Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4627/18.6T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- No que toca à excepção de ineptidão da petição inicial, o acórdão recorrido incidiu sobre decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que a decisão só seria recorrível se se verificasse uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o que não é o caso;

II- Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme;

III- Esta última existe quando o enquadramento jurídico é o mesmo, não estando a solução jurídica do acórdão recorrido ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueles outros que fundamentaram a decisão da 1.ª Instância, sendo as divergências meramente secundárias, não traduzindo uma fundamentação essencialmente diferente.

Decisão Texto Integral:



Processo 4627/18.6T8LRS.L1.S1
Revista
40/22

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou contra PENTAEDRO, Publicidade e Artes Gráficas, Lda, a presente acção declarativa de condenação com processo comum.

A Ré contestou, arguindo, além do mais, as excepções de prescrição e de ineptidão da petição inicial.

A Autora faleceu em .../.../2018, tendo sido habilitados em sua substituição BB e CC.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi decidido:

a) Declarar a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal para apreciar e julgar o pedido deduzido na alínea jj) do petitório da Autora, absolvendo a Ré da instância, nessa parte;

b) Julgar improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial;

c) Julgar verificada a excepção dilatória inominada da dedução de pedido ilegal e absolver a Ré da instância relativamente aos pedidos genéricos deduzidos nas alíneas n) e o) da p.i.;

d) Julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição.

Foi realizada a audiência de julgamento e proferida sentença.

Interposto recurso de apelação, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em “julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a sentença recorrida somente quanto à al. N) do dispositivo(...)”
A Ré veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

A. Estando perante um acórdão cuja fundamentação é inovatória e está “ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada”, cujo âmago do enquadramento jurídico está longe de corresponder ao utilizado pela 1.ª instância, é lícito e processualmente admissível o recurso de revista nos termos do artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil;

DA INTERPRETAÇÃO PROTAGONIZADA PELO TRIBUNAL A QUO NO QUE RESPEITA À PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS LABORAIS (e a confissão da Autora):

B. Resulta evidente que, ao não ter exercido o contraditório, a Autora não impugnou os factos, levando à sua admissão por acordo. Dessa confissão de factos resultou a conclusão jurídica e de direito, de verificação da exceção da prescrição, por via da citação da Ré para além do prazo legal de um ano, por sua exclusiva culpa.

C. Resulta do alegado pela Ré, em sede de contestação que a citação ocorreu nessa data tardia apenas e tão só por exclusiva culpa da ora Autora, que não instruiu o processo convenientemente, e que levou à citação da empresa ora Ré muito para além do prazo de um ano após o termo do contrato de trabalho.

D. Foi a deficiente instrução do processo que levou à tardia citação da empresa, ora Ré, a qual apenas ocorreu quase 3 meses após a instrução do processo, visto ter sido alvo de diversas diligências e despachos prévios à referida citação da Ré, não sendo aliás possível a necessária citação da Ré sem o prévio saneamento dos erros na instrução do processo, realizados pela Autora.

E. A factualidade invocada e admitida por acordo pela Autora, que optou por não exercer o contraditório – CONFESSANDO-A –, designadamente no que respeita ao facto da Petição ter sido deficientemente instruída, causando a tardia citação da ré, terá forçosamente que levar à conclusão que tal se deu exclusivamente por sua culpa e à consequente verificação da exceção de prescrição invocada pela Ré.

F. Ao não se entender assim levará a concluir-se que o não exercício do ónus de impugnação, no âmbito da apreciação da invocação de prescrição perentória de prescrição nunca levará à sua verificação por via da confissão da factualidade em que assenta tal alegação.

G. A decisão protagonizada pelo Tribunal a quo – vingando – culminará na conclusão jurídica de que o nosso ordenamento jurídico não admite a verificação da exceção perentória de prescrição dos créditos laborais, provocada pela citação tardia do Ré devida à culpa exclusiva do Autor, por via da sua admissão por acordo, baseada no não exercício do ónus de impugnação.

H. Terá portanto que se concluir que se trata de uma exceção ao princípio do contraditório e do ónus de impugnação, e bem assim da sua respetiva cominação, sempre que respeite à admissão de factualidade constitutiva da exceção da prescrição, concluindo-se, por uma exceção de origem interpretativa do artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, por não aplicação do efeito cominatório, previsto no artigo 574.º, n.º 2, ex vi art.º 587.º, n.º 1 do CPC.

I. Não existindo motivação morfológica e etimológica que justifique a diferenciação de tratamento entre a exceção perentória de prescrição aqui levada a escrutínio e qualquer outra exceção perentória, sempre se dirá que não se vislumbra razão de ser para o dito entendimento excecional.

J. A Autora tinha o ónus de se pronuncia sobre as exceções invocadas sob pena de se lhe aplicar o efeito quer cominatório, previsto no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC, determinando-se a admissão por acordo dos novos factos que consubstanciam e enformam a exceção deduzida pelo réu. Como tal, resulta da factualidade invocada que foi a deficiente instrução do processo que levou à tardia citação da empresa, ora Ré, a qual apenas ocorreu quase 3 meses após a instrução do processo, levando à conclusão de direito sobre a sua exclusiva culpa por tal factualidade.

K. Tanto mais quando a Ré especificou separadamente a aludida exceção, na sua contestação, seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 2073/14.0TTLSB.L1-4, datado de 13/07/2016.

L. Seria portanto de se concluir pela confissão, por parte da Autora, da factualidade supra aludida, levando à sua admissão por acordo, com a consequente procedência da exceção perentória de prescrição invocada separadamente pela Ré.

M. Nada justifica a consagração de um regime excecional, que inviabilize a cominação legal consagrada no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC por via do incumprimento do dever de impugnação das exceções invocadas pelo Réu.

N. Até porque a se entender assim e à contrario terá que se concluir pela inexistência de cominação legal pelo incumprimento do disposto no artigo 60.º do CT por parte da Autora, levando a concluir-se por tal preceito legal consubstanciar letra morta no nosso ordenamento jurídico, pelo menos a vertente de apreciação da identificada exceção perentória.

O. Ao ter entendido assim, o Tribunal a quo, violou o disposto no princípio do contraditório, artigo 3.º do CPC, o dever de impugnação por parte do autor explanado no artigo 60.º, n. 3 do CPT e bem assim a respetiva cominação legal consagrada no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC de se terem por confessados os factos que levam à conclusão jurídica da procedência da exceção de prescrição.

P. Acresce que ao ter decidido como decidiu o Tribunal a quo violou o princípio de igualdade de armas processuais (cf. artigo 4.º do CPC) e bem assim o da segurança jurídica, consagrado no artigo 2.º da CRP.

Q. Tendo presente que a citação apenas se verificou praticamente três meses após ter decorrido o mencionado prazo, terá que se concluir que impende sobre a parte que interpôs a ação um dever de especial cuidado e de diligência, no sentido de assegurar a rápida citação da ré no âmbito do princípio da cooperação e boa-fé processual (cf. artigos 7.º e 8.º do CPC).

R. Dificilmente poderá colher a argumentação de que a autora poderá passivamente aguardar por uma citação que necessariamente ocorreria para além do prazo de prescrição, sabendo que quanto mais tempo decorresse entre a verificação do mesmo prazo e a efetiva citação, maior seria a probabilidade da Ré se apresentar menos capaz de se defender, designadamente por não ter em seu poder as provas suficientes para fazer valer a sua posição, em claro prejuízo pelos princípios da segurança jurídica, da cooperação, da boa-fé processual e da igualdade de armas.

S. Tal circunstância exige da Autora um cuidado processual que não se coaduna com a abstinência passiva de permitir a passagem do tempo, pelo que, como tal, a interpretação permissiva desta atuação é contrária a tais princípios e bem assim o da Igualdade previsto no artigo 13.º da CRP.

T. Ao ter decidido pela improcedência do recurso quanto à matéria da prescrição, o Tribunal a quo violou os artigos 2.º e 13.º da CRP, 337.º do CT, 323.º, n.º 2 do CC, 3.º, 4.º, 7.º e 8.º do CPC, 60.º, n. 3 do CPT, 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC, impondo-se assim a sua revogação e respetiva substituição por outra decisão que, acompanhando a boa interpretação dos mencionados preceitos legais, decida pela procedência da exceção perentória de prescrição invocada pela Ré.

DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL (e o pedido genérico de absolvição):

U. O argumento apresentado, no sentido de se concluir que a Ré interpretou convenientemente a petição inicial, com base no pedido – à cautela – da sua absolvição é no mínimo, uma “inovação” do Tribunal Recorrido, tanto mais quando se reconhece que a petição não prima pela clareza, sendo de difícil compreensão o peticionado.

V. Esta decisão segue em clara contradição com o já decidido por aquele douto Tribunal em momentos anteriores, conforme resulta do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 2725/17.2LRS-L1-7, datado de 27- 04-2021, no qual consta.

W. Com efeito, é o próprio Tribunal a quo, neste último citado acórdão, que entende que o pedido genérico formulado pelo Réu pela improcedência dos pedidos tal como enunciados pela Autora, não pode ser entendido como sendo indiciário do perfeito entendimento do pedido formulado pelo Autor. O pedido formulado pelo Réu pela improcedência de todos os pedidos formulados pela Autora terá que ser visto como justificativo da ininteligibilidade da dita petição inicial.

X. Trata-se pois de um argumentário de dois pesos e duas medidas utilizado pelo Tribunal a quo, sem qualquer justificação e que, nos presentes autos levou à violação do disposto no artigo 4.º do CPC e artigos 2.º e 13.º da CRP.

Y. Temos portanto que a interpretação do artigo 186.º do CPC no sentido de considerar como sendo não inepta a Petição Inicial pelo facto do Réu ter pedido à cautela sua absolvição de todos os pedidos é inconstitucional por contrária aos artigos 2.º e 13.º da CRP.

DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL (e a confissão da Autora):

Z. Apesar de devidamente notificada da aludida invocação da ineptidão da petição inicial, a Autora optou por não se pronunciar, contrariamente ao disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, aceitando assim por acordo a exceção em referência.

AA. E não se diga que não será esta a cominação da omissão do ónus de impugnação que assistia à Autora, desde logo, porque tal resulta do disposto do artigo 3.º do CPC e do artigo 60.º, n. 3 do CPT e bem assim do artigo 574.º n.º 2, ex vi art.º 587.º n.º 1 do CPC.

BB. Por outro lado, tal efeito cominatório é aqui ainda mais vincado pelo n.º 3 do artigo 186.º do CPC, ao incluir no corpo do preceito a locução “(…) quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.”

CC. Temos portanto que o Autor terá necessariamente que ser ouvido para efeitos de contraposição a invocação de ineptidão da Petição Inicial, nos termos do artigo 186.º do CPC.

DD. Ora, ao não o tendo feito, no âmbito do ónus de impugnação resultante do artigo 60.º, n. 3 do CPT e bem assim a respetiva cominação legal consagrada no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC, ter-se-ão por confessados os factos invocados que levam à conclusão jurídica da procedência da exceção da ineptidão da petição inicial.

EE. Resulta dos dispositivos legais supra aludidos, em especial do n.º 3 do artigo 186.º do CPC, que impende sobre o Autor um ónus especial de impugnação, que vise o convencimento de que o Réu compreendeu na íntegra a Petição, sob pena de vingar, processualmente a referida invocação de ineptidão.

FF. Seria sempre de se concluir pela confissão, por parte da Autora, da factualidade supra aludida, levando à sua admissão por acordo, com a consequente procedência da exceção de ineptidão invocada separadamente pela Ré.

GG. A não se entender assim será forçoso concluir-se (como aparentemente o faz o Tribunal a quo) que a inércia processual da Autora de não cumprimento do onus de impugnação, quando devidamente notificada para o efeito, não tem qualquer efeito cominatório, designadamente no que respeita à admissão por acordo, o que, salvo melhor opinião, viola o n.º 3 do artigo 186.º do CPC e bem assim, o artigo 60.º, n. 3 do CPT e a respetiva cominação legal consagrada no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC.

HH. Não se reconhecendo bondade jurídica na interpretação explanada pelo Tribunal a quo, impõe-se a revogação da referida decisão aqui posta em causa por violação do n.º 3 do artigo 186.º do CPC e bem assim, o artigo 60.º, n. 3 do CPT e a respetiva cominação legal consagrada no artº 574º nº 2, ex vi artº 587 nº 1 do CPC.
Os Autores apresentaram contra-alegações, invocando a inadmissibilidade do recurso.
Nas contra-alegações os Autores suscitaram a questão da falta de preenchimentos dos requisitos previstos no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por a decisão impugnada não ter absolvido a Ré do pedido.

Por decisão singular do Relator, e após ter sido dado cumprimento ao disposto no artº 655º, nº 1, do CPC, foi decidido não admitir o recurso de revista interposto, em termos gerais,  pela Ré.

Inconformada com o teor deste despacho, reclamou a Recorrente para a Conferência, ao abrigo do disposto no artº 652º, nº 3, do CPC, argumentando, em síntese conclusiva:

A. Estamos perante fundamentações que não seguem o mesmo sentido e não estão abrangidas pelo mesmo quadro normativo, tanto no que respeita à questão suscitada sobre a invocada exceção perentória de prescrição, como no que respeita à questão suscitada sobre a invocada exceção dilatória de ineptidão, sendo a fundamentação utilizada no mencionado Acórdão verdadeiramente inovatória quanto à utilizada na decisão de 1.ª Instância.

B. Analisando as fundamentações invocadas nas duas decisões quanto à questão suscitada sobre a exceção perentória de prescrição será forçoso concluir-se que o Acórdão recorrido para além de claramente divergir quanto às conclusões jurídicas da aplicação dos normativos legais, designadamente no que respeita ao término do prazo de prescrição, abordou toda uma temática jurídica que não foi alvo de qualqueranálise jurídica por parte do Tribunal de 1.ª Instância.

C.         Não há dupla conforme quanto à invocada falta de resposta à exceção, porquanto tal temática apenas foi abordada pelo Tribunal da Relação, pelo que se terá que concluir que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação é completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª Instância.
D.         Também no que respeita à invocada exceção dilatória de ineptidão se terá de entender que estamos longe de existir dupla conforme de fundamentação, visto que o inovador armamentário utilizado pelo Tribunal da Relação, em momento algum, foi invocado pelo Tribunal de 1.ª Instância.

E.        De resto, a decisão de 1.ª Instância nem sequer invoca uma norma jurídica para se decidir pela improcedência da ineptidão da petição inicial, pelo que não se poderá dizer que se está perante o mesmo quadro normativo.

F.         Tratando-se decisões em ambas as instâncias, que diferem uma da outra, e que apresentam uma fundamentação diferente, será forçoso concluir-se pela não verificação da dupla conformidade, sendo, portanto, e em consequência, admissível o presente recurso interposto pela Recorrente.
Cumpre apreciar e decidir

É o seguinte o teor do despacho do Relator:

“De acordo com o disposto no referido artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil,  “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido sobre a decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

Por seu turno, o n.º 2 estipula que “os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.
No caso vertente, o recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação na parte em que conheceu das excepções de ineptidão e de prescrição apreciadas no despacho saneador.
Apesar do acórdão ter apreciado, além do mais, o mérito da sentença, o recurso de revista incide apenas sobre as decisões proferidas em sede de despacho saneador, ou seja, sobre decisões interlocutórias.
A recorribilidade destes despachos deve ser apreciada autonomamente, não sendo abrangida pela recorribilidade do acórdão na parte em que aprecia o mérito da sentença.

Quanto à questão da prescrição, estando em causa uma excepção peremptória, ou seja, uma excepção de direito material, nesta parte o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, pelo que a decisão é recorrível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Relativamente à excepção de ineptidão da petição inicial, o acórdão não se debruçou sobre o mérito da causa, não absolveu a Ré da instância quanto a qualquer pedido ou reconvenção deduzida, nem pôs de outro modo termo ao processo, nos termos do n.º 1, do artigo 671.º, do Código de Processo Civil.

O acórdão pronunciou-se sobre decisão da primeira instância que julgou improcedente uma excepção dilatória. Estamos assim perante acórdão sobre decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que a decisão só será recorrível se se verificar uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

Ora, não foi invocada qualquer contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nem está em causa uma situação em que o recurso é sempre admissível, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil. Pese embora nas conclusões U a W, refira a existência de uma contradição com outro acórdão do Tribunal da Relação, não nos parece que a Recorrente tenha pretendido intentar o recurso ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º. Desde logo, a Recorrente não invoca o artigo, nem junta qualquer cópia do acórdão a que alude.

Por conseguinte, o acórdão é irrecorrível nesta parte.

Prosseguindo, temos que a Ré nas alegações defendeu que “estando perante um acórdão cuja fundamentação é inovatória e está “ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada”, cujo âmago do enquadramento jurídico está longe de corresponder ao utilizado pela 1.ª instância, é lícito e processualmente admissível o recurso de revista nos termos do artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil”.

Já os Autores, nas contra-alegações, suscitaram a questão da inadmissibilidade do recurso por se verificar uma situação de dupla conforme.

Estabelece o artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil que “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

No caso vertente e conforme o referido, não estamos perante um caso em que o recurso é sempre admissível (artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Por outro lado, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância sem voto de vencido.

Dado que a Ré não interpôs recurso de revista excepcional, o recurso apenas será admissível se a fundamentação do acórdão recorrido for essencialmente diferente da fundamentação da sentença.

Não é o caso.

O presente recurso tem por objecto o acórdão recorrido na parte em que julgou improcedentes as excepções peremptória de prescrição e dilatória de ineptidão.

Relativamente à excepção de prescrição, o Tribunal de 1.ª instância considerou que o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que terminava em 8.05.2018, se interrompeu em 2.05.2018, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, por não ser imputável à Autora a não realização da citação antes daquela data, uma vez que esta requereu a citação urgente (que foi indeferida).

Por seu turno, o acórdão recorrido considerou que o prazo prescricional previsto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho terminava às 24:00 horas do dia 8.05.2018 e não às 00:00 horas do mesmo dia 8, conforme entendimento da 1.ª Instância. Considerou ainda que a Autora poderia, em tese, beneficiar do estabelecido no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, não por ter requerido a citação urgente, mas por ter interposto a acção com a antecedência de mais 5 dias relativamente ao completar do prazo prescricional.

Considerou, contudo, que na data da interposição da acção não estavam reunidas as condições para ser efectuada a citação, tendo sido proferido despacho a convidar a Autora a completar a petição. Enquanto a petição inicial não fosse completada, não poderia a Autora beneficiar do disposto no referido preceito.

Dado que a Autora prestou o esclarecimento em 30.04.2018, ou seja, com uma antecedência de mais 5 dias relativamente ao completar do prazo prescricional (24:00 horas do dia 8.05.2018), beneficiou do estabelecido no mencionado artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.

Mais considerou que após o esclarecimento de 30.04.2018, apenas ocorreu o despacho que ordenou a realização da citação da Ré e marcou a data da realização da audiência de partes, pelo que não houve outras diligências e despachos que tenham atrasado a citação.

Por último, considerou ainda que a falta de impugnação de factos não leva à admissão por acordo de conclusões jurídicas ou de direito e que a verificação de culpa exclusiva da Autora não é um facto. Por conseguinte, o facto de a Autora não ter respondido à excepção de prescrição não implica que se tenha por admitida a culpa exclusiva da Autora.

Deste modo, compulsada a fundamentação das duas decisões verificamos que ambas entenderam aplicável o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.

É certo que se verificam algumas divergências entre as duas decisões, designadamente quanto ao término do prazo de prescrição e quanto à relevância do pedido de citação urgente. Todavia o enquadramento jurídico é o mesmo, não estando a solução jurídica do acórdão recorrido ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueles outros que fundamentaram a decisão da 1.ª Instância. As divergências são assim secundárias, não traduzindo uma fundamentação essencialmente diferente.

Por outro lado, o facto do Tribunal da Relação ter apreciado a questão da falta de resposta à excepção, que não tinha sido considerada pela 1.ª Instância, não implica uma alteração essencial do sentido da fundamentação. Com efeito, o Tribunal da Relação limitou-se a rebater um outro argumento apresentado pela Ré para defender a culpa exclusiva da Autora. Por outras palavras, a questão foi apreciada dentro do mesmo quadro normativo (questão da culpa exclusiva da Autora no atraso da citação e do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil).

Pelo exposto, temos que a fundamentação das duas decisões não é essencialmente diferente, pelo que quanto à questão da prescrição estamos perante uma situação de dupla conforme.

No que concerne à excepção dilatória de ineptidão, a solução não é distinta.

Com efeito, a 1.ª instância considerou que o pedido contém inúmeros lapsos gramaticais, deficiente construção frásica e bastantes erros ortográficos, o que torna mais difícil a tarefa de compreensão da pretensão da autora. Considerou ainda que essa tarefa não é impossível, pelo que não há ininteligibilidade do pedido.

Por sua vez, o Tribunal da Relação considerou que o que consta do petitório plasmado na petição inicial não prima pela clareza total, mas não se pode dizer que é ininteligível. Entendeu ainda que se dúvidas houvesse que a ré percebeu bem o sentido de todos os pedidos formulados pela autora na petição inicial, bastava atentar na contestação da ré onde a final se escreveu que a ré deve ser absolvida de todos os pedidos formulados pela autora, evidenciando-se que a mesma ré percebeu perfeitamente o que lhe foi pedido.

As duas decisões são no mesmo sentido e no âmbito do mesmo quadro normativo, havendo da parte do Tribunal da Relação apenas um reforço argumentativo da solução alcançada.

Deste modo, também quanto à ineptidão, entendemos que a fundamentação das duas decisões não é essencialmente diferente, pelo que estamos igualmente perante uma situação de dupla conforme.

Assim e concluindo, consideramos não ser de admitir o recurso de revista interposto por:

a)  acórdão recorrido na parte em que apreciou a excepção dilatória de ineptidão ser irrecorrível;

b) se verificar uma situação de dupla conforme e o recorrente não ter interposto revista excepcional”.

O assim decidido merece a total concordância dos subscritores deste acórdão.

Pese embora o esforço argumentativo, o mesmo não belisca, salvo o devido respeito, a fundamentação, que consideramos exaustiva, vertida no despacho singular.

Evitando repetições inúteis, temos, em síntese, que, e no que toca à excepção de ineptidão da petição inicial, o acórdão recorrido incidiu sobre decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que a decisão só seria recorrível se se verificasse uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o que não é o caso.

Por outro lado, estamos uma situação de dupla conforme, no que diz respeito às excepções peremptória de prescrição e dilatória de ineptidão.

Relativamente à primeira, a correcta análise da fundamentação das duas decisões implica que se considere que, entendendo ambas  que era aplicável o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, e embora  se verifiquem algumas divergências entre as duas decisões, designadamente quanto ao término do prazo de prescrição e quanto à relevância do pedido de citação urgente, o enquadramento jurídico é o mesmo, não estando a solução jurídica do acórdão recorrido ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueles outros que fundamentaram a decisão da 1.ª Instância. As divergências são assim secundárias, não traduzindo uma fundamentação essencialmente diferente.

E a circunstância do Tribunal da Relação ter apreciado a questão da falta de resposta à excepção, que não tinha sido considerada pela 1.ª Instância, não implica uma alteração essencial do sentido da fundamentação, pelas razões expendidas no despacho singular.

Despacho esse que igualmente nos afigura como inatacável quando, no que diz respeito à excepção dilatória de ineptidão, considera que a fundamentação das duas decisões não é essencialmente diferente.

x

Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em desatender a reclamação da Ré e, em consequência, manter-se o despacho singular, que não admitiu, pelas razões aí mencionadas, a revista interposta.

Custas pela Ré/recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.

                                                                                                                

Lisboa, 29/11/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Domingos Morais

Mário Belo Morgado

                                                          

Sumário (elaborado pelo Relator).