer valer uma posição em que coloca a questão da nulidade/ineficácia (com efeito prático de exclusão do contrato singular) da cláusula compromissória como um “ante” ao contrato e não um litigio entre as partes surgido no desenvolvimento do próprio contrato é nosso entendimento insustentável.

Com efeito o que pretende a recorrente mais não é do que a exclusão da cláusula inserida no contrato em vigor por violação do dever de comunicação – artigos 5º e 8º do DL. 446/85 – correspondendo essa situação a um litigio entre as partes com natureza jurídica, ele proprio absorvido no quadro de previsão da cláusula (uma vez celebrado o contrato a questão relativa a uma eventual violação do dever de comunicação do conteúdo da cláusula em causa, tem a obvia natureza de um litigio entre as partes posterior à celebração do contrato).

Diga-se por outro lado que o conteúdo e alcance de tal cláusula não pode no caso concreto levantar qualquer dúvida, já que mesma é absolutamente clara no sentido que a convenção de arbitragem abranger toda a conflitualidade prática e jurídica compromissória decorrente tanto do contrato-quadro (master agreement) como das operações financeiras a estabelecer entre as partes no desenvolvimento e sob cobertura desse contrato quadro nela se incluindo nos termos contratuais tanto as permutas financeiras (swaps) como de taxas de juro (Interest rate swaps), sendo evidente que, como tivemos ocasião de referir, a situação aqui em causa corresponde a um litigio de natureza jurídica que envolve as partes e que surgiu num momento posterior à celebração do contrato (litigio post-contratual e não ante-contratual).

Nos termos referidos e deve concluir-se, tal como concluíram as instancias, pela verificação da mencionada excepção da incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral tendo-se por certo, face aos termos do contrato, que a única entidade jurisdicionalmente competente para a apreciação e decisão da invocada nulidade será o tribunal arbitral, já que as partes convencionaram a exclusividade da competência de tal entidade[6].

Não merece censura o acórdão recorrido.

V. Decisão – nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2015

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

__________________
[1]É usual a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um contrato-tipo (master agreement), contendo a definição do regime geral para as sucessivas transacções acordadas entre as partes, e que ocorram, previsivelmente, no futuro, e em que, além do mais, é consagrado um pacto de jurisdição, o qual é susceptível de, mediante instrumento particular celebrado pelas partes, integrar a relação contratual.
[2]A convenção de arbitragem desdobra-se em duas modalidades compromisso arbitral – quando concerne a um litígio actual, portanto, já existente ou cláusula compromissória – quando se refere a litígios eventuais, portanto potenciais ou futuros.
[3] «A convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as regras contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, do CC: a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir da posição do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento» (M. P. Barroca, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, pg. 171).
[4] O artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção».
[5] Seguindo o entendimento expresso no acórdão deste STJ de 10/3/2011 (Conselheiro Lopes do Rego) a conexão funcional e económica entre vários contratos, sucessivamente celebrados entre as partes, bem expressa na «absorção» do núcleo essencial das obrigações emergentes de um primeiro contrato torna perfeitamente plausível (apesar da autonomia jurídico-formal dos contratos) que a convenção de arbitragem estipulada no âmbito da primeira relação contratual se encontre incluída na genérica «repristinação» dos efeitos desse primeiro contrato, operada aquando da celebração do segundo bastando essa plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem, decorrente de um juízo perfunctório, para que, sem mais, cumpra devolver ao tribunal arbitral voluntário a prioritária apreciação da sua própria competência, nos termos do art. 21º, nº1, da LAV.
[6]  «A convenção de arbitragem produz um efeito negativo, a que também poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do elemento positivo. Uma vez que, com o beneplácito do Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio» Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Setembro de 1986), pg. 380.