Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
136692/11.5YIPRT.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
IVA
PREÇO
FACTURA
FATURA
CONSUMIDOR
LIQUIDAÇÃO
OBJECTO NEGOCIAL
OBJETO NEGOCIAL
NULIDADE
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO FISCAL - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO ( IVA ).
Doutrina:
- Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, 2.ª edição, 240.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 280.º.
CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (CIVA): - ARTIGOS 2.º, N.º1, AL. A), 7.º, 26.º, 36.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23.11. 2011, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT ;
-DE 04.06.2013, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT ;
-DE 26.11. 2015, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não sofre de qualquer nulidade a cláusula 12ª do “Protocolo de Relacionamento” com o fundamento no art. 280 do C, Civil, porquanto se trata de uma cláusula de assunção de obrigações por parte dos representantes das sociedades comerciais outorgantes no contrato, circunstância que per si afasta a alegada indefinição das obrigações assumidas.

II - De acordo com o critério interpretativo do art. 236 nº1 do C Civil a apontada cláusula maís não significa que os representantes das sociedades outorgantes também se responsabilizam/ obrigam pessoal e solidariamente pelas obrigações do resultante do contrato, o que empresta até um carácter determinado e bem objectivo às obrigações em causa.

III - Tendo estado na base da emissão da factura em causa o mencionado protocolo e nomeadamente o referido art. 2º, quando aí prevê o acordo das partes no sentido de repartir a repartição de receitas e despesas nas percentagens que aí estabelecidas para cada uma das partes outorgantes.

IV - E não tendo sido questionando a obrigação constante da factura, tanto mais que a própria a Ré também não questionou o pagamento do preço nela constante, mostra-se atestada a validade da obrigação constituída em que assentou esse pagamento

V - E no contexto factual provado, á luz do declaratário normal, a que alude o art. 236 nº1 do C Civil, o pagamento do IVA pelo, aqui, contribuinte de direito (neste caso, a autora) constitui uma despesa coberta também pelo protocolo.

VI - Também por força dos imperativos fiscais, tratando-se o IVA de um imposto sobre o consumo que onera, na sua estrutura finalística, o consumidor final - está ele, salvo convenção em contrário, obrigado, enquanto sujeito passivo e contribuinte de facto, a entregar à autora a importância correspondente ao IVA devido.

VII - Neste domínio na falta de estipulação em contrário a omissão relativa á integração do preço estipulado do IVA devido, o adquirente de serviços não isento de IVA deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo, apesar disso e nos termos legais, sobre este último, na condição de contribuição passivo a sua liquidação ao fisco.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório



AA - Produção e Realização de Espectáculos Ldª veio intentar acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que, viria a prosseguir como acção com processo comum, soba a forma ordinária, contra BB - Agenciamento e Produção de Artistas e Espectáculos Ldª, CC, pedindo a condenação solidária dos réus a pagaram a quantia de € 153.658, 93, sendo € 137.598, 40 de capital e € 15.984, 03 de juros vencidos.


A Ré "BB - Agência de Produção Artistas e Espectáculos Lda." apresentou contestação, onde conclui entendendo dever a ação ser julgada improcedente, por não provada e a ré absolvida do pedido.


Por sua vez, o réu CC apresentou contestação onde conclui entendendo dever a exceção dilatória de ilegitimidade ser declarada procedente e, em consequência, ser o requerido CC absolvido da instância, ou, sem prescindir, ser a ação julgada improcedente, por não provada e o réu ser absolvido do pedido.


A autora "AA - Produção e Realização de Espectáculos, Lda." apresentou réplica onde conclui entendendo dever a réplica ser considerada procedente, por provada e, consequentemente:

a) Ser o requerido declarado parte legítima nos autos;

b) Ser o requerido condenado como litigante de má-fé, e, consequentemente, no pagamento de multa e indemnização exemplar, a arbitrar pelo Tribunal, bem como no pagamento dos honorários ao mandatário da requerente, tudo nos termos do disposto nos art.ºs 456º e 457º;

c) Serem consideradas improcedentes, por não provadas, todas as exceções invocadas pelos requeridos;

d) Seguir os autos, em tudo o mais, como peticionado inicialmente pela requerente.


Foi elaborado despacho saneador onde se considerou o réu CC parte legítima, foram organizados os factos assentes e a base instrutória.


Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver os réus "BB - Agência de Produção Artistas e Espectáculos, Lda." e CC do pedido formulado pela autora "AA - Produção e Realização de Espectáculos, Lda.".


Inconformada com a decisão proferida, veio a autora "AA - Produção e Realização de Espectáculos, Lda." interpor recurso (fls. 204), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 274), tendo esta Relação proferido o Acórdão de fls. 281 e seguintes, onde se decidiu anular o julgamento.


Procedeu-se ao aditamento de factos à base instrutória e realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença, onde se decidiu julgar a ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolver os réus, "BB - Agência de Produção Artistas e Espectáculos, Lda." e CC, do pedido.


Mais uma vez inconformada, veio a autora "AA - Produção e Realização de Espectáculos, Lda." interpor recurso (fls. 869 vº), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 906), recurso este que veio a ser julgado parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e condenando os Réus apelados solidariamente no pagamento á autora da quantia de € 143.142,18 e no mais parcialmente improcedente, por não provada, absolvendo-se, nessa parte os RR e apelados do demais peticionado.


O R CC e a Ré BB- Agenciamento e Produção de Artistas e Espectáculos Ldª não se conformando com esta decisão, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal.


O R CC nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:

A - A Autora na Apelação veio pedir a condenação do Recorrente, sem que nas alegações e, sobretudo, nas Conclusões de Recurso, fizesse qualquer alusão ou colocasse qualquer concreta questão fundamentante de tal pedido.

B - Desse modo, atenta a delimitação do objeto de Recurso pelas Conclusões perpetradas, a condenação do, ora Recorrente, jamais podia ter lugar sob pena de excesso de pronúncia, que se argui.

SEM PRESCINDIR

C - A cláusula constante sob o artigo 12.° do denominado "Protocolo de Relacionamento" a que alude a factualidade assente está ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 280.° do Código Civil, pois trata-se da assunção de obrigações cuja natureza é absolutamente Indeterminada, nada se referindo relativamente à sua espécie, prazos, critério de determinação ou modo de concretização, etc.

D - A apreciação dos factos sob o prisma dos institutos ou regimes da fiança ou assunção cumulativa de dívida, em caso algum poderá proceder, no caso concreto, como razão ou fundamento do pedido, atenta a referida indeterminabilidade.

E - No caso, quando foi assinado o referido "Protocolo de Relacionamento", não existia ou vislumbrava qualquer divida, pelo que, por definição, e independentemente da verificação de outros requisitos, estamos fora do campo de aplicação do referido instituto de "assunção cumulativa de divida".

Terá pois, por tais fundamentos de ser absolvido do pedido o Recorrente. SEM PRESCINDIR

F - As decisões judiciais devem constituir um silogismo lógico-jurídico, baseado na conclusão relacional lógica do direito com os factos apurados, sendo manifesto, que os factos apurados e dados como assentes nos presentes autos, jamais poderiam acarretar as consequências jurídicas que foram declaradas pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães.

G -Tendo em consideração a factualidade assente, não existe a mínima concretização factual da relação negocial que releve juridicamente qualquer obrigação para a ora Recorrente.

H -Não se vislumbra qual seja o facto ou factos que permitam isolar ou qualificar qualquer fonte jurídica de uma obrigação por parte da Ré/Recorrente, no pagamento da importância de €143.142,18, nos termos em que foi condenada no Acórdão recorrido.

I - Pelo que, sempre terá que ser revogado o referido acórdão e reposta a decisão contida na sentença proferida no Tribunal de 1ª instância.

J - Não resulta sequer - inclusive não foi alegado - qual a base negocia! que levou à emissão da fatura que consta dos factos assentes, uma vez que conforme o que é alegado, estávamos perante uma co-produção de um evento e o encontro de pagamentos entre os co-promotores não consubstanciando, tal situação, uma prestação de serviços, pelo que não havia necessidade de emissão de qualquer fatura.

K - Não é dito, provado e não se vislumbra, qual é o ato que justifica a emissão pela AA/Autora, da fatura em causa.

L - Deste modo, inexistindo factos que permitam imputar qualquer obrigação à ora Recorrente, sempre teria, outrossim, de ser absolvida a Recorrente dos pedidos formulados.

SEM PRESCINDIR,

M - Pretende a Autora que a Ré/Recorrente pague o valor correspondente ao IVA que alegadamente aquela terá suportado no âmbito, por causa ou força, de uma ação inspetiva tributária.

N - Porém, não se vislumbra, como se pode querer imputar à Ré/Recorrente uma responsabilidade relativa ao pagamento de uma dívida tributária da Autora, ainda mais baseada no envio do invocado aviso de lançamento.

O - A exigibilidade do IVA nasce com o respetivo facto gerador - que, se importar obrigação de emitir fatura - tem lugar com a emissão dela, sendo ao respetivo sujeito passivo prestador de serviços que compete a obrigação de liquidar e entregar à Administração Fiscal o montante do Imposto exigível.

P - O montante de imposto liquidado será pois, ao abrigo do disposto no art. 37.° do CIVA, obrigatoriamente adicionada, nessa ocasião, ao valor da operação, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes dos serviços.

Q - Não há lugar à tributação em IVA na situação em causa ou sequer, à emissão de qualquer fatura, já que não estamos perante qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, mas de um mero encontro de contas ou despesas decorrentes da co-produção do evento.

R - Mesmo que tal imposto fosse devido e exigível, em caso algum se poderá imputar à Recorrente qualquer responsabilidade no seu pagamento, uma vez que - não fora a culpa da Autora ou dos seus colaboradores - o teria oportunamente deduzido, não resultando para si qualquer prejuízo ou encargo económico.

S - Já tendo havido uma liquidação oficiosa baseada na falta da oportuna liquidação do imposto na fatura processada em 2005, jamais a Autora poderia ter emitido o "Aviso de lançamento" em causa, com liquidação desse imposto, uma vez gue já se estava fora do funcionamento do mecanismo normal do IVA.

T - Ao não ocorrer no âmbito da Inspeção Tributária a correção/substituição da declaração de IVA, avançando-se para a liquidação oficiosa e subsequente execução, deixou, por lógica, de poder seguir-se o processamento ou mecânica do Imposto, nomeadamente em termos de faturação, repercussão e dedução do mesmo.

U - Jamais, em tal circunstância, poderia ter lugar a emissão do dito "Aviso de lançamento", muito menos, tal facto, fundamentar o peticionado nos presente autos.

V - A Ré/Recorrente, em 2009, e fora da realização dos eventos festivos (festival), jamais teria um volume de negócios que importasse um valor de IVA a pagar tão elevado, que permitisse a dedução daquela substancial importância.

X - Sendo certo que o eventual reembolso seria também muito difícil ou mesmo impossível, já que a Administração Tributária - para montantes elevados como o que nos ocupa -sujeitava o deferimento dos pedidos a vários condicionalismos que a BB muito dificilmente poderia satisfazer, como seja, nomeadamente, a prestação de garantia por tal valor a favor da Direção-Geral dos Impostos, a qual, nos termos da Lei teria que ser efetuada mediante fiança bancária, seguro-caução ou depósito bancário.

Z - É, assim, evidente que resultava completamente inviável quer a dedução quer o pedido de reembolso do montante do imposto em causa nos autos.

Assim sendo,

Entende a Recorrente que a Revista deve proceder, revogando-se o Acórdão Recorrido, mantendo-se o decidido na Sentença proferida na 1.a instância.

Normas violadas: as constantes ao longo do articulado relativas aos diplomas tributários bem como o artigo 616.°, n.° 2, ai. a) do CPC, a contrario.

Nestes termos, deve o recurso ser julgado totalmente procedente devendo revogar-se o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães repondo Integralmente o decidido na Sentença proferida em 1.a Instância.

 

A Ré, BB-AGENCIAMENTO e PRODUÇÃO de ARTISTAS e ESPECTÁCULOS, LDA, formulou as seguintes conclusões:

A - As decisões judiciais devem constituir um silogismo lógico-jurídico, baseado na conclusão relacional lógica do direito com os factos apurados, sendo manifesto, que os factos apurados e dados como assentes nos presentes autos, jamais poderiam acarretar as consequências jurídicas que foram declaradas pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães.

B - Tendo em consideração a factualidade assente, não existe a mínima concretização factual da relação negocial que releve juridicamente qualquer obrigação para a ora Recorrente.

C - Não se vislumbra qual seja o facto ou factos que permitam isolar ou qualificar qualquer fonte jurídica de uma obrigação por parte da Ré/Recorrente, no pagamento da importância de €143.142,18, nos termos em que foi condenada no Acórdão recorrido.

D - Pelo que, sempre terá que ser revogado o referido acórdão e reposta a decisão contida na sentença proferida no Tribunal de 1„a Instância.

E - Não resulta sequer - inclusive não foi alegado - qual a base negocial que levou à emissão da fatura que consta dos factos assentes, uma vez que conforme o que é alegado, estávamos perante uma co-produção de um evento e o encontro de pagamentos entre os co-promotores não consubstanciando, tal situação, uma prestação de serviços, pelo que não havia necessidade de emissão de qualquer fatura.

F - Não é dito, provado e não se vislumbra, qual é o ato que justifica a emissão pela AA/Autora, da fatura em causa.

G - Deste modo, inexistindo factos que permitam imputar qualquer obrigação à ora Recorrente, sempre teria, outrossim, de ser absolvida a Recorrente dos pedidos formulados.

SEM PRESCINDIR,

H - Pretende a Autora que a Ré/Recorrente pague o valor correspondente ao IVA que alegadamente aquela terá suportado no âmbito, por causa ou força,2 de uma ação inspetiva tributária.

Porém, não se vislumbra, como se pode querer imputar à Ré/Recorrente uma responsabilidade relativa ao pagamento de uma dívida tributária da Autora, ainda mais baseada no envio do invocado aviso de lançamento.

I - A exigibilidade do IVA nasce com o respetivo facto gerador - que, se importar obrigação de emitir fatura - tem lugar com a emissão dela, sendo ao respetivo sujeito passivo prestador de serviços que compete a obrigação de liquidar e entregar à Administração Fiscal o montante do imposto exigível

J - O montante de imposto liquidado será pois, ao abrigo do disposto no art. 37.° do CIVA, obrigatoriamente adicionada, nessa ocasião, ao valor da operação, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes dos serviços.

K - Não há lugar à tributação em IVA na situação em causa ou sequer, à emissão de qualquer fatura, já que não estamos perante qualquer transmissão de bens ou prestação

A Ré só teve conhecimento da liquidação oficiosa efetuada pela Administração Fiscal já no decorrer do presente processo, de serviços, mas de um mero encontro de contas ou despesas decorrentes da co-produção do evento.

L - Mesmo que tal imposto fosse devido e exigível, em caso algum se poderá imputar à Recorrente qualquer responsabilidade no seu pagamento, uma vez que - não fora a culpa da Autora ou dos seus colaboradores - o teria oportunamente deduzido, não resultando para si qualquer prejuízo ou encargo económico.

M - Já tendo havido uma liquidação oficiosa baseada na falta da oportuna liquidação do imposto na fatura processada em 2005, jamais a Autora poderia ter emitido o "Aviso de lançamento" em causa, com liquidação desse imposto, uma vez que iá se estava fora do funcionamento do mecanismo normal do IVA.

N - Ao não ocorrer no âmbito da Inspeção Tributária a correção/substituição da declaração de IVA, avançando-se para a liquidação oficiosa e subsequente execução, deixou, por lógica, de poder seguir-se o processamento ou mecânica do Imposto, nomeadamente em termos de faturação, repercussão e dedução do mesmo.

O - Jamais, em tal circunstância, poderia ter lugar a emissão do dito "Aviso de lançamento", muito menos, tal facto, fundamentar o peticionado nos presente autos.

P - A Ré/Recorrente, em 2009, e fora da realização dos eventos festivos (festival), jamais teria um volume de negócios que importasse um valor de IVA a pagar tão elevado, que permitisse a dedução daquela substancial importância.

Q - Sendo certo que o eventual reembolso seria também muito difícil ou mesmo impossível, já que a Administração Tributária - para montantes elevados como o que nos ocupa - sujeitava o deferimento dos pedidos a vários condicionalismos que a BB muito dificilmente poderia satisfazer, como seja, nomeadamente, a prestação de garantia por tal valor a favor da Direção-Geral dos Impostos, a qual, nos termos da Lei teria que ser efetuada mediante fiança bancária, seguro-caução ou depósito bancário.

R - É, assim, evidente que resultava completamente inviável quer a dedução quer o pedido de reembolso do montante do imposto em causa nos autos.

Assim sendo,

Entende a Recorrente que a Revista deve proceder, revogando-se o Acórdão Recorrido, mantendo-se o decidido na Sentença proferida na 1ª Instância.

Normas violadas: as constantes ao longo do articulado relativas aos diplomas tributários bem como o artigo 616.°, n.° 2, ai. a) do CPC, a contrario.

Nestes termos, deve o recurso ser julgado totalmente procedente devendo revogar-se o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães repondo integralmente o decidido na Sentença proferida em 1.a Instância.


A A apresentou contra- alegações e depois de considerar que não pode colher a nulidade de excesso de pronúncia arguida e pugnando pela validade da cláusula 12ª do “ Protocolo de Relacionamento “ e solidariedade que dela resulta, concluiu pela improcedência do recurso e a manutenção do Acórdão recorrido ou, em alternativa ser proferida decisão onde se decida integral dos recorrentes no pedido.


 Colhidos os vistos, cumpre apreciar:



II. - FUNDAMENTAÇÃO:


Factos Provados:


1) Autora e ré BB foram "copromotoras" do Festival de Paredes de Coura, edição de 2005.

2) A autora e os réus celebraram o acordo denominado "protocolo de relacionamento", junto com a réplica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3) No âmbito do acordo referido em 2) a autora procedeu à contratação de todos os artistas intervenientes no festival, suportando os respetivos honorários (cachets).

4) A autora emitiu à ré BB a fatura nº …, datada de 31/12/2005, no valor de €691.905,64, da qual consta, no item "Taxas" IVA Isento, conforme documento constante de fls. 12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5) Durante o ano de 2009, a autora foi sujeita a uma ação de inspeção tributária, correndo termos contra si uma execução fiscal para cobrança do valor de €286.284,36, conforme documento junto a fls. 91 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6) A autora emitiu a fatura sem IVA, tendo as dúvidas quanto à isenção sido dissipadas pelo ROC de então, que acabaria por certificar as contas da mesma.

7) O art. 8º do protocolo de relacionamento junto com a réplica dispõe que "A contabilidade do Festival de Paredes de Coura será sediada na BB"


Factos não provados:

1. Se os réus tivessem liquidado o valor do IVA, em resultado da emissão da fatura referida em 4) dos factos provados, não correria termos a execução referida em 5) dos factos provados contra a autora.

2. Após o final da inspeção que "detetou a fatura que no entender da AT não estaria isenta de IVA", foi de imediato enviado à ré em conjunto com o relatório de inspeção a fatura aviso de lançamento.


Apreciando:


Conforme decorre das antecedentes conclusões de recurso, a questão fulcral é a de saber se a autora pelo facto de não ter incluído no preço constante da factura o IVA, pode exigir dos RR o pagamento desse imposto a título de despesas, por força do protocolo de relacionamento que as partes celebraram entre si, sem primeiro determinar se a  cláusula 12 ª do” Protocolo do Relacionamento” sofre da nulidade por violação do art. 280 do C. Civil.


As instâncias divergiram na apontada questão fulcral.


A 1 ª instância por ter considerado que a autora não logrou provar que o preço respeitante ao pagamento das bandas que actuaram no festival de Paredes de Coura de 2005 tal como o acordado entre as partes no denominado “ Protocolo de relacionamento” era passível de IVA a suportar pela Ré e nessa medida absolveu os RR do pedido.


Por seu turno, a Relação considerando o mencionado “protocolo de relacionamento” o qual estabelecia um acordo entre três partes contratantes, relativamente á realização de um evento musical, o princípio da repartição de receitas e despesas nas percentagens de 50% para uma delas e de 25% para cada uma das outras, exigindo a AT o pagamento do IVA pela emissão de uma factura de uma das partes às demais, tal montante terá de ser considerado como uma despesa e nessa medida responsabilizou os RR pelo pagamento dessas despesas de IVA que a autora teve de suportar junto da Autoridade Tributária.


Vejamos, antes de mais, o que vem previsto no mencionado “ Protocolo de Relacionamento “ em que se funda a pretensão da autora, considerando- se, apenas, o clausulado que, aqui, interessa para a resolução do litígio:

Art. 2º

 O presente acordo tem por base o princípio da repartição de receitas e despesas nas seguintes percentagens: BB 50% , PORTOEVENTOS 25% , AA 25%.;


ART. 12º:

 Os subscritores do presente contrato, na qualidade de representantes das sociedades comerciais aqui outorgantes, assumem também, individual e solidariamente , com cada uma das sociedades por si representadas as obrigações que resultem para as respectivas sociedades das cláusulas e condições constantes do presente contrato.


Desde já, se adianta que esta cláusula (12ª) não sofre de qualquer nulidade, nomeadamente a invocada com o fundamento no art. 280 do C, Civil, porquanto se trata de cláusula de  assunção de obrigações por parte dos representantes das sociedades comerciais outorgantes no contrato, circunstância que per si afasta a alegada indefinição das obrigações assumidas.

Efectivamente, até de acordo com o critério interpretativo do art. 236 nº 1 do C Civil a apontada cláusula maís não significa que os representantes das sociedade outorgantes também se responsabilizam/ obrigam pessoal e solidariamente pelas obrigações do resultante do contrato, o que empresta até um carácter determinado e bem objectivo às obrigações em causa.

Como nota A. Varela in C. Civil Anotado 2ª edição pag. 240.  “ apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto  indeterminável, mas  não os de objecto indeterminado. São de objecto indeterminado, por ex., as obrigações genéricas ou alternativas. As obrigações podem também ser ilíquidas, ou encontrar-se a determinação do seu objecto na dependência duma condição.”.

Tudo isto para dizer que apontada cláusula não sofre da apontada nulidade, nem viola o citado art. 280 do C. Civil. 


No mais, está em causa, o pagamento do IVA que não foi incluído na factura que a Ré pagou.


Como é sabido em o IVA recai sobre o consumidor final, sujeito passivo e contribuinte de facto que, no caso dos autos, é, aqui, assumido pela Ré BB, sendo a autora, como fornecedora dos serviços, a contribuinte de direito, isto é, o sujeito passivo na relação jurídica fiscal que está obrigado à sua liquidação e entrega ao Estado (cfr. arts. 2 nº1 al. a) e 26 do C IVA) (cfr. neste sentido Ac. STJ de 23.11. 2011 acessível via www.dgsi.pt) . 


No caso dos autos é certo que o preço que foi pago pela Ré não incluiu o IVA, mas tal circunstância, desde já se adianta e tendo também em conta o próprio “ protocolo de relacionamento “  não significa que a Ré não tenha de suportar a despesa que a autora  teve com o pagamento do IVA  referente à factura em causa, ainda que o não tenha incluído  o imposto no preço que facturou.

E isto, porque o que esteve na base da emissão da factura em causa foi o mencionado protocolo e nomeadamente o referido art. 2º , quando aí prevê o acordo das partes no sentido de repartir a repartição de receitas e despesas  nas percentagens que aí  estabelecidas para cada uma das partes outorgantes.

Acresce também que não vem questionada obrigação constante da factura, tanto mais que a própria a Ré não questionou o pagamento do preço nela constante, o que atesta a validade da obrigação constituída em que assentou esse pagamento (cfr. também neste sentido Ac. deste Supremo de 26.11. 2015 acessível via www.dgsi.pt).  

E, portanto, no contexto factual provado parece não haver dúvidas, à luz do declaratário normal, a que alude o art. 236 nº1 do C Civil, que o pagamento do IVA pelo, aqui, contribuinte de direito (neste caso, a autora) constitui uma despesa coberta também pelo protocolo.

Também por força dos imperativos fiscais, tratando-se o IVA de um imposto sobre o consumo que onera, na sua estrutura finalística, o consumidor final - está ele, salvo convenção em contrário, obrigado, enquanto sujeito passivo e contribuinte de facto, a entregar à autora  a importância correspondente ao IVA devido (cfr. caso semelhante neste sentido Ac. STJ de 4.06.2013  acessível via www. dgsi,pt).

Neste domínio importa também sublinhar que esta posição vem sendo maioritariamente sufragada pelo STJ no sentido que na falta de estipulação em contrário a omissão relativa á integração do preço estipulado do IVA devido o adquirente de serviços não isento de IVA deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo, apesar disso e nos termos legais, sobre este último, na condição de contribuição passivo a sua liquidação ao fisco.

O citado Acórdão ainda a este respeito escreve:

 “A incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de IVA incluído ou de IVA a acrescer, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no art. 36º nº1 do CIVA ( a importância do imposto liquidado deve ser adicionado ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços) e na linha que antes tivemos ocasião de  referir, se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade de IVA incluído ( o ónus da prova recai sobre o adquirente ) se deve incluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer”.


Transpondo para o nosso caso a temos de concluir, em função do que vem provado, que as partes nada estipularam relativamente ao IVA e também nada se tendo provado a esse propósito, apenas significa, no seguimento do entendimento sufragado pelo citado Acórdão deste Supremo que, vimos seguindo de perto, que o valor facturado não incluía aquele imposto, estando-se perante uma situação comum de IVA a acrescer (arts. 7º e 36 do CIVA).

E sendo assim os RR /BB e Réu CC, à luz do mencionado protocolo de relacionamento, nomeadamente os seus arst. 2º e 12º,  estão  obrigados ao pagamento  da importância correspondente ao IVA a título de despesa a suportar no âmbito desse protocolo.


Por tudo isto, não merece censura o Acórdão recorrido.


III - Decisão:


Nestes termos e considerando o exposto nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Novembro de 2016


José Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes