Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19318/16.4T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DOMÉSTICO
DESPEDIMENTO DE FACTO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – FONTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO COM REGIME ESPECIAL.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / MODALIDADES DA DECLARAÇÃO / DECLARAÇÃO EXPRESSA E DECLARAÇÃO TÁCITA.
Doutrina:
-Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato do Trabalho, 4.ª Edição revista e atualizada, Principia, Setembro de 2017, p.148 e 149.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 217.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO EMERGENTES DO CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO, DL N.º 235/92, DE 24 DE OUTUBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27.02.2008, PROCESSO N.º 07S4479;
- DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 272/09.5YFLSB;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 2934/10.5TTLSB.L.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I) O contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial [é regulado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, e pelas normas gerais do Código de Trabalho que não sejam incompatíveis com a sua especificidade (artigo 9º, do CT)], pois a circunstância de ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal, exige que o seu regime se configure como especial, dado o permanente estado de confiança que deve existir entre empregador e trabalhador.

II) Constituindo o despedimento estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, a vontade do empregador, de fazer cessar o contrato de trabalho, tem que ser “inequívoca” e “concludente”, pelo que somente são admitidos os “despedimentos tácitos”, também chamados “de facto”. que estejam corporizados num seu comportamento evidente e claro, do qual decorra, necessariamente, a manifestação da sua vontade de romper a relação laboral.

III) Na ação de impugnação de despedimento, compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação, através de despedimento promovido pelo seu empregador, por serem factos constitutivos do direito invocado.

IV) O facto de, durante uma troca de palavras entre empregador e trabalhador, por causa do desaparecimento duns “socos”, aquele tirar-lhe as chaves da sua casa, que ele detinha para abrir a porta quando fosse trabalhar, não é, por si só e sem mais, revelador e indicador de que o estava a despedir.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório[2]:

AA, patrocinada pelo Ministério Público, propôs, em 30.09.2016, na Comarca do Porto, Porto – Instância Central – 1ª Secção do Trabalho – J3, a presente Ação, com processo comum, Emergente de Contrato Individual de Trabalho, contra BB, peticionando a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias:


1) € 25.200,00, a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
2) € 466,60, de vencimento de junho de 2016;
3) € 700,00,pelas férias vencidas em 2016.01.01;
4) € 700,00, devido a retribuição de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado em 2016;
5) € 350,00, a título de proporcional de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2016;
6) € 2.800,00, relativa a férias e a subsídio de Natal relativos aos anos de 2014 e 2015;
7) Juros à taxa legal desde o despedimento, sendo os vencidos (à data da propositura da ação) de € 302,16. 

Para o efeito, alegou que foi despedida, verbalmente, pela Ré sem que lhe tivesse pago qualquer indemnização e os créditos que lhe eram devidos.

Efetuada a audiência de partes, não se conseguiu obter a sua conciliação. 

Notificada, a R. apresentou contestação, alegando que havia perguntado à A. por uns “socos” e que ela reagiu de forma inopinada (como se tivesse sido acusada de os furtar), dizendo que ia chamar a polícia e que não tinha mais condições para trabalhar para si e deixando para trás as chaves da sua casa.

Mais alegou que a A. nunca mais apareceu para trabalhar, pelo que lhe enviou uma carta a informá-la de que se presumia que tinha abandonado o seu posto de trabalho,

Excecionou, também, por compensação, pedindo que fosse feita a compensação de 60 dias de retribuição, relativos ao pré-aviso em falta, quantia de que é credora.

Também, em reconvenção, alegando que ela e seu marido, haviam emprestado à A. a quantia de € 5.696,22, e que esta ficou de ir pagando à medida das suas possibilidades, mas que ainda não o fez, pelo que peticionou o seu pagamento.       

A A. apresentou resposta à contestação deduzida, mantendo a versão dos factos apresentada na petição inicial, negando o direito à compensação peticionada pela R., porquanto ao abrigo do regime jurídico do serviço doméstico, a única compensação que poderia existir, seria a prevista no art.º 33.º, n.º 1, do referido regime.

Relativamente ao pedido reconvencional, impugnou por completo a existência do mútuo invocado pela R., afirmando que precisou efetivamente de dinheiro, mas que contraiu um empréstimo numa instituição bancária, quantia que já pagou.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 20 de janeiro de 2017, que julgou o despedimento ilícito, tendo condenado a R. a pagar à A.:


1. € 25.200,00, a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
2. € 466,60, a título de retribuição do mês de Junho de 2016;
3. € 700,00, a título de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2016;
4. € 700,00, a título de retribuição de férias e subsídio de férias relativas ao ano de 2016;
5. € 350,00, a título de subsídio de Natal pelo6). € 2.800,00, a título de subsídios de férias e de Natal dos anos de 2014 e 2015.
6. € 2.800,00, por subsídios de férias e de Natal dos anos 2014 e 2015.

II

Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação, impugnando a matéria de facto dada como provada e as conclusões de Direito que dela se retiraram, relativamente a se ter considerado que o despedimento tinha sido sem justa causa.


A Autora contra-alegou, afirmando que a Ré não cumprira o ónus de impugnação previsto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.

Por acórdão de 26 de outubro de 2016, foi a apelação julgada procedente, após alteração da matéria de facto e de se concluir pela (i) inexistência de despedimento da Autora, e foi revogada a sentença quanto (ii) à declaração da ilicitude do despedimento, (iii) quanto ao pagamento da indemnização a esse título e quanto (iv) à proporção no pagamento das custas.


III


Da revista:

Ficando agora a Autora irresignada, interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso resulta da discordância absoluta relativamente à conclusão que o Tribunal Recorrido retira da matéria factual dada como provada de que a recorrente não foi vítima de despedimento.
2. Configura uma declaração inequívoca de despedimento de trabalhadora de serviço doméstico, o comportamento por parte da empregadora que, após a acusar da prática de um furto, perguntando-lhe “onde estão os socos que tiraste?" e, depois de ela negar aquela imputação e anunciar que ia chamar a polícia, tira-lhe as chaves residência que a Autora até aí usava para nela entrar e poder prestar os serviços para que fora contratada que se encontravam, legitimamente, em seu poder, por lhe haverem sido facultadas pela empregadora para aquela finalidade.
3. Ao concluir que tal conduta da empregadora não comporta uma declaração tácita de despedimento, a decisão recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 217°, n.º 1 do C. Civil.
4. Por outro lado, ao considerar que aquela mesma conduta da empregadora não é suscetível de revelar, inequivocamente, à trabalhadora, enquanto declaratária normal, colocada na posição do real declaratário, a vontade da empregadora de fazer cessar o contrato, ou seja, de a despedir, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 236°, n.º 1 do C. Civil.
5. Pelo contrário, aquele comportamento da Ré demonstra uma vontade inequívoca de fazer cessar o contrato de trabalho que mantinha com a Autora como seria entendido por qualquer outra pessoa colocada na mesma situação, tendo operado de imediato, em consonância com o preceituado nos artigos 217, n.º 1, parte final, 234°, n.º 1 e 236°, n.º 1, do C. Civil.

Terminou pedindo que o recurso seja julgado procedente, que se revogue o acórdão recorrido na parte impugnada e, em consequência, se declare a ilicitude do seu despedimento.


A Ré contra-alegou e concluiu da seguinte forma:

a) A recorrente não tem qualquer razão quanto às conclusões que retira dos factos dados como provados para demonstrar que foi despedida;
b) O acórdão recorrido não violou nenhuma das normas legais invocadas pela recorrente, que, aliás, tão-pouco alegou a violação do artigo 381º, do Código do Trabalho;
c) Devendo assim ser mantida a decisão do acórdão recorrido, improcedendo o recurso interposto.


O Ministério Público não emitiu parecer, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, por patrocinar a Autora/trabalhadora.


IV


Tendo a ação sido proposta em 30 de setembro de 2016 e o acórdão recorrido sido proferido em 26 de outubro de 2017, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).


O objeto do recurso:

- Se ocorreu o despedimento tácito da Autora.


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Da matéria de facto:


- A matéria de facto dada por provada pelas instâncias é a seguinte[3]:

a. A A., por acordo verbal, foi admitida ao serviço da R. e do marido desta em fevereiro de 1981;
b. A. prestou trabalho sob as ordens, direção e fiscalização da R. como empregada doméstica;
c. A A. prestou trabalho na residência da R., até 2014 para a R. e marido, e a partir de 2014 apenas ao serviço da R.;
d. Competia à A. efetuar a limpeza da casa, tratamento de roupas e confeção de refeições;
e. A A. cumpria um horário de trabalho das 9h30min às 12h30min e das 15h às 18h, de segunda a sexta-feira;
f. A R. retribuía o trabalho da A. com o vencimento mensal de € 700,00;
g. A A. prestou trabalho até ao dia 20 de junho de 2016;
h. No dia 20 de junho de 2016, da parte da tarde, a R. disse à A. “onde é que estão os socos que tiraste?”;
i. Na decorrência, a A. disse que não tinha tirado socos nenhuns e que ia chamar a polícia;
j. Então, a R. tirou as chaves que a A. tinha da casa da R.;
k. Após, compareceu em casa da R. o filho desta;
l. Entretanto, o filho da A. chamou a polícia;
m. No dia 22 de junho de 2016, a A. compareceu no local de trabalho, mas não lhe foi aberta a porta e a A. já não tinha as chaves da residência da R.;
n. Com data de 21 de junho de 2016, foi enviada uma carta à A., subscrita por uma Sr.ª Advogada, solicitando a sua comparência, e, com data de 5 de julho, foi enviada uma carta à A. invocando abandono do trabalho;
o. A R. não pagou à A. o vencimento relativo ao trabalho prestado em junho de 2016;
p. A R., em 2016, não gozou férias, vencidas em 1 de janeiro de 2016, nem as mesmas lhe foram pagas;
q. A R. não pagou à A. férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado em 2016;
r. A R. não pagou à A. o subsídio de Natal de 2016;
s. A R. não pagou à A. o subsídio de férias relativamente às férias vencidas em 1 de janeiro de 2014 e 2015, bem como o subsídio de Natal de 2014 e 2015.
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Do direito:

No caso concreto, foi celebrado entre as partes um contrato de serviço doméstico, o que elas não questionam.

Assim sendo, é aqui aplicável o regime das relações de trabalho emergentes do contrato do serviço doméstico, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro e alterado pela Lei n.º 114/99, de 03 de agosto[4] e não o regime do Código do Trabalho,

Ora, o contrato de prestação de serviço doméstico está sujeito a um regime especial que resulta da sua especificidade, conforme se pode retirar do preâmbulo do decreto-lei n.º 215/92, de 24 de outubro, pois a circunstância de ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal que postulam um permanente clima de confiança, exige, a par da consideração da especificidade económica daqueles, que o seu regime se continue a configurar como especial em certas matérias.

Por isso, de acordo com o artigo 9º, do Código do Trabalho, as regras gerais, do CT, só lhe são aplicáveis desde que não sejam incompatíveis com a sua especificidade.

Ora, o contrato de serviço doméstico está definido no artigo 2º, n.º 1, como sendo aquele contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob sua direção e autoridade, atividades destinadas à satisfação de necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado e dos respetivos membros.

De acordo com o disposto no artigo 27º, pode cessar por acordo das partes; por caducidade; por rescisão de qualquer das partes, ocorrendo justa causa; por rescisão unilateral do trabalhador, com pré-aviso.

Por sua vez, estabelece o artigo 29º, que constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico (n.º 1) e que só é possível o despedimento se for efetuado por escrito, devendo nesse escrito, de forma expressa e inequívoca, serem indicados os factos e as circunstâncias que o fundamentam (n.º 3).

Por fim, o artigo 31º, determina que o despedimento decidido com alegação de justa causa, e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fração, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo (n.º 1).

Relativamente ao despedimento tácito, também designado “de facto” ou despedimento “indireto”, escreveu Pedro Furtado Martins[5] que ”[o] despedimento lícito pressupõe uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato do trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respetivo despedimento[6] – artigos 357º, 363º, 371 e 378º.

                Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. Naturalmente, esta declaração de despedimento não possui aptidão para extinguir o vínculo contratual, uma vez que o despedimento assim declarado é ilícito e como tal potencialmente inválido. Mas isto não significa que seja juridicamente irrelevante, pois a declaração é apta para desencadear a produção dos efeitos que a lei associa à realização de um despedimento ilícito.

[…]

A qualidade do despedimento como uma declaração de vontade recipienda significa que ela só é eficaz depois de recebida pelo destinatário, isto é, pelo trabalhador.”

Acresce que a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça é uniforme e está sedimentada no sentido de que na ação de impugnação de despedimento compete, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através de despedimento promovido pelo seu empregador, por serem factos constitutivos do direito por ele invocado.

Assim, na ausência de factos que revelem, no caso, uma manifestação de vontade no sentido de proceder ao despedimento, por parte do empregador, não é possível considerar como verificada a existência dessa declaração negocial.

Acresce que o despedimento constitui estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.

Nos termos do artigo 217º, n.º 1, do Código Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita:
- É expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade;
- É tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

Essencial, para a relevância da declaração tácita, é a inequivocidade dos chamados “facta concludentia” [factos ou comportamentos que revelam de modo concludente uma manifestação de vontade].

No domínio do despedimento promovido pelo empregador tem-se entendido que a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca” e “concludente”.

Assim sendo, apenas se admitem os chamados “despedimentos de facto que estão corporizados numa atitude evidente, muito clara e manifesta do empregador da qual decorra necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar o vínculo laboral.

Neste sentido tem sido a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça.


A título exemplificativo:

- Acórdão de 27.02.2008, proferido no processo n.º 07S4479[7]:
1. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.
2. Essa declaração de vontade é receptícia, o que significa que, para se tornar eficaz, tem de ser levada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).
3. Não se provando que o empregador tenha, por qualquer forma, recusado a prestação de trabalho oferecida pelo trabalhador ou sequer impedido o acesso ao seu posto de trabalho, deve concluir-se que o trabalhador não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), dos factos demonstrativos do despedimento.

- Acórdão de 09.07.2014, proferido no processo n.º 2934/10.5TTLSB.L.S1[8]:

1. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.
2. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

 - Acórdão de 21.10.2009, proferido no processo n.º 272/09.5YFLSB[9]:               

1. O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
2. Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.
3. Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.
4. […]
5. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela.

Assim, estando-se perante uma situação de incerteza ou de “non liquet” probatório sobre os factos materiais da causa, o juiz terá de desfazer a dúvida, na apreciação do direito, em desfavor da parte sobre quem impende o correspondente ónus da prova [artigo 346º, in fine, do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil],  

Ora, no caso concreto, provou-se que no dia 20 de junho de 2016, da parte da tarde, a Ré perguntou à Autora aonde é que estavam os socos que ela tirara, tendo esta respondido que não tinha tirado nenhuns socos e que ia chamar a polícia.
Perante esta resposta, a Ré tirou à Autora as chaves de sua casa que esta tinha na sua posse.
Depois destes factos, compareceu em casa da Ré o filho da Autora que, entretanto, chamou a Polícia.
Foi apenas isto que se provou ter acontecido naquele dia.
Mais se provou que dois dias depois, ou seja, no dia 22 de junho, a Autora compareceu no local de trabalho, mas não lhe foi aberta a porta, e como já não tinha as chaves da residência da Ré, não pôde ir trabalhar.
Por fim, provou-se, ainda, que com data de 21 de junho de 2016 foi enviada uma carta à Autora, subscrita por uma Sr.ª Advogada, na qual solicitava a sua comparência, e que, com data de 5 de julho, lhe foi enviada outra carta. invocando abandono do trabalho.

Nada mais se provou [nomeadamente porque é que foi chamada a Polícia, o que ela foi fazer, se a porta não foi aberta intencionalmente ou se não estava ninguém em casa, etc.].

Ora, com esta factualidade não pode um trabalhador medianamente instruído deduzir, de forma inequívoca e concludente, que o seu empregador o estava a despedir, mesmo tacitamente.

Com efeito, o facto de a Ré ter tirado as chaves de sua casa à Autora, mesmo após, ou durante, a troca de palavras antes referida, não é indicador e nem revelador, sem mais, de que a Ré, ao fazê-lo, queria e estava a despedi-la.

Um declaratário normal, e com mediana sagacidade, na posição da Autora, não ficaria convencido, e muito menos de forma inequívoca, que aquele ato tinha o sentido de fazer cessar o contrato de trabalho que havia sido celebrado entre ambas.

Aliás, também a Autora não ficou convencida de que tinha sido despedida, uma vez que, dois dias após, se apresentou no seu local de trabalho, só não tendo trabalhado porque a porta da casa da Ré não lhe foi aberta e, como já não tinha as chaves da porta, não conseguiu entrar.

Diz a recorrente que configura uma declaração inequívoca de despedimento de trabalhadora de serviço doméstico, o comportamento por parte da empregadora que, após a acusar da prática de um furto, perguntando-lhe “onde estão os socos que tiraste?" e, depois de ela negar aquela imputação e anunciar que ia chamar a polícia, tira-lhe as chaves da residência que a trabalhadora até aí usava para nela entrar e poder prestar os serviços para que fora contratada que se encontravam, legitimamente, em seu poder, por lhe haverem sido facultadas pela empregadora para aquela finalidade.

Estas afirmações e conclusões não têm correspondência nos factos provados, pois apenas se provou que no dia 20 de junho de 2016, da parte da tarde, a R. disse à A. “onde é que estão os socos que tiraste?” [facto constante da alínea h)] e que, na decorrência, a A. disse que não tinha tirado socos nenhuns e que ia chamar a polícia [facto da alínea i)] e, então, a R. tirou as chaves que a A. tinha da casa da R. [facto da alínea j)].

Não se provou, pois, que a Ré tenha despedido a Autora, dado que não se provou qualquer facto que o demonstre e, muito menos, de forma inequívoca e concludente.
Essa prova competia â Autora, como era seu ónus, por serem factos constitutivos do direito que invocara.

Ora, não tendo a Autora provado que foi despedida pela Ré, improcede o recurso.


 V

Deliberação:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.
b. Custas da revista pela Recorrente, sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário, na modalidade que lhe foi concedida.
c. Notifique.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.

~~~~~~                     

Lisboa, 11.04.2018

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

_______________
[1] - N.º 006/2018 - (FP) - CM/PH
[2] - Relatório elaborado com base nos Relatórios da sentença e do acórdão.
[3] - As alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação estão em itálico e a negrito.
[4] - São deste regime todos os artigos que não mencionem a sua origem.
[5] - Cessação do Contrato do Trabalho, 4ª edição revista e atualizada, Principia, Setembro de 2017, páginas148 e 149.
[6] - No caso concreto, também os artigos 29º e 30º, do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro.
[7] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/68F4827E2CC1D9E3802573FD00387BD97
[8] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a157bbbc1ae2422780257d120051f59d?OpenDocument
[9] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dcf74a0cf2f369c68025765d00597fba?OpenDocument