Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA ANULAÇÃO DE SENTENÇA INEXISTÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 04/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | NEGADA PROVIDÊNCIA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / PRAZOS DE DURAÇÃO MÁXIMA DA PRISÃO PREVENTIVA. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1ª edição, p. 668; - Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146º (Setembro-Outubro de 2016), n.º 1400, p. 9-10; - Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, 2ª edição, p. 836; - Maria João Antunes, A problemática final e o Tribunal Constitucional, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Gomes Canotilho, 1, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 108; - Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2ª edição, p. 1119; - Paolo Tonini, Manuale Breve de Diritto Processuale Penale, Giuffrè Editore, 2017, p. 344 ; A Prova no Processo Penal Italiano, Editora Revista dos Tribunais, S. Paulo, 2002, p. 76; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, p. 618. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 215.º, N.ºS 1, ALÍNEA C) E 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 16-03.2015, RELATOR SANTOS CABRAL; - DE 07-06-2017, PROCESSO N.º 881/16.6JAPRT-X.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 607/2003, RELATOR RUI MOURA RAMOS. | ||
Sumário : | I - A anulação de uma parte de um elemento de uma decisão judicial que a lei considerar estruturante para a validade endoprocessual não retira ao acto decisional a sua existência enquanto marco de pronúncia e determinação decisória. II - A existência do acto decisório conforma a intenção indicadora de um momento processual confirmativo da realização de uma sentença condenatória para os efeitos da al. c) do n.º 1 do art. 215.º, ex vi do n.º 2, do CPP. III - A declaração de parcial nulidade do acto decisório condenatório não inutiliza e derrui os efeitos de validação do prazo de prisão preventiva estabelecido no n.º 2 do art. 215.º do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | PROCESSO nº 1994/15.7T9VFX-AQ. REQUERENTE. AA.
I.- RELATÓRIO. Por estimar ter sido excedido o prazo da medida coactiva de prisão preventiva a que se encontra sujeito, o arguido AA, requer/peticiona a providência especial e extraordinária de habeas corpus, para o que alinha como fundamentos (i) foi detido no dia 30 de Maio de 2017 e está preso, preventivamente, por despacho datado de 02 de Junho de 2017 (ii) foi condenado em primeira (1ª) instância pela prática, em autoria material e em concurso efectivo de a) um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão e m cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenam o mesmo arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão; (iii) do recurso interposto da decisão condenatória de primeira (1ª) resultou a anulação da decisão condenatória, por carência/ausência de fundamentação da decisão de facto; (iv) “os prazos máximos da prisão preventiva previstos nos artigos 215º, nºs 1, al. c) e nºs 2 do Cód. Proc. Penal, foram atingidos no pretérito dia 30 de Novembro de 2018, em virtude de não ter havido condenação” (sic). Na informação a que alude o artigo 223º do Código de Processo Penal, o Senhor Juiz estima, na parte interessante, que (sic): “De acordo com o disposto no artigo 215°, nº l, alínea d), e nº2, do C.P.P., o prazo máximo de prisão preventiva é de um ano e seis meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância e de dois anos, sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. Como se explicará, a nulidade do acórdão proferido em primeira instância não implica que se deva ficcionar Como se essa decisão nunca tivesse existido. Com efeito, como escreveu Maia Costa, (in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014), p. 894, em anotação (4.) ao artigo 2150 deste diploma), "a anulação da sentença, ainda que total, não determina o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento. Por isso, o prazo da prisão preventiva é o previsto na alínea d) do fl01. Com efeito mesmo quando total, a anulação ou o reenvio não determinam a irrelevância de toda a actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolveu. Nesse sentido, cita os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/2005 e 208/2006, do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2003 (in Col. Jurisprudência, 2003, tomo II, pág. 178), de 29/04/2004 (in Col. Jurisprudência, 2004, tomo II, pág. 176) e de 14/05/2008 (in Col. Jurisprudência, 2008, tomo II, pág. 232). Deste modo, tendo em conta que não se trata de um acto inexistente, não se passa tudo como ele não existisse, pois ele teve existência, simplesmente não produz os seus efeitos Como acórdão condenatório, "in casu, mas a sua mera existência, permite o alargamento do prazo de prisão preventiva. Com efeito, a mera existência de acórdão proferido nestes autos tem como consequência processual o alargamento do prazo máximo de prisão preventiva uma vez que "o acto nulo, com efeito, não se confunde Com o acto inexistente, pois apesar da nulidade o acto foi praticado e existe, e apesar de não produzir ou poder produzir os efeitos que constituem a sua finalidade última, pode ter e tem outros efeitos processuais que decorrem da mera circunstância de ter sido produzido e que ocorrem no momento e em consequência directa da mera produção (Acórdão de 6 de Março de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. nº 7/14). Produziu, pois, O acórdão efeitos processuais pela simples razão de ter sido proferido, e, para o caso vertente, o de fazer passar o prazo de prisão preventiva para o campo de aplicação da alínea d) do nº 1 do art, 215º do Código de Processo Penal, constituindo-se e fixando-se esse efeito processo a partir desse momento, reordenando os prazos máximos de prisão preventiva fixados no citado artigo 215. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/2/2015 (Proc. nº 153/12.5JELSB-C), "A produção do efeito para o futuro - a mudança de fase e de regra processual sobre a duração de prisão preventiva -não o é por isso, retroactivamente afectada pela anulação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de Agosto de 2014". É evidente que o prazo máximo de prisão preventiva aplicável nesta fase dos autos é o de dois anos, previsto no art. 215º, nº 1, alínea d) e nº 2 do Código de Processo Penal. Estabelece o artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Penal que as medidas de coacção a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Nos termos das disposições combinadas dos arts. 193º e 202º do Código de Processo Penal, a prisão preventiva tem natureza excepcional e subsidiária, só podendo ser aplicada quando se insuficientes as outras medidas de coacção, donde que, de uma medida desta natureza só se verificará, se após o despacho que a determinou (com apreciação de todos os pressupostos) não ocorreram razões de facto ou de direito que a ponham em causa. Decorre ainda do art. 212º nº 3 do Código de Processo Penal que quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução." No caso vertente, não ocorreram quaisquer alterações nos factos e de direito que determinaram a prolação do despacho prisão preventiva ao arguido. A medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido continua a revelar-se absolutamente necessária, por não estarem atenuadas as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação mas, outrossim, reforçadas, com a prolação da acusação. Com efeito, compulsados os autos e os elementos probatórios entretanto recolhidos, mantêm-se as exigências cautelares que motivaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, reforçadas pela condenação em primeira instância, não obstante a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que impôs que seja suprido, no entender de tal aresto, o vício de falta de fundamentação, revelando-se tal medida adequada, exigível e proporcional à gravidade dos factos imputados, e da moldura da pena em que previsivelmente virá a ser em definitivo condenado.” I.a) – ENUNCIAÇÃO DA QUESTÃO INDUTORA DO PEDIDO. A questão tal como vem apresentada pelo requerente, atina com o exaurimento do prazo referido na alínea c) do artigo 215º do Código de Processo Penal, dado que o arguido foi julgado, com veredicto de condenação, por acórdão produzido pelo tribunal de 1ª instância, em 13 de Novembro de 2018, tendo esta decisão sido declarada nula pelo tribunal de recurso. Ancilar, e posposta da questão enunciada, enxerta-se a temática da repercussão da declaração de nulidade de uma decisão, por efeito de recurso, para verificação da “existência” de uma decisão condenatória exigida pela alínea c) do artigo 215º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal. II. – FUNDAMENTAÇÃO. II.a) – RECENSÃO PROCESSUAL COM INTERESSE PARA A SOLUÇÃO DO PROCEDIMENTO. Da certidão – constitui o traslado de acompanhamento da situação relativa à revisão das medidas de coacção – que foi mandada juntar na informação prestada pelo Senhor Juiz, recenseiam-se, com interesse para a decisão a prolatar os sequentes elementos: a) – auto de noticia elaborada pela Policia de Segurança Pública em que se relatam as diligências policiais tendentes à detenção de vários indivíduos, entre os quais o arguido AA, pelos factos descritos e explanados de fls. 2 a 11; b) auto de identificação/interrogatório de arguidos detidos presentes a primeiro interrogatório judicial entre os quais o identificado AA – cfr. fls. 12 vº do traslado – em que lhe são imputados os factos constantes de fls. 26 a 34 vº, que permitiu a indiciação referenciado arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho; e c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal – cfr. fls. 39; c) Imposição ao arguido AA das medidas de coacção de termo de identidade e residência; proibição de contactos com os restantes arguidos, consumidores e fornecedores de produtos estupefacientes e prisão preventiva, por decisão datada de 2 de Junho de 2017; d) despachos de reexame dos pressupostos que induziram a imposição das indicadas medidas de coacção – fls. 54 a 60; e) acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central de Loures – Juiz 1, de 13 de Novembro de 2018, em que se decidiu condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de a) um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão e m cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenam o mesmo arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão – fls. 67 a 159; f) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Março de 2019, em que se decide (sic) “declarar nulo o acórdão recorrido, por inobservância do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, o qual deve ser reformulado pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação.” O instituto de habeas corpus configura-se, a um tempo, como um direito fundamental e uma garantia. O instituto mostra-se a um tempo um direito, na medida em que a lei, maxime a Constituição, o confirma como um valor e um estado subjectivo activo incrustado na constelação individual de direitos irremíveis do cidadão e que se fixa, directa e imediatamente, na esfera jurídica de qualquer cidadão no gozo pleno dos seus direitos cívicos, e ao mesmo tempo uma garantia na medida em que permite a qualquer cidadão reagir contra uma situação que repute abusiva e violadora de um direito – a liberdade de acção e de livre movimentação pessoal – inscrito como inderrogável no amplexo de direitos fundamentais do individuo. [[1]] Legitimamente, e por direito, o pedido pode ser impulsionado por qualquer cidadão (“no gozo dos seus direitos políticos”) e deve ser apresentado à autoridade à ordem da qual o cidadão se encontra preso. Como fundamento desta pretensão, de carácter excepcional, [[2]] o peticionante pode convocar uma das sequentes situações: a) incompetência da entidade que ordenou ou efectuou a prisão; b) ter a prisão uma razão, ou substrato jurídico-factual, arredada do quadro legal estabelecido; e c) ser a prisão mantida para além do prazos que a lei determina e fixa ou que a decisão judicial haja determinado. Como se assinalou no acórdão supra citado – de 1 de Fevereiro de 2007, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira – o procedimento (providência) de habeas corpus não assume carácter ou natureza residual, antes se perfila como um procedimento autónomo e com identidade própria que pode coexistir com o recurso. A providência de habeas corpus não se destina a reagir contra uma decisão reputada injusta de aplicação de uma medida de privação de liberdade, rectius prisão preventiva, antes se destina a pôr cobro a uma situação de ilegalidade e abuso de poder por parte das autoridades. A providência de habeas corpus não se destina a corrigir ou reavaliar as decisões judiciais que dentro da legalidade apliquem a medida coactiva de prisão preventiva. Ela surge no universo do direito como meio de ilaquear um estado patológico decorrente de uma actuação contrária à lei e ao arrepio dos adequados e correctos modos de apreciação e avaliação de uma situação factual (em que uma medida de coacção como a prisão preventiva não pode ser aplicada). “Por outro lado, a providência de habeas corpus, por alegada prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, perante situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, seja por incompetência da entidade que ordenou a prisão, seja por a lei não permitir a privação da liberdade com o fundamento invocado ou sem ter sido invocado fundamento algum, seja ainda por se mostrarem excedidos os prazos legais da sua duração. São tais razões - e só elas – que justificam a celeridade e premência na apreciação extraordinária da situação de privação de liberdade com vista a aquilatar se houve abuso de poder ou violação grosseira da lei, na privação da liberdade, que imponha de imediato a reposição da legalidade. A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (v.v.g. Ac. deste Supremo de 20-12-2006, proc. n.º 4705/06 - 3.ª) Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (v. Acórdão deste Supremo de 29-05-02, proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese). Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que, mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos. Por outro lado, como remotamente já decidiam os acórdãos deste Supremo e desta Secção, de 24 de Outubro de 2007, proc. 3976/07, e de 4 de Fevereiro de 2009, proferido nos autos 325/09,). - O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões – para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do nº 2 do artº 222ºdo CPP..” [[3]] No mesmo eito segue o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16-03.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que a propósito da providência especial de habeas corpus se escreveu (sic): “A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31º da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220º e 222º do CPP. Estabelecem tais preceitos os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional. Nos termos do artigo 222º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de i) a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ii) ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou iii) se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do CPP. A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso das decisões tomadas numa tramitação processual em que foi determinada a prisão do requerente ou um sucedâneo dos recursos admissíveis Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005, “no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”. Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo – valendo os efeitos que em cada momento ali se produzam e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos – produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP. A providência em causa assume, assim, uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação. Na verdade, a essência da providência em causa reside numa afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve ser demonstrado, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. É exactamente nessa linha que se pronuncia Cláudia Santos, referindo, nesta senda que “confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. Também Cavaleiro Ferreira avança que "o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade". A providência excepcional em causa não se substitui, nem pode substituir-se, aos recursos ordinários, ou seja, não é, nem pode ser, meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. O habeas corpus está, assim, reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, exactamente por serem ilegais, impõem, e permitem, uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida. Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso, mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)». A natureza sumária da decisão de habeas corpus, por outro lado, não se deve conjugar com a definição de questões susceptíveis de um tratamento dicotómico e em paridade de defensibilidade. É que, em tal hipótese e como se acentua em decisão deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça não se pode substituir, de ânimo leve, às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. Até porque, permanecendo discutível, e não consensual, a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento – ainda para mais numa apreciação pouco menos que perfunctória –, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial –, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não.” [[4]] O arguido, como se deixou exposto no rol de factos a considerar para o caso, foi detido a 30 de Maio de 2017, e submetido a primeiro interrogatório a 2 de Junho de 2017, foi-lhe imposta a medida de coacção de prisão preventiva. Em acórdão proferido a 13 de Novembro de 2018, foi o arguido condenado a) um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão e m cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenam o mesmo arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão. O crime de tráfico de estupefacientes por que o arguido foi condenado impõe-se com uma moldura penal entre 4 e 12 anos de prisão. Os prazos de prisão preventiva para a situação jurídico-criminal em que o arguido se ache incurso, maxime pela incursão na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por que punível com pena superior a 8 (anos), é de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, contados desde o momento em que foi indiciado na prática desse crime a aquela em que a condenação (judicialmente) se opera – cfr. corpo do nº 2 do artigo 215º do Código de Processo Penal. Subjacente e subliminar ao pedido de habeas corpus o peticionante induz a ideia de que com a nulidade acoimada e posposta ao acórdão condenatório de 13 de Novembro de 2017, a condenação se tornou inválida e inoperante, o processo voltou à fase anterior ao julgamento, o que induziria uma postergação do comendo preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 215º do Código de Processo Penal, mais correctamente do nº 2 do apontado preceito. A tese do peticionante arranca, do pressuposto jusprocessual de que um acto processual declarado inválido por uma instância de recurso faz com que o acto anulado deixe de se poder considerar, na sua plena eficácia, na ordem jurídica, por não estar de dotado de eficácia determinativa e conformadora da relação jurídica que tendia solver. Vale dizer que, o acto jurídico declarado nulo, ou anulado, não postula ou imposta uma vinculação jurídica dos sujeitos a quem se destina, porque o valimento intrínseco e jurídico-compositivo deixou de se projectar na ordem jurídica institucional-processual e, mais concretamente, entre os sujeitos por ela, directamente, visados. Os actos processuais, ainda que feridos de nulidade, não podem deixar de ser apreciados no conspecto jusprocessual em que são proferidos, e logo nas consequências e implicações internas (endoprocessuais) que ocasionam, conectadas com a função que exercem e importam na tessitura de actos (sucessivos) em que se desenvolve um procedimento. [[6]] Não se nos afigura despiciendo lembrar, aqui e agora, o que a propósito das consequências e efeitos da declaração de nulidade (absoluta) que deva ser ditada a propósito das proibições de prova, foi escrito pelo Mestre coimbrão, Professor Figueiredo Dias, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146º (Setembro-Outubro de 2016), nº 1400, págs. 9-10, a propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional (nº 607/2003), relatado pelo Professor Rui Moura Ramos: “Ora, venho desde há muito acentuando tanto no meu ensino, como nos meus escritos [[7]], que a matéria processual penal (a relativa quer a problemas fundamentais, quer a meras questões pragmáticas, técnicas e instrumentais) é por sua natureza conflitual, no preciso sentido do conflito entre o dever geral do Estado de realização de um processo penal eficiente, capaz de em tempo côngruo alcançar decisões justas dos casos da vida, e o não menos indeclinável dever estadual de proteção das liberdades fundamentais da pessoa. Tanto o legislador, coma o aplicador do processo penal têm de ter clara consciência de que, sempre que se alargue ou estreite a consistência de um direito fundamental processualmente relevante, estar-se-á inversamente a estreitar ou alargar a consistência de direitos fundamentais conflituantes, seja de direitos do próprio Estado, de instituições, de corporações ou das vítimas reais e potenciais, que atuam no processo penal ou sofrem, direta ou indiretamente, as suas consequências. Por isso, a correta solução de um questionado problema processual penal tem como suposto decisivo que o aplicador leve previamente a cabo uma operação de ponderação das valorações conflituantes, para se decidir em princípio em favor da valoração que deva reputar-se preferível, por dominante. [[8]] Com esta operação de balancing of values não se esgotará porém em todos os casos a tarefa do aplicador, podendo tornar-se ainda indispensável cumprir urna complexa tarefa de harmonização, otimização ou concordância prática [[9]] das valorações conflituantes. Tarefa que implica uma mútua compressão dos valores ou das finalidades em conflito, por forma a atribuir a cada um ou cada uma a máxima eficácia possível. O que quer dizer que de cada valor ou finalidade se deve salvar o máximo conteúdo possível, sem prejuízo da preponderância do valor ou da finalidade que começou por reputar-se dominante. Assim otimizando os ganhos e limitando, na medida viável, as perdas axiológicas e funcionais (neste sentido devendo ser interpretado o art.º 18.° da nossa Constituição da República). Nesta dupla operação intervirão para o aplicador, de toda a forma, duas limitações. Uma limitação relativa, quando suceda que o resultado do conflito de valores seja explicitamente levado a cabo pelo legislador ordinário. Nestes casos, que ocorrerão provavelmente com pequena frequência, o aplicador tem de seguir a imposição da lei ordinária, salvo caso de inconstitucionalidade. Restando saber se, existindo uma declaração legislativa expressa, para que se aceite uma autêntica proibição de prova bastará uma qualquer norma de direito ordinário que a consagre, ou se tornará necessária uma “cobertura” desta por uma norma jurídico-constitucional atinente à defesa dos direitos, liberdades e garantias das pessoas. Sem querer tomar aqui uma posição definitiva sobre a questão [[10]], o disposto no art.º 32.°-8 da Constituição (segundo o qual são “nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”) constituirá porventura base suficientemente ampla e pormenorizada para constituir — e até por excesso, de certa perspetiva já aludida [[11]] que, a ser procedente, deveria conduzir a um seu entendimento restritivo — o fundamento necessário à afirmação de uma proibição de prova. Uma outra limitação (esta sim absoluta) ocorrerá naquelas hipóteses em que a decisão a favor da valoração dominante contrarie a essencial dignidade humana [[12]]; caso em que terá de conferir-se à salvaguarda desta dignidade essencial valor decisivo do conflito, ainda mesmo quando tal implique não apenas a diminuição, mas verdadeiramente a aniquilação do valor contraposto. Porque a defesa da dignidade essencial da pessoa constitui limite terminante de toda a intervenção estatal. É justamente a isto que chamo o problema político do processo penal numa democracia constitucional. Um problema político no mais puro e rigoroso entendimento do designativo, na medida em que nele se defrontam duas questões primordiais da função protetora do Estado de Direito: protetora dos direitos humanos fundamentais; mas por igual protetora do conjunto das pessoas constituídas em Estado.” Afigura-se-nos, portanto, e mutatis mutandis, que os órgãos de administração da justiça não podem deixar de proceder a este balancing of values e verificar em cada momento quais as consequências que derivam da declaração de nulidade de um acto judicial. Numa outra ordem jurídica as nulidades – cuja classificação se configura tripartida: absolutas, intermédias e relativas (artigos 177º a 186º do Codice de Procedura Penale) – têm o efeito que a lei lhes prescreve, sendo que as nulidades relativas só afectam os actos (consequentes e sucessivos) de que dependa, de forma directa e necessária, o acto que venha a ser declarado nulo. O acto omitido não afecta de forma necessária e directa qualquer dos actos praticados consequencialmente pelo que não seria de ponderar a anulação do acto decisório que lhe sucedeu e que mantém, por isso, plena validade. [[13]] A nova formulação, crê-se e é o que é injungido ao tribunal redactor da primeva decisão - anulada – permitirá atestar que o exame lógico-racional subjacente à formação da convicção que ditou a aquisição da prova se encontra, agora, devidamente argumentado e exposto por forma a tornar perceptível e compreensível, numa perspectiva de congruência narrativa, as razões e motivos que terão permitido obter aquela e não outra decisão de facto. A indicação dos meios de prova que serviram de suporte á aquisição de determinados dados de facto e as razões por que foram uns e não outros os meios de prova que induziram uma determinada interiorização da acção (criminosa) dos arguidos permitirá sanar o desvio de concepção e estruturação da sentença e refazer o acto projectando-o para a sua interna e externa validade institucional. A jurisprudência é avonde em confirmar o ponto de análise que vimos explorando, deixando aqui mencionados dois arestos que foram proferidos no âmbito de um procedimento de habeas corpus extraídos do mesmo corpo processual. Ambos foram proferidos no dia 7 de Junho de 2017, no amplexo de um conjunto de habeas corpus impulsionados no âmbito do mesmo processo, ainda que a questão não atinasse com a anulação da sentença, mas do acto instrutório. “O Supremo Tribunal de Justiça tem apreciado os efeitos da anulação ou declaração de nulidade de actos processuais na definição dos prazos de prisão preventiva, nomeadamente quanto à anulação ou declaração de nulidade de sentença [[14]] e de decisão instrutória [[15]]. Como se dá nota nos acórdãos de 04-02-2015 (Proc. n.º 15/15.4YFLSB.S1 – 3.ª Secção) e de 27-05-2015 (Proc. n.º 304/14.5PCLRS.S1 – 3.ª Secção) [[16]], tem este Supremo Tribunal entendido, em especial, a partir da distinção entre os institutos jurídicos da nulidade e da inexistência jurídica, em que nesta, pode-se «dizer que para o direito não há nada», enquanto naquela o ato existe só que «não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos» que, proferida decisão instrutória ou acórdão em 1.ª instância, posteriormente anulada em recurso, deverá atender-se, para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva, ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP, uma vez que «mal ou bem, houve decisão instrutória de pronúncia, embora, não tivesse ainda sido objecto de trânsito em julgado» e, em caso de sentença final, «a fase processual em causa, para efeitos de contagem da duração máxima da prisão preventiva, é a prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP», uma vez que «a anulação não determina o encurtamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva, por regressão do processo à fase anterior, como se a condenação nunca tivesse existido»[[17]]. Como também se considera no Acórdão de 29 de Setembro de 2010, processo n.º 139/10.4YFLSB.S1 – 3.ª Secção, «[a] existência de condenação em 1.ª instância, ainda que posteriormente anulada pelo Tribunal da Relação, tem reflexos no prazo máximo de duração da prisão preventiva», uma vez que «[o] acto nulo, com efeito, não se confunde com o acto inexistente, pois apesar da nulidade o acto foi praticado e existe, e apesar de não produzir ou poder produzir os efeitos que constituem a sua finalidade última, pode ter e tem outros efeitos processuais que decorrem da mera circunstância de ter sido produzido e que ocorrem no momento e em consequência directa da mera produção», termos em que «[a] decisão de 1.ª instância produziu efeitos processuais pelo simples facto de ter sido proferida, nomeadamente, como resulta directamente da lei, o fazer passar o prazo de prisão preventiva do campo de aplicação da al. c) para o âmbito da al. d) do n.º 1 do art. 215.º do CPP», efeito que «produziu-se e esgotou-se pelo simples facto de ter sido proferida uma decisão condenatória em 1.ª instância (haver «condenação em primeira instância»), valendo, consequentemente, no processo a partir desse momento, com todas as consequências em tal âmbito de regulação. Tal efeito constituiu-se e fixou-se no processo a partir desse momento, reordenando os prazos máximos da prisão preventiva fixados no art. 215.º do CPP. A produção de efeitos para o futuro – a mudança de fase e de regra processual sobre a duração da prisão preventiva – não é, por isso, retroactivamente afectada pela anulação da decisão da 1.ª instância e a consequente reformulação». No mesmo sentido se exprimem: - O acórdão do STJ de 08.09.2011 (Proc. n.º 413/07.7TACBR.S1 – 5.ª Secção): «Para efeito do prazo de prisão preventiva, o STJ vem considerando que a anulação de julgamento em sede de recurso não implica uma regressão aos prazos correspondentes às fases anteriores: atingida cada uma das fases a que o legislador faz corresponder uma alínea do n.º 1 do art. 215.º do CPP, verificando-se a existência de algum vício em fase(s) anterior(es) que leve à anulação de algum acto processual, o prazo de prisão preventiva, cuja duração é a própria da fase em que os autos se encontram no momento da declaração da nulidade, não retorna à fase anterior – cf. Ac. do TC n.º 404/2005.» - O acórdão do STJ de 22-07-2015 (Proc. n.º 93/10.2TAMDL-C.S1 - 3.ª secção), em cujo sumário se lê: «I - A decisão proferida em recurso que anule a decisão proferida e proceda ao seu reenvio nunca poderá servir de fundamento à aplicação do disposto no n.º 6 do art. 215.º do CPP. II - Porém, a circunstância de ter sido anulada a decisão de primeira instância não implica que a mesma passe a ser algo de inexistente sem qualquer efeito na ordem jurídica. III - A anulação da sentença, ainda que total, não determina a inexistência do acto, mas apenas a não produção de efeitos, o mesmo sucedendo com o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento, já que, a anulação ou o reenvio não determinam a irrelevância da actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolve, pelo que, em tais casos, o prazo de prisão preventiva a aplicar é o previsto no art. 215.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, do CPP.» Na doutrina, pode citar-se MAIA COSTA para quem «[a] anulação da sentença, ainda que total, não determina a inexistência do acto, mas apenas a não produção de efeitos. O mesmo sucede com o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento. Por isso, o prazo da prisão preventiva é o previsto na al. d) do n.º 1 [do artigo 215.º do CPP]. Com efeito, mesmo quando total, a anulação ou o reenvio não deter determinam a irrelevância da actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolve» [[18]]. No mesmo entendimento se perfila, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE quando refere que «A sentença condenatória proferida pela 1ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada pelo Tribunal da Relação, é relevante para efeito do estabelecimento do prazo máximo do de duração da prisão preventiva e, portanto, tem a consequência do alargamento do prazo nos termos do artigo 215º, nº 1, al. d)[…]. A mesma doutrina vale para o alargamento do prazo da prisão pelo despacho de pronúncia que venha a ser anulado pelo TR […]. Nem num caso nem no outro se pode considerar como inexistentes o despacho de pronúncia e a sentença que venham a ser revogados, pelo que eles relevam para efeito d alargamento do prazo da prisão preventiva».”[[19]/[20]] “Como já referimos em várias decisões, entre elas no acórdão proferido no processo n.º 1607/11.DDLSB, e este Supremo Tribunal tem uniformemente defendido, a anulação de acto judicial, designadamente de acórdão condenatório proferido em 1ª instância, com remessa do processo para suprimento da nulidade e elaboração de nova decisão, não torna o acórdão condenatório de nenhum efeito. Como é sabido, só o acto inexistente se mostra desprovido de qualquer efeito jurídico, sendo que o acto nulo, conquanto não possa produzir os efeitos para que foi criado, não deixa de ter existência processual. Enquanto o acto inexistente nem sequer pode ser reconhecido como acto e, como tal, ter vida jurídica, o acto nulo, ainda que imperfeito, existe [[21]]. O mesmo sucede, obviamente, relativamente à decisão instrutória, ao despacho de pronúncia. A anulação da decisão instrutória e do despacho de pronúncia, no caso dos autos para suprimento de nulidade relativa a interrogatório de arguidos, ocorrida nessa fase processual, por falta de notificação de co-arguido, não torna aquela decisão e aquele despacho de nenhum efeito, posto que, como se consignou, só o acto inexistente se mostra desprovido de qualquer efeito jurídico. Deste modo, aqueles actos processuais que o legislador elegeu como marcadores dos prazos da prisão preventiva, não deixam de relevar para tal efeito quando anulados. Trata-se de orientação que este Supremo Tribunal vem uniformemente adoptando, designadamente no caso de anulação de julgamento, sob o entendimento de que aquilo que o legislador pretendeu evitar ao fixar os prazos de duração máxima da prisão preventiva é que o arguido esteja preso preventivamente por mais de determinado tempo sem nunca ter sido condenado por um tribunal, ou seja, sem que um tribunal, após contraditório, haja considerado o arguido culpado. Isso é que seria intolerável do ponto de vista legal. Já não assim quando houve uma condenação, não obstante a sentença ou o julgamento tenham sido anulados [[22]]. Sendo certo que o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, proferido no Processo n.º 546/2005 (in DR, II Série, de 31-03-2006), decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação, sob o entendimento de que a anulação da condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite, entendimento que, segundo defende, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, se mostra adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucional [[23]]. Entendimento algo semelhante vem assumindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao considerar que o período de tempo a considerar para duração da prisão preventiva inicia-se com a prisão e termina com a decisão em 1.ª instância sobre o mérito da acusação, o que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Maio de 2008, atrás citado, está associado ao entendimento de que o que o n.º 3 do artigo 5.º da CEDH garante é que qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 1.ª instância. Efectuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do artigo 6.º, n.º 1, sendo certo que prazo razoável para efeitos do artigo 5.º, n.º 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do artigo 6.º, n.º 1. Neste último caso o que se pretende evitar é que as pessoas acusadas, presas ou não, se mantenham muito tempo numa situação de incerteza sobre o desfecho do seu processo, enquanto no primeiro o que se pretende evitar é, unicamente, que a prisão tenha uma duração excessiva. [[24]/[25]]. Manuel Augusto de Matos (José António Santos Cabral – Presidente de Secção) ______________________ “A providência de habeas corpus tem, como resulta da lei, carácter excepcional. “E é precisamente por pretender reagir contra situações de excepcional gravidade que o habeas corpus tem de possuir uma celeridade que o torna de todo incompatível com um prévio esgotamento dos recursos ordinários”. Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal: a) Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial. “Exemplos de situações abrangidas por estas disposições poderiam encontrar-se na prisão preventiva decretada por outrem que não um juiz; na prisão preventiva aplicada a um arguido suspeito da prática de crime negligente ou punível com pena de prisão inferior a três anos; na prisão preventiva que ultrapasse os prazos previstos no artigo 215.º do C.P.P. Confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. Mas a providência excepcional em causa, não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere – mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art.º 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite». Pois, não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários. Justamente, os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, por serem-no, impõem e permitem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante, agora, de serem portadoras da chancela do Mais Alto Tribunal. Exactamente por isso, a matéria de facto sobre que há-de assentar a decisão de habeas corpus tem forçosamente de ser certa, ou, pelo menos, estabilizada, sem prejuízo de o Supremo Tribunal de Justiça poder ordenar algumas diligências de última hora – art.º 223.º, n.º 4, b), do Código de Processo Penal – mas sempre sem poder substituir-se à instância de julgamento da matéria de facto, e apenas como complemento esclarecedor de eventuais lacunas de informação do quadro de facto porventura subsistentes, com vista à decisão, ou seja, na terminologia legal, cingidas a esclarecer «as condições de legalidade da prisão». Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no procedimento de habeas corpus n.º 4393/03-5, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)». “(…) Pelo contrário, os recursos de agravo previstos no artigo 219.º [do Código de Processo Penal] podem ter outros fundamentos, sobretudo os relacionados com a inexistência de uma necessidade cautelar que torne indispensável a aplicação da medida de coacção; com a não adequação da medida à necessidade cautelar; com a desproporcionalidade da medida face ao perigo que se visa evitar. Pense-se, a título de exemplo, em situações em que não se verifique qualquer perigo de fuga do arguido, de perturbação da ordem ou tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa; em casos em que a medida aplicada não é idónea a garantir a não ocorrência do perigo que se receia; ou ainda na aplicação de uma medida demasiado gravosa tendo em conta outras que deveriam ser preferidas por menos desvaliosas e igualmente eficazes ou tendo em conta a gravidade do delito cometido e a sanção que previsivelmente lhe será aplicada”. A natureza sumária e expedita da decisão de habeas corpus, por outro lado, não permite que, quando o aspecto jurídico da questão se apresente altamente problemático, o Supremo se substitua de ânimo leve às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, possa censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. Até porque, permanecendo discutível e não consensual a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial – numa apreciação pouco menos que perfunctória, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não.” [3] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.06.2017, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, no processo de habeas corpus sob o nº 881/16.6JAPRT-X.S1. “A circunstância de esse acórdão ter sido anulado, pelo acórdão da relação, que determinou, verificados certos pressupostos, a reabertura da audiência e uma nova apreciação da prova, não invalida a “existência” desse acórdão. Aliás, a sue existência é pressuposto necessário da respectiva anulação, pela relação. Só se pode anular o que existe… «A anulação da sentença, ainda que total, não determina a inexistência do acto, mas apenas a não produção de efeitos. O mesmo sucede com o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento. Por isso, o prazo da prisão preventiva é o previsto na alínea d) do n.º 1. Com efeito, mesmo quando total, a anulação ou o reenvio não determinam a irrelevância da actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolve.». - A de sentença proferida por pessoa não investida de poder jurisdicional; - A de sentença proferida contra pessoas fictícias ou imaginárias; - A de sentença sem conter verdadeira decisão ou contendo uma decisão incapaz de produzir efeito jurídico. [22] Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 02.08.30, 03.06.26, 04.04.29, 06.01.25, 07.12.06, 07.01.17, 08.05.14, 10.09.29 e 11.09.08, o segundo e o terceiro publicados nas CJ (STJ), XI, II, 230 e XII, II, 176, os restantes proferidos, respectivamente, nos Processos n.ºs 2943/02, 281/06, 4583/06, 176/07, 1672/08, 139/10.4YFLSB.S1 e 413/07.7TACBR.S1. No mesmo sentido se pronunciam Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado (2ª edição), 836, e Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal (4ª edição), 618. |