Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5168/11.8TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIM CONTRATUAL
OBRAS
MORA
INTERPELAÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / OBRIGAÇÕES DO LOCADOR / RESOLUÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO / RESOLUÇÃO / ARRENDAMENTO DE PRÉDIOS URBANOS / DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES / OBRIGAÇÕES NÃO PECUNIÁRIAS / CESSAÇÃO / RESOLUÇÃO / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS DO ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 805.º, N.º 1, 1031.º, ALÍNEA B) 1050.º, ALÍNEA A), 1074.º, N.º 1, 1083.º, N.º 5 E 1111.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 19-01-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. Sobre o senhorio recai o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado para os
fins a que se destina, cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou
extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação cm contrário, podendo o locatário exigir que o senhorio as execute, nos termos dos artigos 1031°, alínea b), 1074°, n.° 1 e 1111", n.° 2 do Código Civil.


2. Se o senhorio não executar as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083.", n.° 5 do Código Civil.

3. A constituição em mora no cumprimento do dever legal de realização de obras de
conservação e manutenção exige a interpelação pelo credor, nos termos gerais do artigo 805°, n.° 1 do Código Civil.


4. Não estando demonstrada a existência de interpelação nem a recusa do senhorio a
realizar as obras necessárias, mas sabendo-se que este não autorizou as obras de adaptação do estabelecimento às regras sanitárias e de higiene, que por sua vez não eram viáveis sem intervenção em todo o imóvel, tendo ele conhecimento das anomalias existentes desde 2004 e que vieram a determinar o seu encerramento, tal significa que o arrendatário deixou de poder gozar a coisa por motivo estranho ã sua pessoa ou à dos seus familiares, circunstância que lhe confere o direito a resolver o contrato, nos termos do art. 1050°, alínea a) do Código Civil, independentemente de qualquer incumprimento, ou responsabilidade, da contraparte.


5. O dever de indemnizar pressupõe a mora do devedor (senhorio), que por sua vez pressupõe a interpelação, judicial ou extrajudicial, acompanhada do estabelecimento de um prazo, pelo que na ausência de demonstração da existência de mora, a conduta omissiva não pode ser tida como ilícita ou culposa, pressuposto este da indemnização.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA intentou contra BB e CC a acção declarativa de condenação pedindo a declaração de resolução do contrato de arrendamento para comércio por vício impeditivo do gozo do locado por culpa exclusiva dos réus e a condenação destes no pagamento de uma indemnização pelos lucros cessantes, correspondente ao valor anual de € 20 542,20, desse a data da propositura da acção até à data em que o autor perfaz 65 anos, no montante de € 184 479,90 (cento e oitenta e quatro mil quatrocentos e setenta e nove euros e noventa cêntimos) e pelos danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 5 000,00 (cinco mil euros).

Alegou o seguinte (seguindo-se, o disposto no acórdão recorrido, com ligeiras alterações): o autor é arrendatário de um estabelecimento comercial que adquiriu por trespasse em 16 de Janeiro de 1978, instalado no rés-do-chão de um edifício; em 26 de Abril de 2010, por escritura pública o prédio onde se encontra a funcionar o estabelecimento comercial foi vendido pelas proprietárias a BB e esposa, actuais senhorios, pagando actualmente uma renda de € 24,94; desde há cerca de 10 anos que o locatário pretende fazer adaptações no locado às novas exigências de higieno-sanitárias e de segurança alimentar e dos clientes, sem conseguir consenso seja com as anteriores senhorias, seja com os actuais senhorios; o autor comunicou aos réus a necessidade de efectuar obras urgentes e necessárias para a continuação da laboração do estabelecimento, que neste momento já só funciona em 30% da sua capacidade, sendo que tais obras não podem ser efectuadas sem intervir nos pisos superiores do imóvel; o imóvel ameaça ruína e tal foi comunicado por carta registada em 3 de Fevereiro de 2011 e em 1 de Março de 2011, sem qualquer obtenção de solução; foi concedido ao autor o prazo de 90 dias para a realização das obras necessárias, o que é inviável, pelo que lhe sobra apenas encerrar o estabelecimento; o autor e a sua família dependiam do rendimento adveniente da exploração do estabelecimento, resultando afectados os seus rendimentos com o respectivo encerramento, o que lhe causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais face à desocupação profissional que sofrerá.

Os réus contestaram suscitando incidente de verificação do valor da causa e a excepção de ilegitimidade activa singular, entendendo que o autor se devia fazer acompanhar pela mulher, com quem é casado segundo o regime da comunhão geral de bens, sendo que o local arrendado se destina a loja de venda de frutas, hortaliças e artigos de pastelaria e, na parte adaptável, a habitação do locatário, pelo que se torna necessária a intervenção do cônjuge.

Mais alegaram que a recusa do recebimento das rendas por parte das anteriores senhorias decorre do facto de o trespasse não ter sido comunicado, no prazo, pela forma e para os devidos efeitos legais, pelo que o negócio em causa seria inválido; mais sustentam que, ainda que devesse o autor ser reconhecido como arrendatário, o contrato de arrendamento caducou por perda da coisa locada; o locado passou a ser destinado a café em momento que os réus desconhecem e não reúne condições para tanto; ao momento do trespasse o autor sabia que não poderia realizar quaisquer obras sem a autorização do senhorio, sendo que face ao congelamento das rendas este não tinha condições para as realizar; aos actuais senhorios o autor nunca comunicou a urgência na realização de obras. Sustentam ainda os réus que as obras a realizar seriam obras de recuperação e reconstrução de todo o prédio, logo técnica e economicamente incomportáveis, face ao valor da renda paga, pelo que a sua exigência constitui um abuso de direito. No mais impugnam parcialmente os factos alegados pelo autor referindo que o estabelecimento continua aberto ao público e que nunca incorreram em incumprimento contratual perante aquele, entendendo que não há fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, tanto mais que este caducou por perda da coisa locada, para o que os réus em nada contribuíram, para além de o autor ter destinado o locado a fim diverso do previsto no contrato. Pugnam pela procedência das excepções deduzidas e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção, pedindo ainda a condenação do autor, como litigante de má-fé, no pagamento de multa adequada e em indemnização à parte contrária não inferior a € 15.000,00.
O autor deduziu réplica em que aceitou a correcção do valor da acção e pretendeu fazer intervir na acção a mulher; mais aduziu que a sua qualidade de inquilino sempre foi reconhecida por DD, até à data do seu óbito, em Agosto de 1995, que emitiu os correspondentes recibos, que passaram depois a ser emitidos pela filha, EE, sendo que apenas em Julho de 1999 passou a depositar as rendas; mais refere que foi autorizado, em 1981, a fazer obras e a vender artigos alimentícios no local, ali fazendo restaurante, com actualização da renda para Esc. 3 000S00.
Em sede de réplica, o autor veio ampliar a causa de pedir e o pedido relativamente ao valor dos lucros cessantes atenta a idade da mulher, que fixam em € 308.133,00 c ainda € 5.000,00 a título de indemnização devida à mulher, por danos não patrimoniais; mais peticionam a condenação dos réus como litigantes de má-fé, no pagamento de uma indemnização não inferior a € 2.500,00.
Os réus apresentaram tréplica pugnando pela inadmissibilidade parcial da réplica, pela improcedência do pedido da sua condenação como litigantes de má-fé, concluindo quanto mais como na contestação.

Em 3-02-2016 foi proferido despacho convidando o autor a suprir a preterição de litisconsórcio necessário (cf. fls. 274 e 275 dos autos), convite a que o autor acedeu vindo deduzir incidente de intervenção principal provocada chamando a intervir nos autos FF, intervenção admitida conforme despacho proferido cm 26 de Abril de 2016 (cf. fls. 188).

A interveniente principal, regularmente citada, veio declarar fazer seus os articulados apresentados pelo autor (cf. fls. 293 dos autos).
Em 15 de Junho de 2016 foi proferida decisão que fixou o valor da causa em € 189.479,90 (cf. fls. 295).
Em 7 de Novembro de 2016 realizou-se audiência prévia em que foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados (cf. fls. 314 e 315).

Em 14 de Dezembro de 2016, os réus apresentaram articulado em que alegam que o custo das obras necessárias para a recuperação do imóvel seria de € 1.500,00 por metro quadrado de intervenção, ascendendo a um total de € 437.695,50, com IVA, sendo que metade desse valor será para intervenção no locado, dando ainda conta que o estabelecimento foi encerrado há cerca de um ano pela ASAE, sendo que desde há 10 anos o locado não tinha condições para que lá funcionasse o estabelecimento.
Por sua vez, em 21 de Dezembro de 2016, o autor e a interveniente principal apresentaram articulado em que esclareceram que o objecto do arrendamento é o rés-do-chão do prédio identificado, com 158,04 m2 e que serviu de habitação até 1996, mas também como restaurante, marisqueira e actualmente funcionava como café e snack-bar, estabelecimento de bebidas, enunciando o estado de degradação em que este se encontra, as respectivas causas e as obras necessárias para a sua recuperação, cujo custo estimam em € 71.700,00.
A ampliação da causa de pedir e do pedido foi admitida por despacho proferido em 6 de Março de 2017 (cf. fls. 416).

A réplica e a tréplica foram parcialmente admitidas (cf. fls. 417).

2. Fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova foi realizada a audiência final vindo a ser proferida sentença, em 19 de Janeiro de 2018, que julgou a acção parcialmente procedente e determinou o seguinte:
a) Declarar a resolução do contrato de arrendamento referido nos autos e a restituição do arrendado aos réus;
b) Condenar os réus a pagar aos autores a título e indemnização a quantia a liquidar em execução de sentença correspondente à perda líquida de rendimento mensal que os demandantes sofreram em virtude do encerramento do estabelecimento comercial referido nos autos, entre 17.1.2013 e a data em que cada um complete 66 anos e 3 meses, no limite da indemnização já peticionada;

c) Absolver os réus do mais peticionado.

d) Não condenar qualquer das partes por litigância de má-fé;

e) Condenar as partes no pagamento das custas na medida do respectivo decaimento, que provisoriamente se fixa em 50% para cada uma."


3. Os réus recorreram da sentença, recurso de apelação que foi conhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.a Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:

a) Julgar parcialmente procedente a apelação dos réus BB e CC e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte atinente ao vertido na alínea b) do seu dispositivo (condenação dos réus no pagamento aos autores, a título de indemnização, de quantia a liquidar posteriormente, correspondente à perda líquida de rendimento mensal decorrente do encerramento do estabelecimento, até cada um deles perfazer a idade da reforma, tendo por limite o valor peticionado), mantendo, no mais, o decidido pelo Tribunal de Ia instância.
As custas ficam a cargo dos apelantes e dos apelados, na proporção de metade.”

4. Os AA., inconformados com a decisão, apresentaram recurso de revista do acórdão, admitido por despacho de fls..
Nas conclusões do recurso diz-se (transcrição):

“A) A douta sentença proferida em 1ª instância, perante a qual foi produzida a prova é inatacável e funda-se em jurisprudência pacífica deste mais alto e sábio Tribunal;

B) Está em causa neste recurso de revista, as consequências da resolução de arrendamento que as instâncias declararam, a primeira reconhecendo o direito à indemnização, a Relação subtraindo-o, revogando nesta parte, a douta sentença de 1ª instância;

C) Os AA. encerraram o locado devido ao facto de este ter deixado de possuir as adequadas condições de utilização;

D) A coisa apresenta vícios, por culpa do locador, que não lhe permitem realizar cabalmente       o          fim            a          que      é destinada, considerando-se, assim, o contrato não cumprido nos termos do art. 1032.º, alínea b) do CC;

E) Ao locador exige-se a realização de todas as reparações ou outras despesas indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer tal necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro;

F) A reparação ou eliminação dos vícios subsequentes serão da responsabilidade do locador desde que resultem da omissão dos seus deveres de proceder às obras de conservação ordinária e às obras de conservação extraordinária ou de beneficiação que se lhe impunha que fizesse;

G) Segundo os elementos disponíveis nos autos, pela vistoria a mando dos RR., corroborada pela prova testemunhal (produzida pelo fiscal da C.M.... e da arquitecta GG), as deteriorações graves motivadoras da degradação do edifício localizavam-se nos pisos superiores ao estabelecimento e no telhado, partes a que naturalmente os AA. não têm acesso e que escapam aos seus deveres de diligência e cuidado;

H) Ou seja, não resulta demonstrado que os AA. delas soubessem a gravidade e extensão ou lhes fosse exigível que devessem saber e que por isso, sobre eles impendesse a obrigação de avisar os RR., seus senhorios, até porque não fazem parte do espaço arrendado - arts. 1033.º, alínea d) e 1038.º, alínea h), ambos do CC.;

I) Ainda assim, e porque tais deteriorações se repercutem no locado, tentaram comunicar com eles, por carta de Fevereiro de 2011, recebida pela R. mas sem qualquer efeito;

J) E em Março de 2011, repetiram nova comunicação, concedendo um prazo de 20 dias para saberem a sua posição relativamente às obras a realizar no prédio atento o evidente estado de degradação deste e as condições de manutenção ou não do arrendamento;

K) A R. recebeu a carta mas não surtiu qualquer efeito;

L) O que os AA. sabem e tinham conhecimento era da infiltração de águas e humidades provenientes de zonas excluídas do arrendamento, como manchas e esboroamento do reboco e revestimentos, mas estas, não eram causa, mas outrossim, efeito das deteriorações;

M) Também são deteriorações que não se enquadram naquelas de conservação e reparação        da            responsabilidade        do        locatário - art.1043.º, nº 1 do CC.-, antes têm que ver com as reparações que ao longo dos anos devem ser levadas a efeito para assegurar o bom estado do edifício e indispensáveis ao gozo da coisa locada, aquelas que inicialmente se traduziam em obras de conservação ordinária e que se tornam em obras de conservação extraordinária, cabendo ao senhorio a responsabilidade pela sua realização, sob pena de responder pelos prejuízos causados, pela sua omissão, ao respectivo locatário;

N) No caso em apreço, estamos perante um edifício secular, adquirido em 2010 pelos RR. em estado de evidente degradação, correndo por conta do proprietário o risco da deterioração ao longo do tempo, que por isso mesmo, deve estar a par do que com ele se passa uma vez que além do mais, sobre si impende um dever de vigilância-art. 492.º do CC.;

O) Subjaz ao caso concreto, que a revogação parcial do decidido em 1ª instância pretende lograr uma aceitação dogmática integrante de abuso de direito impeditivo da realização das obras, por um lado, e por outro, da omissão de uma interpelação ao devedor sem a qual não existe o direito à indemnização;

P) Ora, os detalhes, a postura e os propósitos dos contraentes nem sempre correspondem a comportamentos padronizados e coincidentes;

Q) Há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, muito particularmente aos factores que explicam a não realização das obras, se por excessivamente onerosas e incapacidade financeira dos senhorios, se por uma estratégia de recuperação do espaço que ocupado propicia baixos rendimentos com vista à sua melhor rentabilização;

R) Certo é que, aqui chegados nunca se demonstrou qualquer incapacidade financeira quer das anteriores proprietárias, quer dos actuais, ora RR. para a execução de obras que evitassem a degradação do prédio e que seriam necessárias ao fim contratual;

S) (dizem os RR. que até são proprietários de vários imóveis);

T) Ao invés, o que se apurou foi que as intervenções levadas a cabo no locado foram a cargo e expensas dos AA., seguidas de aumento da renda por banda das senhorias;

U) Donde repugna enquadrar o quadro fáctico dos autos em qualquer exercício ilegítimo ou de abuso de direito por parte dos AA., os quais conscientes da parca renda que pagavam sempre foram prestativos e colaborantes para suportarem as obras que se iam mostrando necessárias no locado;

V) Tais questões merecem apreciação e decisão diferente daquilo que foi sufragado pelo douto acórdão;

W)Verifica-se que chegados a 1999, em que   as anteriores proprietárias se tornam suas senhorias pela transmissão por óbito de sua mãe, cuja relação sempre se pautou por alguma conflitualidade-incompreensível, é certo-, ao ponto das adaptações do estabelecimento à legislação para o sector impostas aos AA., foram motivo de acções judiciais;

X) Tudo o acima exposto, é revelador do incumprimento do locador da obrigação primária e fundamental de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada-art.....º, alínea b) do CC;

Y) Obrigação que se mostra transmitida eficaz e validamente para a esfera jurídica dos RR;

Z) Os quais, intencionalmente não quiseram saber e não quiseram ver da real situação do locado, conhecendo as suas circunstâncias e vicissitudes desde 2004, como provado, alheando-se das suas obrigações          e deveres de forma propositada, furtando-se à comunicação com os arrendatários – que só souberam da transmissão da propriedade decorrido um ano-, não respondendo às suas interpelações, não os reconhecendo investidos naquela qualidade por mera teimosia;

AA) E que assumem, permita-se o adjectivo, com arrogância, deixando patente na contestação, que em caso algum, jamais, consertariam com os AA. a mais pequena solução para a problemática degradação do prédio e locado;

BB) Ora, os AA. há vários anos que vinham a sofrer com a acentuada falta de condições propicias para o gozo do locado, designadamente, pela falta de comodidade, conforto, higiene e salubridade;

CC)       E querendo-as colmatar, dentro do possível e na parte que lhes competia para o exercício da actividade ali explorada e de acordo com as mais recentes regulamentações, não contavam com as necessárias autorizações ou colaboração para tal;

DD)       Pois, como resulta evidente, os AA. eram “pretensos inquilinos”;

EE)        Com o devido respeito, não colhe o argumento do aresto aqui em crise, da falta de interpelação dos RR., a qual, assumisse a semântica mais ou menos adequada ou concretizada nas cartas que lhes foram enviadas, sempre seria inútil-como se revelou-atento o não reconhecimento por parte dos senhorios de qualquer contrato de arrendamento em vigor e da inerente qualidade de arrendatários dos AA.;

FF)        Estes eram “ocupas” e a renda nunca foi preocupação deles, como confessadamente reconhecem;

GG)       Nesta   conformidade há forçosamente que reconhecer a presunção de culpa dos RR. nos termos do art. 799.º do CC. atenta a decretada resolução do arrendamento, decidida e conformada pelas instâncias;

HH) E ao contrário do que se defende no douto acórdão recorrido, em situação alguma os AA. excederam os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social e económico do direito que pretendem - art. 334.º;

II) Lamentavelmente, o douto acórdão faz uma errada interpretação e aplicação do direito face a este princípio, ao cindir, no caso em apreço, o fim social do fim económico, escudando-se numa excessiva onerosidade da prestação da realização de obras como justificativo do incumprimento, sem a prova sequer, da capacidade e disponibilidade financeira dos RR. e dos custos de facto, da obra;

JJ)         Ciente, contudo de que os AA. trabalhavam no estabelecimento e que dele proviam ao seu sustento;

KK)       E que quaisquer que fossem as obras que os AA. realizassem no locado, seriam inúteis e ineficazes sem a realização de obras no prédio de molde a colmatar, designadamente as elencadas e provadas em 15) dos factos provados;

LL)        Com o encerramento da actividade comercial que vinham exercendo no locado, desde há décadas, os AA. ficaram privados dos rendimentos que dali auferiam e que se propunham exercer até à idade da reforma dos inquilinos;

MM) Não pode, pois, neste contexto, duvidar-se da realidade do dano invocado, traduzido na frustração da concreta exploração do estabelecimento que plausivelmente os AA. pretendiam extrair até à respectiva idade de reforma, consubstanciadas em lucros cessantes futuros, de verificação provável, face a um juízo de prognose fundado na normalidade das situações da vida.

NN) Com a resolução do contrato de arrendamento, por impossibilidade de gozo do locado, não há lugar à restituição de rendas atenta a falta de correspectividade, mas sim a uma indemnização decidida pela 1ª instância pelas regras do art.562.º e segs do CC. a qual não violou o art.609.º do CPC, uma vez que o juiz não condenou em quantidade superior ou objecto diverso do que se pediu e que se assim se entender, o Supremo poderá mensurar se se verificar alguma afronta às regras de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida por desconformes aos elementos dos autos;

OO) O douto acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação e também por erro de determinação da norma aplicável, violou as disposições dos arts. ..., alínea b), 1111.º, 799.º, 798.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do CC.

PP) O douto acórdão recorrido violou assim, o disposto no art. 661.º do CPC, donde não podia o Venerando Tribunal da Relação revogar, na parte do pedido indemnizatório, a douta sentença proferida em 1ª instância;

QQ) E deve ser seguida a douta jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como toda a aqui citada, pelo que, não há fundamentos legais que sustentem a decisão sob recurso;

RR) Assim se decidindo se fará a mais lídima Justiça!

5. Os recorridos apresentaram contra-alegações, onde concluem (transcrição):

“1ª. Conclui-se a partir da contraposição da matéria de facto provada face aos pontos 36), 37), 38), 42) e 53) da matéria de facto não provada que os Recorrentes nunca interpelaram os Recorridos nem os anterioressenhorios para efeitos da realização de obras urgentes e indispensáveis à manutenção do gozo do locado e, por maioria de razão, nunca estabeleceram um prazo razoável dentro do qual essa prestação devesse ser cumprida pelos Recorridos.

 2ª.Essa circunstância não obstou ao reconhecimento do direito dos Recorrentes em proceder à resolução do contrato, na medida em que a alínea a) do artigo ...ºnº3 do consagra um fundamento especial de resolução – nas palavras do Professor ROMANO MARTINEZ, “neste caso pressupõe-se a inexistência de culpa por parte do locador, enquanto a resolução estabelecida no art. 801º do CC tem por base um incumprimento culposo”.

3ª. Para lhes ser atribuído o direito a serem indemnizados, os Recorrentes tinham que ter interpelado os Recorridos para efeitos da realização de obras para que estes últimos se considerassem em mora; nessa hipótese, seria a falta de realização das obras pelos Recorridos no prazo que lhes fosse fixado para o efeito pelos Recorrentes que consubstanciaria um verdadeiro incumprimento da sua obrigação – porém, nada disto sucedeu.

4ª. O Venerando Tribunal a quo proferiu a decisão recorrida em linha com a vasta Jurisprudência dos Tribunais Superiores que já se debruçou sobre a matéria, nomeadamente os Acórdãos proferido no dia 10 de Janeiro de 2006 e no dia 13 de Outubro de 1992 pelo Colendo Tribunal ad quem, bem como o recente Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no dia 24 de Setembro de 2015.

5ª. Face à Doutrina e à Jurisprudência sedimentada no nosso Ordenamento Jurídico, o Venerando Tribunal a quo aplicou de forma incólume a Lei ao caso concreto, termos em que o recurso interposto pelos Recorrentes não deve merecer qualquer provimento.

Do abuso de Direito

6ª. A título subsidiário, por mera cautela de patrocínio e dever de ofício, de forma a salvaguardar a mera hipótese de o Colendo Tribunal ad quem reconhecer o direito dos Recorrentes ao recebimento de uma indemnização, essa faculdade estaria sempre ferida de morte pela figura do abuso de direito prevista no artigo 334º do CC.

7ª. Decorre da conjugação dos pontos 8., 13., 14., 15., 16., 17., 18. e 34. da matéria de facto provada que os Recorrentes pretendiam a realização de profundas e dispendiosas obras no imóvel, ao passo que se encontravam a pagar uma exígua renda no valor anual de € 299,28.

8ª. Tendo por base o valor mínimo de € 10.000,00 indicado a título de mera hipótese pelo Venerando Tribunal a quo, seriam necessários quase trinta e três anos de renda para que os Recorridos pudessem recuperar o valor por si investido; efectuando semelhante cálculo perante o valor mais ajustado à realidade (mas que continua muito aquém do necessário) de um custo de € 65.000,00 que foi também avançado pelo Venerando Tribunal a quo, seriam já necessários mais de duzentos e dezassete anos para o valor investido em obras ser recuperado.

9ª. Contudo, se atentarmos ao orçamento de fls. 338 e seguintes e ao relatório de fls. 139 e seguintes, e ainda ao estado calamitoso em que se encontra a totalidade do prédio em geral, e do locado em particular (vide pontos 14), 15), 16), 17), 18), 33) e 34), fácil se torna concluir que as obras necessárias para requalificar apenas o locado ascendem facilmente a valores na ordem dos € 100.000,00 a € 200.000,00, o que constitui valores a duplicar ou até a triplicar face ao valor de referência utilizado pelo Venerando Tribunal a quo, o qual, recorde-se, utilizou o montante de € 65.000,00 para apurar o tempo de retorno do investimento.

10.ª Caso tomássemos em consideração o dobro do valor em questão, a saber € 130.000,00 (€ 65.000,00 X 2), seriam necessários 433 (quatrocentos e trinta e três anos!!!) anos de renda para recuperar o investimento (€ 130.000,00 : € 299,28); se tomássemos em conta o triplo, mais concretamente € 195.000,00, seriam necessários 651 (seiscentos e cinquenta e um!!!) anos (€ 195.000,00 : € 299,28); estes números falam por si mesmo e demonstram cabal e peremptoriamente aquilo que todos conseguem ver à exceção dos A/A. ora Recorrentes…

11.ª Coloca-se também a tónica no ponto 18. da matéria de facto provada: “as circunstâncias referidas em 14., 15., 16. e 17., registam-se, pelo menos desde 2004, com o necessário conhecimento dos Recorrentes – resulta do ponto 13. da matéria de facto provada que estes apenas estabeleceram contacto com os Recorridos (ou com qualquer outro Senhorio) quanto a essa situação no ano de 2011 – portanto, pelo menos 7 anos após surgir a necessidade de serem efectuadas as reparações supra descritas.

12ª. Esta actuação dos Recorrentes consubstancia um claro abuso de direito nas formas de alterum non laedere – ao protelarem durante pelo menos sete anos a sua inacção, perante os seus vários Senhorios, para a necessidade de serem realizadas obras no locado, o que avolumou os custos da respectiva intervenção – e de exercício de um direito em desequilíbrio – face à clara desproporcionalidade entre o custo das obras a suportar pelos Recorridos e o valor da renda paga pelos Recorrentes.

13ª. Semelhante entendimento tem sido veiculado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores ao longo dos anos: vejam-se os Acórdão proferidos pelo Colendo Tribunal ad quem no dia 19 de Janeiro de 2017 e no dia 16 de Dezembro de 2004, bem como os Acórdãos proferidos pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto no dia 13 de Dezembro de 2012 e no dia 24 de Outubro de 2016.

14ª. Consequentemente, e mesmo que se entendesse estarem verificados os pressupostos para que os Recorridos fossem condenados ao pagamento de uma indemnização a favor dos Recorrentes – algo que, na esteira do ponto anterior, se admite por mera cautela de ofício e dever de patrocínio –, essa pretensão nunca poderia proceder em virtude de a conduta dos Recorrentes preencher de forma cabal e cristalina a figura do abuso de direito prevista no artigo 334º do CC.

15ª. Em suma, o douto Acórdão recorrido não violou qualquer  preceito da nossa Ordem Jurídica (seja aqueles indicados pelos Recorrente, seja quaisquer outros), nem tampouco condensou qualquer erro da interpretação e/ou aplicação da Lei.

Nestes termos e demais de Direito, devem Vossas Excelências, Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de     Justiça, negar provimento ao recurso interposto pelos A/A. ora Recorrentes, confirmando em consequência e na íntegra a douta decisão recorrida. Só assim se fará a costumada Justiça!!!”

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

6. As questões suscitadas no recurso, tal como resultam das conclusões (que delimitam o objecto do recurso - art.°s 635.°, n.° 4 c 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal, são:
1) Saber se existem fundamentos (fácticos e jurídicos) que possam conduzir à condenação dos réus no pagamento da indemnização peticionada pelos AA em virtude da falta de realização de obras no locado;
2) Saber se, sendo julgado procedente o primeiro fundamento do recurso, se deve entender que os AA. actuaram com abuso de direito.

7. Factos provados apurados nas instâncias:

1) Por escritura pública outorgada 16.1.1978, HH e II declararam, pelo preço 120 000$00, trespassar a AA, que aceitou, com todo o seu activo e livre de passivo, incluindo os respectivos direitos ao arrendamento, licenças e alvarás, o estabelecimento comercial de frutas, hortaliças e artigos de pastelaria, instalado no R/c, ou loja, do prédio urbano sito no ..., nº…., em ....

2) Pelo alvará nº ...da Câmara Municipal ...foi concedida a JJ licença sanitária para explorar um estabelecimento de café no ..., em ....

3) Em 1.2.1978 o alvará referido em 2) foi averbado a favor de AA.

4) Por apresentação de 26.4.2010 está inscrita a favor dos AA. a aquisição, por compra, a EE e KK do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº.... da freguesia de ..., sito no ... e composto de R/c com quintal e pátio e dois andares.

5) Por escritura pública outorgada a 26.4.2010, pelo preço de € 150 000, EE e KK declararam vender a BB, que declarou comprar, o prédio urbano sito no ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº.142 daquela freguesia.

6) Por escritura pública outorgada a 3.4.1943, LL, na qualidade de administrador de bens de sua mulher, DD, declarou entregar em arrendamento a JJ, que aceitou, o R/c ou loja do prédio pertença de sua mulher sito no ..., em ..., destinado a loja de venda de frutas, hortaliças e artigos de pastelaria, sem a respectiva indústria, e, na parte adaptável, a habitação do locatário. A renda estipulada foi de 140$00, correspondendo 80$00 à parte destinada a habitação e 60$00 à parte destinada a negócio, a ser paga adiantadamente no 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito. Foi ainda convencionado que ficavam expressamente proibidas todas e quaisquer obras no arrendado sem consentimento da senhoria, dado por escrito, e que as obras consentidas só poderiam ser feitas nos termos e condições do consentimento prestado.

7) Em 16.1.1978 foi averbada à escritura referida em 6) a menção de que o arrendatário passava a ser AA, por força da escritura de trespasse referida em 1).

8) Na sequência da última actualização a renda foi fixada em € 24,94.

9) O A. nasceu a ...e a A. a ....

10) Os AA. casaram entre si em 9.8.1980, segundo o regime da comunhão geral de bens.

11) Em carta datada de 27.5.1981, dirigida ao A., DD, na qualidade de senhoria, fez constar que “tomei conhecimento que o Sr. queria fazer obras por sua conta na casa de comércio e habitação que me trás de renda e que o Sr. trespassou em tempos de outro meu inquilino. O prédio é sito no ... nº.15 rés-do-chão em ...” e, por solicitação do demandante contida em carta de 19.5.1981, consentiu que ele realizasse na loja ocupada pelo estabelecimento dito em 1), as seguintes obras: “fazer nova casa de banho no pátio para os clientes, forrada de azulejos; restaurar a outra que já tem; renovar as instalações de água; renovar as instalações de electricidade; renovação do barracão; substituir portas e janelas antigas por modernas e novas; fazer nova cozinha com chaminé rústica com duas clareiras”.

12) Pela mesma carta DD comunicou ao A. que podia “vender artigos alimentícios: isto é fazer restaurante” e que por acordo entre ambos a renda era actualizada para 3 000$00.

13) Com data de 3.2.2011, por intermédio de advogado, o A. remeteu aos RR. uma carta registada com AR, por eles recebida, nos termos da qual, além do mais, propunha uma reunião a fim de se tratar dos seguintes assuntos: 1 - forma de pagamento da renda; 2 – obras a realizar no locado, com interrupção ou não do contrato de arrendamento; 3 – possibilidade de pôr fim ao contrato de arrendamento por acordo.

14) O imóvel em que se localiza o estabelecimento dito em 1) é uma construção centenária com três pisos, muito degradada, uma vez que não sofreu obras de conservação ao longo de anos, e cuja recuperação implica a execução de obras profundas e dispendiosas.

15) No imóvel em que se localiza o estabelecimento dito em 1) as janelas dos andares estão partidas, com portas e vidros a cair, e os telhados, com telhas partidas, metem água, que passa pelo chão em tábua de soalho de madeira e se infiltra pelas paredes em tabique.

16) O R/c ocupado pelo estabelecimento referido em 1), tal como o resto do edifício em que se insere, está muito degradado, sendo que as paredes e tectos apresentam sinais de infiltrações, azulejos soltos e estuque com buracos, o chão está desgastado, as canalizações estão em más condições e tem uma instalação sanitária desactivada.

17) As obras de recuperação da área do imóvel ocupado pelo estabelecimento comercial dito em 1) não podem ser realizadas sem intervenção nos pisos superiores do prédio.

18) As circunstâncias referidas em 14), 15), 16) e 17) registam-se, pelo menos, desde 2004.

19) Os RR. têm conhecimento das circunstâncias referidas em 14), 15), 16), 17) e 18).

20) As obras de adaptação higieno-sanitária e de segurança alimentar necessárias a viabilizar a exploração do estabelecimento do A. não podem ser efectuadas sem intervir no imóvel em que ele funciona.

21) Por ofício de 29.3.2011, na sequência de declaração prévia para efeitos de registo, nos termos do artº.24 do DL 234/2007 de 19.6, a CM ... notificou o A. de que a mesma estava em condições de ser aceite, tendo por isso sido anexada ao correspondente processo de licenciamento, e de que, em 90 dias, devia instruir procedimento de licença, entregando: projecto de arquitectura, certidão da conservatória do registo predial e parecer favorável da autoridade de saúde.

22) Os RR. não se dispõem a autorizar a realização de quaisquer obras pelo A. no espaço ocupado pelo estabelecimento dito em 1), nem a colaborar com ele para o efeito.

23) Não é viável a manutenção do funcionamento do estabelecimento referido em 1) no local aí indicado sem que nele sejam realizadas as obras mencionadas em 20).

24) A instrução do processo de licenciamento aludido em 21) carece da junção de documento de autorização à realização das obras pelos proprietários do imóvel.

25) Em 12.1.2013, após inspecção, a actividade do estabelecimento referido em 1) foi suspensa pela ASAE, por incumprimento das condições de higiene, designadamente: inexistência de água quente e de meios para a obter; inexistência de máquina de lavar loiça; deficiente ventilação da instalação sanitária e desprendimento de cheiros da mesma; inexistência de procedimentos de controlo de pragas e/ou infestantes; e tecto do armazém em mau estado de conservação, com perigo de queda e/ou desprendimento.

26) O A. comunicou à ASAE o encerramento da actividade em 17.1.2013.

27) Os AA. trabalhavam no estabelecimento referido em 1), tirando dele rendimentos com que proviam ao seu sustento.

28) Com o encerramento do estabelecimento referido em 1) o A. deixou de ter a ocupação profissional que desenvolveu desde 1978 e ficou privado dos rendimentos por ela proporcionados.

29) O estabelecimento referido em 1) ocupa 158,04 m2 do prédio em que se localiza.

30) O A. deixou de habitar no local dito em 1) em 1996.

31) O A. explorava no local dito em 1) um café e snack-bar.

32) Em data não concretamente apurada da primeira década dos anos 2000, a CM ... intimou o A. para executar obras de adaptação do estabelecimento que explorava às exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar legalmente prescritas.

33) Entre as obras de adaptação aludidas em 32) contavam-se: a adequação das instalações sanitárias existentes, com execução de wc para clientes e wc para pessoal; substituição do revestimento de paredes e pavimentos, degradados e desadequados; remoção e reconstrução do tecto, degradado; criação de percurso de marcha a frente no circuito alimentar, inexistente; substituição de caixilharias, por inadequadas; instalação de ventilação para a máquina de café, inexistente; substituição dos balcões frigoríficos, por deficiente funcionamento; e substituição do lava-loiça.

34) O imóvel dito em 1) precisa de obras de reparação da cobertura.”

8. Factos não provados (nas instâncias):

35)         Que desde sensivelmente 2001 o A. pretendesse fazer as necessárias obras de adaptação do espaço referido em 1) às exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar legalmente impostas para o seu estabelecimento e às necessidades dos respectivos clientes.

36)  Que o A. tenha solicitado às então titulares do imóvel consentimento para realizar as obras aludidas em 32) c 33) c que elas o tenham recusado.

37)  Que o A. tenha procurado quer junto dos RR., quer junto das anteriores proprietárias do imóvel, obter uma solução de consenso para a resolução dos problemas de degradação do mesmo.

38)  Que o A. tenha dado conhecimento aos RR. de que as obras aludidas na carta referida em 13) eram urgentes, prementes, inadiáveis e necessárias para a continuação da laboração do estabelecimento.

39)  Que em 3.2.2011 o estabelecimento instalado no prédio referido cm 4) só funcionasse a 30% da sua capacidade, devido à degradação do imóvel em que se localiza e ã feita de condições das instalações.

40)  Que, quando chove intensamente, as águas tenham de ser recolhidas por baldes no interior do estabelecimento.

41)  Que o imóvel em que se localiza o estabelecimento comercial referido em 1) ameace ruir.

42)  Que os RR. se tenham recusado a realizar as obras que lhes foram solicitadas pelo A.

43)  Que para que o A. possa dar cumprimento ao solicitado pelo ofício referido em 21) careça de colaboração dos RR.

44)  Que o piso superior ao do estabelecimento esteja cheio de cães e gatos, cuja urina escorre para o tecto deste quando chove intensamente.

45)  Que a ocupação do piso superior ao do estabelecimento por cães e gatos provoque um ambiente nauseabundo e insalubre neste.

46)  Que, em resultado da sua actividade, em volume de vendas, o A. tenha declarado nas Finanças, em 2009, €68 474,27, em 2008, € 73 145,51 e, em 2007, € 47 277,33.

47)  Que a actividade desenvolvida pelo A. tenha uma rendibilidade de cerca de 30%.

48)  Que com o encerramento da sua actividade o A. deixe de auferir € 20 542,20 por ano.

49)  Que a circunstância dita em 28) afecte a forma do A. encarar a vida e o futuro.

50)  Que a falta de renovação de materiais e de condições de conforto tenham afastado os clientes do estabelecimento.

51)  Que a insistência das actividades económicas da câmara municipal tenha levado ao descrédito do serviço.

52)  Que a maledicência das anteriores proprietárias, as queixas e as acções judiciais, o desprezo dos RR. e verificar in loco a degradação de um espaço onde tem decorrido grande parte da sua vida tenha provocado grande instabilidade e incerteza de vida aos AA., comportando sofrimento e tristeza sendda no seu seio familiar, de amigos e clientes.

53)  Que, em Setembro de 2002, as titulares do imóvel não tenham autorizado o A. a realizar quaisquer obras interiores ou exteriores, incluindo a remoção da porta de um armário.

54)  Que pelo ofício ... de 8.7.2002 da CM ..., o A. tenha sido notificado para apresentação de projecto.

55)  Que por notificação de 7.1.2004 o A. tenha sido notificado pela CM ... para proceder a obras.

56)  Que por ofício de 1.6.2004 o A. tenha sido notificado pela CM ... para proceder a obras.

57)  Que por comunicação de 16.2.2005 a CAI ... tenha participado ao A. uma vistoria a 23 de Fevereiro.

58)  Que por notificação de 10.12.2010 o A. tenha sido notificado pela CM ... para a execução de obras.

59)  Que em Agosto de 2002 o A. tenha solicitado autorização para a execução de obras, a qual lhe foi negada.

60)  Que em 23.9.2004 o A. tenha pedido à CM ... para interceder junto das senhorias, sem resposta.

61)  Que em 28.6.2008 o A. tenha participado à CM ... que as instalações de infra-estruturas comuns do edifício estavam num avançado estado de degradação.

62)  Que, além do referido cm 33), fosse necessário criar circuito de entrada de alimentos, armazenamento, tratamento e confecção, serviço ao cliente, lavagem de aparatos e arrumação, armazenamento e saída de lixos e modificações na iluminação.

63)  Que entre as obras de adaptação aludidas em 32) estivessem: a construção de vestiário para funcionários; delimitação de espaço para despensa, com revestimentos adequados e instalação de caixilharia para ventilação; colocação de tectos falsos devidamente fixados, com equipamento de iluminação, detecção de incêndios e ventilação forçada, execução de bancada de preparação de alimentos/bebidas; colocação de bacia lava mãos para funcionários, com comando podai; e colocação de balcão de serviço a clientes.

64)  Que o custo das obras referidas cm 33), 34) e 63) seja de € 71 700.

65)  Que chova no interior do estabelecimento.

66)  Que o tecto do estabelecimento esteja abatido e tivesse parcialmente desabado.

67)  Que as instalações de águas e esgotos do estabelecimento não funcionem.

68)  Que as caixilharias existentes no estabelecimento não ofereçam resistência à intrusão e ao som e estejam num avançado estado de decomposição.

69)  Que no estabelecimento existam inúmeras espécies de animais infestantes.

70)  Que a instalação eléctrica do estabelecimento seja antiga.

71)  Que os rebocos das paredes do estabelecimento estejam a desprender-se.

72)  Que das paredes do estabelecimento imane grande humidade e cheiros.

73)  Que mais de 80% do espaço aludido em 1. estivesse vedado ao público e só seja feita a utilização do café e armazém.

74)  Que o agregado familiar dos AA. seja composto por eles e uma filha maior.

75) Que para além da exploração do estabelecimento o A. nunca tenha tido outra ocupação.

76)  Que fosse unicamente com os lucros da exploração do estabelecimento que os AA. e a sua família subsistiam.

77)  Que o trespasse referido em 1. não tenha sido comunicado aos então proprietários do imóvel no prazo e pela forma prescrita.

78)  Que após o trespasse referido em 1. os donos do imóvel aí mencionado nunca tenham aceitado o recebimento de rendas ao A.

79)  Que à data do trespasse dito em 1. o local onde funcionava o estabelecimento já não reunisse condições para o desenvolvimento da respectiva actividade.

80)  Que o A. tenha demolido as únicas escadas de acesso a um dos pisos do imóvel referido em 1., bem como uma construção existente no logradouro do mesmo, dessa forma contribuindo para a degradação do prédio.

81)  Que as obras de que o imóvel carece importem em € 300 000.

82)  Que as obras de que o imóvel carece importem entre € 1 500 a € 2 000/m2.

83)  Que as obras necessárias à recuperação do imóvel aludido em 1) sejam as descritas no orçamento de fls.339 e ss., importando em € 437 695,50.

84)  Que as obras necessárias à recuperação do espaço ocupado pelo estabelecimento referido em 1. importem em € 218 847,75.

85)  Que desde pelo menos 2001 o imóvel não reúna condições de habitabilidade e de uso comercial.

86)  Que à data de instalação do estabelecimento dito em 31) no espaço mencionado em 1. este já não reunisse condições para nele poder funcionar um estabelecimento de tal natureza.

9. Entrando na análise da primeira questão suscitada no recurso.

9.1. Contextualizando.

Em 1ª instância o tribunal reconheceu que os AA. tinham fundamentos válidos para a resolução do contrato de arrendamento (comercial); na apelação os RR. contestaram essa conclusão, defendendo que o contrato tinha caducado já no momento em que os AA. o resolveram, caducidade que resultaria da perda do locado (perda funcional para os fins do contrato) – porque bastaria a verificação objectiva da perda do locado para se verificar, ope legis, a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do art°.1051°, al. e) CC.; note-se que a 1ª instância se havia afastado desta orientação, considerando que “o cenário apurado não revela uma situação de perda da coisa locada, mas tão só de uma sua importante degradação ( …) Como, aliás, o demonstra o facto de à data da interposição da acção e até mais recentemente os AA, manterem em funcionamento no arrendado o estabelecimento comercial que lá instalaram” (transcrição da sentença).

O tribunal da Relação na sua apreciação também considerou que a perda do locado, quando total, determinaria a caducidade do contrato, mas, perante a situação concreta submetida a julgamento entendeu que não havia perda total do locado, equacionando, ao invés, a hipótese de se estar perante uma perda parcial, o que o conduziu a ponderar o confronto dessa perda parcial com a uma mera deterioração que represente para o senhorio uma obrigação de reparar os danos ocorridos. Para o efeito o tribunal distinguiu: i) as obras de reparação das obras de reconstrução; ii) as obras necessárias à adaptação do locado para cumprimento das normas legais decorrentes do regime do licenciamento e funcionamento dos estabelecimentos destinados a prestar serviços de restauração e de bebidas das obras necessárias à reparação e conservação do imóvel para que nele possa ser desenvolvida a actividade prevista no contrato de arrendamento. E disse:
Assim, para efeitos do preenchimento do pressuposto da caducidade - perda da coisa locada — importa antes relevar que apenas se apurou que o imóvel cm cujo rés-do-chão está instalado o estabelecimento comercial é um edifício centenário, com três pisos, cuja construção se apresenta muito degradada, com janelas partidas, portas e vidros a cair e o telhado com telhas partidas, por onde se introduz água que escorre até ao chão, que é cm tábua de soalho de madeira e se infiltra pelas paredes; o rés-do-chão apresenta paredes e tectos com infiltrações, azulejos soltos e estuque com buracos, estando o chão desgastado, as canalizações em más condições e uma instalação sanitária desactivada, sendo que a reparação desta situação implica também intervenção nos pisos superiores; por sua vez, o imóvel precisa ainda de obras de reparação da cobertura.”
(…)
“Ora, tendo cm conta que as anomalias identificadas, ainda que assumam uma expressão relevante -seja em termos da amplitude da intervenção a efectuar, seja em termos económicos -, certo é que não revelam ou não permitem concluir que esteja cm causa uma situação que exija uma obra de reconstrução, não estando demonstrado que seja necessário demolir e reconstruir de novo, tanto mais que relativamente à cobertura (telhado), cuja situação será a mais gravosa por dela decorrer a entrada da água que se infiltra pelas paredes e chãos em soalho, causando toda a degradação descrita, apenas se apurou que será necessária a sua reparação, sem qualquer indicação sobre se seria necessário retirar toda a sua estrutura de suporte e refazê-la, não havendo, por outro lado, qualquer evidência de necessidade de demolição de paredes e sua reconstrução.”
(…)
“Significa isto que o estado do edifício não permite, é certo, o exercício da actividade comercial desenvolvida no locado em condições de salubridade, higiene e segurança alimentar (ou até segurança física das pessoas que ali acedem) mas, na verdade, não obstante as exíguas condições de integridade do imóvel descritas, certo é que o autor/recorrido ali permaneceu até Janeiro de 2013, mantendo aberto o café e snack-bar que ali explorava, não tendo tão-pouco resultado provado que o funcionamento do estabelecimento estivesse reduzido a 30%, conforme alegado (cf. 34) dos factos não provados) e menos ainda que o edifício ameace ruir (cf. 41) dos factos não provados).
Não se detecta qualquer facto revelador da ocorrência de um caso fortuito ou de força maior que tenha causado qualquer vício redibitório no imóvel e não obstante o manifesto estado de degradação em que se encontra, certo é que o inquilino não deixou de ter pelo menos aquelas que seriam as condições mínimas para continuar a exercer a sua actividade comercial, que manteve até Janeiro de 2013 e que cessou apenas por via da inviabilidade de adaptar o estabelecimento às condições de higiene e salubridade exigidas por lei.
A caducidade do arrendamento só teria ocorrido se se tivesse demonstrado que o locado, desde 2004 ou pelo menos desde a primeira década do século XXI, estava inutilizável ou se tinha tornado impróprio para servir os fins para que foi arrendado, mas não é isso o que os factos provados revelam, nem deles se pode inferir essa inviabilidade, ainda que se deva considerar que, actualmente, a sua reparação implica a execução de obras de remodelação ou restauro profundo…”
E por isso, conclui-se:
“Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão recorrida na parte em que considerou improcedente a excepção deduzida pelos réus/recorrentes atinente à caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada.

 9.2. Quanto à questão de saber se a resolução do contrato de arrendamento pelos AA. é uma resolução fundada num facto ilícito e culposo dos RR - a não execução de obras no locado – e confere direito a uma indemnização, as soluções encontradas na sentença e no acórdão recorrido já não são equivalentes.

Na sentença entendeu-se que a não execução das obras era imputável aos RR, pelo que os mesmos responderiam pelos prejuízos causados aos AA.

No acórdão foram trazidas à colação as razões apontadas pelos RR para a injustiça da solução encontrada na 1ª instância: seria necessário ponderar o valor das obras necessárias à utilização do locado de acordo com o fim do contrato, confrontando o valor elevado das mesmas com o valor exíguo da renda percebida pelos RR; seria necessário ponderar que tais obras já se evidenciavam como necessárias na data em que os RR adquiriram o imóvel (2010), remontando a sua necessidade a 2004, sem que os anteriores proprietários as tivessem realizado; seria necessário ponderar igualmente que as obras de adaptação do estabelecimento às exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar não eram de realização obrigatória pelo senhorio e já haviam sido autorizadas em 1981, pelo que cabia aos AA realizá-las, tanto mais que as obras determinadas pela ASAE não são obras profundas mas de adaptação, podendo, aliás, ser executadas sem autorização do locador, nos termos do art.° 49° (será art.° 48°) do DL 168/97 e art. 34° do DL 328/86, de 30 de Setembro.

A decisão do tribunal da Relação considerou as seguintes circunstâncias:
Nos termos do art.° 1038°, alínea h),do Código Civil, constitui obrigação do locatário avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa, desde que o facto seja ignorado pelo locador.
Ora, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes vigorou desde 3 de Abril de 1943, ou seja, durante mais de 68 anos, por referência à data da interposição da acção, tendo a renda sido fixada, inicialmente, em Esc. 140S00 (€ 0,70), valor que foi objecto de actualização em 1981, para o montante de Esc. 3 000S00 (€ 14,06), na sequência de autorização da então senhoria para a realização de obras a realizar pelo arrendatário para adaptação do locado à venda de produtos alimentícios, dele fazendo restaurante (cf. pontoa 11. e 12. da matéria de facto), sendo actualmente no valor de € 24,94 (cf. ponto 8.)
Não obstante o alegado pelo autor/recorrido, não se provou que tenha sido solicitado ás anteriores senhorias ou aos actuais, consentimento para a realização das obras de adaptação às exigências higieno-sanitárias referidas em 32. e 33. ou que o inquilino tenha tentado resolver junto deles os problemas da degradação do prédio ou solicitado a realização das obras necessárias a reposição das condições existente à data da celebração do contrato (cf. pontos 36) e 37) dos factos não provados).
Por outro lado, não está demonstrado que os réus/recorrentes ou os anteriores proprietários tenham sido notificados pela entidade competente, nomeadamente a Câmara Municipal de ..., para proceder a obras de conservação ou reconstrução ou, menos ainda, que tenha existido sequer procedimento tendente à realização de obras coercivas, nos termos, designadamente, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL 555/99, de 16-12) e respectivos art.°s 2o e 89" a 92" (cf. nomeadamente o vertido nos pontos 60) e 61) dos factos não provados).
A constituição em mora no cumprimento do dever legal de realização de obras de conservação e manutenção exige a interpelação pelo credor, nos termos gerais do art. 805", n.° 1 do Código Civil.
A decisão recorrida considerou que os réus/recorrentes incumpriram o contrato de arrendamento por nào terem procedido, ao longo dos anos, à conservação do prédio, pelo que a depreciação deste lhes é imputável, para além de nào se disporem a efectuar as obras de reabilitação do imóvel, nem a autorizar o autor a executar as necessárias à adaptação do estabelecimento às exigências legais e regulamentares, sendo que, no entendimento da senhora juíza a quo, nem sequer se tornava necessário avisar o senhorio dos vícios que afectam o locado porquanto, estando a origem do problema no telhado do imóvel, este não poderia ignorá-lo, até porque ali residia.
Não se pode acompanhar a decisão recorrida quando afirma que os senhorios, sejam os actuais, sejam os anteriores, teriam de conhecer os vícios que afectam o locado porque a origem destes está na situação de degradação do telhado, origem das infiltrações nos pisos superiores, onde as anteriores inquilinas residiriam, dado que os factos provados não permitem afirmar que as anteriores proprietárias residiam no edifício onde está instalado o estabelecimento comercial e ainda que assim fosse, não é possível concluir que as então senhorias, tendo conhecimento de infiltrações nos pisos superiores do imóvel, teriam necessariamente de saber que essas infiltrações afectavam já o arrendado situado no rés-do-chão.
De todo o modo, no ponto 19. dos factos provados está demonstrado que os réus/recorrentes têm conhecimento das circunstâncias descritas em 14. a 18., ou seja, da existência das anomalias identificadas no imóvel e no locado desde 2004.
Com base nisso, sabendo-se que desde 2004 o imóvel e, em particular, o locado apresenta as anomalias descritas em 14. a 17. e que tais circunstâncias são do conhecimento dos réus/recorrentes, o tribunal recorrido entendeu que emergia do vertido no ponto 22. que os réus não se dispõem a executar obras de reabilitação do imóvel de que são donos para evitar os problemas descritos, nem a renovar os materiais desgastados da loja, substituir canalizações, reparar tecto e paredes desta. Mais entendeu a decisão recorrida que os réus se recusam a autorizar os demandantes a executar as obras de adaptação higieno-sanitária do estabelecimento, daí concluindo que incumpriram o contrato por culpa sua, dado que não observaram a obrigação de executar obras de conservação como lhes impõe a lei.
Ora, não se vislumbra que o facto provado sob o ponto 22. permita retirar a conclusão de que os réus não se dispõem a executar obras de reabilitação o imóvel.
O que esse facto nos diz é que os réus "não se dispõem a autorizar a realização de quaisquer obras pelo autor no espaço ocupado pelo estabelecimento, nem a colaborar com ele para o efeito."
Não autorizar a realização de obras pelo autor não é o mesmo que recusar a realização de quaisquer obras por si próprios.
Ademais, não existe qualquer facto que indique que em algum momento o autor/recorrido tenha interpelado os réus para a realização das obras que entendia necessárias para a reabilitação do imóvel e reposição do locado em estado de utilização para o fim a que se destina. A carta mencionada no ponto 13. dá conta apenas da intenção de realizar uma reunião para tratar, designadamente, de assunto atinente a obras a realizar no locado, mas não concretiza que tipo de obras se trata, nem solicita, desde logo, aos réus a sua actuação no sentido de intervenção no edifício.
Assim, na falta de interpelação do senhorio para a realização de obras, sejam elas quais forem, não se vislumbra de que modo se pode acompanhar a afirmação de que os réus não se dispõem a realizar as obras necessárias, facto, aliás, que resultou não provado sob o ponto 42).
O facto de estar provado que os réus não se dispõem a autorizar a realização de quaisquer obras pelo autor no locado c que a manutenção do funcionamento do estabelecimento não é viável sem que sejam realizadas as obras de adaptação higieno-sanitária e de segurança alimentar, obras estas que implicam intervenção em todo o imóvel (cf. pontos 20. e 17.), não significa que os réus se recusam a proceder às obras de conservação do imóvel, para as quais, aliás, nunca foram interpelados nem lhes foi fixado qualquer prazo.
Não se vislumbra, pois, que o facto vertido no ponto 22. integre uma recusa do cumprimento da obrigação legal de efectuar obras de conservação decorrente dos artigos 2o do Decreto-lei n.° 157/2006, de 8-08 e art.°s 1074°, n.° 1 e 1111° do Código Civil.”
E, por tais circunstâncias, entendeu que não se encontrava demonstrado ter ocorrido, por parte das RR, uma recusa do cumprimento da obrigação legal de efectuar obras de conservação; mesmo que assim não se entendesse, admitindo-se a existência da recusa dos RR em realizar as obras, da recusa resultaria como consequência o incumprimento definitivo do contrato pelo devedor, dispensando-se qualquer interpelação admonitória por parte do credor — cf. artigo 798° e 801° do Código Civil – do qual surgiriam duas vias de tutela jurídica da posição do arrendatário com carência de obras para fruição do locado:
a) ou arrogar-se o direito de reduzir a renda proporcionalmente ao tempo da privação ou à extensão desta (art.º 1040°, n.° 1 do Código Civil);
b) ou realizar ele próprio as obras, desde que urgentes, podendo efectuar posteriormente a compensação do seu crédito pelas despesas com a realização das obras com a obrigação de pagamento da renda (art.°s 1074°, n.° 3 e 1036° do Código Civil).
Contudo, o tribunal também entendeu que, no caso concreto, o inquilino não optou por qualquer uma destas vias, nem interpelou o senhorio para a realização das obras que entendia necessárias para a reabilitação do imóvel de reposição do locado em estado de utilização para o fim a que se destina, nem houve a fixação de qualquer prazo para o efeito ou sequer a sua recusa no cumprimento dessa obrigação concreta, pelo que não se admitiu existir incumprimento definitivo, nem temporário (mora), das obrigações do locador, constitutivas do direito aos AA. a indemnização por incumprimento ou por mora do devedor.
Por isso também se disse: “Como tal, ainda que não acompanhando a decisão recorrida quanto à demonstração de um incumprimento por parte dos réus da obrigação de proceder a obras de conservação do imóvel, não se deixa de concluir que assiste ao autor/recorrido o direito a obter a resolução do contrato de arrendamento atenta a privação do gozo do objecto locado.”
Finalmente, o tribunal entendeu que, mesmo que houvesse mora do devedor, o exercício do direito que pretende fazer valer corresponde a um manifesto abuso, dada a desproporção entre o valor das obras necessárias para tornar o prédio apto a desempenhar a sua função e o valor da renda acordada para o arrendamento.

9.3. Os AA/recorrentes contestam a decisão do tribunal recorrido, entendendo que os RR. tinham o dever de realizar as obras, que tais obras foram solicitadas e não realizadas, havendo incumprimento culposo (presumido) das obrigações para si decorrentes do contrato de locação, estando constituídos na obrigação de indemnizar os AA., nos termos pedidos.
Os seus principais argumentos jurídicos são os seguintes[1]:

Conclusão E)Ao locador exige-se a realização de todas as reparações ou outras despesas indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer tal necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro;

Conclusão F) A reparação ou eliminação dos vícios subsequentes serão da responsabilidade do locador desde que resultem da omissão dos seus deveres de proceder às obras de conservação ordinária e às obras de conservação extraordinária ou de beneficiação que se lhe impunha que fizesse

Conclusão X) Tudo o acima exposto, é revelador do incumprimento do locador da obrigação primária e fundamental de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada-art.....º, alínea b) do CC;

Conclusão Y) Obrigação que se mostra transmitida eficaz e validamente para a esfera jurídica dos RR;

Conclusão II) Lamentavelmente, o douto acórdão faz uma errada interpretação e aplicação do direito face a este princípio, ao cindir, no caso em apreço, o fim social do fim económico, escudando-se numa excessiva onerosidade da prestação da realização de obras como justificativo do incumprimento, sem a prova sequer, da capacidade e disponibilidade financeira dos RR. e dos custos de facto, da obra;

Conclusão OO) O douto acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação e também por erro de determinação da norma aplicável, violou as disposições dos arts. ..., alínea b), 1111.º, 799.º, 798.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do CC.

10. Que dizer?
10.1. Estamos em crer que, na situação concreta destes autos, o tribunal recorrido decidiu bem, pelos fundamentos apresentados, que aqui se dão por reproduzidos.
Mais se reafirma: a orientação do acórdão recorrido em matéria de abuso de direito tem apoio em jurisprudência deste STJ, podendo exemplificar-se com menção do Ac. do STJ de 19-01-2017[2], onde se lê:
“A constituição em mora no cumprimento do dever legal de realização de obras de conservação e manutenção exige a interpelação pelo credor, nos termos gerais do art. 805º, nº 1, do Código Civil. No caso dos autos, o A. interpelou a 1ª R. por cartas registadas com AR de 15/03/2010 e de 25/03/2010, exigindo a execução de obras de reparação no prédio, para evitar infiltrações de água.
Admitindo que, na data da primeira interpelação, a obrigação legal de realização de obras de conservação e manutenção ainda não se extinguira porque o facto de a notificação da 1ª R. pela Câmara Municipal, na sequência da vistoria técnica de 12/06/2008, para proceder “aos trabalhos de estabilização e de protecção da coisa pública, bem como aos na cobertura de forma a suster a degradação dos prédios”, incluir a indicação de que “apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local” não basta para provar a situação de ruína da loja locada, a decisão depende da apreciação do carácter abusivo ou não da exigência do cumprimento daquela obrigação.
A respeito da questão da proporcionalidade entre o valor das rendas pagas pelo arrendatário e o custo das obras a suportar pelo senhorio, constitui orientação reiterada deste Supremo Tribunal aquela que encontramos explanada nas seguintes palavras do acórdão de 05/02/2013 (proc. nº 1235/07.0TVPRT.P1.S1), in www.dgsi.pt: “Entre os campos de aplicação relevantes do abuso de direito, englobam-se as situações de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I – Pare Geral, Tomo I, 1999, p 221-212), que este Autor desdobra em três sub-hipóteses: a de exercício danoso inútil, a de exigir o que de seguida se deve restituir e a de desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, equacionando-as nos seguintes termos: Trata-se duma fórmula antiga e intuitiva de abuso do direito: mercê de conjunções extraordinárias, ocorre um exercício jurídico, aparentemente regular, mas que desencadeia resultados totalmente alheios ao que o sistema poderia admitir, em consequência do exercício e acrescentando que a redução dogmática do desequilíbrio faz apelo, consoante as circunstâncias, ora ao princípio da confiança, ora ao da primazia da materialidade subjacente. O primeiro dá cobertura a actuações anormais e inesperadas, que se tornam danosas por apanhar desprevenidas as pessoas que contavam (justificadamente) com uma actuação mais comedida. O segundo reporta-se a exercício de puro equilíbrio objectivo. A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores. Em suma, o direito não pode ser exercido de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional. No que respeita ao direito do arrendatário à realização de obras pelo senhorio, considerando o cariz sinalagmático do vínculo contratual e não obstante o disposto nos arts. ...º, al. b), do Código Civil, e 12º do RAU importa – por respeito ao princípio geral de direito do equilíbrio das prestações – que exige certa proporcionalidade entre os valores das obras e das rendas – cf. artigos 237º e 994º C. Civil (…). Havendo, assim, casos em que o valor ínfimo da renda se apresenta manifestamente insuficiente para que se possa exigir ao senhorio a realização de obras cujo montante ascende a valores elevados.” Cfr, no mesmo sentido, os acórdãos de 26/10/1999 (proc. nº 740/99), de 28/11/2002 (proc. nº 3436/02), de 11/10/2005 (proc. nº 2274/05), de 14/11/2006 (proc. nº 3597/06), de 24/05/2007 (proc. nº 582/07), de 24/05/2007 (proc. nº 1060/07), de 30/09/2008 (proc. nº 2259/08), de 20/01/2009 (proc. nº 3810/08), de 19/11/2009 (proc. nº 812/03.3TVPRT.S1) e de 11/12/2012 (proc. nº 655/06.2TBCMN.G1.S1), todos consultáveis na base dos sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt; assim como os acórdãos de 16/12/2004 (proc. nº 3903/04), de 08/06/2006 (proc. nº 1103/06), de 31/01/2007 (proc. nº 4404/06) e de 02/06/2009 (proc. nº 256/09.3YFLSB), consultáveis in www.dgsi.pt.
Vejamos se esta orientação – que se mantém válida perante o regime dos arts. ...º, alínea b), 1074º e 1111º, nº 2, do Código Civil, aplicável ao caso dos autos – permite resolver a questão sub judice, tendo em conta que foi dado como provado que as obras necessárias teriam “custo avultado”, sem que o mesmo tivesse sido calculado.
Aquando da interpelação da 1ª R. para o cumprimento da obrigação (Março de 2010) tinham decorrido já 33 anos de vigência do contrato de arrendamento mediante o pagamento de renda fixada, inicialmente, em 1.000$00 (€ 5), valor que foi sendo aumentado, em datas não determinadas, até atingir, a partir de 01/01/2006, o montante de € 38,94. Tendo em conta que a renda paga pelo A. foi sempre inferior a € 500 por ano, seriam necessários mais de dez anos de renda para perfazer € 5000, valor que ainda assim, com elevada probabilidade, seria insuficiente para custear as obras necessárias.
Deste modo, pode concluir-se que, à data da constituição em mora, o custo das obras era já, com toda a probabilidade, muito avultado, pelo que a exigência de realização de tais obras configura um exercício abusivo do direito, nos termos do art. 334º do Código Civil.
Assim sendo, também a exigência de indemnização pelos alegados danos causados ao A. pela caducidade do contrato de arrendamento, resultante do incumprimento do dever de realização de obras de conservação e manutenção no locado, constitui uma exigência ilegítima, nos termos do mesmo art. 334º do Código Civil.
Esclareça-se que a circunstância de não terem sido realizadas as obras a que 1ª R. foi intimada pela Câmara Municipal ...(na sequência da vistoria técnica de 12/06/2008) não obsta ao reconhecimento do carácter abusivo das pretensões do A., uma vez que, ao tempo da notificação camarária, verificava-se já grande desproporção entre o valor das rendas mensais (os indicados € 38,94) e o previsível custo avultado das obras indicadas pela Câmara Municipal (factos provados 18 e 19). Cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 20/01/2009, proc. nº 3810/08, in www.dgsi.pt.

10.2. In casu, como disse o tribunal recorrido, a partir dos factos provados:

“Durante sete anos, desde a altura em que se verificam as condições descritas cm 14. a 17., os recorrentes nada fizeram no sentido de obterem a realização das obras, nem tão-pouco as solicitaram às então senhorias, vindo fazê-lo apenas em 2011, logo que tomaram conhecimento que o prédio havia sido transmitido a outrem (quiçá mais abonado que os anteriores proprietários!), sendo certo que pelo menos em 1981 foram autorizadas obras de adaptação do locado, desconhecendo-se se estas foram ou não executadas, mas tendo então existido uma actualização da renda.

A renda paga cifra-se em € 24,94, o que se traduz num valor anual de € 299,28. Ora, não sendo conhecido o valor das obras, mas sendo claramente evidente que estas importariam num dispêndio muito superior a € 10 000,00, tendo cm conta, desde logo, toda a área de intervenção cm que teriam lugar (o prédio tem uma área total de 656 metros quadrados — cf. documento de fls. 26 dos autos -, o que, tomando-se como referência um valor ínfimo de custo de construção por metro quadrado de, por exemplo, € 100,00, já conduziria a um valor de € 65 600,00), certo é que ainda de que exíguos € 10 000,00 se tratasse, sempre seriam necessários mais de trinta e três anos de renda para perfazer um tal valor que, de modo evidente, seria insuficiente para custear as obras necessárias.
Deste modo, pode concluir-se que, mesmo admitindo mora desde 2004, já então, o custo das obras era, com toda a probabilidade, muito avultado, pelo que a exigência de realização de tais obras configuraria um exercício abusivo do direito, nos termos do art. 334° do Código Civil.

11. Que dizer no que respeita ao abuso de direito?

11.1. Estamos em crer que, na situação concreta destes autos, mais uma vez o tribunal recorrido decidiu bem: a necessidade das obras no locado prolongou-se ao longo de inúmeros anos que antecederam a aquisição da propriedade pelos RR: logo depois de transferida a propriedade para os RR, os AA apressaram-se a exigir dos nossos senhorios a realização de obras avultadas, quando tomando por referência o valor das mesmas em comparação com o valor da renda paga; já antes desta mudança de titularidades os AA haviam obtido autorização para fazer obras de adaptação do locado, que não se sabe se foram realizadas, mas sabendo-se que houve actualização da renda; a renda é de € 24,94, num total anual de € 299,28; as obras não têm um valor baixo, estando previstos que ascendam a pelo menos € 10 000,00; há uma clara desproporção entre a exigência de concretização de obras com esse montante face ao valor da renda e ao tempo que seria necessário para, por via das rendas, repor o valor a investir pelo senhorio.

Essa desproporção é irrazoável, no actual direito português, nomeadamente à luz da tutela da propriedade privada, com garantia constitucional.

E porque é desproporcionada a exigência, não deve a mesma ser tutelada., quer essa tutela consista em exigir a realização das obras, quer essa tutela consista em condenar os senhorios a pagar uma indemnização por não as terem realizado e assim não terem permitido que o arrendatário gozasse na plenitude o locado, para o fim que o contrato lhe havia destinado.

Não se vê assim como se poderia exigir aos senhorios que respondessem pelos danos causados aos AA., pagando a indemnização solicitada, quando a mesma é abusiva, à luz do art.º 334.º do CC, como tem sido repetidamente interpretado pela jurisprudência deste STJ em situações paralelas, já que, na situação submetida a julgamento, não se identifica nenhum comportamento das RR que se possa dizer seja sinónimo de deixar intencionalmente degradar o locado, para depois invocar os altos custos da reparação e assim forçar o inquilino a sair ou, eventualmente, originar a demolição do prédio.

12. Adicionalmente.

12.1. Em apoio da decisão proferida pelo Tribunal recorrido, cumpre chamar a atenção para os factos provados, apurados nos autos e que são demonstrativos:
i) De que a necessidade de realização de obras é antiga e muito anterior à aquisição da propriedade pelos RR., tendo sido solicitada autorização para a realização de obras, que foi consentida pelo senhorio (anterior);
ii)  De que as obras se haviam tornado necessárias, para o exercício da actividade dos AA. – conforme exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar -, há longos anos.

Factos provados:

11) Em carta datada de 27.5.1981, dirigida ao A., DD, na qualidade de senhoria, fez constar que “tomei conhecimento que o Sr. queria fazer obras por sua conta na casa de comércio e habitação que me trás de renda e que o Sr. trespassou em tempos de outro meu inquilino. O prédio é sito no ... nº….rés-do-chão em ...” e, por solicitação do demandante contida em carta de 19.5.1981, consentiu que ele realizasse na loja ocupada pelo estabelecimento dito em 1), as seguintes obras: “fazer nova casa de banho no pátio para os clientes, forrada de azulejos; restaurar a outra que já tem; renovar as instalações de água; renovar as instalações de electricidade; renovação do barracão; substituir portas e janelas antigas por modernas e novas; fazer nova cozinha com chaminé rústica com duas clareiras”.

14) O imóvel em que se localiza o estabelecimento dito em 1) é uma construção centenária com três pisos, muito degradada, uma vez que não sofreu obras de conservação ao longo de anos, e cuja recuperação implica a execução de obras profundas e dispendiosas.

15) No imóvel em que se localiza o estabelecimento dito em 1) as janelas dos andares estão partidas, com portas e vidros a cair, e os telhados, com telhas partidas, metem água, que passa pelo chão em tábua de soalho de madeira e se infiltra pelas paredes em tabique.

16) O R/c ocupado pelo estabelecimento referido em 1), tal como o resto do edifício em que se insere, está muito degradado, sendo que as paredes e tectos apresentam sinais de infiltrações, azulejos soltos e estuque com buracos, o chão está desgastado, as canalizações estão em más condições e tem uma instalação sanitária desactivada.

17) As obras de recuperação da área do imóvel ocupado pelo estabelecimento comercial dito em 1) não podem ser realizadas sem intervenção nos pisos superiores do prédio.

18) As circunstâncias referidas em 14), 15), 16) e 17) registam-se, pelo menos, desde 2004.

32) Em data não concretamente apurada da primeira década dos anos 2000, a CM ... intimou o A. para executar obras de adaptação do estabelecimento que explorava às exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar legalmente prescritas.

33) Entre as obras de adaptação aludidas em 32) contavam-se: a adequação das instalações sanitárias existentes, com execução de wc para clientes e wc para pessoal; substituição do revestimento de paredes e pavimentos, degradados e desadequados; remoção e reconstrução do tecto, degradado; criação de percurso de marcha a frente no circuito alimentar, inexistente; substituição de caixilharias, por inadequadas; instalação de ventilação para a máquina de café, inexistente; substituição dos balcões frigoríficos, por deficiente funcionamento; e substituição do lava-loiça.


iii) De estar provado que foi solicitada uma reunião com os RR, para resolver o problema das obras, sem que desse facto se retire a interpelação dos RR. para a sua realização ou a fixação de um prazo peremptório:

Factos provados:

13) Com data de 3.2.2011, por intermédio de advogado, o A. remeteu aos RR. uma carta registada com AR, por eles recebida, nos termos da qual, além do mais, propunha uma reunião a fim de se tratar dos seguintes assuntos: 1 - forma de pagamento da renda; 2 – obras a realizar no locado, com interrupção ou não do contrato de arrendamento; 3 – possibilidade de pôr fim ao contrato de arrendamento por acordo.


iv)  De que não houve recusa dos RR. em realizar as obras – antes da interposição da acção – embora os RR  não tenham autorizado a que os AA. realizassem eles próprios as obras:

Factos provados:

22) Os RR. não se dispõem a autorizar a realização de quaisquer obras pelo A. no espaço ocupado pelo estabelecimento dito em 1), nem a colaborar com ele para o efeito.

12.2. Em apoio da decisão proferida pelo Tribunal recorrido, cumpre chamar a atenção para os factos não provados, e cuja prova incumbiria aos AA., por força do regime da distribuição do ónus da prova:
i) Em matéria de autorização e recusa de autorização para a realização das obras

35)  Que desde sensivelmente 2001 o A. pretendesse fazer as necessárias obras de adaptação do espaço referido em 1) às exigências higieno-sanitárias e de segurança alimentar legalmente impostas para o seu estabelecimento e às necessidades dos respectivos clientes.

39)  Que o A. tenha solicitado às então titulares do imóvel consentimento para realizar as obras aludidas em 32) c 33) c que elas o tenham recusado.

40)  Que o A. tenha procurado quer junto dos RR., quer junto das anteriores proprietárias do imóvel, obter uma solução de consenso para a resolução dos problemas de degradação do mesmo.

41)  Que o A. tenha dado conhecimento aos RR. de que as obras aludidas na carta referida em 13) eram urgentes, prementes, inadiáveis e necessárias para a continuação da laboração do estabelecimento.


42) Que os RR. se tenham recusado a realizar as obras que lhes foram solicitadas pelo A.


53) Que, em Setembro de 2002, as titulares do imóvel não tenham autorizado o A. a realizar quaisquer obras interiores ou exteriores, incluindo a remoção da porta de um armário.

59) Que em Agosto de 2002 o A. tenha solicitado autorização para a execução de obras, a qual lhe foi negada.


ii) Em matéria de essencialidade da colaboração dos RR para a realização das obras que permitissem manter o estabelecimento dos AA em funcionamento dentro da legalidade. Os AA. também não conseguiram provar que:

 “ 40) Que para que o A. possa dar cumprimento ao solicitado pelo ofício referido em 21) careça de colaboração dos RR.

13. Além do mais, também se crê que a solução encontrada é a mais justa. Na verdade, crê-se que não se pode partir da existência do contrato de locação para o exercício de uma actividade económica para concluir, sem mais, que cessando a actividade do estabelecimento, o senhorio seja responsável pelos proventos que os locatários deixaram de poder auferir com a exploração do mesmo, desde a data em que encerra até aos 66 anos de idade; in casu, não há demonstração clara do nexo de causalidade entre a causa de cessação dos proveitos e o encerramento do estabelecimento; por outro lado, quem é titular de um arrendamento para comércio não pode passar o ónus do insucesso da actividade para o senhorio, até porque não pode afirmar ter direito ao arrendamento para toda a sua vida, ainda que em termos de legislação vigente continue a beneficiar de um arrendamento que o senhorio não tem forma – fácil – de fazer cessar e que, tendencialmente, se prolonga por muitos e longos anos.

Também não é verdade que num contrato de locação o senhorio tenha de proporcionar o  gozo do bem ao locatário, tendo de efectuar todas e quaisquer obras, em todas e quaisquer circunstâncias, sem que possa reagir às exigências do locatário que sejam desrazoáveis ou desproporcionadas ou que ultrapassem um padrão de normalidade. A norma legal relativa ao gozo do locado não impõe esse resultado, pois se assim fosse estaria “descontextualizada” do sentido geral do contrato de arrendamento e dos deveres das partes (em resposta ao argumento da Conclusão E, F e X).

Também não se pode aceitar, sem mais, o argumento dos recorrentes constante da

Conclusão Y) Obrigação que se mostra transmitida eficaz e validamente para a esfera jurídica dos RR – não é pelo simples facto de os RR terem adquirido o imóvel que passam a responder para com os AA. por todas as situações anteriores relativas ao contrato de arrendamento; não tendo a lei um mecanismo de salvaguarda da posição dos proprietários que adquirem uma imóvel com um arrendamento para actividade comercial relativamente aos quais se colocavam problemas contratuais já antes da aquisição do propriedade, não se pode entender que os adquirentes ficam colocados na posição do anterior senhorio relativamente a todas as vicissitudes do contrato, sob pena de se instituir um regime de transmissão da posição contratual integral sem base legal e sem mecanismos de salvaguarda dos adquirentes.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes (CPC).

Lisboa, 26 de Novembro de 2019


Fátima Gomes (Relatora)



Acácio Neves



Fernando Samões

_________________
[1] O tribunal tem de conhecer de questão mas não de argumentos; ainda assim, optou-se por, no âmbito da questão suscitadas/s, aludir a alguns dos argumentos.
[2] Disponível em www.dgsi.pt.