Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3018/14.2TBVFX.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
ANULAÇÃO DA VENDA
RESTITUIÇÃO DE BENS
PREÇO
DESPESAS
ALIENAÇÃO
TERCEIRO
CONVALIDAÇÃO
BOA FÉ
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIDA A EXCEPÇÃO DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL. NEGADA A REVISTA QUANTO AO MAIS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO/ RECURSOS / RECURSO DE REVISTA – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PAGAMENTO / VENDA / INVALIDADE DA VENDA – PROCESSOS ESPECIAIS / PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume II, Coimbra Editora, 1982, p. 435 e 446;
-Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 411;
-Anselmo de Castro, Acção Executiva, p. 247;
-Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 455 e ss.;
-Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, p. 493 e 494;
-Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987, p. 644 e 645;
-José Alberto Gonzalez, Direitos Reais (Parte Geral) e Direito Registal Imobiliário, 2.ª edição, p. 311, 312, 314, 315, 516 e 715 e 716;
-Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, p. 344 e 345;
-Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1984, I, p. 485 e 512;
-Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 2000, p. 371;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 1987, p- 267 ; Volume II, p. 87;
-Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, p. 420 a 422;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume IV, Lisboa, 1984, p. 146;
-Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, Lisboa, 1998, p. 402;
-Vaz Serra, Provas, Direito probatório material, Lisboa, 1962, p. 67.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3, 839.º E 909.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 291.º, N.ºS 1, 2 E 3 E 349.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-11-1977, IN BMJ 27JD, P. 166;
- DE 09-01-1979, IN BMJ, 283.°, P. 196;
- DE 20-01-1983, IN BMJ 323º, P. 333;
- DE 18-12-2003, PROCESSO N.º 3906/03;
- DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 07B1361, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-04-2012;
- DE 25-11-2014, PROCESSO N.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-09-2017, PROCESSO N.º 4363/04.0TBSTS. P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 06-12-1974, IN BMJ. 242.°, P.354.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 27-05-1999, PROCESSO N.º 9820095, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO:

- DE 04-11-2003, PROCESSO N.º 00836/ 03, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 12-04-2012, PROCESSO N.º 0271/12.
Sumário :   
I. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.”

II. No que respeita às presunções judiciais, segundo entendimento corrente, o STJ, como tribunal de revista, “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogici-dade ou se parte de factos não provados.”

III. Assim, não cabe ao tribunal de revista proceder a uma análise cirúrgica dos elementos de prova indiciários em que o tribunal a quo baseou o seu juízo presuntivo nem muito menos indagar de pontuais incongruências entre esses elementos ou sopesar as respetivas coerências; como também não lhe cabe ajuizar sobre os elementos indiciários respeitantes à credibilidades dos depoimentos tidos em conta para efeitos da convicção do julgador. Uma tal atividade traduzir-se-ia em valoração da prova livre, que lhe está vedada.

IV. Compete ao tribunal de revista simplesmente verificar se os juízos probatórios presuntivos em causa se revelam desprovidos de factos indiciários de base ou se as ilações deles extraídas padecem de manifesta ilogicidade, com ofensa do disposto no artigo 349.º do CC. Ou então se tais presunções se inscrevem no domínio de uma factualidade para a qual não seja admitida essa espécie de prova, nos termos genericamente prescritos no artigo 351.º do mesmo Código, ou ainda se os factos dados como judicialmente presumidos colidem com factos dotados de eficácia probatória legal plena.

V. O procedimento para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva, nos termos dos artigos 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, correspondente ao atual art.º 839.º do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.

VI. Tal procedimento reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra o comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra àquele comprador.

VII. Já a pretensão de restituição dos bens contra terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva, deverá ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório da venda executiva àquele terceiro que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, não se afigurando que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no indicado artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura dessa ação.

VIII. Além disso, nos casos em que, como o dos autos, no momento da decisão anulatória definitiva da venda executiva, o comprador já tenha alienado a terceiro os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrará em condições de proceder à restituição desses bens, não se sendo lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda, nos termos do art.º 909.º, n.º 3, do CPC.

IX. No âmbito de uma ação em que o vendedor pretenda obter contra terceiro adquirente a declaração de nulidade ou a anulação de um contrato de compra e venda de bens imóveis celebrado com quem depois os vendeu a esse terceiro, incumbe a este provar a sua boa fé na respetiva aquisição sucessiva, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC.

X. Não tendo o terceiro adquirente sequer provado a sua boa fé, torna-se desnecessário apreciar a verificação dos demais requisitos previstos nos n.º 1 e 2 do referido art.º 291.º

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA e cônjuge BB (A.A.), beneficiando de apoio judiciário, intentaram, em 01/10/2001, ação de declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:

- CC (1.º R.) e cônjuge DD (2.ª R.); 

- EE (3.º R.) e cônjuge FF (4.ª R.);

- GG (5.º R.).

Alegaram, no essencial, que:  

    - Os A.A. são proprietários de três prédios urbanos e de um prédio rústico, sitos no Casal do …, em Vila Franca de Xira, registados na respetiva Conservatória do Registo Predial, e pediram um financiamento ao Fundo do Turismo, dando como garantia a hipoteca sobre tais prédios;

      - Em determinada altura, os A.A., na qualidade de devedores daquela entidade, foram demandados por esta em sede de execução fiscal, na Repartição de Finanças de Vila …, que correu termos no processo n.º 1597-92/1602.8;

      - Nessa execução, os referidos prédios foram vendidos ao 1.º R. CC mediante negociação particular em 16/07/1996;

       - Por sua vez, os 1.º e 2.ª R.R. venderam tais prédios aos 3.º e 5.º R.R. EE e GG, em 09/ 06/1999;

      - Porém, a referida venda executiva foi anulada por sentença do Tribunal Tributário da 1.ª Instância de Lisboa, de 06/12/2000, no âmbito do processo de anulação n.º 1/98, a requerimento do Fundo do Turismo, tendo os sobreditos prédios voltado à titularidade dos A.A.;

      - Todos os R.R. tinham conhecimento do processo de anulação da venda executiva, pelo que as vendas realizadas pelos 1.º e 2.ª R.R. aos 3.º e 5.º R.R. foram efetuadas de má fé;

      - À data da entrada da ação, o valor dos imóveis com as construções que os A.A. lá fizeram ascendia a mais de 400 milhões de escudos, fora deteriorações ou benfeitorias que, em concreto, os A.A. não conhecem mas que são da responsabilidade dos R.R. que agiram com culpa ao fazerem obras na fase precária dos três anos a que se refere o artigo 291.º do CC, adulterando o projeto dos A.A. aprovado para construção a um complexo turístico.

         Pedem os A.A.:

         A – Em primeira linha, que:

a) - sejam declarados os efeitos civis e de caso julgado da sentença de anulação da venda dos prédios em referência ao 1.º R., proferida pelo Tribunal Tributário, declarando-se que este não é proprietário nem nunca o foi;

b) - seja declarada a nulidade da aquisição pelos 3.º e 5.º R.R., na sequência da sobredita anulação;

   B - Subsidiariamente, que sejam anuladas as aquisições feitas pelos 3.º e 5.º R.R., por terem adquirido, face ao art.º 291.º CC, com má-fé;

   C – A desocupação dos imóveis em causa, por parte dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R., e a sua entrega, devolutos, aos A.A., a serem investidos na posse dos quatro prédios vendidos;

   D - O cancelamento de todos os registos prediais em vigor, quanto aos quarto prédios indicados, efetuados a favor dos 3.º e 5.º R.R.;

   E - Se for impossível a reintegração in natura, sejam condenados os R.R. a pagar aos A.A. a indemnização de 400.000.000$00;

   F - Sejam os R.R. condenados a pagar aos A.A. uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos demais danos que não se indemnizarem pela simples entrega dos imóveis ou o seu valor, sendo esta parte da indemnização a acrescer à entrega da propriedade ou do seu valor.

2. Os 1.º e 2.ª R.R., CC e DD, apresentaram contestação a invocar a exceção de incompetência absoluta do tribunal judicial por considerarem que a competência cabia aos tribunais tributários, estando em causa a execução ou a oponibilidade a uma sentença dum tribunal tributário, e a sustentar, subsidiariamente, que a ação deve ser julgada improcedente, porquanto:

- Os A.A. instauraram a referida ação muito para lá do prazo de 30 dias a que se reporta o art.º 909.º, n.º 3, do CPC e não depositaram à ordem do tribunal o preço e as despesas da compra anulada;

- À data em que compraram os imóveis, estes estavam inscritos a favor dos A.A., não havendo nenhum impedimento à realização da venda, e mesmo quando se efetuou a venda aos 3.° e 5.º R.R., não existia nenhum registo quanto à ação de anulação, da qual desconheciam a existência;

- Só em meados de julho de 1999, aquando do registo a favor dos 3.º e 5.º R.R., é que os 1.º e 2.ª R.R. tomaram conhecimento de que o registo predial evidenciava uma série de inscrições, entre elas a da apresentação n.º 18 de 30/4/1999, referente ao registo em termos provisórios da ação de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal, mas mostrando-se tal registo caduco em 12/5/2000;

- As escrituras celebradas com o 3.º e 5.º R.R. foram instruídas com certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Vila …, da qual não resultava qualquer ação de anulação da venda;

- A sentença de anulação da venda foi proferida em 06/12/2000, após a venda aos 3.° e 5.º R.R., tendo sido proferida sem o conhecimento dos 1.º e 2.ª R.R., pelo que não lhes pode ser oposta.

3. Os 3.º e 4.ª R.R., EE e FF, e o 5.º R., GG, também contestaram, deduzindo igualmente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria e sustentando também, subsidiariamente:

- A caducidade do direito dos A.A. à restituição dos bens vendidos, com direito apenas ao preço pago pelos arrematantes e apenas em sede de execução fiscal;

- A improcedência da ação essencialmente nos termos em que os 1.º e 2.ª R.R. o fizeram e alegando que desconheciam em absoluto a existência da ação de anulação, estando por isso de boa fé.

4. Além disso, para o caso de a ação vir a ser julgada procedente, os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. deduziram pretensões reconvencionais a pedir que:

  a) - seja declarado que adquiriram a propriedade dos prédios nos termos do art.º 1340.º do CC, sem prejuízo do pagamento previsto na parte final do preceito;

  b) - subsidiariamente, sejam condenados os A.A. a pagar-lhes a quantia de € 1.217.000,00, correspondente ao valor das obras e construções por eles efetuadas nos prédios em causa, por aplicação conjugada do disposto nos artigos 1273.º e 479.º, n.º 1, do CC;

  c) - seja declarada a existência do direito de retenção daqueles R.R. sobre os prédios pelo valor do crédito resultante das despesas que neles efetuaram, nos termos conjugados dos artigos 1273.º e 754.º do CC;

  d) - subsidiariamente, sejam os A.A. condenados a restituir o valor das obras e construções efetuadas, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa, no valor de € 1.217.000,00,  ao abrigo do disposto nos artigos 473.º, n.º 1, e 479.º CC, sem prejuízo do direito de retenção.

         Para tanto, alegaram que:

- Os prédios lhes foram apenas entregues nas datas das escrituras de compra e venda e se encontravam em situação de ruína e mato, não apresentando vestígios de neles terem sido feitas as obras a que os AA. se referem, não valendo o conjunto imobiliário, então, senão o valor que pagaram de 22.000.000$00 (€ 109.735,53);

- Realizaram de boa fé várias obras, nomeadamente a construção de edifícios, os quais têm um valor superior ao valor dos prédios – ascendendo as obras ao valor de € 1.217.000,00 -, sendo que o valor dos prédios com as obras se eleva a não menos de  € 1.750.000,00.

5. Os A.A. apresentaram réplica, em que responderam às exceções no sentido da sua improcedência e impugnaram os factos que servem de fundamento às pretensões reconvencionais dos 3.°, 4.ª e 5.º R.R., alegando que:

- Investiram 170 mil contos na Quinta …;

- Resulta de certidão emanada do então Fundo de Turismo que aqueles R.R. utilizaram o empréstimo que lhes foi concedido na quantia de 43.700.000$00;

- O valor médio do metro quadrado na zona em causa, em 1996, era de 37 contos;

- Os 3.º e 5.º R.R. sinalizaram a compra logo no ano seguinte ao da aquisição pelos 1.º e 2.ª R.R. com a quantia de 2 milhões de escudos, e começaram de imediato a construir;

- Nada é devido aos mesmos R.R. em função dessas obras, porque estavam de má fé e porque as mesmas não podem ser consideradas benfeitorias necessárias ou úteis, na medida em que as construções alteraram a substância da coisa, tendo sido feitas no interesse da atividade económica dos 3º e 5.º R.R.

6. Os 3.º, 4.ª e 5. º R.R. replicaram a impugnar os factos alegados pelos A.A. quanto ao pedido reconvencional, mantendo o alegado na contestação/reconvenção.

7. Seguidamente, a instância foi suspensa em 06/12/2002 (fls. 565) a aguardar o registo da ação, efetuado em 05/03/2003, e seguidamente até que fosse proferida decisão com trânsito em julgado no processo n.º 6772/ 02 a correr termos do TCA. 

8. Entretanto a requerida anulação da venda executiva pendente no TAF de Lisboa só foi resolvida definitivamente por acórdão do TCA do Sul, transitado em julgado em 12/05/2008 (fls. 1192-1208), que confirmou a sentença do TAF de Lisboa que anulou a referida venda.

9. Cessada a suspensão da instância em 12/10/2009, foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção de incompetência material deduzida, procedendo-se à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 1234-1303, Vol. VI).

10. Entretanto, os 1.º e 2.º R.R. deduziram embargos de terceiro que correu termos no processo n.º 1981/08.1BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa e que veio a ser decidido por sentença, de 05/09/2011, a julgar parcialmente procedentes os embargos, ordenando ao órgão de execução fiscal que, no âmbito da execução n.º 1597-92/160212.8, se abstivesse de penhorar ou de realizar qualquer outro ato de apreensão ou entrega de bens relativamente aos prédios em causa até decisão transitada em julgado na presente ação e caso a mesma reconheça o direito de propriedade dos ali embargados.

11. No seu requerimento probatório, os 3.º, 4.º e 5.º R.R. requereram a realização de perícia, a que aderiu o 3.º R, cujo objeto foi ampliado pelos A.A., tendo sido, em 07/12/2012, junto aos autos o respetivo relatório de peritagem (fls. 1970 e segs. - Vol. 10.º).

12. Notificados do resultado da perícia, vieram os 3.º e 4.ª R.R. requerer segunda perícia (fls. 2076), com a oposição dos A.A., o que foi indeferido pelo despacho de 27/6/2013 (fls. 2218-2222 – Vol. 11.º), tendo aqueles R.R. interposto recurso de agravo, admitido com subida diferida (fls. 2226).

13. Seguidamente, vieram ainda os mesmos R.R. apresentar articulado superveniente (fls. 2275), tendo como tal o facto de os A.A., depois de decidida a anulação da venda executiva, transitada em 12/05/2008, não terem deduzido, nos autos de execução, o requerimento a que alude o art.º 909.º, n.º 3, do CPC, tendo o referido articulado sido admitido pelo despacho de 13/12/2013 (fls. 2589-2591 – Vol. 12.º), ordenando-se o aditamento à matéria assente da al. CI).

14. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 2963-3035 (Vol. 13.º), datada de 23/09/2014, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos e a considerar, por isso, prejudicadas as pretensões reconvencionais.

15. Inconformados com tal decisão, os A.A. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, com o qual subiu o agravo retido referido em 12, tendo sido proferido o acórdão de fls. 3712 a 3781 (Vol. 16.º), datado de 11/02/2016, em que foi:

A – Dado provimento ao agravo interposto pelos 3.º e 4.ª R.R., determinando a realização da segunda perícia por eles requerida, com a consequente anulação do julgamento na parte respeitante às respostas aos artigos 6.º a 22.º, 29.º a 32.º, 52.º a 54.º e 59.º a 214.º da base instrutória e o não conhecimento do recurso relativamente aos pedidos reconvencionais deduzidos pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R.;

B – Julgada parcialmente procedente a apelação interposta pelos A.A. e revogada a sentença recorrida, decidindo-se:

a) – declarar nula a aquisição dos prédios ajuizados pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. e ordenar o cancelamentos dos registos de aquisição a favor destes R.R., bem como, antecedentemente, o de aquisição pelos 1.º e 2.ª R.R. e reconhecendo a propriedade dos A.A. sobre tais imóveis;

b) – julgar improcedente a ação no que respeita ao pedido de entrega dos prédios aos mesmos;

c) – e absolver da instância os R.R. no respeitante ao pedido da sua condenação no pagamento da indemnização que se liquidasse em execução de sentença pelos demais danos, que não indemnizáveis pela simples entrega dos imóveis ou do seu valor.

16. Desta feita, vêm primeiro os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. e, seguidamente, os 1.º e 2.ª R.R. pedir revista para o que formulam conclusões:

   16.1. Os 3.º, 4.ª e 5.º R.R., EE, FF e GG, com o seguinte teor:

1.ª - A sentença proferida em 1.ª instância considerou, sem suma, improcedentes todos os pedidos formulados pelos A.A..

 2.ª - Inconformados com tal resultado, os A.A. apelaram para o Tribunal da Relação, que veio a julgar parcialmente procedente a apelação, tendo sido proferida decisão que declarou “nula a aquisição dos prédios dos autos pelos 3.º, 4.º e 5.º RR., ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a favor destes RR., bem como, antecedentemente, o de aquisição pelos 1.º e 2.º e, reconhecendo a propriedade dos A.A. sobre tais imóveis”, decisão essa que, por via do presente Recurso e apenas nessa medida, se coloca em crise.

  3.ª - Conforme melhor se detalhou em sede de alegações, os Tribunais Cíveis são absolutamente incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado pelos A.A., porquanto tal pedido consagra a um ato materialmente administrativo e que corresponde à execução da sentença proferida em sede de TAF – Tribunais esses que são competentes para executar as suas próprias decisões, em regime próprio previsto na sua lei de processo.

  4.ª - Igualmente, sempre se deverá considerar aplicável ao caso vertente, conforme detalhadamente explanado em sede de alegações, o disposto no então art.º 909.º, n.º 1, al. c), e n.º 3, do CPC;

  5.ª - Tal preceito é aplicável ao caso vertente, porquanto as execuções fiscais seguem subsidiariamente o regime consagrado no CPC e o artigo em apreço não exceciona a sua aplicação;

  6.ª - O não exercício do pedido de restituição dos imóveis no prazo previsto no preceito em causa extingue o mesmo direito por caducidade, impedindo o seu exercício nos próprios autos ou em outros intentados expressamente para o efeito - como é o caso dos vertentes - pelo que os A.A. se encontram impedidos de fazer valer qualquer direito de propriedade sobre os mesmos e, bem assim, de requerer a sua entrega (pedido esse no qual, aliás, decaíram).

  7.ª - Os A.A., no recurso interposto para a Relação, não deram cumprimento ao ónus de indicação específica dos factos concretamente impugnados, nem sequer o da indicação dos meios de prova concretos cuja valoração implicaria necessariamente decisão diversa da que foi proferida;

  8.ª - Na verdade, verifica-se que todos os meios de prova indicados pelos A.A., sobre os quais o Tribunal “a quo” assenta as suas ficções foram valorados pelo Tribunal de 1.a Instância, perante quem a prova foi produzida, pelo que sempre deveria ter prevalecido o princípio da imediação.

  9.ª - Não obstante estar vedado ao STJ conhecer, em sede de revista, da matéria de facto em causa, “o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respetiva força probatória. Afinal, em tais situações defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competências do Supremo" (ABRANTES GERALDES in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, Almedina Editora, p. 344);

  10.ª - Pelo que pode o STJ sindicar o uso dos poderes de alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação;

  11.ª - Conforme melhor se referiu em sede de alegações, para onde se remete dada a extensão da alegação neste particular, as alterações à matéria de facto efetuadas pelo aresto recorrido não assentam em qualquer meio de prova direta, mas, outrossim, em ilações ilícita e abusivamente extraídas pelo Tribunal “a quo” de outros meios de prova produzidos e devidamente valorados pelo Tribunal perante quem foram produzidos;

  12.ª – O aresto recorrido confunde testemunhas com vista a criar contradições nos depoimentos prestados;

  13.ª - Omite a existência de documentos relevantes (como o seja a certidão de registo predial que instruiu a escritura pública de compra e venda por via da qual os Recorrentes adquiriram o imóvel em causa) – exigindo, por outro lado, que os mesmos existam e tenham sido consultados e, mais grave, extraindo consequências da putativa inexistência e omissão de consulta;

  14.ª - Desconsidera-se o conteúdo dessa mesma certidão, que se encontra junta aos autos e da qual não consta o registo da ação de anulação da venda executiva do imóvel em causa;

  15.ª - E atribui-se relevância negativa à existência de registos recusados de ação de anulação da venda, quando, para o homem médio (ainda que não seja jurista ou mesmo magistrado) tal apenas significaria que a situação jurídica do imóvel era sólida, porquanto haviam soçobrado as tentativas de o impugnar.

  16.ª - Fazem-se insinuações graves a propósito da idoneidade de um dos réus e de instituições públicas com as quais aquele se relaciona, que são incompatíveis com o Estado de Direito Democrático.

  17.ª - Extrapola-se sobre as relações entre o 5.º R., aqui Recorrente, e uma instituição bancária junto da qual buscou financiamento, ficcionando, sem apego na realidade, que tal instituição havia comunicado ao aqui Recorrente o teor de uma carta que lhe havia sido endereçada pelo anterior mandatário dos Recorridos (na qual, ainda por cima, se peticionava a sua não divulgação (…);

  18.ª - Mais alude a uma alegada conversa entre o 5.º R. e o filho dos A.A., onde este último teria comunicado ao primeiro a existência de uma série de “problemas” com o imóvel em causa nos autos, sem cuidar de aferir a idade do depoente à data dos factos, a incompatibilidade entre os conhecimentos que o mesmo referia ter com a sua idade, a sua parcialidade revelada em sede de depoimento e a contradição absoluta com o depoimento prestado nos autos por outras testemunhas, que não merecem sequer uma menção no aresto recorrido;

  19.ª - Olvida-se que, efetivamente, o imóvel tinha “problemas”, aliás, foi vendido em hasta pública por causa desses mesmos problemas e, bem assim, o “problema” que foi a causa da anulação da venda - a ação intentada para o efeito pelo Fundo do Turismo – apenas surgiu em momento posterior ao da dita conversa, pelo que nunca poderia ter sido comunicado aos Recorrentes ou demais Réus pelo filho dos A.A.;

  20.ª - Por fim, desconsidera-se que a primitiva decisão de anulação da venda foi, ela própria, anulada por ter corrido à revelia dos 1.º e 2.ª R.R., pelo que é seguro afirmar que estes dela não tiveram conhecimento e, como tal, estavam impossibilitados de o transmitir aos aqui Recorrentes.

  21.ª – Como resulta das alegações, que aqui se dão por reproduzidas, o Tribunal “a quo” faz um exercício abusivo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC, pelo que são ilícitas as alterações efetuadas à matéria de facto, porquanto representam conclusões ilógicas extrapoladas a partir de elementos probatórios irrelevantes ou devidamente desacreditados;

   22.ª - Ainda que assim não se entenda, o pedido dos A.A. sempre decaíra em face das regras da aquisição tabular, operantes no caso concreto.

   23.ª - Motivo pelo qual deve o presente Recurso ser considerado procedente.

Pedem assim aqueles Recorrentes que:

A – Em primeira linha, seja declarada a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado pelos A.A.;


B – Subsidiariamente:

a) – seja declarada a extinção do direito dos A.A. à restituição dos imóveis e a ver reconhecido o seu direito de propriedade, porquanto tal direito não foi exercido no prazo e nos termos do então artigo 909.º, n.º 3, do CPC;

b) – ou, caso assim não se entenda, se considere abusivo, por parte do tribunal a quo o exercício dos poderes de alteração da matéria de facto consagrados no artigo 662.º do CPC, anulando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença da 1.ª instância que absolveu os R.R. do pedido. 

 16.2. Os 1.º e 2.ª R.R., CC e DD, nos seguintes moldes:

1.ª - A anulação de uma venda em processo de execução fiscal não envolve como efeito automático, nem como efeito necessário, a repristinação do direito de propriedade de quem era então titular do bem penhorado à ordem da execução e objeto da venda, havendo em tais casos que considerar, a par das regras de direito civil que regem a validade, anulação e nulidade do negócio jurídico, as pertinentes normas de direito público relativas à tramitação do processo de execução fiscal e à execução de sentenças dos tribunais tributários.

2.ª - Compete à jurisdição administrativa e fiscal o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais (v. artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa), sendo competência material reservada aos tribunais tributários, não só o julgamento de pedidos de anulação de vendas em processos de execução fiscal como também “a execução das suas decisões” (v. artigos 38.º, al. e), e 49.º, e), v), do ETAF), sempre que o órgão que praticou o ato anulado não as execute espontaneamente.

3.ª - Ao órgão encarregue da execução fiscal que praticou um ato anulado em sede de processo de execução fiscal cabe o dever de executar espontaneamente a decisão judicial anulatória, praticando no âmbito da sua competência dispositiva os atos de execução necessários à reconstituição da situação que existiria não fora a prática do ato anulado (v. artigos 100.º da LGT e 158.º, 159.º e 173.º e segs. do CPTA), aplicáveis ex vi dos artigos 102.º da LGT e 146.º do CPPT e, no direito anterior, v. artigos 145.º e 166.º do Código de Processo Tributário e artigos 5.o e segs do Dec.-Lei n.º 256-A/77, de 17/06;

4.ª - A ação a que respeitam estes autos foi configurada pelas instâncias como uma típica ação de reivindicação em que os A.A. alegam que os R.R. se negam sem fundamento a entregar-lhes os imóveis de sua propriedade, estando em causa uma estrita questão de direito privado, sendo o desenho desse objeto de ação que assegurou (e assegura) a competência por parte dos tribunais judiciais para o julgamento da causa;

5.ª - A ação de reivindicação prevista no art.º 1311.º do CC exige que o alegado possuidor ou detentor ilegítimo seja condenado a restituir a coisa ao reivindicante, não podendo ser julgada “procedente” ou parcialmente procedente quando se demonstra e reconhece em juízo que os prédios reivindicados não podem ser entregues aos A.A. e quando o tribunal indefere expressamente o pedido de condenação na entrega dos prédios.

6.ª - Ao contrário do entendimento expresso no acórdão recorrido, o tribunal não poderia reconhecer os A.A. como titulares do direito de propriedade sobre os imóveis antes de se mostrar retomado e concluído pelos órgãos próprios da administração tributária o processo de execução fiscal, em função da plena execução do acórdão anulatório que se impõe sobre a égide dos tribunais tributários.

7.ª - Ainda que o tribunal judicial seja competente para extrair de um julgado da jurisdição administrativa e fiscal “efeitos civis e de caso julgado”, como seja o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade e o cancelamento de registos de aquisição subsequentes aos atos anulados pelos tribunais tributários - em caso algum o pode fazer antes da questão administrativa e fiscal estar definitivamente decidida e conformada, o que impõe a prévia execução do julgado anulatório em sede própria.

8.ª - O registo de aquisição a favor dos ora recorrentes, 1.º e 2.ª R.R., foi lavrado tendo por base um título que reflete uma relação jurídica entre o Estado e os ora recorrentes, sendo na imperativa presença destes - e não à revelia do Estado - que deve ser discutido e ordenado o cancelamento judicial desse registo;

9.ª - O acórdão recorrido viola por errada interpretação e aplicação do artigo 909.º, n.º 3, do CPC, pois estando provado nos autos que nunca foi requerida a restituição dos imóveis no processo de execução fiscal (v. facto provado), designadamente nos termos e prazo de 30 dias previsto no artigo 909.º/3 do CPC (redação corres-pondente ao atual 839.º, n.º 3, do CPC), a venda não fica sem efeito, apenas havendo lugar ao recebimento do preço - cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 1999, p. 249 e, entre outros, p. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A ação executiva à luz do Código revisto, 2.a Ed., Coimbra, 1997, p. 282 e segs. e Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 2003, p. 609 e segs., Rui PINTO, Manual da execução e despejo, Coimbra, 2013, p. 975 e segs.

10.ª - Contrariamente ao entendimento expresso no acórdão da Relação, estando dado como facto provado que não foi requerida a restituição dos imóveis nos 30 dias seguintes à anulação da venda, “decorrido esse prazo, a venda convalidou-se e a compradora nada tem que restituir, atento o disposto no art.º 909.º do CPC.” - cfr. o ac. do STJ, de 18-12-2003, na Revista n.º 3906/03, 6.a Secção, in http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel2003. pdf e na jurisdição administrativa e fiscal v. o ac. do STA, de 12-04-2012, no Proc. n.º 0271/12, in www.dgsi.pt.

11.ª – O estabelecimento de um prazo curto previsto na lei para pedir a restituição do bem no âmbito do processo executivo - no caso pelo executado que foi parte no processo “encontra justificação material em razões de interesse público ligadas à natureza do processo de execução, em especial, decorrente da necessidade de assegurar a proteção da estabilidade das vendas em execução, bem como a proteção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé dos terceiros adquirentes” - Cfr., por todos, o ac. do STA, de 12-04-2012, no Proc. n.º 0271/12, in www.dgsi.pt.

12.ª - Ao entender que o procedimento e consequência previstos no n.º 3 do art.º 909.º do CPC “apenas se justificam se, nos 30 dias pressupostos na norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade (e posse) do comprador dos mesmos na execução”, o acórdão recorrido viola ostensivamente o citado preceito legal, na sua letra e no seu espírito, mantendo-se as necessidades de tutela da posição do comprador se este entretanto já transmitiu o prédio a terceiros.

13.ª - O acórdão recorrido alterou a decisão de 1.a instância quanto ao julgamento da matéria de facto relativa ao conhecimento, por parte dos 3.ºs e 5.º R.R., em 09.06.1999, da pendência do pedido de anulação da venda, fazendo-o com base em juízos dedutivos e presuntivos que ultrapassam normas legais, descuram o valor probatório de documentos, e padecem de ilogicidades, podendo a revista sindicar tal atuação (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º do CPC);

14.ª - A certidão do registo predial emitida em 07.06.1999 e que instruiu compra e venda dos imóveis pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R., realizada em 09.06.1999, dois dias depois de emitida a certidão, atesta que então ainda não se encontrava publicitado o registo da ação que ali veio a ficar exarado com data de 30.04.1999, sendo ilógico presumir que o conhecimento do registo da pendência ação ocorreu à margem do que as certidões do registo predial garantiam ao momento da aquisição.

15.ª - Ajuizar que os R.R. deveriam ter suspeitado do que constava da certidão de registo predial e procurado outras informações acerca da situação jurídica dos prédios é ilógico e contraria em absoluto as regras do registo predial e de direito probatório de acordo com as quais o registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos imóveis e prova-se por meio de certidões (v. artigo 110.º do Código de Registo Predial em vigor e artigo 106.º, n.º 1, na redação então vigente).

16.ª - Estando em causa a decisão de facto consistente em determinar se os R.R. tinham ou não tinham conhecimento, de certa ação judicial, não pode a Relação substituir o julgamento da 1.a instância a esse respeito, fazendo-o com base em juízos de exigibilidade, ou seja, alterando o julgamento de facto para passar a afirmar “provado o conhecimento” dos R.R., não porque se tenha apurado o conhecimento mas porque o mesmo lhes seria exigível.

17.º - Não é lógico presumir o conhecimento da propositura da ação de anulação da venda executiva, nem o conhecimento de irregularidades dessa venda, através da publicidade do registo de recusa de uma ação (uma "acção recusada"), nem do indeferimento de uma reclamação ("reclamação indeferida"), nem da recusa de um pedido de remição ("pedido de remição recusado"), nem da recusa de um recurso de anulação ("recurso de anulação de venda executiva recusado"), pois o que daí deve extrair-se é o insucesso do litígio empreendido pela A. visando anular a venda, o qual veio a ficar concluído com uma decisão judicial de improcedência do pedido de anulação da venda - v. factos BH, BI, BJ do probatório.

18.ª - Para modificar o julgamento de facto da 1.a instância, o acórdão recorrido baseia-se em outros juízos dedutivos e presuntivos ilógicos, como são os casos de dar relevo:

a) - à hipótese - verdadeiramente insultuosa - de ter sido o próprio Recorrente o responsável pelo conteúdo da certidão desatualizada que foi emitida pela Conservatória do Registo Predial, presunção que é claramente insubsistente e infundada, muito mais quando uma tal dúvida, a subsistir no espírito do tribunal “a quo” poderia e deveria ter sido dissipada com o apuramento cabal dos pertinentes factos.

b) - à falta de coincidência de declarações quanto ao momento em que o 1.º e o 3.º RR se conheceram ou ficaram amigos, quando é evidente a irrelevância de tal facto, a polissemia da expressão “amigos” e a compreensibilidade do dito desacerto em depoimentos que ocorreram com dezasseis anos de intervalo.

c) - à falta de coincidência de declarações quanto ao conhecimento e às relações do 3.º Réu com o “HH da II” (sic), quando a testemunha "HH" identificada nos autos nenhuma ligação tem com a leiloeira II (da qual foi gerente, sim, a testemunha JJ - v. facto AP) onde se identifica a testemunha JJ, representante da II);

d) - a uma carta que teria sido dirigida pelo advogado dos A.A. ao Banco KK (instituição onde o 3.º R. estaria a tratar de um financiamento), pedindo expressamente ao Banco para não informar o 3.º R. da pendência de dois processos judiciais de anulação de venda, factualidade essa que não resulta dos factos assentes (não se documentando sequer se a carta foi recebida), extraindo daí o tribunal que o Banco informou o 3.º R.;

f) - a dois depoimentos que a própria Relação qualifica de obscuros e genéricos, reconhecendo “o carácter pouco claro das genéricas referenciais a problemas com a Quinta” e “o contexto infantilizado e pouco preciso da conversa em causa” (sic.), abstendo-se o tribunal de tecer qualquer juízo valorativo quanto aos demais depoimentos das restantes testemunhas que infirmam tais dois depoimentos.

17. Os A.A. apresentaram contra-alegações, concluindo que os fundamentos dos Recorrentes não se enquadram em nenhum dos legalmente previstos para a revista, pelo que não se deverá tomar conhecimento do seu objeto ou, se assim se não entender, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

18. Já em 11/10/2017, estando o processo em fase de elaboração do projeto, vieram os A.A. apresentar o requerimento de fls. 4171 e seguintes, em que, insurgindo-se contra algumas das afirmações dos Recorrentes que, segundo eles, pretenderiam “distrair” o tribunal de recurso, a pedir a junção e apreciação do documento de fls. 4174-4175, para provar que obtiveram com o exequente Fundo do Turismo um acordo de pagamento demonstrativo do alegado em sede recursiva quando alegaram que “tratam da sua dívida” com aquele Fundo.

19. Por sua vez, os Recorrentes responderam a impugnar a oportunidade e a relevância do referido documento para a apreciação do objeto do recurso.      


      Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Questões prévias


Relativamente ao requerimento de junção do documento deduzido a fls. 4171 e seguintes, da análise do seu teor depreende-se que o mesmo não tem qualquer pertinência para a apreciação do objeto dos recursos nem tão pouco para a formação da convicção deste tribunal, para além de não se enquadrar no condicionalismo previsto no artigo 680.º, n.º 1, do CPC.

Assim sendo, não lhe será dado qualquer relevo.


Quanto à alegação dos Recorridos sobre o não conhecimento do objeto das revistas, das conclusões acima transcritas colhe-se, com meridiana clareza, que os fundamentos invocados pelos Recorrentes se traduzem, em boa medida, em questões jurídicas enquadráveis nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

E mesmo em sede da impugnação da valoração da prova por presunção judicial pelo Tribunal da Relação, tal impugnação vem suscitada na perspetiva do controlo legal do uso dessas presunções, o que tem vindo a ser admitido, ainda que de forma restrita, nos termos que abaixo se analisarão desenvolvidamente.          

Nada obsta, pois, ao conhecimento do objeto das revistas interpostas.


III – Delimitação do objeto dos recursos  


Tendo a presente ação sido instaurada em 01/10/2001 e as decisões impugnadas proferidas em 23/09/2014 e 11/02/2016, respetivamente na 1.ª instância e na Relação, é aplicável o regime recursório decorrente do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/ 2013, de 26-06, com exceção do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, por força do preceituado no artigo 7.º, n.º 1, desta Lei. 


Como é sabido, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.


Dentro de tais parâmetros, as questões suscitadas em ambas as revistas são as seguintes:


A – Em primeira linha, a invocada incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal da causa, enquanto tribunal judicial, para conhecer das pretensões dos A.A., mormente do pedido de declaração de nulidade da aquisição dos prédios ajuizados pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. e de ordenar o cancelamentos dos registos de aquisição a favor deles, bem como da aquisição pelos 1.º e 2.ª R.R. e do consequente reconhecimento da propriedade dos A.A. sobre tais imóveis, na decorrência da anulação da venda executiva decretada pelo tribunal tributário – conclusão 3.ª dos primeiros recorrentes e conclusões 1.ª a 8.ª dos segundos recorrente com o teor acima transcrito;


   B – Subsidiariamente:

i) - A questão da violação da disciplina processual, por parte do Tribunal da Relação, em sede da alteração da decisão de facto sobre a matéria constante dos artigos 37.º, 38.º, 48.º e 49.º da base instrutória, questão suscitada apenas pelos 3.º. 4.ª e 5.º R.R., quanto:

a) - ao ónus de impugnação dessa decisão, prescrito no artigo 640.º, n.º 1, do CPC – conclusões 7.ª e 8.º dos primeiros recorrentes;     

 b) - ao uso dos poderes conferidos à Relação pelo art.º 662.º, n.º 2, do CPC – conclusões 8.ª e 21.ª dos primeiros recorrentes;

ii) – A questão do invocado erro no uso das presunções judiciais sobre a mesma matéria, ao responder afirmativamente à matéria dos artigos 37.º e 38.º e negativamente à matéria dos artigos 48.º e 49.º da base instrutória, questão suscitada por todos os Recorrentes – conclusões 10.ª a 21.ª dos primeiros recorrentes e conclusões 13.ª a 18.ª dos segundos recorrentes;

iii) – A questão da invocada caducidade do direito de restituição dos imóveis em causa, ao abrigo do artigo 909.º, n.º 3, correspondente ao atual art.º 839.º, n.º 3, do CPC, questão suscitada por todos os aqui Recorrentes - conclusões 4.ª a 6.ª dos primeiros recorrentes e conclusões 9.ª a 12.ª dos segundos recorrentes;  

iv) – A questão da aquisição tabular do direito de propriedade dos referidos imóveis, suscitada pelos 1.ºs Recorrentes – conclusão 22.ª dos primeiros recorrentes.

          

    Não estão assim aqui em causa os segmentos decisórios do acórdão recorrido respeitantes ao provimento do agravo, à absolvição dos R.R. do pedido de entrega dos imóveis aos A.A. e da sua absolvição da instância relativa às pretensões indemnizatórias.


   IV – Fundamentação   


1. Factualidade provada


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Por escritura pública de 28/05/1991, na qual intervieram, como primeiros outorgantes, LL, na qualidade de “Coordenadora dos Serviços Técnicos do Fundo de Turismo”, e como segundos outorgantes, AA e BB, declarou a primeira o seguinte (Alínea A dos Factos Assentes):

«Que, tendo os segundos outorgantes que passam a designar-se por mutuários, solicitado ao representado da primeira outorgante que passa a designar-se por Fundo, um empréstimo destinado a construção de um complexo de Animação Turística, em Vila …, cuja concessão se encontra autorizada por despacho de vinte e oito de Janeiro de mil novecentos e noventa e um de Sua Excelência o Secretário de Estado do Turismo e verificando-se cabimento na correspondente dotação orçamental, é celebrado o presente contrato de muto que se regulará pelas condições gerais constantes do documento anexo elaborado ao abrigo do disposto no número Dois do Artigo Setenta e Oito do Código do Notariado cujo conteúdo os outorgantes declaram conhecer pelo que dispensam a sua leitura, e que se arquiva, e que junto a este contrato dele fica a fazer parte integrante e pelos demais termos e condições estipulados nas cláusulas seguintes».

1.2. Na cláusula 1.ª ficou estipulado (Alínea B) que:

«O Fundo concede aos Mutuários um empréstimo de noventa e quatro milhões de escudos, que se destina exclusivamente a ser aplicado na Construção do Complexo de Animação Turística e será entregue em um ou mais cheques nominativos de acordo com o plano a estabelecer pelo Fundo, em função da execução material do projecto e de acordo com a proporção do capital mutuado na cobertura do investimento.»

1.3. E no respetivo § Único (Alínea C) que:

«Qualquer modificação essencial no projecto só poderá ter lugar após autorização do Fundo.»

1.4. Na cláusula 2.ª estipulou-se (Alínea D) que:

«O capital mutuado, de que os Mutuários se reconhecem desde já devedores, vence juros remuneratórios à taxa de nove vírgula cinco por cento, alterável por despacho do Secretário de Estado do Turismo.»

1.5. E no respetivo § Único (Alínea E) que:

«Os juros serão calculados dia a dia, em função do capital efectivamente utilizado.»

1.6. Da cláusula 3.ª consta (Alínea F) que:

«O capital mutuado será amortizado em sete prestações de capital e juros, iguais, anuais e sucessivas no montante, cada uma, de dezoito milhões novecentos e noventa e um mil trezentos e oitenta e sete escudos, as quais serão liquidadas até trinta e um de Maio de cada ano, com início em trinta e um de Maio de mil novecentos e noventa e cinco, por depósito nos Cofres de Estado mediante guias passadas pelo Fundo.»

1.7. E do respetivo § Único (Alínea G) que:

  «Os juros, até ao início da amortização, serão pagos anualmente até trinta e um de Maio.»

1.8. Da cláusula 4.ª consta (Alínea H) que:

 «Qualquer situação de mora nos pagamentos do empréstimo determinará, durante o tempo em que essa situação se verificar, o vencimento de juros à taxa máxima aplicável aos financiamentos concedidos pelo Fundo, acrescida de dois pontos percentuais.»

1.9. Da cláusula 5.ª consta (Alínea I) o seguinte:

«Para garantia da amortização do capital mutuado e respectivos juros, bem como para o pagamento de despesas extrajudiciais que venham a ser necessárias e que, para efeitos de registo, se fixam em três milhões setecentos e sessenta mil escudos, e ainda, para assegurar o cumprimento de todas as obrigações assumidas no presente contrato e nas condições gerais do documento anexo, os Mutuários constituem a favor do Fundo hipoteca sobre os prédios a seguir identificados com todas as suas construções, benfeitorias e acessórios, presentes e futuros:

- Prédio urbano sito no lugar Casal …, freguesia e concelho de Vila …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila …, sob o número cento e sessenta e cinco, inscrito na matriz sob o artigo 2.694;

- Prédio urbano sito no lugar da … - Casal do … da mesma freguesia e concelho, descrito na referida Conservatória sob o número cento e sessenta e seis, inscrito na matriz sob o artigo número 3.229;

- Prédio urbano sito no lugar da …. Casal do … da freguesia e concelho anteriormente referidos, descrito na citada Conservatória sob o número cento e sessenta e sete, inscrito na respectiva matriz sob o número 3.230;

- Prédio urbano sito no lugar Casal do … da mencionada freguesia e concelho, descrito na citada Conservatória sob o número seiscentos e treze, omisso na respectiva matriz, mas apresentada a participação hoje.

Todos os prédios estão registados a favor dos devedores pela inscrição G-UM.

Das hipotecas agora constituídas foi feito registo provisório conforme inscrição C-Seis, apresentação número trinta e quatro de vinte e um de Fevereiro de mil novecentos e noventa e um, da referida Conservatória».

Aos prédios é atribuído o valor de cento e vinte e nove milhões de escudos.»

1.10. Declarou ainda (Alínea J) a primeira outorgante: «Que, na alegada qualidade, aceita a hipoteca nos termos exarados.»

1.11. Declararam (Alínea K) os segundos outorgantes: «Que aceitam o contrato nos termos exarados.»

1.12. Da referida escritura consta que a primeira outorgante foi «autorizada a outorgar este acto por despacho da Comissão Administrativa.» - Alínea L) dos Factos Assentes;

1.13. Por escritura pública de 16 de julho de 1996, na qual foram intervenientes, como primeiro outorgante, MM, na qualidade de sócio e gerente e em representação da sociedade “II & Antiguidades, Ld.ª”, e como segundo outorgante, CC, o primeiro declarou (Alínea M) o seguinte:

«Que, na Primeira Repartição de Finanças de Vila …, correm termos um processo de execução fiscal com o número mil quinhentos e noventa e sete/noventa e dois/um seis zero dois um dois ponto oito, contra AA e BB (…), constando dos referidos autos que a representada do primeiro outorgante "II e Antiguidades, Limitada", foi encarregada de proceder à venda dos seguintes imóveis:

UM: Prédio urbano, sito no Casal do … Casa abarracada para habitação, na freguesia e concelho de Vila …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero um seis cinco, da freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição a favor do executado se encontra registada pela inscrição G-Um, inscrito na respectiva matriz sob o artigo dois mil seiscentos e noventa e quatro, com o valor patrimonial de vinte e três mil novecentos e cinquenta e três;

DOIS: Prédio urbano, sito no lugar da …, Casal do …, freguesia e concelho de Vila …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero um seis seis, da freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição a favor do executado pela inscrição G-Um, inscrito na matriz sob o artigo três mil duzentos e vinte e nove, com o valor patrimonial de um milhão setecentos e noventa mil e cem escudos;

TRÊS: Prédio urbano no lugar da …, Casal do …, freguesia e concelho de Vila …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero um seis sete, da freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição a favor do executado se encontra registada pela inscrição G-Um, inscrito na respectiva matriz sob o artigo três mil duzentos e trinta, com o valor patrimonial de um milhão cento e noventa e três mil e quatrocentos escudos;

QUATRO: Prédio rústico, situado no Casal do …, no qual se encontra em construção um edifício de rés-do-chão para balneário, na freguesia e concelho de Vila …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero seis um três, da freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição a favor do executado se encontra registada pela inscrição G-Um inscrito na respectiva matriz sob o artigo três, da Secção K, com o valor patrimonial de duzentos e quarenta e nove mil setecentos e trinta e dois escudos.»

1.14. Declarou (Alínea N) ainda:

«Que, pela presente escritura a representada do primeiro outorgante, "II e Antiguidades, Limitada n, na invocada qualidade, vende ao segundo outorgante os identificados prédios pelo preço global de quinze milhões de escudos, sendo três milhões setecentos e cinquenta mil escudos por cada um deles, que já foi recebido.»

1.15. Declarou (Alínea O) o segundo outorgante:

«Que aceita esta venda nos termos exarados e destina os prédios ora adquiridos para revenda.»

1.16. Por escritura pública de 9 de junho de 1999, na qual foram intervenientes, como primeiros outorgantes, CC e DD, e como segundo outorgante, EE, declararam os primeiros (Alínea P) o seguinte:

«Que, pela presente escritura vendem ao segundo outorgante, pelo preço global de seis milhões de escudos, os seguintes imóveis a saber:

a) - O prédio rústico situado no Casal do …, composto de terreno de pinhal, vinha, oliveiras, árvores de fruto, horta, pastagem, mato, terreno estéril e cultura arvense, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero seiscentos e treze, freguesia de Vila … onde a respectiva aquisição se acha registada a favor dos primeiros outorgantes pela inscrição G-Dois, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 3° da Secção K, com o valor patrimonial de 249.732$00, pendente de alteração matricial, conforme certidão que foi exibida, pelo preço de cinco milhões de escudos.

b) - Um prédio urbano, situado no Lugar da … - Casal do … – composto de casa de rés-do-chão para adega, estábulos, pocilgas e armazéns, com a área de cento e trinta metros quadrados, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero cento e sessenta e sete, freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição se acha registada a favor  dos primeiros outorgantes pela inscrição G-Dois, inscrito na respectiva  matriz predial urbana sob o artigo 3230, com o valor patrimonial de 1.193.400$00, pelo preço de um milhão de escudos.»

1.17. Declarou o segundo outorgante: «Que aceita esta venda nos termos exarados.» - Alínea Q) dos Factos Assentes;

1.18. Do teor da referida escritura pública consta ainda (Alínea R) o seguinte:

«Exibidos: a) - certidão de teor da descrição e inscrições em vigor na Conservatória ali passada em 07 de Junho corrente (…)»;

1.19. Por escritura pública de 9 de junho de 1999, na qual foram intervenientes, como primeiros outorgantes, CC e DD, e como segundo outorgante, GG, declararam os primeiros (Alínea S) o seguinte:

«Que, pela presente escritura vendem ao segundo outorgante, pelo preço global de dezasseis milhões de escudos, os seguintes imóveis a saber:

a) - Um prédio urbano, situado no Casal do … composto de casa abarracada destinada a habitação, com a área de cinquenta e nove metros quadrados, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o número zero zero cento e sessenta e cinco, freguesia de Vila …, onde a respectiva aquisição se acha registada a favor dos primeiros outorgantes pela inscrição G-Dois, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2694, com o valor patrimonial de 23.953$00, pelo preço de oito milhões de escudos.

b) - Um prédio urbano, situado no Lugar da … - Casal do … – composto de casa de rés-do-chão e sótão, destinada a habitação, com a área de cento e oitenta metros quadrados, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila …. sob o número zero zero cento e sessenta e seis, freguesia de Vila … onde a respectiva aquisição se acha registada a favor dos primeiros outorgantes pela inscrição G-Dois, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 3229, com o valor patrimonial de 1.190.100$00, pelo preço de oito milhões de escudos.»

1.20. Declarou o segundo outorgante (Alínea T) o seguinte:

«Que aceita esta venda nos termos exarados, que lhe é feita com a cláusula de incomunicabilidade a um eventual cônjuge.»

1.21. Do teor da referida escritura pública consta ainda (Alínea U) o seguinte:

«Exibidos: a) - certidão de teor da descrição e inscrições em vigor, ali passada na Primeira Conservatória de Vila …, em sete de Junho corrente ( ...)»

1.22. Do conteúdo da certidão predial acima referida 1.18 e 1.21 (Alineas R) e U), de 7 de junho de 1999, constavam (Alínea V) as seguintes inscrições, com referência ao prédio descrito sob o número 613:

«G-1, ap. 33/250184 - Aquisição a favor de AA, c.c. BB (…);

G-2, ap. 57/960805 Aquisição - provisória por dúvidas - a favor de CC, c.c. DD (. .. ), por compra em processo de execução fiscal. Abrange 4 prédios.

G-2, ap. 12/961202 - AV.1 - Convertida».

1.23. Do teor da referida certidão predial, de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio 613, constavam ainda (Alínea W), para além do mais, as seguintes inscrições:

  «F, ap. 21/980505 - Anot.1 Recusada a acção;

 980916 - Anotado nesta data a pendência de reclamação da ap. 118/980727;

980916 Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998;

ap. 77/980629 Anotação - Recusado o pedido de direito de remição;

ap. 78/980629 - Anotação - Recusado o recurso judicial de anulação de venda executiva;

ap. 82/980629 - Anotação - Recusado o recurso de anulação de venda executiva».

1.24. Do teor da certidão predial em causa, de 7 de junho de 1999, com referência ao prédio citado número 613, constavam ainda (Alínea X), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-1, ap. 48/241193 - Penhora - Efectuada em 26 de Janeiro de 1993 na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a 1ª a Repartição de Finanças de Vila … - Fazenda Nacional, move contra AA. Abrange 4 prédios; 17-1, ap. 50/970319 - AV.1 - Cancelada».

1.25. Do teor daquela certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 613, constavam ainda (Alínea Y), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-2, ap. 37/940119 - Arresto - Provisória por natureza e por dúvidas - ordenado por despacho de 6 de Janeiro de 1994 - para segurança da quantia de 64.500.000$00 - requerente - NN (. . .). Abrange 5 prédios.

F-2, ap. 04/960502 AV.3- Convertido o arresto em Penhora. Efectuada em 23 de Março de 1995- Quantia exequenda: 72.337.192$00; F-2, ap. 51/970319 – Av. 4 Cancelada;

F-3, ap. 29/940926 Penhora Provisória por dúvidas - efectuada em 5 de Julho de 1993, na execução do r Juízo Cível de Lisboa­r Secção - movida pelo Crédit Lyonnais Portugal (. . .) - contra o titular e OO e mulher PP (. . .) - Quantia exequenda - 18. 573.160$00. Abrange 5 prédios;

F-3, 970319- Anot.1 - Verificada a caducidade;

F- 4, ap. 26/941124 - Penhora­ Provisória por dúvidas Efectuada em 13 de Junho de 1994 - para garantia da quantia exequenda de 21.775.343$00 – Exequente - Banco RR, SA (. . .). Abrange l. fracção e 4 prédios;

F-4, 970319 - Anot.1 Verificada a caducidade;

F-5, ap. 02/941228 – Penhora - efectuada em 20 de Outubro de 1994 - para garantia da quantia de 4.535.557$00 - movida pela Fazenda Nacional, na repartição de Finanças de Vila … - Abrange 4 prédios;

F-5, ap. 54/970319- AV.1 - Cancelada;

F-6, ap. 20/960116 - Penhora - efectuada em 26 de Setembro de 1994, para garantia da quantia exequenda de 5.165.092$30- Exequente - QQ (, . .);

F-6, ap. 55/970319- AV.1 - Cancelada».

1.26. Do conteúdo da certidão predial acima referida em 1.18 e 1.21 (Alíneas R e U), de 7 de Junho de 1999, constavam (Alínea Z) as seguintes inscrições, com referência ao prédio descrito sob o número 165:

«G-1, ap. 32/250184 -Aquisição a favor de AA, c.c. BB (. . .);

G-2, ap. 57/960805 -Aquisição a favor de CC, c.c. DD (. .), por compra em processo de execução fiscal. Abrange 4 prédios.»

1.27. Do teor da referida certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 165, constavam ainda (Alínea AA), para além do mais, as seguintes inscrições:

F, ap. 21/980505 - Anot.1 - Recusada a acção; 980916 - Anotado nesta data a pendência de reclamação da ap. 118/980727;

980916 - Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998;

ap. 77/980629 - Anotação - Recusado o pedido de direito de remição;

ap. 78/980629 - Anotação Recusado o recurso judicial de anulação de venda executiva;

ap. 82/980629 Anotação Recusado o recurso de anulação de venda executiva.»

1.28. Do teor da certidão predial em causa, de 7 de junho de 1999, com referência ao prédio citado número 165, constavam ainda (Alínea AB), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-1, ap. 48/241193 - Penhora Efectuada em 26 de Janeiro de 1993 na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a Repartição de Finanças de Vila … - Fazenda Nacional, move contra AA. Abrange 4 prédios;

F-1, ap. 50/970319 - AV.1 – Cancelada.»

1.29. Do teor daquela certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 165, constavam ainda (Alínea AC), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-2, ap. 37/940119 - Arresto Provisória por natureza e por dúvidas – ordenado por despacho de 6 de Janeiro de 1994 - para segurança da quantia de 64.500.000$00 - requerente - NN (. . .). Abrange 5 prédios.

F-2, ap. 04/960502 -Av.3 Convertido o arresto em Penhora. Efectuada em 23 de Março de 1995 – Quantia exequenda: 72.337.192$00;

F-2, ap. 51/970319 -Av. 4 - Cancelada, F-3, ap. 29/940926 - Penhora – Provisória por dúvidas - efectuada em 5 de Julho de 1993, na execução do 1.º Juízo Cível de Lisboa - Secção - movida pelo Crédit Lyonnais Portugal (..) contra o titular e OO e mulher PP (. . .) - Quantia exequenda - 18. 573.160$00. Abrange 5 prédios;

F-3, 970319- Anot.1 Verificada a caducidade;

F-4, ap. 26/941124 – Penhora - Efectuada em 13 de Junho de 1994 - para garantia da quantia exequenda de 21.775.343$00 - Exequente - Banco RR, S.A. (. . .). Abrange 1 fracção e 4 prédios;

F-4, ap. 53/970319 - AV.1 - Cancelada; F-5, ap. 02/941228 - Penhora – efectuada em 20 de Outubro de 1994 - para garantia da quantia de 4.535.557$00 - movida pela Fazenda Nacional, na 1.ª Repartição de Finanças de Vila … Abrange 4 prédios;

F-5, ap. 54/970319 AV.1- Cancelada.»

1.30. Do conteúdo da certidão predial acima referida em 1.18 e 1.21 (Alíneas R e U), de 7 de junho de 1999, constavam (Alínea AD) as seguintes inscrições, com referência ao prédio descrito sob o número 166:

«G-1, ap. 32/250184 - Aquisição a favor de AA, c.c. BB (…);

G-2, ap. 57/960805 <Aquisição a favor de CC, c.c. DD (…), por compra em processo de execução fiscal. Abrange 4 prédios».


1.31. Do teor da referida certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 166, constavam ainda (Alínea AE), para além do mais, as seguintes inscrições:

  «F, ap. 21/980505 - Anot.1 - Recusada a acção;

980916 - Anotado nesta data a pendência de reclamação da ap. 118/980727;

 980916 - Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998;

 ap. 77/980629 - Anotação - Recusado o pedido de direito de remição;

  ap. 78/980629 - Anotação - Recusado o recurso judicial de anulação de venda executiva;

  ap. 82/980629 - Anotação Recusado o recurso de anulação de venda executiva.»

1.32. Do teor da certidão predial em causa, de 7 de junho de 1999, com referência ao prédio citado número 166, constavam ainda (Alínea AF), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F1, ap. 24/010293 - Penhora - provisória por dúvidas - efectuada em 26 de Janeiro de 1993, na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a 1ª Repartição de Finanças de Vila … Fazenda Nacional, move contra AA c. c. BB (…). Abrange 3 prédios e 15 fracções;

F-1, 241193-Anot.1 Caducou;

F-2, ap. 48/241193 Penhora - Efectuada em 26 de Janeiro de 1993 na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a 1ª Repartição de Finanças de Vila … - Fazenda Nacional, move contra AA. Abrange 4 prédios;

F-2. ap. 51/970319 - AV.1 – Cancelada.»

1.33. Do teor daquela certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 166, constavam ainda (Alínea AG), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-3, ap. 37/940119 - Arresto Provisória por natureza e por dúvidas – ordenado por despacho de 6 de Janeiro de 1994 - para segurança da quantia de 64.500.000$00 - requerente NN (…). Abrange 5 prédios.

F -3, ap. 04/960502 - Av. 3 - Convertido o arresto em Penhora. Efectuada em 23 de Março de 1995- Quantia exequenda: 72.337.192$00;

F -3, ap. 51/970319 - Av. 4 - Cancelada;

F- 4, ap. 29/940926 - Penhora - Provisória por dúvidas efectuada em 5 de Julho de 1993, na execução do 1.º Juízo Cível de Lisboa - 2,ª Secção movida pelo Credit Lyonnais Portugal (…) - contra o titular e OO e mulher PP (…) Quantia exequenda 18.573.160$00. Abrange 5 prédios;

F- 4, 970319 - Anot. 2 - Verificada a caducidade;

F -5, ap. 26/941124 - Penhora - Efectuada em 13 de Junho de 1994 - para garantia da quantia exequenda de 21.775.343$00 - Exequente Banco RR, S.A. (…) Abrange 1 fracção e 4 prédios;

F -5, ap. 53/970319-Av.l Cancelada;

F - 6, ap. 02/941228 - Penhora - efectuada em 20 de Outubro de 1994 - para garantia da quantia de 4.535.557$00 - movida pela Fazenda Nacional, na 1.ª Repartição de Finanças de Vila … - Abrange 4 prédios;

F - 6, ap. 54/970319 Av. l - Cancelada.»

1.34. Do conteúdo da certidão predial acima referida em 1.18 e 1.21 (Alínea R e U), de 7 de junho de 1999, constavam (Alínea AH) as seguintes inscrições, com referência ao prédio descrito sob o número 167:

  «G1, ap. 32/250184 =Aquisição a favor de AA, c.c. BB (…);

  G-2, ap. 57/960805 - Aquisição a favor de CC, c.c. DD (…), por compra em processo de execução fiscal. Abrange 4 prédios.»

1.35. Do teor da referida certidão predial de 7 de Junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 167, constavam ainda (Alínea AI), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F, ap. 21/980505 - Anot. l - Recusada a acção: 980916 - Anotado nesta data a pendência de reclamação da ap. 118/980727;

980916 Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998;

ap. 77/980629 Anotação - Recusado o pedido de direito de remição;

ap. 78/980629 - Anotação - Recusado o recurso judicial de anulação de venda executiva;

ap. 82/980629 - Anotação - Recusado o recurso de anulação de venda executiva.»

1.36. Do teor da certidão predial em causa, de 7 de junho de 1999, com referência ao prédio citado número 167, constavam ainda (Alínea AJ), para além do mais, as seguintes inscrições:

«F-l, ap. 24/010293 - Penhora - provisória por dúvidas - efectuada em 26 de Janeiro de 1993, na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a 1.ª Repartição de Finanças de Vila … Fazenda Nacional, move contra AA c.c. BB (…). Abrange 3 prédios e l fracções;

F-1, 241193 Anot. 1 - Caducou;

F-2, ap. 48/241193 - Penhora - Efectuada em 26 de Janeiro de 1993 na execução que pela quantia de 49.671.419$00, a 1ª Repartição de Finanças de Vila … Fazenda Nacional, move contra AA. Abrange 4 prédios;

F -2, ap. 51/970319 -Av.1- Cancelada.»

1.37. Do teor daquela certidão predial de 7 de junho de 1999, com referência ao mesmo prédio número 167, constavam ainda (Alínea AK), para além do mais, as seguintes inscrições:

 «F-3, ap. 37/940119 - Arresto - Provisória por natureza e por dúvidas - ordenado por despacho de 6 de Janeiro de 1994 - para segurança da quantia de 64.500.000$00 requerente NN (…). Abrange 5 prédios.

F-3, ap. 04/960502 - Av. 3 - Convertido o arresto em Penhora. Efectuada em 23 de Março de 1995 Quantia exequenda: 72.337.192$00;

 F-3, ap. 51/970319- Av. 4 - Cancelada;

 F -4, ap. 29/940926 - Penhora - Provisória por dúvidas efectuada em 5 de Julho de 1993, na execução do 1ª Juízo Cível de Lisboa­ 1ª Secção movida pelo Credit Lyonnais Portugal (…) contra o titular e OO e mulher PP (…) - Quantia exequenda -I8.573.160$00. Abrange 5 prédios;

  F-4, 970319- Anot.2 - Verificada a caducidade;

 F-5, ap. 26/941124 Penhora - Efectuada em 13 de Junho de 1994 - para garantia da quantia exequenda de 21.775.343$00 - Exequente - Banco RR, SA. (…). Abrange fracção e 4 prédios;

 F-5, ap. 53/970319 - Av. 1 - Cancelada;

  F-6, ap. 02/941228 Penhora - efectuada em 20 de Outubro de 1994 - para garantia da quantia de 4.535.557$00 - movida pela Fazenda Nacional, na 1 a Repartição de Finanças de Vila … - Abrange 4 prédios;

  F-6, ap. 54/970319 Av. 1 – Cancelada.»

1.38. A escritura pública acima mencionada em 1.13. (Alínea M) foi celebrada no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1597/92/160212.8, instaurado em 17 de fevereiro de 1992, pela 1.ª Repartição de Finanças de Vila …,  contra AA e BB, para pagamento, ao então Fundo de Turismo, da quantia de 49.671.419$00, ou seja, € 247.759,99 (duzentos e quarenta e sete mil setecentos e cinquenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 16%, desde 16 de novembro de 1992, proveniente da celebração da escritura pública referida em 1.1 - Alínea AL;

1.39. Em 28 de junho de 1995, o Fundo de Turismo requereu, na dita execução fiscal, que a mesma revertesse contra a sociedade “Quinta do … Empreendimentos Turísticos, S.A.”, por ser a adquirente dos bens que garantiam a dívida, o que foi deferido, por despacho proferido no mesmo dia, pelo Chefe de Repartição de Finanças - Alínea AM;  

1.40. Em 2 de maio de 1994, o Chefe da l.ª Repartição de Finanças de Vila … proferiu despacho designando o dia 31 de maio de 1994, pelas 11h00, para efetivação da venda dos quatro prédios em causa, fixando o valor base de 70.000.000$00, ou seja, € 349.158,53 (trezentos e quarenta e nove mil cento e cinquenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos) - Alínea AN;

1.41. Em 3 de maio de 1994, foi proferido despacho fazendo saber que no dia 31 de maio de 1994 se iria proceder à venda judicial, por meio de propostas em carta fechada, dos quatro prédios supra identificados, convidando-se todos os interessados a apresentarem as suas propostas em carta fechada, atribuindo aos referidos bens o valor de 70.000.000$00, ou seja, € 349.158,53 (trezentos e quarenta e nove mil cento e cinquenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), sendo o valor base para a venda no montante de 49.000.000$00, ou seja, € 244.410,97 (duzentos e quarenta e quatro mil quatrocentos e dez euros e noventa e sete cêntimos) - Alínea AO;  

1.42. Em 31 de maio de 1994 verificou-se a inexistência da apresentação de propostas relativa à venda anunciada e o Chefe da 1.ª Repartição de Finanças de Vila … ordenou, por despacho proferido naquela mesma data, que a venda fosse efetuada por negociação particular, tendo sido fixado como preço mínimo para a venda o montante de  45.000.000$00, ou seja, € 224.459,05 (duzentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) e nomeado encarregado da venda JJ, em representação de “II e Antiguidades, Ld.ª” - Alínea AP;

1.43. Por editais publicados no Correio da Manhã, nos dias 30 e 31 de agosto de 1994, o Chefe da 1.ª Repartição de Finanças de Vila … fez saber (Alínea AQ) que:

«(…) em virtude de a venda por meio de carta fechada dos bens penhorados ao(s) executado(s) AA e BB (…) não se ter realizado foi, nos termos do n.° 1 do artigo 325.º do Código do Processo Tributário, ordenada a sua venda por meio de negociação particular e nomeado encarregado de efectuar a mesma o Senhor JJ, em representação de II e Antiguidades, Ld.ª (…), pelo que quaisquer potenciais interessados na sua aquisição o devem contactar (…) O imóvel encontra-se desocupado e em estado de abandono.»

1.44. CC apresentou à sociedade II & Antiguidades, Ld.ª, encarregada da venda, uma proposta de aquisição dos quatro prédios em causa pelo valor de 15.000.000$00, ou seja, € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) - Alínea AR;  

1.45. Por despacho de 29 de maio de 1996, o Diretor Distrital de Finanças de Lisboa autorizou a venda pelo referido valor - Alínea AS;  

1.46. Em 18 de junho de 1996, CC procedeu ao depósito da quantia de 15.000.000$00, ou seja, € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), respeitante ao preço oferecido, à ordem do Chefe da 1.ª Repartição de Finanças de Vila … - Alínea AT;  

1.47. À data da celebração da escritura pública mencionada em 1.13 (alínea M), a aquisição dos quatro prédios acima identificados encontrava-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, a favor de «AA, c.c. BB», através da ap. 33/250184, quanto ao prédio número 613, e da ap. 32/250184, quanto aos demais prédios - Alínea AU);  

1.48. Em 5 de agosto de 1996, foi registada, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 57, a aquisição do prédio descrito sob o número 613, a favor de «CC, c.c. DD (…) por compra em processo de execução fiscal», sendo que o respetivo registo ficou definitivo através da ap. 12/961202 - Alínea AV;  

1.49. Em 5 de agosto de 1996, foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 57, a aquisição dos prédios descritos sob os números 165, 166 e 167, a favor de «CC, c.c. DD (…), por compra em processo de execução fiscal.» - Alínea AW;  

1.50. Em 16 de março de 1999 foi registada, provisoriamente por natureza e por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 17, a aquisição, a favor de GG, por compra, dos prédios descritos sob os números 165, 166, 167 e 613, sendo que, em 12 de maio de 2000, foi anotada a caducidade dos correspondentes registos - Alínea AX;

1.51. Em 12 de maio de 2000, foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 04, a aquisição, a favor de GG, por compra, dos prédios descritos sob os números 165 e 166 - Alínea AY;

1.52. Em 30 de abril de 1999, foi registado, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 18, com referência aos prédios descritos sob os números 165, 166, 167 e 613 (Alínea AZ), o seguinte:

«Acção, provisória por natureza e por dúvidas. Requerente: Fundo de Turismo (Organismo Estatal Autónomo) […]. Requeridos: CC e mulher DD. Pedido: Anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal. Abrange 4 prédios.»

1.53. Em 12 de maio de 2000, foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade do registo supra mencionado - Alínea BA);  

1.54. Em 6 de julho de 1999, foi registada, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 11, a aquisição, a favor de EE, c.c FF, por compra a CC e DD, dos prédios descritos sob os números 167 e 613 - Alínea BB;

1.55. Em 12 de maio de 2000, foram convertidos em definitivo, através da ap. 5, os registos supra referidos - Alínea BC;  

1.56. Em 31 de julho de 2001, foi registado, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, através da ap, 13, com referência aos prédios descritos sob os números 165, 167 e 613 (Alínea BD), o seguinte:

«Decisão Judicial - por sentença transitada em 6 de Junho 2001 foi declarada anulada a venda executiva entre AA e CC. Abrange 3 prédios.»

1.57. Em 17 de fevereiro de 2003 foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade dos registos supra referidos - Alínea BE;  

1.58. Em 10 de outubro de 2001, foi registado, provisoriamente, por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 20, com referência ao prédio descrito sob o número 166 (Alínea BF), o seguinte:

«Decisão Judicial - por sentença transitada em julgado em 06 de Junho 2001 - Declarada anulada a venda executiva a CC.»

1.59. Em 5 de março de 2003, foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade do registo supra mencionado - Alínea BG;  

1.60. BB requereu a anulação da venda efetuada através da escritura pública mencionada em 1.13 (Alínea M), alegando, em síntese: que não foi ouvida, nos termos do artigo 312.º do Código do Processo Tributário, sobre a modalidade da venda, nomeadamente a de negociação particular; que esta modalidade de venda só poderia ser ordenada caso existisse urgência na venda ou os bens fossem de reduzido valor, o que não terá sido o caso; que não foi realizada a 1.ª praça, nem anunciada a 2.ª praça ou qualquer outra a seguir, como impõe o artigo 325.º, n.º 1, do Código do Processo Tributário - Alínea BH;  

1.61. Nesta sequência, por sentença proferida em 26 de outubro de 1999, transitada em julgado, proferida pelo então 1.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, no processo de anulação de venda n.º 6/98, foi decidido (Alínea BI) o seguinte:

«Assim sendo e face a tudo o que fica dito, indefiro a requerida anulação da venda.»

1.62. Do teor da fundamentação da referida sentença consta (Alínea BJ), para além do mais, o seguinte:

«A anulação da venda requerida por entidade distinta do comprador só se pode verificar quando se registe uma das situações previstas no art 909° do CPCivil. Ora, da apreciação das alíneas que integram o n° 1 de tal preceito legal, atenta a matéria alegada, verificamos não serem desde logo enquadráveis, no caso em apreço, as situações previstas em a) e d), bem como o n.° 2. A alínea b), desse n.° 1, será igualmente de considerar não enquadrável no caso em apreço, pois que a requerente foi devidamente citada para a execução, como resulta da certidão de fls. 59 do processo de execução fiscal. Resta-nos pois verificar se o alegado pela requerente é susceptível de integrar a previsão da alínea c) do n.° 1 do citado artigo 909.° do CPC. (…).

Ora, no caso em apreço, foi alegado como susceptível de constituir nulidade capaz de vir a pôr em crise a venda efectuada o seguinte: a) A não citação (na expressão da requerente, mas que se deverá interpretar como notificação) da esposa do executado, BB (ora requerente) "sobre a modalidade da venda, muito especialmente pela excepcional modalidade de negociação particular"; b) Não ter sido "realizada a 1.ª praça, nem anunciada a 2.ª praça ou qualquer outra a seguir, como impõe o art.º 325.º/1 do CP. T ".

Pela consulta dos autos de execução verificamos que tais argumentos não poderão proceder, não só por razões de forma, como até de substância. Com efeito, tais irregularidades (a existirem) teriam de ter sido suscitadas muito tempo atrás, dentro do prazo legal previsto no art.º 15.º do CPC (à data dos factos, de cinco dias) a partir do dia em que, depois de cometida a ilegalidade, a parte interviesse em algum acto praticado no processo ou fosse notificada para qualquer termo dele, sendo certo que neste último caso só quando devesse presumir-se que então tomara conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (art 205º/1 do CPC.

Com efeito, resulta dos autos de execução fiscal (fls. 120) que o executado e a ora requerente foram devidamente notificados em 29/08/1994 de que “(…) nos termos do n.º 1 do art. 325.º do CP Tributário, (foi) ordenada a venda dos bens que lhe foram penhorados (. . .) por negociação particular, em virtude da venda por meio de propostas em carta fechada marcada para 94/5/31, não se ter realizado por falta de proponentes". “Foi incumbido de efectuar a respectiva venda o Senhor JJ (...)”

Daqui resulta claro que não só o alegado pela requerente não corresponde à verdade, como ainda que correspondesse parcialmente, lhe estava vedada a possibilidade de vir agora (em 31 de Julho de 1996) arguir eventuais nulidades de que necessariamente terá tido conhecimento em 29/08/1994.

Pelo que deixamos exposto não descortinamos qualquer nulidade que possa ter afectado o acto de venda, pelo que também aqui não será aplicável a previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 909.º do CPC.»

1.63. O Fundo de Turismo apresentou, na 1.ª Repartição de Finanças de Vila Franca de Xira, um requerimento endereçado ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, pedindo a anulação da venda efetuada através da escritura pública mencionada em 1.13 (Alínea M), alegando, em síntese: que deveria ter sido ouvido para se pronunciar sobre a fixação do montante sugerido pela Agência de Leilões para a venda dos bens penho-rados, o que não foi feito; que a venda pelo montante fixado acarreta prejuízos para o requerente; que o despacho que determinou a venda violou o disposto no artigo 887.º do Código de Processo Civil - Alínea BK;  

1.64. Nesta sequência, por sentença de 6 de dezembro de 2000, pro-ferida pela então 1.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Ins-tância de Lisboa, no processo de anulação de venda n.º 1/98, autuado, naquele tribunal, em 18 de setembro de 1998, foi decidido (Alínea BL) o seguinte:

«Pelo exposto, nos termos do art.º 909.º n.° 1, al. c), e 201.º do CPCivil, anulo a venda efectuada nos autos».

1.65. Do teor da fundamentação da referida sentença consta (Alínea BM), para além do mais, o seguinte:

«Como resulta do probatório, atenta a informação da agência encarregada da venda de que só conseguiu obter como melhor proposta o valor de 15.000.000$00, foi determinada a venda por esse valor, facto que foi comunicado ao requerente Fundo de Turismo. Mas, antes de ser autorizada a venda por tal valor deveria ter sido ouvido o exequente Fundo de Turismo? Quid juris?

Cremos que sim. Tal decorre do art.º 866.º-A, n.º 1 e 2 do CPCivil que estabelece quanto a todas as formas de venda que incumbe ao juiz (devendo entender-se aqui o Chefe da Repartição de Finanças enquanto autoridade administrativa) ouvidas as partes, determinar quer a modalidade da venda quer o valor base dos bens a vender podendo, inclusivamente, determinar a avaliação de molde a apurar o respectivo valor de mercado. Trata-se, sem dúvida, da consagração da intenção de acautelar os interesses do exequente e do executado e de salvaguardar o próprio prestígio do Tribunal como decorre do relatório do D.L. n.º 329-A/95. Por sua vez, o n.° 4 do art.º 886.º-A do C.P Civil determina que o despacho referido no n.° 1, deverá ser notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes dos créditos com garantia sobre os bens a vender.

Entendemos, pelo exposto, que deveria ter sido ouvida a entidade exequente, nos termos do citado preceito legal sobre o novo preço proposto pela agência encarregada da venda e que veio a ser autorizado, manifestamente inferior ao valor inicialmente fixado. Não tendo sido ouvido o exequente Fundo de Turismo, há preterição de uma formalidade essencial – art.º 202.º do CPCivil.»

1.66. Em 10 de janeiro de 2002, CC e DD interpuseram recurso daquela sentença, o qual veio a ser admitido, por despacho de 11 de fevereiro de 2002, proferido no processo de anulação de venda supra identificado com o n.º 1/98, como recurso a ser julgado e processado como agravo em processo civil, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo - Alínea BN;

1.67. No mencionado recurso, invocaram-se, entre outros fundamentos: que não ocorreu a nulidade por falta de audição do Fundo de Turismo declarada na sentença recorrida; que os recorrentes não foram citados ou por qualquer forma notificados no âmbito dos autos de anulação de venda n.º 1/98, o que era necessário para assegurar o efeito útil normal da decisão de anulação da venda e constitui nulidade insanável, devendo anular-se todo o processado posterior à formulação do pedido de anulação de venda - Alínea BO;.

1.68. Nesta sequência, por acórdão de 3 de maio de 2005, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, foi decidido (Alínea BP) o seguinte:

«Julgar procedente o recurso e declarar a nulidade por falta de notificação dos Compradores, ora Recorrentes, para contestarem o pedido de anulação da venda, motivo por que se anulam todos os termos processuais ulteriores às notificações (dos Executados) que foram efectuadas para contestar aquele pedido.»

1.69. Do conteúdo da fundamentação do referido acórdão, consta (Alínea BQ), para além do mais, o seguinte:

«Ora, como se nos afigura inequívoco (…) a sentença deveria ter sido notificada aos ora Recorrentes, e não o foi. Note-se que estamos perante uma anulação de venda e que os Recorrentes são os compradores dos bens relativamente aos quais foi pedida a anulação da venda. É, pois, inquestionável que tal sentença deveria ter sido notificada aos ora Recorrentes, que compraram os referidos bens na execução, sob pena de a mesma não produzir qualquer efeito útil, por não lhes poder ser oposta. Salvo o devido respeito, pelo facto de o processo ter sido devolvido pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa à 1.ª RFVFX não pode concluir-se, sem mais, que transitou em julgado a sentença nele proferida.

O trânsito em julgado de uma decisão resulta, única e exclusivamente, do facto de esta já não ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos arts 668.º e 669.º e 669.º do CPC (…) e não de uma qualquer remessa do processo para onde quer que seja. Sendo certo que após o trânsito em julgado da decisão do pedido de anulação de venda (incidente no processo de execução fiscal) deve efectuar-se a remessa do processo à repartição de finanças, o facto de o processo ter sido remetido à repartição de finanças não permite concluir que se verificou o trânsito em julgado daquela decisão. Do mesmo modo, não será a emissão de qualquer certidão da sentença com nota de trânsito, que determinará o trânsito da mesma. A emissão de certidões não tem qualquer efeito constitutivo e, como vimos já, o trânsito em julgado depende, única e exclusivamente, da verificação das condições previstas no art. 668º do CPC Ou seja, a sentença, porque não foi notificada aos Recorrentes, não tinha ainda transitado em julgado quando estes vieram interpor recurso da mesma (…). Logo no requerimento de interposição de recurso que constitui a primeira intervenção dos Compradores no incidente de anulação de venda, estes deixaram escrito que recorriam “dado que (…) nunca foram citados ou notificados no âmbito do (…) processo de anulação de venda, tendo o processo corrido à sua revelia”.

Ora, como dissemos já, entendemos que o meio adequado para a invocação da nulidade é o recurso. Afigura-se-nos, pois, que o meio processual utilizado para arguir a nulidade por falta de notificação para responder ao pedido de anulação de venda - o recurso da sentença - é o adequado e que a arguição foi feita em tempo (…). Na anulação da venda, quando não deduzida pelo comprador, impõe-se a audição deste, que tem interesse directo na decisão a proferir e por assim o impor o principio do contraditório, que estipula o dever de a contra parte ser “devidamente chamada para deduzir oposição”, consagrado no art.º 3.° do CPC (…). Desse principio encontra-se manifestação expressa, em sede anulação de venda, no art. 908.º, n.° 2, do CPC, onde se diz que o juiz decide o incidente depois de ouvidos "o exequente, o executado e os credores interessados", sendo que não se refere o comprador por, no caso aí previsto, ser ele quem formula o pedido de anulação (…).

Assim, verificando-se que o comprador não foi ouvido sobre o pedido de anulação de venda formulado como consequência da nulidade arguida pelo Exequente, mas que apenas foram ouvidos os Executados, há que julgar verificada a nulidade prevista no art. 194.º do CPC, que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 201.º do mesmo código, mas que no caso foi expressamente invocada como fundamento do recurso.

Consequentemente, dando provimento ao recurso, é de anular todo o processado ulterior à apresentação do requerimento inicial de anulação da venda, de acordo com o disposto no art. 197.º, alínea a), ainda do CPC, incluindo a sentença, sem prejuízo do aproveitamento das notificações dos Executados para contestarem. Fica assim prejudicado o conhecimento da segunda questão (…), ou seja, não há que apreciar e decidir se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando anulou a venda (…)»

1.70. Nesta sequência, por sentença de 9 de novembro de 2006, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, Unidade Orgânica 4, no processo de anulação de venda n.º 1/98, confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 23 de abril de 2008, transitado em julgado, foi decidido (Alínea BR) o seguinte: «anulo a venda efectuada nos autos».

1.71. Na referida sentença, considerou-se provada (Alínea BS) a seguinte factualidade:

«1. A execução fiscal n.º 1597-92/160212.8 instaurada em 17/02/92 pela Repartição de Finanças de Vila …, (r Repartição), contra AA e mulher BB, por dívida ao então Fundo de Turismo - Organismo Estatal Autónomo, no montante de 49.671.419$00 proveniente de um empréstimo para fins turísticos concedido por esse organismo.

2. No referido processo foram penhorados em 26.1.93 os bens descritos no auto de penhora de folhas 13 a 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pertencentes aos executados.

3. Em 2 de Maio de 1994 o Chefe da Repartição de Finanças proferiu despacho designando o dia 31 de Maio de 1994, pelas 11 HOO para efectivação da venda dos bens penhorados a realizar na Repartição de Finanças fixando o valor base de 70.000.000500. (cfr folhas 79).

4. Em 3.5.94 foi proferido despacho fazendo saber que no dia 31.5.94 se iria proceder à venda judicial por meio de proposta em carta fechada dos bens penhorados, convidando-se todos os interessados a apresentarem as suas propôs-tas em carta fechada, atribuindo aos bens o valor de 70.000.000$00, sendo o valor base para a venda no montante de 49.000.000$00. (cfr folhas 82).

5. O Fundo de Turismo foi notificado deste despacho em 6.5.94 (cfr folhas 83) bem como os executados (cfr folhas 85).

6. No dia 31.5.94 verificou-se não existirem proponentes pelo que o Chefe da Repartição de Finanças encerrou o acto e ordenou que a venda fosse efectuada por negociação particular, tendo sido fixado como preço mínimo para a venda dos bens o montante de 45.000.000$00. (cfr folhas 98 e 99).

7. Foi autorizada a venda por negociação particular pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, ratificando o despacho do Chefe da Repartição de Finanças referido em 6 supra, (cfr folhas 101).

8. Foram publicados os editais constantes de folhas 119 anunciando a venda por negociação particular dos bens penhorados os quais foram afixados em 24.8.94. (cfr folhas 119 e V.

9. Os executados e o Fundo de Turismo foram notificados da ordenada venda em 29.8.94. (cfr folhas 119,120 e 123).

10. Por despacho de folhas 157 e em face do requerimento de folhas 156 do Fundo de Turismo a execução reverteu contra Quinta do …, SA por ser esta sociedade a entidade adquirente dos bens que garantem a dívida, (cfr folhas 156 e 157).

11. Tal despacho foi notificado à Quinta do … - Empreendimentos Turísticos, SA (cfr folhas 158).

12 - A sociedade II e Antiguidades, Ld.ª, encarregada da venda veio em 18.4.96 informar o Chefe da Repartição de Finanças que só conseguiu a venda pela melhor proposta no montante de 15.000.000$00, solicitando que seja informada se pode ou não aceitar a oferta, (cfr folhas 177).

13. O Chefe da Repartição de Finanças proferiu despacho em 22.4.96, solicitando à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa a autorização da alienação dos bens pelo valor proposto pela encarregada da venda (cfr folhas 178).

14. Foi autorizada tal venda pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa em 29.5.96. (cfr. folhas 182).

15. O Serviço de Finanças remeteu em 03/07/96, ao então Fundo de Turismo, o ofício notificação que aqui se dá por reproduzido (cfr. folhas 188).

16. Em 18 de Junho de 1996 CC, efectuou o depósito de Esc. 15.000.000$00, respeitante ao preço, à ordem do Chefe da l" RFV… (cf guia de depósito a fls. 184).

17. Por escritura pública celebrada em 16 de Julho de 1996 em que intervieram o legal representante da leiloeira encarregada da venda, referida em 12, e CC, aquele declarou vender a este, pelo preço de Esc. 15.000.000$00, os prédios penhorados referidos em 2. (cfr. a cópia da escritura de fls. 194 a 199).»

1.72. Do teor da fundamentação daquela sentença consta (Alínea BT), para além do mais, o seguinte:

«Antes de mais importa fixar que ao caso se aplica o referido art. 886.º (do Código de Processo Civil], pois, conforme referido na nota 1, este normativo refere-se à redacção anterior à da reforma de 1995/1996 (Decreto-lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, que entrou em vigor em 01/01/1997, só se aplica aos processos iniciados após essa data, cf. art.º 16.º do mesmo Decreto-lei). (…)

Tal normativo aplica-se por remissão do art 325.º do Código de Processo Tributário, com a redacção dada pelo Decreto-lei n.° 47/95, de 10/03, que dispõe no n.º 2 que “Quando haja urgência na venda dos bens ou estes sejam de reduzido valor, bem como em todos os casos autorizados pelo director distrital de finanças mediante proposta fundamentada do chefe da repartição de finanças, a venda será feita por negociação particular”.

No caso dos autos, a venda foi autorizada pelo director de finanças. Resulta ainda do probatório que para venda dos bens foi atribuído o valor de 49.000.000$00, reduzido para 45.000.000$00, acabando por ser vendidos por 15.000.000$00. Resulta do probatório que nas informações do chefe dos serviços de finanças e dos despachos do director de finanças que ordenou a venda, constava o preço de 15.000.000$00 e o comprador que apresentou melhor proposta, isto é, o Sr. CC. Resulta ainda que na notificação ao IFAT [ex Fundo de Turismo], por despacho de 26/05/96, foi decidido adjudicar o imóvel penhorado à maior proposta encontrada pelo negociador particular nomeado e que foi feita pelo Sr. CC. Ou seja, resulta do probatório que o IFAT foi notificado do facto já consumado, ou seja, a decisão de adjudicar o imóvel à maior proposta encontrada, no caso o Sr. CC.

Tal procedimento contraria o disposto no art.º 886.º do Código de Processo Civil, pois, no regime aí consagrado o legislador quis dar oportunidade a que os interessados na venda tivessem oportunidade de apresentar a sua proposta, face ao novo valor ficado para venda. O que no caso não foi facultado ao ora requerente IFAT.

Tendo em conta o exposto, foram violados os artigos 887.º do Código de Processo Civil, com a redacção à data, e o art.º 201.º do mesmo diploma.

Dispõe ainda o art 909.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil que a venda fica sem efeito se o acto da venda for anulado nos termos do art.º 201.º do mesmo diploma, procedendo o pedido do requerente. Não procedem os fundamentos dos ora compradores, nomeadamente, aquele que se reporta à nulidade do registo prevista no art.º 17.º, n.º 2, do Código do Registo Predial, porquanto tal normativo não tem aplicação à relação material controvertida. Pois, não estamos perante um negócio válido entre a Fazenda Pública e o comprador dos bens, por força da violação dos normativos supra, não resultando do referido normativo qualquer protecção para o comprador CC.»

1.73. Do teor da fundamentação do citado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou a sentença de 9 de novembro de 2006, consta (Alínea BU), para além do mais, o seguinte:

«Contra o assim fundamentado e decidido se insurgem os recorrentes esgrimindo que o recorrido nunca deduziu qualquer incidente de arguição de nulidade no processo de execução fiscal em curso na Repartição de Finanças - o que deveria ser feito através do meio processual adequado, no caso a reclamação nos termos previsto no CPT então em vigor - tendo-se limitado a interpor um recurso hierárquico do acto administrativo que autorizou a venda e o recurso hierárquico não traduz nem se coaduna com uma arguição da nulidade num processo de execução fiscal, tratando-se de processos de natureza distinta, pois se o recurso hierárquico é um típico processo de natureza administrativa já a reclamação que dá origem a um incidente de anulação de venda é um processo judicial.

A entender-se como arguição de nulidade o recurso hierárquico interposto pelo exequente para o Ministro das Finanças, ter-se-ia de concluir pela sanação de tal irregularidade, pois tal recurso foi objecto de uma decisão de indeferimento, não tendo essa decisão sido objecto de recurso contencioso junto dos Tribunais Administrativos, pelo que se consolidou na ordem jurídica com o valor de caso decidido.

A autorização da venda dada pelo Director Distrital é um mero pressuposto para que, nas condições particulares em causa na situação dos autos, o Chefe da Repartição de Finanças - que é quem detém a competência e autoridade para promover a execução fiscal: possa ordenar a realização da venda, não se confundido a apontada autorização com uma ordem de venda, com uma adjudicação ou com a transmissão de propriedade.

O que o artigo 887.°/2 do CPC prescrevia - na redacção em vigor ao momento anterior ao DL nº 329-A/95, de 12 de Dez. - era que fossem "ouvidas as pessoas que houverem requerido a venda" antes do mandatário "fazer a venda" (e não antes de se mostrarem reunidos certos pressupostos da venda como seja o caso da autorização do Director Distrital quando esta se mostra necessária), formalidade que no caso dos autos se cumpriu. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 887.°/2 do CPC ao considerar violado tal dispositivo legal, já que, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, o que a citada norma impõe é a audição do exequente antes de se fazer a venda (transmissão de propriedade) - o que ocorreu no caso dos autos - e não antes do Chefe da Repartição de Finanças (entidade com competência para determinar a venda) reunir os pressupostos para o efeito, de entre os quais se conta a autorização do Director Distrital de Finanças nos casos em que esta tenha lugar.

Por fim, referem que tendo os recorrentes adquirido e registado a aquisição dos imóveis muito antes do registo de qualquer acção de nulidade, não lhes pode ser oposta a eventual nulidade de tais registos de aquisição, nos termos do disposto no art. 17°/2 do Cód. Reg. Predial (cfr. Ac. Rel. Porto, de 27.05.1999, no Proc. n" 9820095, in www.dgsi.pt). Contra-alegando, os executados e o exe-quente pronunciam-se pela bondade do julgado. Quid juris?

O que está em causa é o despacho do director de finanças que autorizou a venda proferido ao abrigo do art.º 325.° do Código de Processo Tributário, com a redacção dada pelo Dec. Lei n" 47/95 de 10/03, que dispõe no n° 2 que "Quando haja urgência na venda dos bens ou estes sejam de reduzido valor, bem como em todos os casos autorizados pelo director distrital de finanças mediante proposta fundamentada do chefe da repartição de finanças, a venda será feita por negociação particular".

Evidencia o probatório que para a venda dos bens foi atribuído o valor de 49.000.000$00, reduzido para 45.000.000$00, acabando por ser vendidos por 15.000.000$00. Mais decorre do probatório que nas informações do chefe do Serviço de Finanças e dos despachos do director de finanças, (fls. 181 e 182, cf probatório 15) que ordenou a venda, constava o preço de 15.000.000$00 e o comprador que apresentou melhor proposta, isto é, foi o Sr. CC. Resulta ainda de fl. 188, (probatório 14) que na notificação ao IFAT, por despacho de 26/05/96, foi decidido adjudicar o imóvel penhorado à maior proposta encontrada pelo negociador particular nomeado e que foi feita pelo Sr CC. Em suma e como bem se refere na sentença, resulta do probatório que o IFAT foi notificado do facto já consumado, ou seja a decisão de adjudicar o imóvel à maior proposta encontrada, no caso o Sr. CC.

Nesse conspecto, não nos merece qualquer censura a sentença recorrida ao considerar que esse procedimento contraria o disposto no art.º 887.° do Código de Processo Civil, pois, o regime aí consagrado o legislador, quis dar oportunidade a que os interessados na venda, tivessem oportunidade de apresentar a sua proposta, face ao novo valor ficado para a venda. Na verdade e antes de mais, não colhe a argumentação dos recorrentes de que o recorrido se limitou a interpor um recurso hierárquico do acto administrativo que autorizou a venda e o recurso hierárquico não traduz nem se coaduna com uma arguição da nulidade num processo de execução fiscal, tratando-se de processos de natureza distinta, pois se o recurso hierárquico é um típico processo de natureza administrativa já a reclamação que dá origem a um incidente de anulação de venda é um processo judicial. Se assim fosse, a razão estaria do lado dos recorrentes. A competência dos tribunais são os limites dentro dos quais a cada tribunal cabe exercer a função jurisdicional, é a medida de jurisdição dos diversos tribunais, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais. À denominada "jurisdição administrativa e fiscal ", na qual se integra o actual TCA, incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações administrativas e fiscais. Mas a "jurisdição fiscal " é distinta da "jurisdição administrativa" por constituir uma especialização dentro desta na qual cabem todas as questões administrativas que não tenham natureza fiscal e cujo conhecimento não seja atribuído a outro Tribunal.

Assim, no âmbito da "jurisdição fiscal» caem todas as questões administrativas de natureza fiscal e estas são não só as resultantes de resoluções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias, com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como as que os dispensem isentem delas, como ainda, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal. A competência em razão da hierarquia respeita à distribuição legal da competência, em função do acto ou da posição hierárquica, entre os vários Tribunais igualmente competentes em razão da matéria.

Em virtude da nova redacção introduzida no art. 41º n° 1, al. b), do ETAF (DL n.° 129/94, de 27/4), pelo art. 1.º do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro, cujo início de vigência foi marcado pelo art.º 5.º, n° 1, daquele diploma e pela Portaria n" 398/97, de 18 de Maio, para 15/09/97, data da entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, passou a competir ao TCA, em matéria de contencioso tributário, conhecer dos recursos dos actos administrativos de membros do Governo respeitantes a questões fiscais. Correspondentemente o mesmo diploma (DL 229/96) alterou também a redacção da al. e) do art.º 62.° do ETAF, passando a estabelecer que compete aos tribunais tributários de 1.ª instância conhecer dos recursos dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais para cujo conhecimento não sejam competentes o STA e o TCA.

A questão aqui em causa conecta-se com o despacho do director de finanças que no processo de execução fiscal adjudicou o imóvel, pelo que versa não sobre uma questão fiscal, mas tão só sobre uma questão do processo fiscal. Nos termos dos artigos 276.° e ss do Código de Procedimento e do Processo Tributário, tais actos são passíveis de reclamação, sendo competente para o conhecer o TAF de Lisboa.

Assim, atentas as citadas regras respeitantes à distribuição legal da competência, em função do acto ou da posição hierárquica, entre os vários Tribunais igualmente competentes em razão da matéria, dúvidas não sobram de que o TAF era competente para apreciar o pedido formulado pela requerente.

Os Recorrentes, pelas razões constantes das conclusões supra transcritas, sustentam fundamentalmente a aplicabilidade do mecanismo de reclamação p. no art.º. 276.° do CPPT na consideração de que o despacho recorrido não se trata de um acto administrativo sobre questão fiscal, já que a sua decisão não importa a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal mas, antes, a aplicação das normas atinentes ao processo de execução fiscal de que não cabia recurso hierárquico autónomo. É insofismável que nos termos do art.º 355.º do CPT, aplicável ao tempo da venda, "as decisões proferidas pelo chefe da repartição de finanças e outras autoridades da administração fiscal que afectem os direitos e interesses legitimas do executado são susceptíveis de recurso judicial para o tribunal tributário de 1.ª instância (...)".

Assim, cabe aquele recurso (reclamação na terminologia do CPPT) das referidas decisões proferidas no âmbito do processo de execução fiscal, nesta se enquadrando tanto o chefe de repartição de finanças, como o director de finanças, como ainda o Ministro das Finanças, nos termos, mormente e em vista do caso concreto, dos art.ºs 280.° e 282°, n.° 6, do CPT.

Dúvidas não sobram pois, de que sempre que uma das entidades referidas no aludido preceito legal proferisse decisão no processo de execução fiscal, que afectasse os direitos e interesses legítimas do executado, este podia reagir contra tal decisão mediante a interposição de recurso judicial para o TT da 1.ª instância, recurso judicial porque visava atacar uma decisão da AF e que é diferente do recurso jurisdicional, que tem por objecto uma decisão judicial.

Em conformidade e substanciando o princípio consagrado no art.º 268.°, n.° 4, da CRP a decisão que afecte os direitos e interesses legítimos do executado é passível do recurso regulado no art.º 355.º do CPT o qual, “qualquer que seja a autoridade da administração fiscal que tenha proferido a decisão ( . .) é sempre interposto para o tribunal tributário de 1.ª instância ... mesmo que a decisão seja do Ministro das Finanças (Cfr Alfredo. Sousa e Silva Paixão CPT Anotado, pág. 725). Da decisão final desse recurso, caberia então recurso jurisdicional nos termos do art.º 356.° do CPT.

Acresce que na mesma linha vai hoje o CPPT como decorre dos seus arts 276.° e segs. ao prever que em processo de execução fiscal as decisões proferidas pelas autoridades da administração tributária são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância. Nesse sentido, o que importa frisar é que, como resulta dos pontos 14 e 15 do probatório, foi autorizada a venda pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa em 29.5.96. (cfr. folhas 182) e que o Serviço de Finanças remeteu em 03/07/96, ao então Fundo de Turismo, o oficio notificação dando-lhe conhecimento, na qualidade de exequente “(...) de que (…) foi decidido adjudicar o imóvel (...)”. E foi nessa sequência que o Fundo de Turismo veio a fls. 201 recorrer de despacho que decidiu adjudicar o imóvel penhorado".

Acresce que, como expende o Prof Anselmo de Castro, Acção Executiva, pág. 247, « ... a causa de nulidade da venda nos termos do preceito legal em análise (art.º 909.°, n.° 1, al.. c, do CPC) só é configurável em face de nulidade ocorrida nos actos finais da venda ou mesmo nulidade dos seus actos preparatórios (incluindo a penhora), tempestivamente reclamada, mas cuja procedência venha a ser declarada em agravo de decisão posteriormente à venda».

O certo é que existiu nulidade processual que, em nosso entender, influi no acto da venda judicial, pelo que há fundamento que justifica a anulação da venda. Com efeito, a nulidade relatada e que no entender do requerente terá sido cometida, em face do quadro fáctico, só terá relevo em face da preterição do direito e interesse do comprador que, em concreto, não se mostra violado, impondo a boa fé, que de outro modo não era respeitada pelo próprio Tribunal, que seja anulada a venda. É que quem vende é o Estado e não o executado que sofre a venda, nem o exequente que a promove. É esse o entendimento dominante da jurisprudência como pode ver-se do Ac. Reli. Lisboa de 6/12/1974, in BMJ. 242.°-354, onde se decidiu que a venda judicial é uma venda forçada efectuada pelo Estado que assim se substitui ao dono da coisa que for objecto da penhora e no Ac. do STJ de 9/1/1979, no BMJ, mas 283.°-196, que define a venda judicial como um acto misto, de direito público em relação ao vendedor e de direito privado em relação ao adquirente. E o regime da venda executiva não difere substancialmente do da venda privada tendo, por isso, a mesma força alienatória e regulando-se pelos mesmos princípios legais. Nesse sentido, o Ac. do STJ de 17/11/1977, BMJ 27JD-166 e Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol. II, pág. 87. Sendo assim, o regime da venda era subsidiariamente aplicável em tudo o que não esteja especialmente determinado no Código de Processo Tributário.

Ora, como é sabido, a regulamentação legal da venda executiva, obedece à preocupação de assegurar a maior concorrência possível à venda ou à praça, pois que o êxito da venda será tanto maior quanto mais numerosos forem os concorrentes ou licitantes. Pretende-se que a venda seja o mais rendosa possível, que os bens sejam adjudicados pelo preço mais elevado que possa conseguir-se. Cfr., nesse sentido, o Acórdão do TCA de 04-11-2003, tirado no Recurso n.º 00836/ 03, in www.dgsi.pt. É evidente que este resultado será tanto mais provável quanto maior for a publicidade que se der ao projecto de venda - cf o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-1-1983, no Boletim do Ministério da Justiça 323º-333 onde se cita Alberto dos Reis, Processo de Execução.

Sendo assim, como é, a venda é nula nos termos explanados na sentença recorrida, não colhendo em contrário as razões dos recorrentes que não têm valor jurídico para justificar a manutenção da venda.»

1.74. Do conteúdo do Aviso da Direção-Geral Turismo, Comissão de Utilidade Turística, Sector de Utilidade Turística, publicado no Diário da República, III Série, n.º 86, de 11 de abril de 1995, consta (Alínea BV) o seguinte:

«por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 27 de Março de 1995 foi atribuída a utilidade turística a título prévio a um empreendimento de animação desportivo de interesse para o turismo, constituído por um campo de ténis, um squash, um centro hípico, um campo de tiro aos pratos, um bar/churrasqueira e um restaurante de 2 que Quinta do … Empreendimentos Turísticos, SA., pretende levar a efeito na Quinta do …, Casal da …., Vila ….»

1.75. Do teor do referido aviso, consta ainda (Alínea BW) o seguinte:

«Esta utilidade turística é atribuída nos termos do disposto nos artigos 20, n° 1, 30, na 1, alínea d), 40, 50, na 1, alínea a), 70, nº 1 e 2, e 110, nº 1 a 3, do Decreto-lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, valendo pelo prazo de 24 meses, ficando, nos termos do disposto no artigo 8.° do referido decreto-lei, dependente do cumprimento dos seguintes condicionamentos:

a) A empresa deverá dar satisfação aos condicionamentos expressos nos pareceres n.º 77/91, de 6 de Fevereiro de 1991, e n.º 814/91, de 4 de Outubro de 1991;

b) O empreendimento deverá abrir ao público no prazo máximo de 18 meses contado a partir da data do despacho declarativo, sem prejuízo do dever legal de requerer a confirmação da utilidade turística dentro do prazo de validade fixado, excepto quando lhe seja concedida a prorrogação prevista no n" 3 do artigo 11.º do Decreto-lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro;

c) O empreendimento deverá vir a satisfazer as exigências legais para a prevista qualificação de empreendimento de animação desportivo, de interesse para o turismo;

d) A empresa deverá solicitar oportunamente a vistoria ao nível dos serviços, sem o que não poderá ter andamento o processo de confirmação da utilidade turística;

e) A empresa não poderá realizar sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo e conhecimento da Comissão de Utilidade Turística, quaisquer obras que impliquem alteração do projecto aprovado, ou das características arquitectónicas dos edifícios respectivos;

f) Deverá ser dado cumprimento aos compromissos financeiros assumidos perante o Fundo de Turismo, se o mesmo vier a dar apoio financeiro, salvo justificação aceite pelo mesmo Fundo.»

1.76. Do teor da descrição predial do prédio descrito sob o número 165, consta (Alínea BX) o seguinte: «Casal do … - Casa abarracada para habitação Área: 59 m2 (…)».

1.77. Do teor da descrição predial do prédio descrito sob o número 166, consta (Alínea BY) o seguinte: «Lugar da … Casal do … - Casa de R/C e sótão, destinada a habitação -180 m2 (. . )».

1.78. Do teor da descrição predial do prédio descrito sob o número 167, consta (Alínea BZ) o seguinte: «Lugar da … Casal do … - Casa de R/C para: adega, estábulos, pocilgas e armazéns - Área: 130 m2 (…)»

1.79. Do teor da descrição predial do prédio descrito sob o número 6l3, consta (Alínea CA) o seguinte:

«Rústico, situado no Casal do … - área total 35.871 m2 - terreno de pinhal, vinha, oliveiras, árvores de fruto, horta, pastagem, mato, terreno estéril e cultura arvense (…). Ap. 34/210291-Av. 1 - Em construção um edifício que se irá compor de rés-do-chão, para balneário, campo de squash e estrebaria para alojar 9 cavalos - Área coberta: 230 m2 (…)»

1.80. EE, FF e GG estão em poder dos prédios acima identificados - Alínea CB;  

1.81. A presente ação foi instaurada no dia 1 de outubro de 2001 - Alínea CC);  

1.82. Em 14 de novembro de 2001, CC e DD foram citados, na presente ação, por via postal, com aviso de receção, constando da respetiva carta (Alínea CD), para além do mais, o seguinte:

«Fica V Exa. citado/notificado (…) para no prazo de vinte dias pagar ao exequente, deduzir oposição ou nomear bens à penhora, sob pena de:

a) Se considerar devolvido ao exequente o direito de nomear bens à penhora.

b) Ser ordenada a penhora dos bens hipotecados (…).

Juntam-se os duplicados da petição inicial e a(s) cópia(s) do(s) documentos) que se encontra(m) junto(s) aos autos.»

1.83. Em 13 de novembro de 2001, EE e FF foram citados, na presente ação, por via postal, com aviso de receção, constando da respetiva carta (Alínea CE), para além do mais, o seguinte:

«Fica V Exa. citado/notificado (…) para no prazo de vinte dias pagar ao exequente, deduzir oposição ou nomear bens à penhora, sob pena de:

a) Se considerar devolvido ao exequente o direito de nomear bens à penhora.

b) Ser ordenada a penhora dos bens hipotecados (…).

Juntam-se os duplicados da petição inicial e a(s) cópia(s) do(s) documento(s) que se encontra(m) juntos aos autos.»

1.84. Em 19 de novembro de 2001, GG, foi citado, na presente ação, por via postal, com aviso de receção, constando da respetiva carta (Alínea CF), para além do mais, o seguinte:

«Fica V Exa. citado/notificado (…) para no prazo de vinte dias pagar ao exequente, deduzir oposição ou nomear bens à penhora, sob pena de:

a) Se considerar devolvido ao exequente o direito de nomear bens à penhora.

b) Ser ordenada a penhora dos bens hipotecados (…).

Juntam-se os duplicados da petição inicial e a(s) cópia(s) do(s) documentos) que se encontra(m) junto(s) aos autos.»

1.85. Em 19 de novembro de 2001, CC, DD, EE e FF, foram citados, na presente ação, por via postal registada, com aviso de receção, constando da respetiva carta (Alínea CG), para além do mais, o seguinte:

«Fica V Exa. citado (…) para no prazo de trinta dias a contar da citação contestar(em) a acção ordinária acima mencionada, com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelos autor(es) (. . .). Juntam-se os duplicados da petição inicial e a/s) cópia(s) do(s) documento(s) que se encontra(m) junto(s) aos autos. Consignando de que fica citado nos termos da Acção Ordinária e não da Execução Ordinária, como por lapso foi feito na anterior citação.»

1.86. GG, foi citado na presente ação, por via postal simples, através do envio de carta para duas moradas diferentes, que foi depositada na respetiva caixa do correio no dia 8 de janeiro de 2002 e 10 de janeiro de 2002, respetivamente, constando daquela carta (Alínea CH), para além do mais, o seguinte:

«Fica V Exa. citado (…) para no prazo de trinta dias a contar da citação, contestar(em) a acção ordinária acima mencionada, com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es) (…). Juntam-se os duplicados da petição inicial e a(s) cópia(s) do(s) documento(s) que se encontra(m) junto(s) aos autos. Consignando de que fica citado nos termos da Acção Ordinária.» 

1.87. Na execução fiscal n.º 159…8, não consta requerimento ou petição dos A.A. ou dos seus representantes legais a requerer a restituição dos bens vendidos - Alínea CI;

1.88. Os A.A. pretendiam usar os prédios para neles implementar e colocar em funcionamento o empreendimento turístico acima referido e retirar proventos da exploração desse empreendimento – resposta ao art.º 1.º da base instrutória;

1.89. Na sequência da celebração da escritura pública mencionada em 1.1 (alínea A), o Fundo de Turismo só disponibilizou, gradualmente, aos autores, a quantia de 43.700.000$00, ou seja, € 217.974,68 (duzentos e dezassete mil novecentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

1.90. Quantia esta que os A.A. investiram na implementação, nos prédios, do referido empreendimento turístico – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;  

1.91. Os A.A. entraram em incumprimento para com o Fundo de Turismo e este não libertou mais nenhuma quantia do financiamento – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;  

1.92. O que levou os A.A. a recorrerem à banca para obterem o financiamento necessário para poderem continuar a implementar, nos prédios, aquele empreendimento – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.93. Na sequência da situação supra descrita, e em execução do referido empreendimento, os autores iniciaram uma construção destinada a estábulos para nove cavalos – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

1.94. E iniciaram uma construção destinada a servir de terraço adjacente aos bares – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;  

1.95. E iniciaram uma construção destinada a servir de casas de arreios – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;   

1.96. E estruturaram o espaço destinado a campo de ténis – resposta ao art.º 13.º da base instrutória;  

1.97. E construíram o muro do lado direito, contíguo à estrada, visível na fotografia de fls. 376 (Doc. n.º 27) dos autos – resposta ao art.º 15.º da base instrutória;  

1.98. E fizeram terraplanagens – resposta ao art.º 17.º da base instrutória;   

1.99. Iniciaram a edificação visível na fotografia de fls. 360 dos autos, com exceção do espaço asfaltado entre as árvores – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;   

1.100. Iniciaram a edificação visível nas fotografias de fls. 357 – resposta ao art.º 18.º da base instrutória;   

1.101. Iniciaram a edificação visível nas fotografias de fls. 373 dos autos, com exceção daquela que ocupa o terraço – resposta ao art.º 19.º da base instrutória;  

1.102. Iniciaram a edificação visível nas fotografias de fls. 374 dos autos – resposta ao art.º 20.º da base instrutória;

1.103. Iniciaram a edificação visível nas fotografias de fls. 378 dos autos – resposta ao art.º 21.º da base instrutória;  

1.104. Os A.A. estão impedidos de entrar nos prédios, desde, pelo menos, meados de Maio de 1996 – resposta ao art.º 25.º da base instrutória;  

1.105. Os A.A. deixaram de retirar proventos da utilização dos prédios e de amortizar, ao Fundo de Turismo, o capital mutuado e respetivos juros – resposta ao art.º 27.º da base instrutória;  

1.106. À data mencionada em 1.13 (Alínea M), os prédios já se encontravam na situação descrita supra em 1.93 a 1.103 (respostas dos artigos 7 a 21) – resposta ao art.º 31.º da base instrutória;   

1.107. À data mencionada em 1.13 (alínea M), os dois primeiros R.R. eram pessoas experientes na compra de bens em processos de execução fiscal – resposta ao art.º 33.º da base instrutória;  

1.108. À data mencionada em 1.13 (alínea M), os dois primeiros R.R. dedicavam-se, já há vários anos, à atividade de compra de propriedades para revenda – resposta ao art.º 34.º da base instrutória;  

1.109. Os dois primeiros R.R. compraram os prédios para revenda – resposta ao art.º 39.º da base instrutória;  

1.110. À data mencionada em 1.13 (alínea M), os dois primeiros R.R. desconheciam a existência de qualquer irregularidade ocorrida no processo de execução fiscal, relacionada com a venda dos prédios – resposta ao art.º 40.º da base instrutória;   

1.111. À data em que foi efetuado, na Conservatória do Registo Predial, o respetivo registo de aquisição, por compra em processo de execução fiscal, os dois primeiros R.R. desconheciam a existência de qualquer irregularidade ocorrida no processo de execução fiscal, relacionada com a venda dos prédios – resposta ao art.º 41.º da base instrutória;  

1.112. A utilidade turística atribuída ao empreendimento em causa caducou em 27.03.95 – resposta ao art.º 45.º da base instrutória;    

1.113. À data mencionada em 1.16 (alínea P), os R.R. EE e FF desconheciam a existência de qualquer ação judicial de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscalresposta ao art.º 48.º da base instrutória, mas dada como não provada pela Relação;   

1.114. À data mencionada em 1.19 (alínea S), o R. GG desconhecia a existência de qualquer ação judicial de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal resposta ao art.º 49.º da base instrutória, mas dada como não provada pela Relação;   

1.115. Os A.A. entraram em incumprimento para com o Fundo de Turismo e por isso foi-lhes movido o processo de execução fiscal supra identificado – resposta ao art.º 51.º da base instrutória;    

1.116. À data referida em 1.16 (alínea P) e 1.19 (alínea S), os prédios em causa encontravam-se em situação de ruína e invadidos de mato – resposta ao art.º 52.º da base instrutória.


Não se transcreve a restante factualidade dada por provada pelas instâncias por se tratar de matéria sem pertinência para a apreciação das questões objetos das presentes revistas.  


      2. Da alteração da decisão de facto pelo Tribunal da Relação


     Em sede da apreciação da decisão de facto impugnada, o Tribunal da Relação, respondendo afirmativamente à matéria dos artigos 37.º e 38.º e negativamente à matéria dos artigos 48.º e 49º da base instrutória, deu por provado que:

   Em 09/06/1999, os 3.º, 4.º e 5.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.


      3. Do mérito dos recursos


    3.1. Da questão da incompetência absoluta em razão da matéria


Antes de mais, convém reter que tanto os 1.º e 2.ª R.R. como os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. arguíram, nas respetivas contestações, a questão da incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal da causa, enquanto tribunal judicial, para conhecer das pretensões deduzidas pelos A.A., sustentando que os efeitos ali peticionados visavam pôr em causa a execução ou a oponibilidade a uma sentença proferida pelo tribunal tributário, pelo que seria este o tribunal materialmente competente para declarar os efeitos civis e de caso julgado daquela sentença de anulação da venda executiva.

Tal questão foi objeto de apreciação em sede do despacho saneador proferido a fls. (fls. 1234-1303, Vol. VI), datado de 12/10/2009.

Ali foi considerado que o objeto da ação se reconduzia a uma pretensão de reivindicação da propriedade dos imóveis, por parte dos A.A., ainda que conjugada com a alegada ausência de título dos R.R. sobre os mesmos bens, em virtude da anulação da venda feita no âmbito de uma execução fiscal ao 1.º R., concluindo-se, nessa base, pela competência do tribunal da causa e, consequentemente, pela improcedência da invocada exceção dilatória.             

Tal decisão não foi objeto de recurso, pelo que sobre ela recai o efeito de caso julgado formal, nos termos conjugados dos artigos 106.º, 672.º e 675.º, n.º 2, do CPC, na redação então em vigor.

   Todavia, os mesmos R.R., que nem tão pouco suscitaram a questão da incompetência material em sede de ampliação do objeto da apelação interposta pelos A.A., vêm agora reeditar essa questão nas presentes revistas, a coberto de diversas disposições da legislação tributária, mas convocando, substancialmente, os fundamentos já anteriormente esgrimidos.

De resto, a decisão aqui impugnada inscreve-se precisamente no âmbito das pretensões inicialmente formuladas pelos A.A. tal como foram caracterizadas para efeitos de apreciação daquela exceção dilatória no referido despacho saneador.

Desta sorte, tratando-se da mesma questão concreta de (in)competência material, não pode deixar de se ter por verificado o respetivo efeito de caso julgado formal que importa respeitar e que, por isso, obsta agora ao seu conhecimento.

Termos em que se conclui por não tomar conhecimento da sobredita exceção de incompetência.        


3.2. Da questão da violação da disciplina processual relativa-mente à alteração da decisão de facto pela Relação


  Os 3.º, 4.ª e 5.º R.R., EE, FF e GG, impugnam o acórdão recorrido na parte em que decidiu alterar a decisão de facto da 1.ª instância sobre a matéria constante dos artigos 37.º, 38.º, 48.º e 49.º da base instrutória, sustentando, em síntese, que:  

- Os A.A., no respetivo recurso de apelação, não deram cumprimento ao ónus de especificação dos factos concretamente impugnados, nem de indicação dos meios de prova concretos cuja valoração implicaria necessariamente decisão diversa da que foi proferida;

- Todos os meios de prova indicados pelos A.A. sobre os quais o Tribunal a quo assentou tal decisão foram valorados pela 1.a Instância, perante quem a prova foi produzida, pelo que sempre deveria ter prevalecido o princípio da imediação.


Vejamos.


   Desde logo, importa ter presente os fundamentos da revista contemplam a violação ou errada aplicação da lei processual, nos termos consignados na alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º, o que se reconduz à sindicância sobre a disciplina processual a observar pela Relação no pronunciamento sobre a impugnação da decisão de facto da 1.ª instância.

      Nesta vertente adjetiva, cabe ao tribunal de revista o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pela Relação nos termos dos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, com referência ainda ao artigo 607.º, n.º 4, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

      Nesse domínio, inclui-se, em primeira linha, a disciplina respeitante ao ónus de impugnação da decisão de facto prescrita no artigo 640.º do CPC, segundo o qual, no que aqui interessa: 

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

   O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza e estrutura da própria decisão de facto.

      Para tanto, importa considerar que, no nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.

Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.

São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.

Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de prova não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações realizadas.

Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    Ainda no que respeita à impugnação da decisão de facto, há que salientar que esta decisão consiste no pronunciamento que é feito, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio. Essa decisão tem, pois, por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.

      De resto, como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir.

    Nessa linha, no âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória e modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida. 

Por sua vez, ao tribunal de revista compete ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.


No caso dos autos, constata-se que, como se refere no acórdão recorrido, os A.A. apelantes impugnaram especificamente as respostas dadas pela 1.ª instância à matéria constante dos artigos 37.º, 38.º, 48.º e 49.º da base instrutória, como se alcança da respetiva conclusão 32.ª, embora com um lapso de escrita na parte em que se refere a dar como provada a matéria dos artigos 48.º e 49.º, mas que o tribunal a quo corrigiu, adequadamente, em função do contexto alegatório. Pretendiam, desse modo, os A.A., no essencial, pugnar pela prova dos factos pertinentes à invocada má-fé/boa-fé por parte dos 3.º, 4.º e 5.º R.R..

No respeitante à indicação dos meios concretos de prova convocados e às passagens das gravações dos depoimentos, considerou o tribunal a quo que os A.A. apelantes observaram o respetivo ónus impugnatório, ainda que o fizessem de uma forma difusa e prolixa.

Com efeito, percorrendo todo o corpo das alegações daqueles apelantes, confirma-se isso mesmo, não se encontrando razões que impusessem a rejeição do recurso quanto àquela impugnação.

No que respeita à amplitude dos meios de prova utilizados, como já acima foi referido, ao Tribunal da Relação é conferido o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, como decorre do preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), e 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo, portanto, o recurso a presunções judiciais, desde que não colidam com factos provados que não devam ser tidos por impugnados.

Nessa conformidade, como já foi dito, compete ao Tribunal da Relação formar a sua própria convicção acerca de cada facto impugnado, segundo o critério de livre e prudente valoração, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, do CPC, de modo a verificar ou não a ocorrência do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa, não sendo lícito contrapor-lhe, sem mais, a livre valoração por parte do tribunal da 1.ª instância.

E mesmo o fator da imediação prevalecente em 1.ª instância só deve relevar quando se traduza em razões objetivas, obstando ao risco da arbitrariedade.

No caso vertente, constata-se que o tribunal a quo, no âmbito da apreciação da matéria de facto em apreço, além de respeitar os requisitos formais do ónus de impugnação, procedeu a uma pormenorizada análise crítica dos meios de prova constantes do processo dento dos parâmetros latitudinários traçados nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do CPC.

Resta saber se, no quadro dessa apreciação, o mesmo tribunal incorreu em erro de valoração da prova, mormente no uso das presunções judiciais, como sustentam os Recorrentes, e que seja sindicável em sede de revista.

Termos em que improcedem, nesta parte, as razões dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R.   

     

    3.3. Quanto à questão do invocado erro na apreciação das provas


Neste capítulo, os 3.º, 4.ª e 5.º R.R., EE, FF e GG, insurgem-se contra o acórdão recorrido na parte em que alterou a decisão de facto da 1.ª instância, “respondendo afirmativamente à matéria dos artigos 37.º e 38.º e negativamente à matéria dos artigos 48.º e 49º da base instrutória”, dando como provado que:

   Em 09/06/1999, os 3.º, 4.º e 5.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.


   Nessa linha, sustentam aqueles Recorrentes, em síntese, que:     

   i) - Não obstante estar vedado ao tribunal de revista conhecer da matéria de facto em causa, “o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respetiva força probatória, já que se está perante verdadeiros erros de direito, que lhe cumpre sindicar;

   ii) - As alterações à matéria de facto efetuadas no acórdão recorrido não assentam em qualquer meio de prova direta, mas sim em ilações ilícita e abusivamente extraídas pelo Tribunal “a quo” de outros meios de prova produzidos e devidamente valorados pelo Tribunal perante quem foram produzidos, confundindo testemunhas de modo a criar contradições entre os depoimentos prestados;

  iii) - No acórdão recorrido, omite-se a existência de documentos relevantes, como seja a certidão de registo predial que instruiu a escritura pública de compra e venda por via da qual os Recorrentes adquiriram o imóvel em causa, exigindo-se, por outro lado, que os mesmos existam e tenham sido consultados, donde se extrai a putativa inexistência e omissão de consulta;

  iv) - Desconsidera-se o conteúdo dessa mesma certidão, que se encontra junta aos autos e da qual não consta o registo da ação de anulação da venda executiva do imóvel em causa;

  v) - Atribui-se relevância negativa à existência de registos recusados de ação de anulação da venda, quando, para o homem médio, tal apenas significaria que a situação jurídica do imóvel era sólida, porquanto haviam soçobrado as tentativas de o impugnar;

  vi) - Fazem-se insinuações graves a propósito da idoneidade de um dos réus e de instituições públicas com as quais aquele se relaciona, que são incompatíveis com o Estado de Direito Democrático;

  vii) - Extrapola-se sobre as relações entre o 5.º R. e uma instituição bancária junto da qual buscou financiamento, ficionando, sem apego na realidade, que tal instituição havia comunicado aquele R., aqui Recorrente, o teor de uma carta que lhe havia sido endereçada pelo anterior mandatário dos Recorridos, na qual se peticionava a sua não divulgação;

   viii) - Alude-se a uma alegada conversa entre o 5.º R. e o filho dos A.A., onde este último teria comunicado àquele a existência de uma série de “problemas” com o imóvel em causa nos autos, sem cuidar de aferir a idade do depoente à data dos factos, a incompatibilidade entre os conhecimentos que o mesmo referia ter com a sua idade, a sua parcialidade revelada em sede de depoimento e a contradição absoluta com o depoimento prestado nos autos por outras testemunhas, que não merecem sequer uma menção no aresto recorrido;

   ix) - Esquece-se que, efetivamente, o imóvel tinha “problemas”, pois foi vendido em hasta pública por causa desses mesmos problemas, bem como o “problema” que foi a causa da anulação da venda - a ação intentada para o efeito pelo Fundo do Turismo –, que apenas surgiu em momento posterior ao da dita conversa, pelo que nunca poderia ter sido comunicado aos Recorrentes ou demais Réus pelo filho dos A.A.;

   x) - Por fim, desconsidera-se que a primitiva decisão de anulação da venda foi, ela própria, anulada por ter corrido à revelia dos 1.º e 2.ª R.R., pelo que é seguro afirmar que estes dela não tiveram conhecimento e, como tal, estavam impossibilitados de o transmitir aos aqui Recorrentes.

   xi) - Assim, tendo o Tribunal “a quo” feito um exercício abusivo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC, são ilícitas as alterações efetuadas à matéria de facto, porquanto representam conclusões ilógicas extrapoladas a partir de elementos probatórios irrelevantes ou devidamente desacreditados.


      Por seu turno, os 1.º e 2.ª R.R., CC e DD, argumentam que:

i) - O acórdão recorrido, ao alterar a decisão de facto da 1.a instância quanto ao conhecimento, por parte dos 3.ºs e 5.º R.R., em 09.06.1999, da pendência do pedido de anulação da venda, o fez com base em juízos dedutivos e presuntivos que ultrapassam normas legais, descurando o valor probatório de documentos e padecendo de ilogicidades, suscetíveis de sindicância em sede de revista;

ii) - A certidão do registo predial emitida em 07.06.1999 e que instruiu compra e venda dos imóveis pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R., realizada em 09.06.1999, dois dias depois de emitida a certidão, atesta que então ainda não se encontrava publicitado o registo da ação que ali veio a ficar exarado com data de 30.04.1999, sendo ilógico presumir que o conhecimento do registo da pendência ação ocorreu à margem do que as certidões do registo predial garantiam ao momento da aquisição;

iii) - Ajuizar que os R.R. deveriam ter suspeitado do que constava da certidão de registo predial e procurado outras informações acerca da situação jurídica dos prédios é ilógico e contraria em absoluto as regras do registo predial e de direito probatório de acordo com as quais o registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos imóveis e prova-se por meio de certidões, conforme artigos 110.º e 106.º, n.º 1, do Código de Registo Predial em vigor;

iv) - Estando em causa a decisão de facto consistente em determinar se os R.R. tinham ou não tinham conhecimento de certa ação judicial, não pode a Relação substituir o julgamento da 1.a instância a esse respeito, fazendo-o com base em juízos de exigibilidade, alterando o julgamento de facto para passar a afirmar “provado o conhecimento” dos R.R., não porque se tenha apurado o conhecimento mas porque o mesmo lhes seria exigível;

v) - Não é lógico presumir o conhecimento da propositura da ação de anulação da venda executiva nem o conhecimento de irregularidades dessa venda, através da publicidade do registo de recusa de uma ação (uma "acção recusada"), nem do indeferimento de uma reclamação ("reclamação indeferida"), nem da recusa de um pedido de remição ("pedido de remição recusado"), nem da recusa de um recurso de anulação ("recurso de anulação de venda executiva recusado"), pois o que daí deve extrair-se é o insucesso do litígio empreendido pela A. visando anular a venda, o qual veio a ficar concluído com uma decisão judicial de improcedência do pedido de anulação da venda - v. factos BH, BI, BJ do probatório.

vi) - Para modificar o julgamento de facto da 1.a instância, o acórdão recorrido baseia-se em outros juízos dedutivos e presuntivos ilógicos, como são o de dar relevo:

a) - a ter sido o próprio Recorrente o responsável pelo conteúdo da certidão desatualizada que foi emitida pela Conservatória do Registo Predial, presunção que é claramente insubsistente e infundada, muito mais quando uma tal dúvida, a subsistir no espírito do tribunal “a quo” poderia e deveria ter sido dissipada com o apuramento cabal dos pertinentes factos;

b) - à falta de coincidência de declarações quanto ao momento em que o 1.º e o 3.º RR se conheceram ou ficaram amigos, quando é evidente a irrelevância de tal facto, a polissemia da expressão “amigos” e a compreensibilidade do dito desacerto em depoimentos que ocorreram com dezasseis anos de intervalo;

c) - à falta de coincidência de declarações quanto ao conhecimento e às relações do 3.º Réu com o “HH da II”, quando a testemunha "HH" identificada nos autos nenhuma ligação tem com a leiloeira II, da qual foi gerente, sim, a testemunha JJ - v. facto AP) onde se identifica a testemunha Eduardo Manuel Cunha da Silva, representante da II);

d) - a uma carta que teria sido dirigida pelo advogado dos A.A. ao Banco KK (instituição onde o 5.º R. estaria a tratar de um financiamento), pedindo expressamente ao Banco para não informar o 3.º R. da pendência de dois processos judiciais de anulação de venda, factualidade essa que não resulta dos factos assentes (não se documentando sequer se a carta foi recebida), extraindo daí o tribunal que o Banco informou o 5.º R.;

e) - a dois depoimentos que a própria Relação qualifica de obscuros e genéricos, reconhecendo “o carácter pouco claro das genéricas referenciais a problemas com a Quinta” e “o contexto infantilizado e pouco preciso da conversa em causa” (sic.), abstendo-se o tribunal de tecer qualquer juízo valorativo quanto aos demais depoimentos das restantes testemunhas que infirmam tais dois depoimentos.


    Estamos, pois, em sede de impugnação da decisão de facto com fundamento em pretenso erro na fixação dos factos e na valoração das provas, cuja sindicância pelo tribunal de revista é bastante restrita.  

Com efeito, o artigo 682.º do CPC, no que aqui releva, prescreve que:

 1 – Aos factos materiais fixado pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2 – A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

         E nos termos do referido n.º 3 do artigo 674.º:

   O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Trata-se, pois, de uma vertente substantiva, de direito probatório material, concernente ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes, mas circunscrita à sindicância sobre a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável.      

Todavia, os Recorrentes impugnam o acórdão recorrido sob a invocação, em síntese, de que a alteração da decisão de facto aqui em causa se baseou no uso ilícito e abusivo de presunções judiciais, em violação dos respetivos parâmetros legais e do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, incorrendo ilações não suportadas nos elementos de prova produzidos e em ilogicidade e até contra o teor dos documentos registais.


Como correntemente tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC. Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

E importa ter presente que essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados, como é o caso dos comportamento de boa-fé ou má-fé subjetiva ou psicológica dos 3.º, 4.º e 5.º R.R., aqui em causa.

Hoje, como já acima ficou dito, face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base em todos elementos de prova constantes dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código.

Já em sede de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é assaz circunscrita.

Com efeito, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, ao STJ incumbe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixado pelas instâncias, não podendo alterar a decisão de facto, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º ou de ampliação dessa decisão de facto ao abrigo do n.º 3 do indicado artigo 682.º.

Por sua vez, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o preceituado no n.º 3 do artigo 674.º, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova”. E, no que respeita, às presunções judiciais tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados”[1].


No caso vertente, os segmentos da decisão de facto em apreço inci-dem sobre a matéria vertida nos artigos 37.º, 38.º, 48.º e 49.º da base instru-tória, em que se perguntava o seguinte:


Art.º 37.º


À data mencionada em P (9/6/1999), os 3.º e 4.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal?

Art.º 38.º


   À data mencionada em S (9/6/99), o 5.º R tinha conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal?

Art.º 48.º


À data mencionada em P (9/6/1999), os 3.º e 4.º R.R. desconheciam a existência de qualquer ação judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal?

Art.º 49.º


À data mencionada em S (9/6/1999), o 5.º R desconhecia a existência de qualquer ação judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal?

           

A 1.ª instância deu como não provada a matéria constante dos artigos 38.º e 39.º e como provada a matéria vertida nos artigos 48.º e 49.º.

E fundamentou tais respostas, para além dos ali indicados elementos documentais juntos aos autos, nos seguintes moldes:

«- SS, amigo do réu EE desde há cerca de 40 anos, estava presente no almoço em que o réu CC perguntou se alguém estava interessado em comprar uma quinta. Ainda perguntou pessoalmente à testemunha se estava interessado na compra, mas recusou. Vive perto da quinta, tendo também uma quinta de 3,3 hectares que comprou em 89-90 por 10.000 contos. Disse que o preço de 22.000 contos não era grande negócio para quem comprasse, referindo que havia uma outra quinta idêntica à venda por cerca de 20.000 contos. Quando o réu EE começou a fazer as obras foi visitar a quinta. Estava tudo em ruínas, cheio de mato, em completo abandono. Sabe que o núcleo habitacional em linha foi reconstruído, não foi feito de novo. Ninguém sabia de problemas com a quinta, em especial o réu EE. No grupo de amigos do réu, de que a testemunha faz parte, várias vezes ouviu lamentar a pouca sorte do réu por causa dos problemas tidos com a quinta. Conhece o réu EE muito bem e sabe que se ele soubesse de algum problema nunca teria comprado a quinta.

- TT, filho dos autores, foi a única prova testemunhal apresentada pelos autores relativamente à sua tese de que o empreendimento turístico estava quase concluído e que as construções que se vêm nas fotos de fls. 253 e segs. foram todas elas construídas pelos autores, tendo o réu EE limitado a sua intervenção a mera recuperação do que já existia. E, juntamente com o depoimento de UU, foi também a única prova testemunhal apresentada quanto ao facto de os réus EE e GG saberem do processo de anulação da venda. O seu depoimento não foi tido em consideração pelo tribunal por várias razões. Desde logo pelo facto de ter nascido em 1981, o que significa que em 1995 tinha 14 anos, tendo 10/11 anos à data em que surgiram os problemas com o Fundo de Turismo e não é credível que com essa idade soubesse os pormenores quanto ao projeto turístico que aparentou saber. Depois porque demonstrou claramente falta de isenção (que, aliás, é perfeitamente natural, atendendo a que é filho dos autores), tendo dito expressamente e com grande emoção que "sentiu na pele" este problema, enquanto fazia um gesto com dois dedos de uma mão a tocarem nas veias do braço contrário. E, por último, a restante prova produzida contraria frontalmente o seu depoimento. Quanto ao conhecimento da ação de anulação por parte dos réus, apenas referiu que em 1998 falou com o réu GG e que dessa conversa resultou que ele sabia de problemas com a quinta, tendo-lhe o réu dito que ia falar com o pai, o réu EE, pois este tinha-lhe dito (a ele, GG) que não havia problema nenhum com a quinta. A terem-se as coisas passado assim, por um lado, não se sabe a que problemas se estavam a referir (acresce que, olhando para a quantidade de ónus, nomeadamente hipotecas, arrestos e penhoras que incidiam sobre os prédios, não há dúvida que os autores estavam a passar por vários problemas, para além da questão da anulação da venda) e, por outro lado, dessa conversa até resulta que o réu EE não saberia de quaisquer problemas com a venda da quinta.

- UU, amigo da anterior testemunha, disse que um dia o réu GG lhe disse que o autor AA andava fugido e que tinha comprado uma quinta que lhe pertencia, conversa que terá ocorrido em 1998. Desconhecia a venda da quinta ao réu CC, julgando que nessa data a quinta pertencia ao autor AA. À data a testemunha tinha ouvido falar de problemas com a quinta mas não sabia que problemas eram esses.

Em face da prova acima mencionada ficamos convencidos de que, na realidade, os réus, nas datas dos respetivos negócios, desconheciam quaisquer problemas. Se bem que a anulação da venda só podia ter acontecido depois da venda efetuada, o que é certo é que já antes da venda por negociação particular o problema da autorização da venda sem a audição do Fundo de Turismo tinha sido suscitado. Mas não há qualquer prova de que à data da venda o 1.º réu soubesse dessa questão. Também da prova produzida resultou que os 3.º a 5.º réus não sabiam da anulação da venda dos prédios aos 1.°s réus á data da respetiva compra. A prova produzida foi toda nesse sentido, sendo que a contrária foi apenas a referida prova testemunhal do filho dos autores e de UU.»


Por sua vez, o Tribunal da Relação, empreendendo uma análise crítica bem mais minuciosa, considerou o seguinte: 

«Desde já se adianta ter este tribunal opinião diferente da da 1.ª instância relativamente à matéria de facto impugnada, e por isso entender que resulta adquirido da prova produzida nos autos que os 3.º, 4.º e 5.º R.R. tinham conhecimento em 9/6/1999 - data das escrituras em função das quais adquiriram por compra e venda os prédios dos autos – que se mostrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda no âmbito da execução fiscal.

Há elementos probatórios nos autos que permitem concluir no sentido de que esse conhecimento lhes adveio por diferentes vias (como os AA. o referem na petição inicial, arts 10.º a 14.º e 16.º): através de conversa tida pelo 5º R. com um filho dos A.A., através do Banco KK; e, muito relevantemente, como se procurará demonstrar, pelos próprios registos.

Vejamos.

Caberá em primeiro lugar registar a falta de coincidência nas declarações constantes dos autos relativamente ao momento em que o 3º R. conheceu o 1º, e se terá tornado das suas relações, bem como relativamente às relações dele e do 1º R. com HH, da “II”.

Nas declarações que o 3º R. produziu junto da PJ, em 30/8/99 – contidas na certidão referente dos autos de instrução nº 605/98.8 TAV… que se mostra junta no Apenso que diz respeito a esse tipo de prova - referiu o mesmo, ser «ser amigo do CC, há cerca de quatro anos», referindo ainda ter sido «em Maio de 1998» que aquele lhe perguntou «se estava interessado num terreno que ele tinha para venda, em Vila …», e porque ele estava interessado e já conhecia o terreno, «apalavraram um preço de 22 milhões de escudos»; ele «entregou de imediato dois milhões de escudos em dinheiro, ao CC», sendo que a escritura «só não foi feita logo na altura porque veio a verificar que havia várias hipotecas sobre aquela propriedade», tendo dito ao CC que «não fazia a escritura nem pagava mais nada enquanto houvesse hipotecas».

Nessas mesmas declarações referiu que «não conhece nem nunca ouviu falar da II Ldª, ou dos seus sócios – gerentes. Recorda-se apenas que o CC disse ter comprado o terreno nas Finanças».

Já no depoimento de parte produzido nos presentes autos, referiu ter conhecido o 1º R «através até de amigos em comum num almoço de uma pessoa nossa amiga e a partir daí fiquei a conhecer», e isso ter acontecido «muito pouco tempo antes do negócio, embora já tenha almoçado algumas vezes com ele, mas não era pessoa da minha ligação», situando mais especificamente esse «início de relações», «mais propriamente, talvez em 1998, quando se acertou o negócio». Referindo, «Já o tinha visto algumas vezes mas não era pessoa amiga, pronto como se diz “amigo”, não era meu amigo nessa altura». Perguntado se sabia «o que ele fazia» referiu: «Sabia, foi-me dito que ele comprava e vendia terrenos, propriedades…».

A não coincidência relativamente ao aspecto em apreço resulta reforçada pelo depoimento da testemunha VV, sobrinho do 1º R e seu funcionário no escritório, «tratando-lhe da documentação», segundo referiram ambos, referentemente ao negócio de compra e venda de imóveis a que confessadamente aquele se dedicava há muitos anos. Perguntado se o “tio” tinha conhecido “o Sr. EE” na altura do negócio realizado, referiu que «já que já se conheciam, porque havia uma pessoa em comum que era o Senhor HH, dos almoços, construtores e as pessoas e não sei quê, havia aí uma amizade vá, entre aspas, de pessoas à volta dele. O senhor HH já é conhecido do meu tio há 50 anos…

Na verdade, estão juntas aos autos certidões de registo comercial referentes às sociedades “XX, Lda” e “ZZ, Lda” - fls 2918 e seguintes - sociedades estas, cujos objectos sociais se situam ambas no ramo imobiliário, de que são sócios o 1º e o 3º RR, resultando ainda da certidão referente à “XX”, que o 3º cedeu ao 1º a sua quota nessa sociedade em 22/9/99, mantendo-se como gerente.  

Para além disso há que registar que são os próprios 3 º, 4.º e 5.º RR. quem na respectiva contestação (art 50º) referem, sem subterfúgios, que tinham relações de amizade e confiança com os 1.º e 2.º RR.

Há também outro aspecto que importa aqui salientar, relativamente ao qual, o 3.º e o 5.º RR, nas declarações produzidas nestes autos, se mostram no mínimo ambíguos, e que respeita à existência de um contrato-promessa, a que terão, ao menos, dado forma, para que este último R. fizesse contrato com a EDP - é o que resulta de fls 2930 (Vol 13), onde a referência ao mesmo resulta da sigla “Prom CV 3/8/98”.

Tentam ambos obliterar nos presentes autos que antes da realização da escritura – 9/6/99 - já os prédios tinham sido entregues ao 5º R.

Essa “traditio” resulta, no entanto, confirmada nas declarações do 1º R. junto da PJ, em 21/7/99 – cfr fls 333 do Apenso acima referido - coincidentes, no aspecto em apreço, com as já referidas, também no âmbito desse processo pelo 3º R.

Referiu aí o 1º R que, «Passado cerca de um ano» sobre a aquisição por ele dos prédios, «falou com uma pessoa sua conhecida, EE, que andava interessado em comprar um terreno na zona de Vila … e propôs-lhe vender aquele terreno, ao que ele concordou», referindo que, «depois de algumas semanas de negociações, concordaram em fazer o negócio por 22.000.000$00. Como havia diversas hipotecas a incidir sobre aqueles terrenos ficou combinado que o EE daria 2.000.000$00 de sinal – o que fez ainda em 1997 – e depois de canceladas as hipotecas daria ao restante, o que aconteceu em Junho passado». Acrescentando: «Assim que ele deu o sinal, o depoente deu-lhe acesso à propriedade, uma vez que ele queria fazer obras, para construir uma casa para o filho. Tanto quanto sabe, essa casa já está construída. Sabe também que o Banco emprestou dinheiro ao comprador para a construção da casa».

É por outro lado inegável que o 5.º R. recorreu ao Banco KK para obter um financiamento para a aquisição, então, de todos os prédios aqui em questão, comportamento que o 1.º R. confirmou no seu depoimento de parte, e que adviria de qualquer modo das certidões de registo predial, tendo sido o pedido de tal financiamento que esteve na base do registo provisório de aquisição a favor do 5.º R., a que se refere a AP 17/990316 (cuja inscrição se mostra provisória por natureza, al g) do nº 1 e por dúvidas) e a que se segue a Ap 18/990316 referente a hipoteca voluntária «Provisória por natureza, al i) do nº 1 e b) do nº 2 a favor do Banco KK Imobilário SA … Garantia do empréstimo – Valor: Capitall – 22.000.000$00 (…) Abrange quatro prédios».  

A testemunha VV referiu-se no seu depoimento à colaboração que foi pedida ao seu tio e tia pelo 3.º R. para assinarem os pedidos de registo provisório referindo: «Foi pedido uns registos a favor do Sr. GG. (…) A minha tia e o meu tio assinaram um impresso, levaram ao notário, assinaram, reconheceram e entregaram». (…). O Sr. EE foi-me lá levar registos, pedido de registo provisório para o meu tio e minha tia assinarem e reconhecerem. Foi feito e entregue (…) Foi em 99, foi dois ou três meses antes da escritura».

Ora, foi neste contexto temporal e circunstancial que os AA. enviaram uma carta ao Banco KK, cuja cópia se mostra junta com a petição a fls 84 dos autos,  que se mostra recebida pelo referido Banco em 22/4/99, consoante carimbo constante da parte superior desse escrito, carta essa que tem o seguinte teor: 

   «Ao Banco KK Imobiliário

   Urgente

   Mutuário GG

   (Gestor do processo: Dr.ª AAA)

   AA e esposa BB, para todos os legais e processuais efeitos, informa que os 4 prédios objeto do projecto de mútuo a GG são objecto de dois processos judiciais de anulação de venda!

Juntam e dão por reproduzidas as fotocópias das certidões (com selo branco) do Tribunal Tributário, que são para entregar na Conservatória e requerer registos!

Pede-se que no nosso duplicado de retorno fique expresso que as fotocópias que ficam no Banco foram feitas pelo Banco a partir das fotocópias das certidões judiciais. Ainda se pede a V.ªs Ex.ªs que não dêem já conhecimento do referido acima, (deste requerimento) aos implicados, para o signatário, primeiro, registar na Conservatória» (o negrito é nosso).

Esta carta mostra-se assinada por BBB, anterior mandatário dos A.A. na acção.

Apesar do pedido constante dessa carta de que o Banco não desse “conhecimento imediato”, aos “implicados”, do seu teor, será pouco crível – visto que o financiamento em causa não teve prosseguimento - que o referido banco, perante a vulnerabilidade da venda judicial em face do que nela era referido, não tivesse comentado o seu teor com o candidato ao financiamento.

Atentemos, agora, na prova que permitirá concluir que os 3.º, 4.ª e 5.º RR. tiveram conhecimento - por volta de meados de 1998 - de problemas ligados à anulação da venda executiva.

O Exm.º Juiz a quo não deu qualquer crédito à testemunha TT, um dos filhos dos AA. (o outro é o CCC que surge referido nalguns depoimentos, como se verá) e, tão pouco ao amigo dessa testemunha, e também amigo do aqui R. GG, UU, tendo referido a propósito do depoimento do referido TT, como acima se citou: «O seu depoimento não foi tido em consideração pelo tribunal por várias razões. Desde logo pelo facto de ter nascido em 1981, o que significa que em 1995 tinha 14 anos, tendo 10/11 anos à data em que surgiram os problemas com o Fundo de Turismo e não é credível que com essa idade soubesse os pormenores quanto ao projeto turístico que aparentou saber. Depois porque demonstrou claramente falta de isenção (que, aliás, é perfeitamente natural»

Mas não deixou o Exmo Juiz a quo de registar no passo da fundamentação que se citou, que essa testemunha, TT, «quanto ao conhecimento da ação de anulação por parte dos réus ( ...) referiu que em 1998 falou com o R. GG, e que dessa conversa resultou que ele sabia de problemas com a Quinta, tendo-lhe o R. dito que ia falar com o pai, o R. EE, pois este tinha-lhe dito (a ele, GG) que não havia problema nenhum com a Quinta». Bem como, não deixou de fazer sinteticamente referência ao depoimento da testemunha UU – amigo comum daqueles dois – referindo: «UU, amigo da anterior testemunha, disse que um dia o réu GG lhe disse que o autor AA andava fugido e que tinha comprado uma quinta que lhe pertencia, conversa que terá ocorrido em 1998. Desconhecia a venda da quinta ao réu CC, julgando que nessa data a quinta pertencia ao autor AA. À data a testemunha tinha ouvido falar de problemas com a quinta mas não sabia que problemas eram esses».

A circunstância da testemunha UU, ouvida no âmbito do Proc 934/ 98.0TAVFX do 1.º Juízo Criminal - cfr fls 356 do Apenso acima referido - ter aí relatado em 5/3/99, em termos essencialmente coincidentes com os utilizados nos presentes autos, o episódio que terá conduzido à conversa do TT com o 5º R., não pode deixar de impressionar, tanto mais que o mesmo, sendo corroborado pela testemunha TT, não foi rejeitado na sua existência pelo R. em questão.

Vejamos concretamente o que referiram esses, então, amigos comuns.

O aqui R. GG quando ouvido naquele processo criminal, em 16/10/2000 -   fls 358 do referido Apenso - disse: «Confrontado com as declarações de UU e CCC, confirma que se encontrou com o UU, a quem mostrou uma fotografia, o qual identificou aquela pessoa como sendo o pai do CCC. Foi com o UU ter com o CCC e este disse-lhe que a Quinta estava em Tribunal, ao que a testemunha respondeu «comprei-a e penso que está legal, senão estiver falamos com o Senhor CC».

Neste processo, no respectivo depoimento, referiu que falou uma vez com o TT, «não me lembro se foi antes do negócio ou se foi depois do negócio, sei que foi falado qualquer situação sobre a Quinta, que ele me disse que aquilo tinha problemas, mas como disse eu não tenho nada a ver com aquilo…» situando esse encontro, tanto quanto se lembrava, «na Póvoa de Santa Iria, num café».

No âmbito do referido processo criminal, UU referiu em 5/3/1999: «Em ocasião que não sabe precisar, mas no Verão de 98, encontrou um amigo seu conhecido de …, que conhece por GG (filho). Começaram a conversar, e a certa altura o GG disse-lhe que tinha comprado uma Quinta na zona de Vila Franca, tendo-lhe mostrado uma fotografia tipo passe, dizendo que a havia encontrado nessa Quinta. Não sabe por que motivo o GG lhe mostrou essa fotografia, mas reconheceu ser a mesma do Sr. AA, não lhe tendo o GG dito a quem a tinha comprado, referindo contudo que julgava que esse Sr. AA andaria fugido, o que a testemunha lhe desmentiu. Como estava interessado na compra de uma carrinha «V…» que o CCC tinha naquela Quinta, perguntou ao GG pela mesma e pelos restantes objetos que se encontravam na Quinta, tendo-lhe ele dito apenas que ia mandar retirar essa carrinha para fora da Quinta. Não sabia nada dos problemas existentes com aquela Quinta, nomeadamente relacionados com a venda da mesma, pelo que não falou desse assunto com o GG. Na noite desse mesmo dia encontrou o TT (…), e perguntou-lhe se o pai dele tinha vendido a Quinta; o TT ficou surpreso com essa pergunta tendo a testemunha referido a conversa que havia tido com o GG e o teor da mesma. Ao que julga o TT e o seu irmão terão ido depois falar com o GG mas não sabe o que se passou depois. Nada mais sabe sobre o que aconteceu em relação a esta Quinta, tendo sido o TT que lhe disse naquela ocasião que havia alguns problemas com a venda da mesma».

E neste processo, no seu depoimento, disse conhecer o TT e o CCC – filhos dos AA - «porque andei com o CCC e o TT na escola», bem como o 5.º R., o GG, «porque era colega nosso, andava com a gente» e à semelhança daqueles, também o conhecia desde a infância. Mais tendo referido: «Sim, foi o senhor GG mas a gente conhecia ele por GG, é que me informou que tinha comprado uma Quinta em Vila … e depois a gente estava a falar e depois ele mostrou-me uma fotografia tipo passe, era o senhor AA que lá tava, e depois também entretanto ficamos lá a falar e ele disse-me que o senhor AA andava fugido, e eu disse ´´não, isso é mentira porque os meus pais moram lá ao pé do senhor AA e eu tive com ele, ele tá cá, ele não anda fugido» (….) depois quando cheguei à noite a casa falei com o TT e disse-lhe «então o teu pai vendeu a Quinta?» e ele disse «Não». Eu disse, então o GG, a gente tratava ele por GG, disse-me que comprou lá a Quinta e no outro dia o TT mais o CCC foram falar com o GG», situando essa conversa «para aí no Verão de 98», referindo seguidamente que o TT e o CCC «depois foram no outro dia ter com o senhor GG para falar a ele o que se passava com a Quinta».

Por sua vez a testemunha TT referiu referentemente a este episódio: «Não posso dizer que falou (estando a referir-se ao conhecimento que o R. GG teria dado ao 1º R dos “problemas com a Quinta). O que o GG me disse a mim quando eu fui ter com ele foi que não sabia de nada, que tinha comprado ao senhor CC e que ia falar com ele, em meados de 98. Agora não posso dizer, falar, não vi, se visse dizia, mas como não vi, não posso dizer. Mas aquilo que o GG me disse a mim foi que ia falar com ele, porque tinha comprado a ele e que ele lhe tinha dito que não tinha problema nenhum. O senhor GG soube em meados de 98». Referindo mais adiante no seu depoimento que os RR. GG tinham conhecimento “dos problemas da Quinta”, «desde meados de 1998. Porque fui eu pessoalmente ter com o GG e informei-o. (…) temos um amigo em comum, que é o UU, que depôs ontem aqui neste tribunal, a quem o GG mostrou uma fotografia do meu pai e o UU disse-lhe que era o pai do CCC e do TT. Nessa mesma noite, o UU encontrou-se comigo e disse-me o que é que se tinha passado e eu fui ter com o GG e disse-lhe aquilo que se estava a passar.»

Reconhece-se, evidentemente, o carácter pouco claro das genéricas referências a “problemas com a Quinta”, bem com o contexto infantilizado e pouco preciso da conversa em causa.

Mas a circunstância dessas “conversas” terem tido lugar – como já se referiu, o R. GG não as negou – e o facto das mesmas andarem em redor “dos problemas com a Quinta”, em meados de 1998 – momento em que o referido TT teria 17 anos, idade consentânea com as atitudes descritas nesse episódio - são, de sobra, suficientes – aliadas, naturalmente, aos registos constantes das certidões prediais em causa que, em 1998, referem sobejamente a pendência de reiterados e esforçados pedidos de anulação da venda judicial, cfr a inscrição F8, constante das quatro certidões prediais em causa, como adiante melhor se verá - para se dar crédito à testemunha TT.

O que releva essencialmente dos episódios em causa é que o 5.º R. resultou alertado, em meados de 1998, para uma situação problemática com a Quinta, não sendo plausível que o mesmo não tenha falado com o pai a respeito desses possíveis “problemas”, e que este, ao menos, nessa sequência, não tivesse consultado as certidões de registo predial, que não poderiam deixar de o levar a esclarecer-se relativamente à pendência de (um) pedido (s) de anulação da venda judicial.

Por último, há que referir que a simples leitura das certidões de registo predial referentes aos prédios em causa nos autos, não poderia deixar de implicar, no mínimo, para o 3.º R. – pessoa já então ligada ao imobiliário como o demonstra a circunstância de ser sócio de duas sociedades cujo objecto social estava ligado a tal área, e ser amigo do 3º R, bem como do gerente da “II” - um manifesto sobreaviso para não vir a incorrer nas consequências de um negócio viciado.

Vejamos, objectivamente, o que consta dessas certidões.

Para o efeito, dar-se-á aos registos em causa uma formulação mais operacional do que a que consta da matéria assente, tanto mais que o que se pretende é evidenciar os registos relevantes para a decisão da acção que se mostram comuns a todos os imóveis (correspondentes às descrições n° 613, 165, 166 e 167 da 1ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Vila …) e que são:

a) Em 05/08/1996 - o registo da aquisição a favor de CC, casado na comunhão de adquiridos com DD, por compra em processo de execução fiscal, através da Ap. 57/960805, provisório por dúvidas e convertido depois em definitivo em 02/12/1096, pela Ap. 12/961202— Av 1;

b) Sob a inscrição F, as Ap 21/980505- Anot 1 – Recusada a acção; 980916 – Anotado nesta data a pendência da reclamação da ap 118/980727; 980916 – Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998; Ap 77/980629- Anotação – Recusado o pedido de direito de remição; Ap 78/980629 – Anotação – Recusado o recurso judicial de anulação da venda executiva; Ap 82/980629 – Anotação- Recusado o recurso de anulação da venda executiva; 

c) Em 16/03/1999 - o registo da aquisição a favor do aqui R. GG, através da Ap 17/990316, provisório por natureza (art 92º/1 al g) do CRP)  e por dúvidas, com anotação da sua caducidade em 12/5/2000 – anot 01;

d) Em 16/03/1999, o registo de hipoteca voluntária a favor do Banco KK Imobiliário, SA, para garantia de empréstimo pelo montante máximo de 29.938.040$00, abrangendo quatro prédios, através da Ap.18/990316, provisório por natureza (art 92º/1 al g) e 92°/2 al b) do CRP), com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 – Anot 01;

e) Em 16/03/1999, o registo de hipoteca voluntária a favor do Banco KK Imobiliário, SA, para garantia de empréstimo pelo montante máximo de 24.528.240$00 e abrangendo quatro prédios, através da Ap.19/990316, provisório por natureza (art 92°/1 al alg) e 92°/2 al.b) do CRP), com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 - Anot. 0l;

f) Em 30/04/1999, o registo de acção de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal interposta pelo Fundo de Turismo contra CC e mulher DD, através da Ap.18/990430, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) e por dúvidas, com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 - Anot 01;

g) Em 06/07/1999, relativamente às descrições 613 e 167, e em 12/5/2000, em relação às descrições 165 e 166, respectivamente, o registo da aquisição a favor do aqui R. EE, casado com FF, registada em 06/07/1999, através da Ap.11/990706, por compra a CC e mulher DD, provisório por dúvidas, convertido depois em definitivo em 12/05/2000, pela Ap.05/000512 Av.1; e o registo de aquisição a favor do aqui R. GG, através da AP 04/00512, por compra;

h) Em 31/7/2001 o registo, provisório por dúvidas, da decisão judicial por sentença transitada em 6 de Junho de 2001 – foi declarada anulada a venda executiva entre AA e CC.

i) Em 17/2/2003, relativamente às descrições 613, 165 e 167, e em 5/3//2003, em relação à descrição 166, respectivamente, o registo de acção interposta por AA e mulher BB, contra CC e mulher DD, EE, e mulher FF, e GG, em que peticionam que “sejam reconhecidos como donos e legítimos possuidores dos prédios", através da Ap.03/2003.02.17, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) e por dúvidas, com averbamento de remoção de duvidas pela Ap.03/2003.03.05 e anotação da sua caducidade em 03/08/2007, e o registo de acção interposta por AA e mulher BB, contra CC e mulher DD, EE, e mulher FF, e GG, em que peticionam que “sejam reconhecidos como donos e legítimos possuidores do prédio, por ter sido anulada a venda executiva do 1º R, e por tal motivo – que seja declarada a nulidade da compra e venda efectuada pelos 3º a 5º RR", através da Ap. 02/ 2003.03.05, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) com anotação da sua caducidade em 26/09/2007.

A defesa de todos os RR. - maxime, muito explicitamente, a dos 3º, 4º e 5º - relativamente ao conhecimento que os AA. lhes imputam como anterior à realização das escrituras, que tiveram lugar em 9/6/1999, da pendência do processo de anulação da venda judicial, baseia-se na circunstância dessas escrituras terem tido como base as certidões de registo predial que se mostram juntas a fls 294 e seguintes, referentes aos quatro prédios em causa nos autos, e de cuja actualização, dizem, não poderiam ter duvidado, na medida em que, datando de 7/6/ 1999 - dois dias antes da realização dessas escrituras - das mesmas não constava o registo - que frisam ser apenas provisório por natureza (art 92º/1 al a) CRP) e por dúvidas - da acção de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal.

Ora, independentemente de outras considerações que se farão adiante, a verdade é que, também não constavam dessas certidões os registos provisórios da aquisição a favor do R. GG e das hipotecas a favor do Banco KK, sendo que tais registos remontavam a meados de Março desse ano de 1999, e de cuja existência todos os R.R. estavam necessariamente conscientes, na medida em que haviam intervindo neles, os 1º e 2º, e o 5º, assinando o impresso próprio, o 3.º, levando tal impresso ao escritório do sobrinho do 1.º.

Mesmo que a Conservatória do Registo Predial em questão estivesse atrasada mais de meio ano na escrituração dos pedidos de registo, como o chegaram a referir o 1º R. e o seu sobrinho nos seus depoimentos, não poderiam os RR. deixar de se aperceber desse atraso em função da omissão dos acima referidos registos, omissão que os devia ter feito suspeitar que entre meados de Março e de Junho outros registos estivessem pendentes; e, designadamente, um possível referente à anulação da venda judicial, já que, nas certidões em apreço, constavam sob a inscrição F, uma série anómala de Ap, duas delas referindo muito explicitamente o recurso judicial de anulação da venda executiva – cfr Ap 78/980629 – Anotação – Recusado o recurso judicial de anulação da venda executiva; Ap. 82/980629 – Anotação - Recusado o recurso de anulação da venda executiva. 

Aliás, esse rol de registos anómalos, mas claramente atinentes a pedidos e esforços de anulação da venda, não podiam deixar de, só por si, mesmo sem outros contributos, levar os 3.º, 4.º e 5.º RR. a equacionar que pudessem estar em vias de realizar um negócio viciado.

Acresce que os depoimentos acima mencionados, por um lado, o do 1.º R., por outro, o do seu sobrinho, são de molde a chegar a pensar-se, inclusivamente, que, atentos os conhecimentos que dispunham dentro dessa Conservatória, pudessem não ser inteiramente inocentes no conteúdo incompleto das certidões em causa.

Vejamos, em abono do que fica reflectido, trechos dos mencionados depoimentos.

Assim, referiu a testemunha VV, sobrinho do 1º R. a respeito da dificuldade de obter certidões na data em referência: «Estava-se ali à espera, estava-se ali de manhã à noite até às tantas… (…) Tirava-se senhas, isto era diferente do que é agora, totalmente diferente, havia conservatórias muito complicadas, que era o caso de Vila …, que estava muito atrasado, ali o 8º de Lisboa também estava com muito atraso, havia algumas que estavam com muito atraso, outras não estavam com tanto atraso. (…) O registo, mais de oito meses de atraso, mais (…) Ah, um mês antes de o prazo para (…), fazer, senão tinha que pagar a sisa.»

 Relativamente à circunstância da certidão utilizada para as escrituras, não apenas ser datada de 7/6/1999, mas ter sido obtida nesse mesmo dia – como decorre de fls 294 dos autos - referiu: «Como eu precisava da certidão com urgência para a escritura, e para vir cá tinha que perder muito tempo, pedi a ela (estando-se a referir à funcionária DDD, da “EEE) se ma arranjava a certidão e vê se ma consegues trazer, porque precisava da escritura, porque tinha escritura marcada, ela ligou-me ao fim da tarde e “olha tenho cá a certidão”, mas isso é normal, quando se tinha urgências, pedia, recorria a ela (…), aliás ela aqui era (…) a segunda casa dela, aqui assim a conservatória de Vila … era aqui na altura era a empresa em que ela trabalhava tinha muitos registos, muitas coisas (…) Eu desenrasquei-me com quem (…) Pedia-lhe muitas vezes favores, quando era páqui para Vila …, pedia-lhe muitas vezes os favores. (…) Senão tinha que vir cá eu, tinha que perder cá um dia e não se conseguia, não sei quê, não sei que mais, era normal…quando se ia a Loures (…) também me pedia a mim alguma coisa…

E a respeito da referida DDD ter conseguido a certidão no mesmo dia, acrescentou: «Isso não sei, isso não faço a mínima ideia (…) logicamente, ela conhece as pessoas né? Conhecia as pessoas. Agora já tudo mudou, não é? (…) Na altura a certidão que foi pedida que deu origem à escritura não tava lá nada. Tava limpa, aliás. Tava com os ónus todos cortados e tava (…) a notária ia conferir isso, como é lógico… Os registos antigamente demoravam meses e fomos vítimas de atrasos e mesmo pedindo urgências, não eram concedi-das…era complicado na altura…na altura não era como agora… se fosse uma pessoa normal, um particular a pedir uma certidão, se calhar não a davam no mesmo dia.(…) A DDD era uma pessoa conhecida na conservatória, fazia dezenas e dezenas de registos, era uma pessoa que não fazia só um nem dois nem três, nem quatro, fazia dezenas, aqui no concelho a pessoa fazia mais registos era ela, ela não, lá a “EEE”. (…) Não se fez a escritura porque não se arranjou foi comprador, porque se tivesse arranjado mais cedo, tinha-se feito mais cedo, como é lógico. Tinha-se vendido mais cedo e feito escritura mais cedo, mas não.

Por sua vez, o 1.º R. referira:

«Eu sou o homem que comprava, entregava ao escritório para tratar da documentação (…). Nós quando compramos às Finanças ou em qualquer lado, é livre de ónus, de encargos, portanto se se remover essas coisas….quem lhe pode explicar isso mais, é o meu contabilista, que vai ser testemunha cá, porque eu sou mais de comprar e entregar lá, mas quando vendi ao Sr. EE, que levou um ano ou dois a limpar isso tudo, quando vendi ao Sr. EE tava limpinho, não se devia nada.  culpa não é nossa que se leve tanto tempo a que se tire os distrates que lá tão. Mas eu aí não tou bem dentro dessa matéria porque o meu escritório que é mais vocacionado para isso. Eu sou o homem de comprar e vender, olha, comprei hoje isto, vai, tratem disto, a partir daí eles é que tratam no escritório». (…) «… quando eu vendi ao Sr. EE, trouxe uma certidão da conservatória  que tava limpa».

Do que se veio de dizer não pode deixar de se julgar procedente a admitida impugnação da matéria de facto, respondendo afirmativamente à matéria dos arts 37º e 38º e negativamente à dos arts 48 e 49º da base instrutória, e, consequentemente que, em 9/6/1999, os 3º, 4º e 5º RR. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.»


    Como decorre do já acima exposto, não compete a este tribunal de revista proceder a uma análise cirúrgica dos elementos de prova indiciários em que o tribunal a quo baseou o seu juízo presuntivo nem muito menos indagar de pontuais incongruências entre esses elementos ou sopesar as respetivas coerências; como também não lhe cabe ajuizar sobre os elementos indiciários respeitantes à credibilidades dos depoimentos tidos em conta para efeitos da convicção do julgador. Uma tal atividade traduzir-se-ia em valoração da prova livre, que lhe está vedada

     Compete ao tribunal de revista simplesmente verificar se os juízos probatórios presuntivos em causa se revelam desprovidos de factos indiciários de base ou se as ilações deles extraídas padecem de manifesta ilogicidade, com ofensa do disposto no artigo 349.º do CC. Ou então se tais presunções se inscrevem no domínio de uma factualidade para a qual não seja admitida essa espécie de prova, nos termos genericamente prescritos no artigo 351.º do mesmo Código, ou ainda se os factos dados como judicialmente presumidos colidem com factos dotados de eficácia probatória legal plena.    

      Ora, os factos essenciais dados como provados e não provados aqui em foco, respeitantes, respetivamente, à matéria constante dos artigos 37.º-38.º e 48.º-49.º da base instrutória são daqueles em que, por regra, se recorre à prova indireta por via de presunção judicial, não procedendo assim o argumento dos 1.ºs Recorrentes no sentido de que “as alterações à matéria de facto não assentam em qualquer meio de prova direta”.

      Também, para os efeitos do controlo deste tribunal de revista, não se afigura procederem os argumentos sobre a alegada desconsideração do teor de certas certidões ou registos prediais, uma vez que a sua eficácia legal probatória não obsta a que sejam tomados em consideração, como foram, outras fontes de conhecimento por parte dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. Não se mostra pois abusivo, como sustentam os Recorrentes, atender a fontes de conhecimento factual fora do teor dos documentos registrais juntos aos autos, dos quais nem sequer decorre presunção legal desse conhecimento, mormente para efeitos de ajuizar sobre a boa psicológica dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R., nos termos definidos no artigo 291.º, n.º 3, do CC.

Nem se divisa manifesta ilogicidade nas ilações extraídas pelo Tribunal a quo na conjugação dos depoimentos prestados com os elementos documentais, embora seja legítimo aos Recorrentes discordarem dessas ilações e da sua solidez ou pretenderam dar mais peso aos elementos documentais em detrimento da prova pessoal. Mas tudo isso se situa na esfera da valoração livre da prova que escapa ao controlo do tribunal de revista, tanto mais que só poderia ajuizar sobre essa matéria se lhe fosse legalmente permitido auditar a prova, o que a lei não consente.     

      Por sua vez, a credibilidade que foi dada pelo tribunal a quo aos depoimentos tidos em conta como fontes de conhecimento dos comportamentos indiciários tidos por relevantes, fora ou para além do teor dos documentos juntos aos autos, inscrevem-se na esfera da valoração livre da prova, sem evidência, portanto, de ofensa de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para os factos em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Assim sendo, não resta senão concluir pela improcedência das razões dos Recorrentes em sede de impugnação do julgamento de facto da Relação sobre a matéria referente aos artigos 37.º, 38.º, 48.º e 49.º da base instrutória, mormente quanto ao juízo probatória de que:

   “Em 9/6/1999, os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.»

3.4. Quanto à alegada caducidade do direito de restituição dos imóveis reivindicados


Os R.R. deduziram a exceção de caducidade do direito de restituição dos imóveis ajuizados peticionado pelos A.A. a coberto do preceituado no artigo 909.º, n.º 3, com referência à alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, correspondente ao atual artigo 839.º do CPC.

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa questão nos seguintes termos: 

«Dispunha o art.º 909.º al c) a CPC – nos exactos termos hoje utilizados no art 839º/3 do actual CPC – que sendo anulado o acto da venda, nos termos do art 201º (hoje 195º), «a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço».

A doutrina mostra-se unânime quanto ao carácter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem objecto da venda anulada no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva («sobre o recurso, os embargos ou a anulação», assim se pronuncia Lebre de Feitas, caso em que apenas terá direito ao preço. O não procedimento do executado, na execução, nos termos e prazo referidos, implicará a extinção do direito do mesmo à restituição do bem vendido, e, nessa medida, verificando-se, por hipótese, subsequente interposição de acção de reivindicação pelo mesmo, o comprador – que se ache na posse do bem que lhe foi vendido – poderá impor com êxito ao “dominus” a excepção peremptória em causa, que implicará a extinção do direito do reivindicante.

Mas esse procedimento, e a analisada consequência em função da sua não adopção pelo executado, vista a respectiva finalidade – necessidade de assegurar a protecção e a estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa fé dos terceiros adquirentes, nas palavras do Ac STJ 12/4/2012, citado pelos 1º e 2º RR. – só se poderão impor, por definição, quando, antes do decurso daquele brevíssimo prazo de 30 dias, não tenha ocorrido por parte do respectivo comprador – como será normal que não ocorra -  negócio deste com terceiro que implique a perda da posse do bem vendido na execução. A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução na base do estabelecimento de um tão curto prazo destinar-se-á, justamente, a evitar situações como a dos autos – em que o comprador do bem na execução proceda a negócios com terceiros que tenham aquele como objecto, maxime, realizando a respectiva venda - e que obstaculizem a restituição do bem ao executado.

Ora, na situação dos autos o que se verificou foi que, muito antes da primeira sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da anulação da venda - sentença essa de 6/12/2000, decorrente do pedido de anulação provindo do então Fundo de Turismo feito em 5/7/1996 – e que se veio a verificar não ser, afinal, a decisão definitiva referente a essa anulação, que apenas veio a ser obtida mais de oito anos depois, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/4/ 2008, transitada em julgado em 12/5/2008 – já os aqui 1º e 2º RR., compradores dos quatro imóveis na execução fiscal, os haviam vendido aos 3º, 4 º e 5º RR, por escrituras que tiveram lugar em 9/6/1999, mostrando-se essas aquisições então já registadas a seu favor. Acresce que a posse dos quatro prédios em referência já teria, inclusivamente, sido adquirida, pelo menos pelo 5º R., antes da data daquela escritura.

Como é evidente, o procedimento – e a respectiva consequência no caso da sua não adopção – previsto na norma do referido nº 3 do art 909º aCPC, não faziam já qualquer sentido.

Um requerimento dos aqui AA. na execução fiscal após a obtenção da decisão que definitivamente teve como nula a venda dos quatro prédios na execução,  apenas embaraçaria - mais ainda - tais autos, não podendo, já, por definição, postular o resultado a que a exigência em causa se destinava,  devendo manifestamente ser indeferido e os executados remetidos para uma acção de reivindicação.

Assim, as pertinentes considerações dos RR. a respeito do procedimento em questão previsto nº 3 do art 909º a CPC – de que a sentença  de anulação proferida nos casos de nulidade consequente de nulidade processual não faz renascer automaticamente o direito de propriedade na titularidade de quem era proprietário antes da venda, antes se imporá, por parte do executado, que promova a execução do julgado anulatório, pedindo a restituição dos bens nos termos e prazo previsto no art 909º/3 – apenas se justificam se, nos 30 dias pressupostos na norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade (e posse) do comprador dos mesmos na execução.

O que, evidentemente, sucederá em grande parte dos casos em que a decisão de anulação da venda logo transite, mas não em situações com a tortuosidade ocorrida nos presentes.

Assim, nos presentes, a exigência em causa, não podendo desempenhar qualquer utilidade, não faz qualquer sentido, antes emergindo e se impondo a natureza imprescritível do direito de propriedade e da acção de reivindicação.

Por assim ser, improcede a excepção em causa.»


     Todavia, os Recorrentes persistem na tese de que o referido normativo é aplicável também aos 3.º, 4.ª e 5.ª R.R., na qualidade de subadquirentes do comprador na venda executiva.

      Não sofre dúvida de que, nos termos do referido artigo 909.º, n.º 3, do CPC, em caso de anulação da venda executiva, designadamente por virtude da anulação do ato da venda nos termos do artigo 201.º do mesmo Código, o direito à restituição dos bens vendidos, por banda das partes na ação executiva, contra o comprador deverá ser exercido no prazo de 30 dias a contar da decisão anulatória definitiva, sob pena de só lhes assistir o direito a receber o respetivo preço, com o que, dessa forma, se convalida aquela venda.

      Como é sabido, a brevidade do referido prazo tem em vista assegurar a estabilidade das vendas em execução e assim proteger a confiança e a boa-fé de terceiros.

      Resta saber se esse prazo de caducidade aproveita também aos terceiros subadquirentes, que não intervieram na venda executiva.

     Tal não resulta expressamente daquele normativo nem se encontra na doutrina e jurisprudência citadas pelos Recorrentes uma referência explícita à situação específica dos subadquirentes.

     Com efeito, a generalidade dos Autores[2] que aborda o problema da anulação da venda executiva e do exercício do respetivo direito à restituição dos bens nos termos do artigo 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do CPC, refere-se apenas ao exercício desse direito contra o comprador, sem qualquer alusão aos subadquirentes deste. 

    De igual modo, os acórdãos citados pelos próprios Recorrentes – o acórdão do STJ, de 18/12/2003, proferido no processo n.º 3906/03-6 e o acórdão do STA, de 12/04/2012, proferido no processo n.º 0271/12 – versaram sobre casos que envolveriam a restituição de bens, em virtude da anulação de venda executiva, contra o comprador que interviera nesta ven-da, nos termos do artigo 909.º, n.º 3, do CPC, não se afigurando que o entendimento ali seguido seja transponível, sem mais, para os casos em que a restituição seja deduzida contra os subadquirentes desse comprador.

     Ainda a este propósito, Alberto dos Reis[3], embora com referência à hipótese de anulação da venda executiva com fundamento em falta ou nulidade de citação do executado prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 909.º do CPC de 1939 - em que não se previa então a hipótese de anulação com base em outras nulidades processuais que afetassem o ato da venda, nos termos do artigo 201.º, e que só foi introduzida na Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961, - considera que:

«Proferida decisão [que declara sem efeito as vendas] (…), é claro que os compradores dos bens ficam obrigados a restituí-los ao executado.

(…)

A decisão que declara sem efeito as vendas constitui caso julgado em relação aos compradores, embora estes, tenham sido estranhos aos factos e ao processo de reclamação de que a decisão emana. Os compradores sofrem o efeito reflexo do caso julgado.

     E tanto Alberto dos Reis[4] como Eurico Lopes Cardoso[5] referem que o pedido ou requerimento do executado para a restituição de bens e entrega do preço hão ser feitos na própria ação executiva.              

      Destas considerações parece resultar que o procedimento previsto no art.º 909.º, n.º 3, do CPC se encontra configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.

Por isso mesmo, o procedimento para obter a restituição dos bens previsto no n.º 3 do indicado art.º 909.º do CPC reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra aquele comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra.

     Já a pretensão de restituição dos bens contra o terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva anulada, deve ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório dessa venda àquele terceiro adquirente que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, podendo então esse subadquirente prevalecer-se da proteção de terceiros de boa-fé nos termos do artigo 291.º do CC.    

      Nessa medida, não se afigura que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura daquela ação.

       Acresce que, como se refere no acórdão recorrido, nos casos, como o dos presentes autos, em que, no momento da decisão anulatória definitiva, o comprador já tenha alienado a terceiros os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrava em condições de proceder à restituição dos bens, não se mostrando lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda.

      Nesta conformidade, tem-se por acertada a solução do acórdão recorrido em julgar improcedente a referida exceção de caducidade.       

 

3.5. Quanto à alegada aquisição tabular invocada pelos 3.º, 4.ª e 5.º R.R.


Como se deixou acima relatado, os A.A. pretendem aqui, além do mais, a declaração judicial de extensão aos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. dos efeitos civis da sentença de anulação da venda dos imóveis em causa proferida pelo tribunal tributário e a consequente condenação daqueles R.R. a restituir-lhes esses bens, invocando a má fé destes, a coberto do artigo 291.º do CC.

Por sua vez, os R.R. sustentaram a inoponibilidade da ineficácia da venda executiva resultante da sobredita anulação, invocando a sua boa-fé nas aquisições que efetuaram ao comprador, ora 1.º R., com base tanto no artigo 17.º do Código de Registo Predial como no artigo 291.º do CC.

Na 1.ª instância, considerou-se que, tratando o artigo 291.º do CC da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico e o artigo 17.º do Código de Registo Predial da nulidade do registo, a questão dos autos se reconduzia ao âmbito daquele primeiro normativo.

Nessa conformidade, em face dos factos dados por provados, tendo os 3.º a 5.º R.R. adquirido onerosamente os prédios em causa e registado as respetivas aquisições, estando de boa-fé por desconhecerem a existência da ação em que se visava invalidade da venda executiva e não tendo sido registada a ação de anulação do negócio celebrado em 16/07/1996 no prazo de três anos após esta data, ali se concluiu pela improcedência do pedido dos A.A. relativo à invalidade da aquisição dos prédios em causa por aque-les R.R..

Porém, o Tribunal da Relação, após alterar a decisão de facto respeitante ao mencionado desconhecimento dos mesmos R.R., enveredou por solução diversa da dada em 1.ª instância, estribando-se na seguinte fundamentação:

«Como deflui do acima exposto relativamente aos campos de aplicação e delimitação do art 291º e do art 17º/2, esta noção de boa fé - que, de todo o modo, há-de sempre radicar na circunstância de o terceiro adquirente no momento da aquisição desconhecer, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável, definição constante do nº 3 do art 291º - pode assumir cambiantes ligeiramente diferentes, consoante se parta do princípio que a aplicação do 291º pressupõe o registo prévio a favor do “dante causa” para que o terceiro possa beneficiar da respectiva protecção, ou, pelo contrário, que o art 291º não exige o registo prévio da aquisição do transmitente.

Para os primeiros, e elegendo como representativo José Alberto Gonzalez[6],  que refere explicitamente que o 291º «supõe, por conjugação com o art 9º/1 CRP, o registo prévio a favor da pessoa de quem o terceiro adquire» - o terceiro estar de boa fé  significa que o mesmo «acreditou , sem culpa, na fidelidade do registo à realidade substantiva». Acrescentando: «Sendo certo que o terceiro não está obrigado a investigar (nem isso faria qualquer sentido), tal fidelidade - e daí que, existindo o registo a favor daquele de quem o terceiro adquire, se presuma a boa fé do mesmo – também é verdade que, provando-se que o terceiro se apercebeu ou devia ter percebido, por outros meios, da infidelidade registal, já não pode estar de boa fé, e por isso, já não pode (não deve) ser protegido [7].

Com efeito, para o autor em causa, a exigência do registo prévio do transmitente é «o ponto de partida da protecção da confiança a que se dirige o normativo do 291º»: «neste caso, o terceiro pode confiar na validade do acto registado a favor do causante, apesar deste ser inválido». [8]

Trata-se para o autor em referência de emanação do sentido positivo da fé pública, em função do qual, «presume-se que o registo efectuado retrata a verificação de um facto (ou conjunto encadeado de factos) juridicamente existente e validamente celebrado». [9]

Mas a noção de boa fé constante do referido nº 3 do 291º CC nada tem de incompatível com a tese oposta, a de que esse preceito pressupõe a não existência de registo prévio da aquisição do transmitente.

O que decorre - como o evidencia Mónica Jardim [10]- da circunstância da lei associar a boa fé apenas à ignorância dos vícios do título (e não à existência ou não de registo prévio). Por assim ser, «a existência ou não de registo a favor do transmitente, não pode assumir relevância aquando da determinação da boa ou má fé do terceiro, sob pena de se actuar contra legem», levando-a concluir ser «mais razoável o entendimento nos termos do qual, perante o registo prioritário da acção, a lei prescindir da má fé do “terceiro” sujeitando-o à eficácia retroactiva real da nulidade ou da anulação».[11]

Assim é, que, Menezes Cordeiro – que, como acima se referiu, tem como pressuposto da aplicabilidade do art 291º, precisamente a não existência de registo prévio do transmitente e como pressuposto da aplicabilidade do 17º/2 essa existência [12]- desligando a boa fé da “base objectiva” a que se refere José Alberto Gonsalez, acaba por colocar, mais adequadamente, tanto quanto nos parece, o acento tónico no carácter ético da boa fé em causa nos dispositivos em análise, referindo que, «a boa fé traduz um estado de ignorância desculpável, no sentido de que, o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades »[13]

Referindo noutro passo: «O art 291º/3 define a boa fé em termos éticos (…) a referência à culpa implica a presença de deveres de diligência e de cuidado que levam as pessoas, sobretudo perante bens registáveis – já que é esse o âmbito de aplicação do art 291º em estudo – a um mínimo de precauções, para não incorrer nas consequências de um negócio viciado».

A boa fé em sentido subjectivo, ou em sentido ético, corresponde como o acentua Menezes Cordeiro[14] «a uma ignorância desculpável (…) há desconhecimento indesculpável quando o sujeito ignore certo facto, por ter procedido com desrespeito por certos deveres de cuidado». Mais referindo, para a distinguir da boa fé em sentido objectivo ou psicológico (que corresponde «à simples ignorância de certo facto»): «Os deveres de cuidado, cuja violação, para o entendimento ético da boa fé, geram a má fé, destinam-se não a assegurar uma preocupação intelectual de conhecimentos, por parte do sujeito, mas a garantir as situações que ele, com o seu desconhecimento, vai prejudicar (…) Não interessa saber se o sujeito ignora; releva antes se agiu com o cuidado necessário, sendo certo que tal cuidado se reporta (…) às próprias realidades materiais que, no caso considerado, estejam em jogo».

Revertendo à situação dos autos, se se adoptar o entendimento de quem pressupõe que o art 291º exige o registo prévio pelo transmitente - o que na situação dos autos ocorreu - os 3º, 4º e 5º RR. deixariam de merecer a protecção implicada nesse  normativo – ainda que estivessem de boa fé  - por uma de duas e alternativas ordens de razão:

- por um lado, e desde logo, porque o registo da acção de anulação da venda, ocorrido em 30/4/1999, precedeu o registo da aquisição desses RR., havendo, neste particular que salientar que a  inscrição provisória de aquisição a favor do R. GG não foi, relativamente a qualquer dos imóveis, convertida em definitiva: a aquisição de dois dos prédios foi inscrita a favor dos 3º e 4º RR. e a dos outros dois foi inscrita a favor do 5º, através de novas inscrições, na mesma data em que era anotada a caducidade das visadas inscrições provisórias, não podendo pois dizer-se estar  em causa qualquer retroacção dos efeitos de um registo definitivo à data em que foi realizado o registo provisório de aquisição, como é salientado na sentença proferida nos embargos de terceiro e a que se fará melhor referência mais adiante. Aí se diz que «de facto, os únicos registos provisórios de aquisição que foram convertidos em definitivos foram os realizados a favor dos 3º e 4º RR. que detinham o registo provisório de aquisição relativamente a dois prédios desde 6/7/1999, o qual foi convertido em definitivo em 12/05/2000».

- por outro lado, porque a  acção de anulação da venda judicial foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio: se se entender que este “negócio” é o primeiro (a compra e venda judicial), a acção foi proposta e registada nos três anos subsequentes a 16/7/1996; se se entender que este “negocio” é o segundo, porque, mais do que a propositura e registo dessa acção de nulidade, ocorreu o próprio registo da decisão favorável obtida nessa acção em 31/7/2001 (por maioria de razão, o registo dessa decisão operaria os mesmo efeitos da simples propositura e registo dessa acção), consequentemente, nos três anos subsequentes a 9/7/1999.

Se se adoptar o entendimento de que a aplicação do art 291º CC pressupõe a não existência de registo prévio do transmitente e que a existência deste obriga à aplicabilidade do nº 2 do art 17º CRP – caso que em fica afastado o acima referido último pressuposto da protecção do terceiro – ainda, então, os 3º 4º e 5º RR. não merecerão a protecção a que essa norma se dirige, porque, no momento da aquisição - 9/7/1999  - estavam de má fé.

É que, com os contornos que acima decorrem da apreciação da matéria de facto, só pode concluir-se que, no mínimo, desconheciam com culpa o vício do negócio nulo, pois que, ainda que não tivessem sabido anteriormente através do Banco KK, ou através do filho dos AA., TT, que estava judicialmente colocada em causa a validade da venda judicial, e apenas se tivessem baseado nas certidões de registo predial utlizadas na feitura das escrituras de compra e venda – o que não se concede - a circunstância de, destas não constar os registos provisórios a favor do 5º R., realizados, como não podiam desconhecer, menos de seis meses antes, logo os haveria de ter advertido para a incompleição dos registos constantes daquelas certidões – com efeito, já não podiam partir do principio que toda a sucessão de factos registáveis fora efectivamente registada, e portanto, tudo o que devia ser dado a conhecer, fora realmente publicitado – como a simples circunstância das mesmas, em relação aos quatro imóveis, conterem, repetidamente, registos atinentes a requerimentos de anulação da venda, lhes imporia o cuidado de junto do processo de execução fiscal se inteirarem da possibilidade dessa venda poder vir a ser anulada.

A este respeito transcrever-se-á aqui o que foi muito pertinentemente referido na sentença proferida nos embargos de terceiro - Proc nº 765/2001 da 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa - que os aqui 1º e 2.º RR. interpuseram contra os aqui AA., depois que, definitivamente, foi tida como anulada a venda judicial dos quatro imóveis, visando obstar a nova venda executiva.

Note-se que em face do disposto no art 349º CPC, apenas a circunstância de nesse incidente de embargos não terem sido parte também os aqui 3º, 4º e 5º RR., impedirá que, negada que foi nessa sentença a declaração de propriedade dos quatro imóveis a favor dos mesmos, se afirmasse nestes autos, como decorrência do caso julgado ali obtido, ou, ao menos, da respectiva autoridade, a propriedade desses imóveis a favor dos aqui AA, pois que a questão colocada ali é, precisamente, a mesma que aqui está colocada, e nenhum sentido faria que ali se concluísse de um modo e aqui de modo oposto.»

     Nessa base, concluiu a Relação que “a anulação da venda executiva é oponível aos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. - que por isso não merecem a proteção implicada nessa inoponibilidade -, havendo que julgar, consequencialmente, nula a compra e venda dos prédios feita pelos 1.º e 2.º R.R. àqueles outros - por estar em causa venda de bens alheios – e ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a favor de uns e outros dos RR., afirmando, correlativa e consequencialmente, a propriedade dos A.A. sobre aqueles imóveis”.

Todavia, não se decretou a entrega desses bens aos A.A., dado que a retroação da na anulação da venda executiva implica que esses imóveis voltem à situação em que se encontravam antes da venda anulada, ou seja, à situação de estarem penhorados à ordem da execução fiscal n.º 1597199201602128.



Por sua vez, o 3.º, 4.ª e 5.º R.R. vieram contrapor ao assim ponderado e decidido, sustentando, no essencial, que:

i) – A pretensão dos A.A. assim sufragada colide frontalmente com o disposto conjugadamente nos artigos 17.º, n.º 1, e 8.º do Código de Registo Predial;

ii) – Em primeiro lugar porque a nulidade do registo não pode ser invocada pelos A.A., porquanto não foi declarada por decisão judicial com trânsito em julgado;  

.iii) – A sentença proferida na ação anulatória da venda proferida pela jurisdição tributária contém apenas, em sede de dispositivo, a determinação de anulação daquela venda com o que permanece válido e eficaz o registo de aquisição da propriedade a favor do comprador, ora 1.º R.;

iv) – Nem poderia ser de outro modo, tanto mais que nem a declaração de nulidade do registo nem o respetivo cancelamento foram ali peticionados;

  v) – Assim, consolidados os direitos registrais na esfera do transmitente, idêntica consolidação se verifica na esfera jurídica dos subadquirentes;

 vi) – À mesma conclusão se chegaria, mesmo a existir declaração de nulidade do registo de aquisição, tanto para os efeitos do artigo 17.º, n.º 2, do Código do Registo Predial como da aplicação do artigo 291.º do CC, sendo embora diferentes os campos de aplicação daqueles normativos;

 vii) – Mesmo a entender-se que o caso presente seja subsumível ao disposto no artigo 291.º do CC, sempre o registo de aquisição a favor dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R. teria se ser julgado absolutamente válido e os direitos dos A.A. insubsistentes, por virtude de não ter sido registada a presente ação nos três anos posteriores à conclusão do negócio;

  viii) – Quanto ao registo da ação anulatória, atento o disposto no citado artigo 291.º, tal registo seria sempre obrigatório para obstar à consolidação dos direitos do comprador, ora 1.º R., a qual servirá para se dispor de um registo subsistente porventura por via de renovações sucessivas até à conversão em definitivo, na sequência da decisão proferida pela jurisdição tributária como veio a suceder;

  ix) – Porém, esse registo é como se nunca tivesse existido por ter sido efetuado por dúvidas e caducado decorridos seis meses, permitindo assim a consolidação do registo definitivo da aquisição a favor do transmitente e o registo definitivo da aquisição pelos ora Recorrentes;

   x) – Deste modo, a decisão anulatória tem apenas eficácia obrigacional, não podendo aproveitar aos A.A. contra os 3.º, 4.ª e 5.º R.R.;

   xi) – Por fim, os mesmos R.R. devem ser tidos como terceiros adquirentes de boa fé, dado que, ao tempo da aquisição, o registo da ação anulatória não constava da certidão predial que instruiu a escritura de compra e venda, conforme matéria de facto assente.


        Vejamos.


     Em primeiro lugar, com relevo para a questão em apreço, colhe-se da factualidade provada que:

a) – No âmbito da execução fiscal que correu termos no processo n.º 159…2.8, na Repartição de Finanças de Vila …, o 1.º R. CC comprou mediante escritura pública outorgada em 16/07/1996, pelo preço de 15 mil contos, os quatro prédios ajuizados descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila …, penhorados naquela execução, a saber: o prédio rústico sito no Casal do …, descrito sob o n.º 00…3; o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito sob o n.º 00…7; o prédio urbano sito no Casal do …, descrito sob o n.º 00…5; o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito sob o n.º 00…6;

b) – A referida aquisição foi registada a favor de CC, c.c. DD, como provisória por dúvidas, mediante a apresentação n.º 57/960805, convertida através da apresentação n.º 12/9…2;

c) – Por escritura pública outorgada em m 9/6/1999, os 1.ºs R.R., CC e mulher DD venderam ao 3.º R. EE o prédio rústico sito no Casal do … descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o n.º 00…3 e o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito na referida conservatória sob o n.º 00…7; 

d) - Por escritura pública também outorgada em m 9/6/1999, os 1.ºs R.R., CC e mulher DD venderam ao 5.º R. GG o prédio urbano sito no Casal do …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila … sob o n.º 00…5 e o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito na referida conservatória sob o n.º 00166; 

e) - Em 16 de março de 1999 foi registada, provisoriamente por natureza e por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 17, a aquisição, a favor de GG, por compra, dos prédios descritos sob os números 165, 166, 167 e 613, sendo que, em 12 de maio de 2000, foi anotada a caducidade dos correspondentes registos;

f) - Em 12 de maio de 2000, foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 04, a aquisição, a favor de GG, por compra, dos prédios descritos sob os números 165 e 166;

g) - Em 6 de julho de 1999, foi registada, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 11, a aquisição, a favor de EE, c.c FF, por compra a CC e DD, dos prédios descritos sob os números 167 e 613;

h) - Em 12 de maio de 2000, foram convertidos em definitivo, através da ap. 5, tais registos;

i) - Em 30 de abril de 1999, foi registado, na Conservatória do Registo Predial de Vila …., através da ap. 18, com referência aos prédios descritos sob os números 165, 166, 167 e 613, o seguinte:

«Acção, provisória por natureza e por dúvidas. Requerente: Fundo de Turismo (Organismo Estatal Autónomo) […]. Requeridos: CC e mulher DD. Pedido: Anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal. Abrange 4 prédios.»

j) - Em 12 de maio de 2000, foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade do registo supra mencionado;

k) – Em 31 de julho de 2001, foi registado, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …., através da ap, 13, com referência aos prédios descritos sob os números 165, 167 e 613, o seguinte:

«Decisão Judicial - por sentença transitada em 6 de Junho 2001 foi declarada anulada a venda executiva entre AA e CC. Abrange 3 prédios.»

l) - Em 17 de fevereiro de 2003 foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade dos referidos registos;

m) - Em 10 de outubro de 2001, foi registado, provisoriamente, por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de Vila …, através da ap. 20, com referência ao prédio descrito sob o número 166, o seguinte: «Decisão Judicial - por sentença transitada em julgado em 06 de Junho 2001 - Declarada anulada a venda executiva a CC.»

n) - Em 5 de março de 2003, foi anotada, na Conservatória do Registo Predial, a caducidade do registo mencionado;  

o) - Por sentença proferida em 26 de outubro de 1999, transitada em julgado, proferida pelo então 1.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, no processo de anulação de venda n.º 6/98, foi decidido o seguinte: «Assim sendo e face a tudo o que fica dito, indefiro a requerida anulação da venda.»

p) - Por sentença de 9 de novembro de 2006, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, Unidade Orgânica 4, no processo de anulação de venda n.º 1/98, confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 23 de abril de 2008, transitado em julgado, foi declarada a anulação daquela venda executiva, nos termos do art.º 909.º, n.º 1, alínea c), com referência ao art.º 201.º do CPC;  

q) - Em 9/6/1999, os 3.º, 4.º e 5.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.

r) - A presente ação foi instaurada no dia 01/10/2001;

s) - Em 19 de novembro de 2001, CC, DD, EE e FF, foram citados para a presente ação;

t) - GG, foi citado para a presente ação;

u) - Na execução fiscal n.º 159…28, não consta requerimento ou petição dos A.A. ou dos seus representantes legais a requerer a restituição dos bens vendidos.


Deste universo factual, destaca-se, em síntese, que:

  - O 1.º R. CC comprou por escritura pública outorgada em 16/07/1996, no âmbito da execução fiscal que correu termos no processo n.º 1597-…2.8, na Repartição de Finanças de Vila …, os quatro prédios ajuizados e descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila …, a saber: o prédio rústico sito no Casal do …, sob o n.º 613; o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito sob o n.º 167; o prédio urbano sito no Casal do …, descrito sob o n.º 165; o prédio urbano sito no lugar da …, Casal do …, descrito sob o n.º 166;

   - A referida aquisição foi registada, como provisória por dúvidas, em 05/08/1996 e convertida em definitiva em 02/12/ 1996;

   - Por escrituras outorgadas em 09/06/1999, os 1.ºs R.R., CC e mulher DD venderam os prédios descritos sob o n.º 613 e n.º 167 ao 3.º R. EE e os prédios descritos sob o n.º 165 e n.º 166 ao 5.º R. GG;

   - A inscrição da aquisição dos prédios descritos sob os números 167 e 613 feita pelo 3.º R. EE c.c FF foi registada, provisoriamente por dúvidas, em 06/07/1999 e convertida em definitiva em 12/05/2000;

   - E nessa mesma data (12/05/2000), foi também registada a aquisição a favor do 5.º R. GG dos prédios descritos sob os números 165 e 166;

   - A sobredita venda executiva foi declarada anulada, nos termos do art.º 909.º, n.º 1, alínea c), com referência ao art.º 201.º do CPC, por sentença, de 09/11/2006, proferida pelo TAF de Lisboa, no processo de anulação de venda n.º 1/98, e confirmada por acórdão do TCA do Sul, de 23/04/2008, transitado em julgado;

   - Em 09/06/1999, os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do referido processo de execução fiscal.

Estamos assim perante a anulação da referida venda executiva feita ao 1.º R. CC, em virtude do que as vendas subsequentes efetuadas por este, em 09/06/1999, respetivamente ao 3.º R. EE e ao 5.º R. GG se têm por vendas de bens alheios e, portanto, nulas nos termos do artigo 892.º do CC. 

Ponto é saber se os 3.º, 4.ª e 5.ª R.R. devem ser considerados como terceiros adquirentes de boa fé e se, como tal, lhes são inoponíveis os efeitos retroativos dessa nulidade previstos no artigo 289.º, n.º 1, do CC.


Ora, o artigo 291.º do CC prescreve que:

   1 – A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou de anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

  2 – Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

 3 – É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

     Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[15], este normativo prescreve um desvio ao princípio geral do efeito retroativo da nulidade e da anulabilidade estatuído no artigo 289.º, n.º 1, do CC, no respeitante aos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, visando salvaguardar as aquisições, a título oneroso, obtidas por parte de terceiros de boa fé, desde que se verifiquem as condições ali exigidas.

        Para tanto, consideram-se como terceiros de boa fé os terceiros adquirentes que desconheciam, sem culpa, no momento da aquisição, o vício que afetava o negócio de nulidade ou de anulabilidade, tratando-se, portanto, de um conceito de boa fé subjetiva ou psicológica.

Desde logo, estão arredados dessa proteção os terceiros adquirentes que, no momento da respetiva aquisição conhecessem, com culpa, os referidos vícios, o mesmo é dizer que estivessem de má fé.

Por sua vez, os terceiros adquirentes de boa fé só beneficiam daquela proteção, nas aquisições de imóveis ou móveis sujeitos a registo, a título oneroso, no caso de se verificarem, no que aqui releva, os seguintes requisitos:

   i) - quando o registo da sua aquisição seja anterior ao registo da ação de nulidade ou de anulação; 

  ii) - se a ação de nulidade ou de anulação for proposta e registada além dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

      Assim, a não verificação de qualquer destes requisitos leva a que os direitos dos terceiros adquirentes de boa fé sejam alcançados pelos efeitos retroativos da nulidade ou da anulabilidade[16].

      Porém, antes de mais, incumbirá ao terceiro adquirente, demandado no âmbito de uma ação destinada o obter a declaração do efeito retroativo da nulidade ou da anulação do negócio jurídico em que se fundou a respetiva aquisição, o ónus de provar a sua boa fé, nos termos do art.º 291.º, n.º 3, do CC, como facto impeditivo que é desse efeito retroativo, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do mesmo Código.

       Uma tal solução de repartição do ónus da prova é ditada, desde logo, pelo critério da denominada “teoria das normas”, segundo o qual “cada umas das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável”, à luz do seu “escalonamento sistemático”[17]. E a mesma solução resultaria também da aplicação de um critério empírico mais flexível referente à “normalidade social do facto”, segundo o qual o ónus probatório recairá sobre a parte que se encontre em melhores condições de provar o tipo de facto em causa[18].    

      Sobre o ónus de prova da boa fé do terceiro adquirente, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC, pronunciou-se o acórdão deste STJ, datado de 07/09/2017, proferido no processo 4363/04.0TBSTS. P1.S1[19], considerando que:

«A lei exige a alegação e a prova pela positiva do desconhecimento, sem culpa, do vício de que padeciam os negócios jurídicos anulados. No caso, não tendo sido alegados nem provados factos bastantes para integrar o requisito da boa fé, tal como formulado no n.º 3 do artigo 291.º do CC, conclui-se que o subadquirente (…) não pode beneficiar da especial tutela dos terceiros adquirentes prevista no n.º 1 do mesmo artigo.»

      Não cabe pois ao demandante, no âmbito de uma ação destinada o obter a declaração do efeito retroativo da nulidade ou da anulação do negocio jurídico em que se fundou a aquisição do terceiro adquirente, provar a má fé deste, já que tal requisito não é facto constitutivo do direito assim invocado por aquele demandante, nos termos do n.º 1 do citado artigo 342.º do CC

        

      Por seu lado, o artigo 17.º do Código de Registo Predial dispõe que:

  1 – A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado.

  2 – A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa-fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.

     Este normativo respeita, pois, às nulidades registais tipificadas no artigo do mesmo Código, em relação às quais se visa também proteger os terceiros adquirentes de boa fé.  

       Do cotejo entre o artigo 291.º do CC e o artigo 17.º do Código de Registo Predial decorre a distinção entre o alcance daqueles normativos. Assim, enquanto que o artigo 291.º do CC tem em vista os efeitos da nulidade ou da anulabilidade do próprio negócio jurídico, no plano substantivo; o artigo 17.º do Código do Registo Predial respeita ao efeito das nulidades que podem afetar o próprio ato de registo nos termos do respetivo artigo 16.º. Significa isto que a aplicação de um ou de outro não sofrem interferência.

      Tal delimitação encontra-se também equacionada no indicado acórdão do STJ, de 07/09/2017, proferido no processo 4363/04.0TBSTS.P1.S1, na linha, aliás, do doutrinado no acórdão deste mesmo Tribunal, de 05/07/ 2007 proferido no processo 07B1361 (acessível em www.dgsi.pt), ao considerar que:

«I - O regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do artigo 291.º do CC, aplica-se às hipóteses em que o interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram de boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível, salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio, definindo, assim, a lei o equilíbrio entre a tutela da validade substancial do negócio e a confiança depositada no registo.

II – Por sua vez, o regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante dos artigos 5.º, n.º 4, e 17.º, n.º 2, do CRGP, supõe duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira, pretendendo o primeiro adquirente (que não registou) invocar a invalidade do negócio de que resultou a segunda aquisição (registada), porque, à data da sua celebração, já o direito transmitido não se encontrava na esfera jurídica do transmitente, mas antes na esfera jurídica do primeiro adquirente.»


        Também a este propósito, Oliveira Ascensão[20] escreve que:

  «O art. 17.º, n.º 2 [do Código do Registo Predial], pressupõe uma desconformidade que foi criada pelo próprio registo.

   Não abrange desconformidades substantivas, pois estas só se podem sanar nos termos do art. 291.º [do Código Civil]. É até difícil supor situações de cumulação, pois em princípio a incorrecção registal cobre a incorrecção substantiva (…).

   Na medida em que possa haver aquela concorrência, a superação da invalidade só se produzirá nos termos do art.º 291.º do C.C., na parte em que subsistir.»  


No caso dos autos, não se suscitam quaisquer das nulidades do registo configuradas no indicado artigo 16.º do Código de Registo Predial, nem sequer a hipótese de aquisições sucessivas do mesmo transmitente, para que sejam convocáveis as normas dos artigos 5.º, n.º 4, e 17.º daquele Código. 

Estão apenas em causa os efeitos de anulação da venda executiva feita ao 1.º R. e da sua “ineficácia”, nos termos do artigo 909.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 201.º do CPC, bem como da consequente nulidade das vendas subsequentes realizadas pelos 1.º e 2.ª R.R. aos 3.º e 5.º R.R., nos termos dos artigos 289.º e 892.º do CC, pelo que a questão em apreço tem de ser resolvida unicamente à luz do artigo 291.º do CC, sem interferência dos invocados normativos do Código de Registo Predial, o que torna irrelevante as considerações aduzidas pelos Recorrentes neste aspeto.      

    Posto isto, independentemente de se discutir as sobreditas condicionantes estabelecidas no artigo 291.º, n.º 1 e 2, do CC com vista à proteção dos terceiros adquirentes de boa fé, o certo é que, face à factualidade dada como provada, os R.R. não lograram sequer demonstrar a sua boa fé, ou seja, que, no momento da respetiva aquisição dos imóveis ajuizados, desconheciam, sem culpa, o vício em causa, como decorre das respostas negativas dadas pela Relação aos artigos 48.º e 49.º da base instrutória.

Pelo contrário, o que se provou, conforme a resposta conjunta dada aos artigos 37.º e 38.º da base instrutória, é que os 3.º, 4.ª e 5.º R.R., em 09/ 06/1999, data em que outorgaram as respetivas escrituras de compra e venda dos imóveis em causa, tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação o pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal, o que mais reforça a falta de prova do requisito da boa fé.

Nem contra este entendimento, salvo o devido respeito, se afigura proceder o argumento esgrimido pelos os 3.º, 4.ª e 5.º R.R., de que confiaram no registo da propriedade dos bens existente a favor do transmitente, ora 1.º R., na medida em que tal confiança se encontra posta em crise pela prova de que, na data das respetivas aquisições dos imóveis, em 09/06/ 1999, tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.

Em suma, não tendo os Recorrentes provado, como lhes competia, o requisito da boa fé no momento das respetivas aquisições dos imóveis em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC, desnecessário se torna ocuparmo-nos dos demais requisitos previstos nos n.º 1 e 2 daquele normativo.


Termos em que improcedem as razões daqueles recorrentes também nesta parte, nada mais havendo a decidir.   


V - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:

a) – Não tomar conhecimento da exceção de incompetência material deduzida pelos Recorrentes;

b) – No mais, negar as revistas, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas dos recursos ficam a cargo dos R.R. Recorrentes.

Lisboa, 20 de dezembro de 2017

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

__________


[1] Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, relatado por Pinto de Almeida, acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj.
[2] Vide Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644.645; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, Lisboa, 1984, p. 146, notas 1 e 3; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, Lisboa, 1998, p. 402; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, pp. 420-422; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 411; Lebre de Freitas, A Acção Executiva – Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pp. 344-345.    
[3] In Processo de Execução, Vol. 2..º, Coimbra Editora, 1982, p. 446.
[4] Ob. cit. p. 435.
[5] In Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644
 [6] - «Direitos Reais (Parte Geral) e Direito Registal Imobiliário»,  2ª ed 
[7] - Obra citada, p 314/315
[8] - Obra citada, p 312
[9] - Obra citada, p 311
[10] - Obra citada, p 715
[11] - Obra citada, p 716
[12]- «Da Boa Fé no Direito Civil», 1984, I, p 485, onde refere que «o art 291º funciona apenas quando o terceiro, nele referido, não actue com base na fé publica registal, o que é dizer, quando o registo da sua aquisição, por ele efectuado, seja o primeiro relativo ao bem em causa; caso contrário aplica-se o dispositivo contido no CRP, com requisitos diferentes, designadamente com a dispensa dos três anos mencionados no art 291º/2»,
[13] - Obra citada,  p 516
[14] - Obra citada, p 512
[15] In Código Civil Anotado, Vol. 1.º , 1987, p. 267.
[16] A este propósito, vide Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1983, pp. 493-494.
[17] A este propósito, vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp. 455 e segs. 
[18] Critério apontado por Vaz Serra, in Provas – Direito probatório material, Lisboa, 1962, p. 67.
[19] Relatado pela ora 1.ª Adjunta Juíza Cons. Maria da Graça Trigo, acessível na Internet http//www. dgsi.pt/jstj.
[20] In Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 2000, p. 371.