Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
712/12.6TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: ASSÉDIO MORAL
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / DIREITOS DE PERSONALIDADE / IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO / DIREITOS / DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - CESSAÇÃO DO CONTRATO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL -PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 2013, pp. 341 – 342.
- Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 2007, pp. 410/ (1079), 412, 431, 436.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, pp. 152 e 161 – 162.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, pp. 160.
- Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 187.
- Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.ºS2 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 665.º, N.º2, 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 15.º, 23.º, 24.º, 25.º, 29.º, N.º1, 129.º, N.º 1, C), 399.º,
Sumário :

I -  O assédio moral implica comportamentos  real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.


II -  De acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

III - Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, S.A., ambos com os sinais nos autos.

Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe as quantias: a) de € 50.466,20, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho a que procedeu, fundada em justa causa, acrescida de juros de mora, desde a citação; b) e de € 6.449,52, a título de créditos salariais vencidos, acrescida de juros de mora, desde 01.05.2012.

Para tanto, alega, em síntese, que a Ré alterou unilateralmente a sua retribuição e adotou diversos comportamentos que alteraram as suas condições de trabalho, em termos que considera indignos, com a intenção de o vexar e desesperar.

2. A Ré contestou, por impugnação e excecionando a caducidade do direito de resolver o contrato, alegando que entre a ocorrência dos factos descritos pelo Autor e a resolução do contrato mediaram mais de 30 dias.

Por via reconvencional, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a importância de € 5.427,28, por não se ter provado a justa causa da resolução do contrato, nos termos do art. 399.º, do CT.

3. Foi proferida sentença, a julgar parcialmente procedente a ação e, assim, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 5.209,23 acrescida de juros de mora, e a julgar improcedente a reconvenção.

4. Apelaram quer o A. (insurgindo-se contra a parte em que foi julgado que o contrato não foi resolvido com justa causa), quer a R. (pugnando pela procedência do pedido reconvencional).

5. O Tribunal da Relação do Porto (TRP), julgou procedente o recurso do A. (alterando em parte a matéria de facto e condenando a ré a pagar-lhe indemnização por resolução lícita do contrato de trabalho, no montante de € 33.115,81, acrescida de juros de mora, desde o trânsito em julgado do acórdão e até integral pagamento) e não tomar conhecimento da apelação da R.

6. Foi interposto recurso de revista pela R., bem como, subordinadamente, pelo A.

7. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de serem negadas as revistas, em parecer a que as partes não responderam.

8. Inexistem quaisquer questões de que se deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]).

Em face das conclusões das alegações - e tendo em conta o nexo de precedência lógica e prático-jurídica existente entre elas - as questões a decidir serão conhecidas pela seguinte ordem:[2]

· Se está indemonstrada uma situação de assédio moral, tendo o contrato de trabalho sido resolvido sem justa causa (recurso da R.)


· A considerar-se licitamente resolvido o contrato pelo A., qual o número de dias de retribuição base a ter em conta no cômputo da indemnização? [Autor (no recurso subordinado) e ré pugnam pela sua marcação em 45 e 15 dias, respetivamente, tendo a decisão recorrida fixado 15 dias]


· Ainda neste caso, se os juros de mora são calculados a partir da citação (como peticiona a autora no recurso subordinado), ou a partir do trânsito em julgado da decisão, como decidiu o acórdão recorrido.


· Não sendo reconhecida a justa causa para a resolução contratual, se procede a reconvenção deduzida pela R. (recurso da R. - cfr. supra n.ºs 2, 4 e 5).

Cumpre decidir.

II.

14. Foi fixada no acórdão recorrido a seguinte matéria de facto:

1. Por contrato de trabalho celebrado a 01.01.1999, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, para desempenhar funções inerentes à categoria profissional de chefe de departamento de oficina, nas áreas de pós-venda, assistência, oficina e peças.
2. Em Abril de 2010, o Autor auferia as quantias descritas nos documentos de fls. 20 e 21, constando de fls. 20 um recibo emitido pela ré do qual consta um salário ilíquido de € 2.183,46, sendo de € 545,18, os descontos para IRS e segurança social, e de fls. 21 uma nota de lançamento da ré, no valor de € 545,18. [aditado pelo TRP]
3. O valor de 545,18 € referido no n.º 2 era um “bónus”, assumido pessoalmente pelo administrador da Ré, Sr. CC. [redação do TRP] [3]
4. A administração da Ré, decidiu incluir no vencimento do Autor, a quantia referida no n.º 3. [redação do TRP]
5. Sobre esse montante passariam a ter que incidir os descontos respetivos para o IRS e Segurança Social.
6. O vencimento ilíquido do A. era de 2.183,46 €, sendo que o montante que recebia a mais indicado no documento de fls. 21, se referia ao referido “bónus” específico dado pelo administrador, Sr. CC, que passou a estar incluído no recibo de vencimento, razão pela qual o vencimento líquido, a partir de Maio de 2010, passou a ser de € 1.965,49.
7. O Autor reclamou sem sucesso junto da administração da Ré a reposição do vencimento líquido de 2.183,46€.
8.Em mês não concretamente apurado do ano de 2011, a telefonista recebeu instruções do administrador da Ré para, antes de transferir ao A. chamadas do exterior dos clientes e dos parceiros comerciais, lhe dar conhecimento, autorizando ele depois a passagem da chamada ao A. [redação do TRP]
9. Em mês não concretamente apurado de 2011, a administração da Ré comunicou verbalmente ao Autor que este ia começar a “marcar ponto” e que não podia permanecer nas instalações depois das 18H00, hora de fecho do estabelecimento. [redação do TRP]
10.Em 15.06.2011, o Autor endereçou à Ré uma carta em que afirma o seguinte: (1) que ao ser admitido ao serviço da empresa lhe foi garantido que o vencimento líquido seria igual ao vencimento ilíquido, pagando a empresa através de notas de lançamento a diferença entre os valores ilíquido e líquido do recibo de remunerações; (2) que desde Maio de 2010 a empresa deixou de lhe pagar a diferença entre os valores ilíquido e líquido do vencimento, passando a receber um valor líquido inferior em 217,97€; (3) que não aceitava a alteração, como já manifestara verbalmente por diversas vezes; (4) que se verifica uma deterioração das suas condições de trabalho nos últimos meses, designadamente desde o início do mês anterior, coincidindo com a sua insistência na reposição do valor líquido da minha retribuição, dando como exemplos dessa deterioração, entre outros, os factos a que se reportam os §§ 11 e 12 da matéria provada; (5) que o ambiente criado não é resposta aceitável à sua reclamação respeitante à diferença salarial desde Maio de 2010 e é penoso e desgastante para o Autor. [redação do TRP]
11.A partir de Agosto de 2011, a administração ordenou que o Autor apresentasse relatórios semanais da sua atividade, a entregar até às 12 horas da 2ª feira da semana seguinte.
12.A determinação de um prazo para apresentação dos relatórios semanais prende-se com a necessidade de indicar uma ordem que fizesse sentido no seu todo.
13.Até então, nunca a administração lhe exigiu a apresentação desse tipo de relatórios, nem antes nem depois exige tais relatórios a outros trabalhadores da oficina e determinou que cada relatório lhe fosse entregue até às 12 horas da 2ª feira da semana seguinte.
14.A administração da Ré não debateu com o Autor um só relatório semanal.
15.Um relatório semanal é uma recapitulação detalhada por escrito do que se fez na semana anterior.
16.Paralelamente, por incumbência da administração da Ré, e em acumulação com as suas demais funções, o Autor ainda procedeu a uma análise do inventário de peças no final de 2011 e apresentou o respectivo relatório.
17.No Verão de 2011, o Autor gozou 25 dias de férias, conforme o mapa de férias do sector mecânico que entregou à Ré no início deste ano.
18.Nos recibos de remunerações do ano de 2010, não constam descontos no vencimento do A. em resultado de faltas injustificadas ao trabalho nesse ano.
19.No pagamento do vencimento de Outubro de 2011, a Ré subtraiu-lhe a retribuição correspondente a três dias por faltas injustificadas, invocando que só teria direito ao gozo de 22 dias de férias, sendo que o A. gozou 25 dias.
20.O A. tem horário de trabalho.
21.Após a difusão pelo Autor do mapa de férias, por e-mail enviado, a 01.06.2011, a chefes de diversas secções da oficina, com conhecimento ao administrador DD, este manifestou por e-mail ao Autor, a 02.06.2011, que no seu entender ele só tinha direito a 22 dias de férias úteis, anexando um mapa de faltas do Autor à mensagem. [redação do TRP]
22.Esta questão ficou resolvida entre as partes através do acordo alcançado na ação infra identificada.
23.Na falta de reposição das diferenças reclamadas, a 02.12.2011, o Autor propôs uma ação de reclamação de créditos laborais no Tribunal de Trabalho do Porto, para a qual a Ré foi citada por via postal a 13.12.2011.
24.No dia 16 de Dezembro, não foi possível ao Autor aceder, no programa informático de trabalho EE a fichas dos clientes e às tabelas de descontos, tendo sido informado pelo responsável pela área informática que tinha recebido ordens para desativar o acesso do Autor a essas funções.
25.Em data não apurada, o Autor foi informado pelo Sr. FF, responsável da faturação, que tinha recebido ordens para não permitir a consulta direta de papéis da faturação pelo Autor, devendo este, caso necessitasse dos mesmos, solicitar àquele a respetiva entrega.
26.O recepcionista Srs. GG comunicou ao Autor que recebeu ordens da administração para acompanhar o Autor quando este quisesse mexer em papéis ou tirar fotocópias.
27.O Sr. CC, chefe da secção de peças, comunicou ao Autor que recebeu ordem da administração para que este lhe solicitasse a consulta de pastas aí existentes, ficando impedido de as consultar diretamente.
28.O Sr. HH transmitiu ao Autor que, por ordem da administração, estava proibido de entrar no escritório a não ser por razões profissionais.
29.O Sr. GG disse ao A. que tinha recebido ordens para não lhe entregar os plannings da oficina e para o Autor não fazer Inquéritos de Satisfação do Cliente uma vez que seria a telefonista a executar essa tarefa.
30. O Autor remeteu à Ré a carta de 20/12/2011, junta a fls. 119/120, com o seguinte teor: [redação do TRP]

No dia 16 de Dezembro, não me foi possível aceder ao programa informático de trabalho EE após introduzir a chave de utilizador e a password, tendo sido informado pelo responsável pela área informática que tinha recebido ordens para desativar o meu acesso ao programa.
Ainda no dia 16 de Dezembro à tarde, foi furtado do interior da viatura que me está atribuída, quando esta se encontrava estacionada no parque de automóveis da empresa, um caderno de apontamentos em formato A4 e de capa azul. Dentro do caderno de apontamentos, além de vários papéis e de exames e análises clínicas, encontrava-se um envelope com 615,00€ em dinheiro, único valor que me foi subtraído. A viatura não sofreu qualquer dano, não havendo sinais de arrombamento ou quebra de vidros. Está como se tivesse sido aberta com a respectiva chave ou como se não estivesse fechada. Mas estava fechada quando eu peguei nela para sair do serviço no final da sexta-feira.
No dia 19 de Dezembro, mal cheguei ao trabalho, fui informado pelo Sr. FF, responsável da faturação, que tinha recebido ordens para não autorizar a minha entrada no seu gabinete e não me permitir a consulta de papéis da faturação. Pouco depois, os recepcionistas Srs. GG e II comunicaram-me que receberam ordens para não me deixar mexer em papéis ou tirar fotocópias. Em seguida, o Sr. CC, chefe da secção de peças, comunicou-me que recebeu ordem da administração de me proibir de entrar no seu gabinete e de consultar pastas aí existentes. Mais adiante, o Sr. HH transmitiu-me que por ordem da administração eu estava proibido de entrar no escritório. Já perto do final da manhã, foi-me sucessivamente transmitido pelo Sr. JJ, chefe da oficina mecânica, e pelo Sr. KK, chefe da oficina de colisão, que receberam ordens da administração para não solicitarem nem receberem ordens minhas, e ainda pelo Sr. GG de que tinha recebido ordens para não me entregar os plannings da oficina e para eu não fazer Inquéritos de Satisfação do Cliente.
Relativamente ao desaparecimento do meu caderno de apontamentos do interior da viatura que me está atribuída, uma vez que o furto ocorreu no parque de viaturas da empresas solicito que a administração averigúe o que se passou e diligencie no sentido de me serem restituídos os meus bens pessoais e a importância em dinheiro que lá se encontrava.
Quanto à sucessão de bloqueios e proibições com que fui confrontado, impede-me de executar normalmente as funções que me competem. Chamo a atenção, em particular para o facto de quase todos os funcionários que me comunicaram proibições serem meus subordinados de acordo com o organigrama da empresa.
A essa sucessão de bloqueios e proibições manifestamente não é alheia a minha decisão de recorrer ao tribunal para resolver um conflito respeitante à minha retribuição que não foi possível sanar por acordo.
Ora, a administração não tem razão nem legitimidade para me colocar na situação com que sou confrontado, que é gravemente violadora dos meus direitos e sem justificação.
Assim, deverei restabelecer a normalidade da relação laboral, sob pena de colocar em causa a possibilidade da sua subsistência.

31.Por carta datada de 04/01/2012, junta a fls. 121/122, a Ré respondeu ao Autor nos seguintes termos: [redação do TRP]

Rececionarnos a carta de V. Exa, que nos mereceu a n/ melhor atenção, cumprindo-nos esclarecer em resposta, o seguinte:
Foi esta administração, alertada por vários funcionários, que V. Exa, estaria a consultar documentação, que não dizia respeito às funções que desempenha, tirando fotocópias da mesma, assim como de dossiers, que levava consigo.
O mesmo se terá verificado com o acesso a dados informáticos.
Como é óbvio, se os colaboradores que prestaram tal informação, considerassem tal atuacão normal, não teriam avisado os administradores desta empresa.
Foi descrito, como sendo um comportamento inadequado, por ser estranho, uma vez que tais documentos e/ou consulta estariam fora das necessidades relacionadas ao seu conteúdo funcional, não lhe dizendo respeito, nem mesmo indiretamente.
Acresce o facto, de tal constituir ultimamente, uma prática reiterada, não existindo para essa, qualquer fundamento ou justificação.
Como parecerá óbvio, não poderá esta administração ficar alheia a esta realidade, nem pode deixar de tomar as medidas defensivas necessárias, para proteger esta empresa que sempre foi correta com V. Exa, ao longo destes mais de dez anos de relação laboral.
Daí, atenta a falta de confiança que se instalou, a administração ter decidido tomar certas medidas, sendo que, só dessa forma tomará conhecimento de tudo o que se está passar e de tudo o que V. Exa anda a fazer.
Repare que o comportamento de V. Exa foi-se degradando ao longo destes últimos anos, fazendo com que gradualmente a confiança que a empresa tinha em si, fosse desaparecendo.
Quanto ao restabelecimento da relação laboral, e ao cumprimento das obrigações, enquanto trabalhador, de que fala na s/ carta, V. Exa deverá cumprir naturalmente com as suas obrigações, não lhe estando vedado o trabalho respeitante ao seu conteúdo funcional.
Contudo, terá as limitações inerentes a ter de reportar tudo ao seu superior hierárquico, que é a administração.
Esta limitação não é de todo violadora dos seus direitos e contrariamente ao que referiu, tem total justificação, que se prende não com a ação judicial interposta por V. Exa, que constitui um direito, mas tem como motivação, os últimos comportamentos de V. Exa que violaram em absoluto a confiança que a empresa lhe depositava.
Quanto ao furto que nos comunicou, esta empresa diligenciou no sentido de apurar internamente o que se poderia ter passado.
Contudo, terminada que está a averiguação sumária levada a cabo, não se conseguiu chegar a nenhuma conclusão, quer quanto aos factos, quer quanto ao seu operador.
Dessa forma, tratando-se de um caso de polícia, deverá V. Exa proceder em conformidade, zelando pelos seus direitos.

32.Em Fevereiro foi notificado, por carta datada de 16/02/2012, da instauração de um processo disciplinar e da nota de culpa respetiva, junta a fls. 127-133, da qual consta:

1- O Trabalhador-Arguido é trabalhador da Entidade empregadora desde o dia 01 de Janeiro de 1999.
2- O Trabalhador-Arguido detém a Categoria Profissional de Chefe de Departamento de Oficina, cabendo-lhe o exercício de funções inerentes à mesma.
3- O Trabalhador-Arguido aufere a remuneração mensal base de 2.728,64 (dois mil setecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de subsídio de refeição, por cada dia efectivo de trabalho.
Isto posto
4- O trabalhador assumiu comportamentos prejudiciais o entidade patronal, os quais se passam a descrever.

1 - O Trabalhador-Arguido encontra-se a exercer funções inerentes à sua categoria profissional.
2- Em 15 de Dezembro de 2011, chegou ao conhecimento do entidade patronal, através de funcionários da empresa factos que se demonstraram perturbadores, por desleais e abusivos.
3- Que o trabalhador tem acedido o documentos/dossiers, em papel ou a dados informáticos, que não dizem respeito às suas funções,
4- nem seriam necessários à prossecução dos interesses das mesmas.
5- Uma vez que, tinha como objectivo fazer se munir de elementos que prejudicassem  empresa, caso esta não acedesse às suas pretensões.
6- que tirou fotocópias dos referidos dossiers/documentos, levando-o para o seu gabinete, o que não se justificaria atenta a acessibilidade aos principais dados dos clientes e viaturas, através do seu computador
7 - Sem motivo para o efeito, o trabalhador-arguido veio fazendo fotocópias de documentos da área do contabilidade, oficina e pessoal.
Com ligação a tal, acresce ainda que,
8 - Segundo o referido pelo próprio aos colegas, o arguido pretendia fazer uso da documentação em seu benefício, considerando o litígio que assumia perante todos os colegas, ter com a empresa
9 - O Trabalhador arguido terá alegado, junto de colegas, nas instalações da empresa, que teria documentos da empresa, que consubstanciavam irregularidades daquela.
10 -Por várias vezes, e mais concretamente antes do Natal de 2011, o arguido comentou com o Colega técnico de Informática, que se a empresa não cedesse às suas pretensões, estaria em “maus lençóis", porque ele teria nos mãos elementos que poriam em causa aquela.
11 - Tendo declarado, que tem "trunfos” contra o empresa,
12- O mesmo colega, assistiu ao arguido fazer tais comentários, a outras pessoas, sendo que o fazia, em qualquer local do empresa.
13 - Ao colega responsável pelos veículos usados, comentou que tinha vários segredos que iriam comprometer a empresa, caso esta não lhe desse aquilo que queria.
14 - De forma frequente, nunca se inibia de dizer onde quer que fosse o que achava da empresa, sempre num tom pejorativo.
15- O Trabalhador arguido terá alegado junto de clientes, nas instalações da empresa, ao que assistiu o trabalhador preparador de VN e VO que teria “trunfos” contra a empresa.
16- O trabalhador arguido vangloriou-se junto dos colegas, de que iria colocar a empresa em “maus lençóis”.
17 - Mais do que uma vez, e de forma ostensiva, o trabalhador arguido referiu aos Colegas que a empresa tinha que ter cuidado pois estaria na posse de documentos comprometedores.
Acresce ainda que,
18 - O trabalhador-arguido vem, de forma regular, deixando de cumprir ordens de trabalho dados pela administração e que consubstanciam obrigações laborais,
19 - Nomeadamente, quanto à apresentação de relatórios semanais, das atividades por si levadas o cabo, tarefo a que estava obrigado,
20 - Por várias vezes, a administração tem vindo a insistir verbalmente na entrega dos referidos relatórios, levando a que o trabalhador- arguido fosse apresentando um ou outro, sem carácter de regularidade.
21 - Recentemente, por emails enviados, a 5 e a 21 de Dezembro de 2011, as insistências não surtiram qualquer efeito.
22 - Sendo que, nos últimos dois meses e até hoje, incumpre com tais obrigações semanais.

33.O Autor respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 134 a 140, tendo recorrido aos serviços de um advogado.

34.Por carta com data de 27 de Março, a decisão do processo disciplinar, junta a fls. 143 a 150, foi notificada ao Autor, da qual consta: FACTOS NÃO PROVADOS - Apesar de alguns dos depoimentos prestados irem no sentido de que os comportamentos do trabalhador arguido foram estranhos ao seu conteúdo funcional. inadequados e abusivos, ferindo a confiança que a empresa possuía no trabalhador, o facto é que não se conseguiu circunscrever os mesmos. no tempo e no espaço. Assim, apesar de a entidade patronal, com os depoimentos prestados por alguns colegas de trabalho do arguido, ter perdido por completo a confiança no trabalhador arguido, não poderá a entidade patronal considerar provados os factos O Trabalhador-Arguido não logrou provar que apresentou atempadamente os relatórios de atividades … foi deliberado pela Administração da BB S.A., … aplicar ao trabalhador ao seu serviço AA a sanção disciplinar de Repreensão registada. [redação do TRP]

35.A seguir à comunicação da decisão disciplinar, o pessoal continuou obrigado a cumprir as instruções da administração.

36.O Autor remeteu à Ré a carta junta a fls. 151/152, datada de 2 de Abril de 2012, com o seguinte teor: [redação do TRP]

Notificado da aplicação da sanção de repreensão registada no processo disciplinar que me foi instaurado, venho pela presente carta manifestar que considero a sanção injusta e abusiva, aplicada com o objectivo de me intimidar e criar artificialmente cadastro disciplinar. Além disso, dadas as funções que exerço, o processo disciplinar que me foi movido, até pela publicidade que a empresa lhe conferiu, e a sanção ora aplicada, colocam ainda mais em crise a minha dignidade e a autoridade perante os trabalhadores de quem sou superior hierárquico.
Acresce que o processo disciplinar me causou prejuízo material, pois tive de recorrer aos serviços de um escritório de advogados para me aconselhar e responder à nota de culpa, tendo despendido a quantia de 615,00 € com a minha defesa.
Por outro lado, concluído o processo disciplinar, mantém-se a situação degradante e persecutória a que tenho estado sujeito desde há meses, e que denunciei nas cartas que remeti a V. Exas. com datas de 15.06.2011 e 20.12.2011: (a) A telefonista tem instruções para não me transferir chamadas do exterior dos clientes e dos parceiros comerciais sem autorização caso a caso da administração; (b) A um motorista foi dada ordem para não cumprir instruções minhas sem a aprovação da administração; (c) Foi-me comunicado verbalmente que não podia permanecer nas instalações depois das 18H00; (d) Foi desativado por ordem da administração o meu acesso ao programa informático de trabalho EE, que é o programa informático de gestão da oficina e do stock de peças; (e) Sem que a administração me tivesse comunicado qualquer alteração das minha funções, desde Dezembro último que a generalidade dos trabalhadores da oficina, sendo eu o superior hierárquico de quase todos eles, me informa que a administração deu ordens de não solicitarem nem receberem ordens minhas, de não autorizarem a minha entrada em gabinetes e secções. nem a minha consulta de pastas e papéis, nem de obter fotocópias de quaisquer papéis, bem como de não me entregarem os plannings da oficina e de me ser impedido de fazer Inquéritos de Satisfação do Cliente.
A sucessão de bloqueios e proibições com que sou confrontado, impede-me de executar normalmente as funções que me competem. Além disso, o facto de quase todos os funcionários que me comunicaram bloqueios com proibições serem meus subordinados de acordo com o organigrama da empresa, sabendo eles que a desautorização vem da própria administração da empresa, coloca-me numa situação degradante e humilhante no seio do colectivo que trabalha na oficina, que atinge gravemente a minha dignidade e a consideração devida à minha categoria profissional. E essa sucessão de desautorizações, bloqueios e proibições manifestamente não é alheia à minha decisão de recorrer ao tribunal para resolver um conflito respeitante à minha retribuição, que não foi possível sanar por acordo. Ora, este assédio de alta intensidade, em que cada dia de trabalho é uma jornada de desconsideração e humilhação com propósito de destruição psicológica, já dura há tempo demais e deve terminar de imediato.
Por último, embora a empresa tenha afirmado por escrito que pagaria a parte do subsídio de Natal em falta no início de Março, não o fez, nem deu satisfações. Acresce que, tendo eu gozado um período de férias em Janeiro, o subsídio de férias respeitante a esse período não me foi pago.
Dado o exposto, venho pela presente carta reclamar:
Que a sanção de repreensão registada seja revogada, ficando a aguardar que a sua revogação me seja comunicada no prazo máximo de dez dias. O pagamento da despesa, no montante de 615,00€, suportada por mim com um processo disciplinar manifestamente artificial, mas com nota de culpa acompanhada do aviso da possível aplicação da sanção de despedimento com justa causa. A imediata reposição da normalidade da relação laboral, com o fim dos bloqueios, desautorizações e proibições respeitantes à minha pessoa postos em prática pela administração desde que reclamei umas diferenças salariais. O pagamento da parte que está em dívida do subsídio de Natal e do subsídio de férias, no prazo máximo de dez dias.
Não sendo atendida a presente reclamação. recorrerei à Autoridade para as Condições do Trabalho e ao Tribunal de Trabalho.

37. A Ré respondeu por carta datada de 12 de Abril, junta a fls. 153/154, com o seguinte teor: [redação do TRP]

Rececionamos a carta de V. Exa, que nos mereceu a n/ melhor atenção, cumprindo-nos esclarecer, em resposta, o seguinte: Não tem esta empresa, como V. Exas o alega na carta a que se responde, qualquer propósito de “destruição psicológica”, ou colocá-lo em “situação degradante e humilhante”. Tudo o que foi alegado por V. Exa na carta enviada, não passa de uma descrição inexistente de situações e do uso exagerado de adjetivos, com os quais pretende classificar a sua relação laboral, e que em nada corresponde à verdade. Quanto ao restabelecimento da normalidade da relação laboral de que fez menção, esta administração só pretende que V. Exa cumpra naturalmente com as suas obrigações enquanto trabalhador, não lhe estando vedado o trabalho respeitante ao seu conteúdo funcional, tendo apenas as limitações inerentes a ter de reportar tudo ao seu superior hierárquico, que é esta administração, tal como já lhe fora anteriormente dado a conhecer. Ora, tal não é de todo violador dos seus direitos e tem total justificação, que se prende não com a ação judicial interposta por V. Exa a esta empresa, que constitui um direito, mas tem como motivação, os comportamentos de V. Exa que abalaram a confiança que a empresa lhe tinha e que deram inclusive origem ao processo disciplinar contra si instaurado. Quanto à sanção aplicada no âmbito do referido processo disciplinar, entende esta administração não revogar a mesma, por se justificar e se entender como justa. Relativamente aos valores em dívida relativos ao subsídio de Natal, estes encontram-se já regularizados. Quanto aos relativos ao subsidio de férias, encontra-se esta empresa a reunir esforços com vista à obtenção de liquidez para o respetivo pagamento, de forma a regularizar a situação de V. Exa, e dos restantes trabalhadores que se encontram em situações semelhantes, o que prevemos aconteça em breve.

   A ré deu satisfação ao pagamento do subsídio de Natal em falta. [redação do TRP]

38.Após a recepção da referida carta, as instruções acima referidas da administração mantiveram-‑se.
39.O Autor enviou à Ré carta registada com aviso de recepção remetida a 23/04/2012, constante de fls. 160 a 163, com o seguinte teor: [redação do TRP]

Em Maio de 2010, a empresa alterou unilateralmente a retribuição do trabalhador, daí resultando um vencimento líquido inferior em 217,97€ relativamente ao que recebia até então.
Reclamei verbalmente contra essa alteração unilateral e por escrito, através de carta registada que enderecei à empregadora a 15.06.2010.
E já nessa carta me queixei da deterioração das minhas condições de trabalho, designadamente desde o início de Maio de 2010, “coincidindo com a minha insistência na reposição do valor líquido da minha retribuição”.
São exemplos mais relevantes dessa reacção da empresa, e que se mantêm até à data (a) a telefonista tem instruções, para não me transferir chamadas do exterior dos clientes e dos parceiros comerciais sem autorização caso a caso da administração; (b) a um motorista foi dada ordem para não cumprir instruções minhas sem a aprovação da administração; (c) foi-me comunicado verbalmente que ia começar a marcar ponto e que não podia permanecer nas instalações depois das 18H00; (d) foi dada à estação de serviço ordem para não lavar a viatura que me está atribuída sem autorização da admnistração.
A partir de Agosto de 201l, a administração ordenou que eu apresente relatórios semanais da minha actividade, a entregar até às 12 horas da 2a feira da semana seguinte.
Até então, nunca a administração me exigiu a apresentação desse tipo de relatórios, e nem antes nem depois exige tais relatórios a outros trabalhadores da oficina.
A atestar o propósito gerador de matéria disciplinar de tal ordem de serviço, a administração determinou que cada relatório lhe fosse entregue até às 12 horas da 2ª feira da semana seguinte.
Nada justifica tal urgência, praticamente impossível de satisfazer, uma vez que um relatório da minha actividade no decurso de uma semana demora horas a elaborar e a oficina não encerra à 2a feira de manhã para o seu chefe poder cumprir o prazo determinado pela administração para apresentar o relatório da sua actividade na semana anterior.
De resto, várias dezenas de relatórios depois, a administração não debateu comigo um só relatório semanal.
A 02.12.2011 propus uma acção no Tribunal de Trabalho do Porto, reclamando aquela diferença mensal de 217,97€.
A empresa foi citada por via postal a 13.12.2011.
No dia 16 de Dezembro, não me foi possível aceder ao programa informático de trabalho EE após introduzir a chave de utilizador e a password, tendo sido informado pelo responsável pela área informática que tinha recebido ordens para desactivar o me acesso ao programa.
No dia 19 de Dezembro, mal cheguei ao trabalho, fui informado pelo Sr. FF, responsável da facturação, que tinha recebido ordens para não autorizar a minha entrada no seu gabinete e não me permitir a consulta de papéis da facturação.
Pouco depois, os recepcionistas Srs. GG e II comunicaram-me que receberam ordens para não me deixar mexer em papéis ou tirar fotocópias.
Em seguida, o Sr. CC, chefe da secção de peças, comunicou-me que recebeu ordens da administração de me proibir de entrar no seu gabinete e de consultar pastas aí existentes.
Mais adiante, o Sr. HH transmitiu-me que por ordem da administração estava proibido de entrar no escritório.
Já perto do final da manhã, foi-me sucessivamente transmitido pelo Sr. JJ, chefe da oficina mecânica, e pelo Sr. KK, chefe da oficina de colisão, que receberam ordens da administração para não solicitarem nem receberem ordens minhas, e ainda pelo Sr. GG foi-me dito de que tinha recebida ordens para não me entregar os plannings da oficina e para eu não fazer Inquéritos à Satisfação do Cliente.
Reclamei destas medidas, por carta remetida à empresa, a 20/12/2011.
Por carta datada de 04/01/2012, não desmentindo as inibições e proibições enumeradas por mim, a empresa alegou ter sido alertada por vários funcionários de que eu estaria a consultar documentação que não dizia respeito às minhas funções, de que tirava fotocópias que levava comigo, e por isso não poder deixar de “tomar as medidas defensivas necessárias”.
Acrescenta ainda que terei as limitações inerentes a ter de reportar tudo à administração, em virtude dos “últimos comportamentos de V. Exa. que violaram em absoluto a confiança que a empresa lhe depositava”.
No dia 11/01/2012 realizou-se uma audiência de partes no Tribunal de Trabalho do Porto, no processo relativo às diferenças salariais reclamadas por mim.
Nesse mesmo dia foi acordado que eu gozasse duas semanas de férias, de modo a que esse afastamento temporário permitisse restabelecer a normalidade da relação laboral.
Regressado ao trabalho no final de Janeiro, fui confrontado com o mesmo regime de limitações e proibições.
Já em Fevereiro, fui notificado, por carta datada de 16/02/2012, da instauração de um processo disciplinar e da nota de culpa respectiva, sendo avisado que a sanção poderá vir a ser o despedimento com justa causa.
Em suma, fui acusado de ter andado a munir-me de documentos da empresa alegadamente comprometedores, para os usar como meio de pressão ou de chantagem, a fim de forçar a empregadora a ceder às minhas pretensões, não me inibindo de o proclamar abertamente junto de colegas e clientes, e de não cumprir a ordem da administração de apresentar relatórios semanais das actividades levadas a cabo por mim.
Apesar da sua evidente artificialidade, submeti-me ao processo disciplinar, para o que tive de recorrer aos serviços de advogado e pagar esses serviços, refutando ponto por ponto a nota de culpa, na expectativa de ser plenamente ilibado de qualquer responsabilidade disciplinar, que o processo concluísse pela ausência de qualquer falta disciplinar e que, uma vez terminado, fosse restabelecida a normalidade na minha situação e o exercício das minhas funções.
Por carta com data de 27 de Março, foi-me notificada a decisão do processo disciplinar.
Como se infere da decisão, a empregadora bem tentou recolher junto do pessoal da oficina, incluindo aqueles de quem sou superior hierárquico, depoimentos que afirmassem a minha suposta deslealdade e os meus supostos intuitos de chantagem.
O facto de não o ter conseguido não quer dizer que não tenha tornado a minha posição de chefe da oficina ainda mais penosa e insustentável do ponto de vista hierárquico com um processo disciplinar para o qual convidou o pessoal que deve estar directamente, te sob as minhas ordens e seguir as minhas instruções.
A decisão aplica a sanção disciplinar de repreensão registada, pelo único motivo de eu não ter logrado provar que apresentei atempadamente os relatórios de actividade (a já referida obrigação nascida em Agosto de 2011), desatendendo as razões invocadas por mim na resposta à nota de culpa.
É uma decisão arbitrária e persecutória, com origem numa ordem de serviço instituída em Agosto de 2011 apenas para gerar atrito na relação laboral.
Além disso, não obstante não considerar provada a prática de “factos perturbadores, desleais e abusivos”, a decisão afirma que tenho assumido “comportamentos prejudiciais à Entidade Patronal” e que perdeu “por completo a confiança no trabalhador arguido”.
Com efeito, a seguir à comunicação da decisão disciplinar, a política de desautorização e ostracismo a que a empresa me tem sujeitado em nada se alterou, continuando o pessoal obrigado a cumprir e a vigiar o cumprimento das proibições e limitações que me foram impostas.
Isto é, para o pessoal da oficina, eu sou alguém que não chefia nada, a quem foi retirado todo e qualquer poder de direcção na oficina e em relação a quem nela trabalha, devendo o pessoal ignorar-me e receber ordens e instruções directamente da administração.
Constatando que nada se alterou com o encerramento do processo disciplinar, reclamei por carta remetida à empresa a 02/04/2012: (a) a revogação da sanção de repreensão registada; (b) o pagamento da despesa, no montante de 615,00€, suportada por mim com um processo disciplinar manifestamente artificial, mas com nota de culpa acompanhada do aviso da possível aplicação da sanção de despedimento com justa causa; (c) a reposição da normalidade da relação laboral, com o fim dos bloqueios, desautorizações e proibições respeitantes à minha pessoa postos em prática pela administração; (d) pagamento da parte em dívida do subsídio de Natal e do subsídio de férias.
A empresa, que respondeu por carta datada de 12 de Abril, deu apenas satisfação apagamento do subsídio de Natal em falta e insistiu na retórica da sua falta de confiança em mim.
Confirmei, após a recepção da referida carta, que o acesso ao programa informático de gestão da oficina e do stock de peças me continua interdito e que o pessoal da oficina continua instruído no sentido de que se mantêm todas as proibições anteriormente decretadas pela administração.
Assim, se pretender obter uma informação tão trivial como saber quais as viaturas que serão admitidas para reparação na oficina nos dias seguintes, tenho de dirigir-me à recepcionista, que faz o favor de me dizer o trabalho que está programado, consciente que eu não disponho da informação por me ter sido retirado o acesso ao programa informático.
Ora, a resposta da administração à minha última reclamação e a manutenção do tratamento a que tenho estado sujeito demonstram que o mesmo não é conjuntural e temporário, não é susceptível de acabar, não obstante a paciente atitude conciliatória adoptada por mim, nem termina com a conclusão do processo disciplinar.
Tornou-se claro para mim neste último mês que o tratamento que me tem sido reservado nos últimos tempos tem carácter permanente e que é intenção da administração sujeitar-me àquilo a que chama “medidas defensivas necessárias” enquanto durar contrato de trabalho.
Tendo 62 anos e por isso escassas probabilidades de me voltar a empregar. apesar de gostar da minha profissão e de me sentir com energia para trabalhar em condições de dignidade ainda durante largos anos, procurei preservar a relação laboral, não obstante o tratamento persecutório e vexatório a que tenho sido sujeito, na esperança de que fosse temporário e que o bom senso, a decência e o respeito devido à minha idade acabassem por prevalecer.
Porém, continuar a trabalhar indefinidamente nestas condições indignas, que me são impostas com intenção de me vexar e deprimir, é insustentável e insuportável.
Aliás, já ando a tomar antidepressivos por indicação médica.
Por tudo isto, o comportamento de assédio intenso e prolongado da empresa, pela sua gravidade e consequências, torna praticamente impossível a subsistência da relação d trabalho.
Dado o exposto, venho comunicar a V. Exas. a resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelos comportamentos aqui descritos, que se enquadram na previsão do art. 394°, nº 2, b), c) e 1) do Código do Trabalho.
O contrato de trabalho cessa no dia 30 de Abril, produzindo a cessação efeitos a partir do dia 01 de Maio, devendo a empresa tratar comigo de todos os assuntos de interesse comum respeitantes ao exercício das minhas funções até ao final do mês.
Com a cessação do contrato de trabalho, a empresa deverá pagar-me todos os créditos vencidos e aqueles que se vencem em virtude da resolução do contrato.
Tenho ainda direito à indemnização por resolução do contrato em virtude dos referido comportamentos assumidos pela empresa, não inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, mais a proporção fracção correspondente à fracção do último ano, atendendo aos danos patrimoniais e não patrimoniais infligidos. Essa indemnização deve ser paga na data da cessação do contrato, sob pena de recurso imediato à via judicial.
A empresa deverá emitir a declaração de situação de desemprego modelo RP5044 no primeiro dia útil do mês de Maio, indicando como motivo de cessação do contrato de trabalho a resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador.
A declaração pode ser apresentada on-line pela empresa no sítio da segurança social. Nesse caso, deverão V. Exas, entregar-me uma cópia da declaração. Ou pode ser preenchida em papel e entregue a mim, para a apresentar no Centro de Emprego.
Agradeço que a empresa me informe até à cessação do contrato de trabalho qual a modalidade de apresentação da declaração de situação de desemprego que será adoptada.
40.No dia 30.04.2004 a Ré remeteu uma carta ao Autor, comunicando- lhe que “entende esta empresa que a cessação do contrato de trabalho foi feita por denúncia, sem cumprimento do prazo legal de aviso prévio, a que a lei obriga” e calculou que os créditos laborais do Autor se cifravam em 4.137,07€, mas que este lhe devia 5.457,28€, por incumprimento do aviso prévio, ficando assim “devedor a esta empresa da quantia de 1.320,21€”.
41.O valor ilíquido da retribuição auferida pelo Autor à data da cessação do contrato era de 2.728,64€ e o Autor foi admitido ao serviço da Ré a 01.01.99.
42.A Ré não pagou ao Autor o subsídio das férias respeitantes ao trabalho prestado pelo Autor em 2011, nem parte dessas férias, nem pagou a parte proporcional da remuneração das férias e dos subsídios de férias e de Natal reportados ao período de duração do contrato de trabalho em 2012 nem qualquer outra quantia.
43.O Autor nunca esteve impedido de exercer as suas funções.
                                
III.

(a) – Se está indemonstrada uma situação de assédio moral, tendo o contrato de trabalho sido resolvido sem justa causa:

15. Em linha com o preceituado no art. 15.º, do CT, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos arts. 23.º, 24.º, 25.º, e 129.º, n.º 1, c), estabelece o art. 29.º, n.º 1, do mesmo diploma, que por assédio se entende “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Com amplitude acrescida em relação ao regime consagrado no CT/2003, as condutas neste âmbito relevantes deixam de estar necessariamente reportadas a situações de discriminação, abrangendo agora a lei, expressis verbis, a par do assédio sexual (que é uma discriminação de género, definida no nº 2 do art. 29º), as seguintes formas de assédio:

- O assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente, num dos fatores discriminatórios descritos no art. 24.º;

- O assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis[4].

A este propósito, e seguindo muito de perto o exposto por Júlio Manuel Vieira Gomes[5], importa destacar que “as humilhações são proibidas porque são uma afronta à dignidade da pessoa e uma violação dos seus direitos e não porque constituem um tratamento desigual” [“o assédio não é mais aceitável só porque o empregador insulta indiscriminadamente todos os seus trabalhadores”], pelo que as situações em que o assédio não reveste natureza discriminatória em nada lhe retiram ou diminuem a ilicitude/gravidade.

Na verdade, “as proibições de discriminação visam (…) evitar a injustiça criada pela circunstância de um comportamento - que, em si mesmo, seria legítimo - se tornar ilegítimo por uma diferenciação injusta”; e, ao invés, “no comportamento humilhante ou insultante, não é preciso fazer qualquer comparação com outros trabalhadores para identificar a injustiça”, uma vez que “o comportamento é injusto em sim mesmo, e não por comparação com outros”.

Podendo resultar, pois, dos mais díspares sentimentos e motivações envolvidos nas relações interpessoais no seio da empresa[6], é possível distinguir, agora em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

- O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);

- O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa[7] e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

16. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-‑se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[8], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.

Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[9].

E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[10], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.

17. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[11]:

“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);

b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);

c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).

A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”

18. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[12]

Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.

Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.

Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[13] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).

19. Ao contrário do acórdão recorrido (que, para além do mais, dispensa a “verificação de uma intencionalidade da conduta mobizante”, entendimento que, como decorre de tudo o já antes exposto, não se subscreve), a 1ª Instância considerou ilícita a resolução do contrato de trabalho, por não se encontrar verificada no caso dos autos uma situação de “assédio moral”, com uma argumentação da qual se realça o seguinte passo:

“(…)
Neste tipo de ação, somente os factos invocados na comunicação de resolução e não quaisquer outros podem integrar a causa de pedir, à semelhança do que sucede quando a ação é interposta pelo empregador com o objetivo de ser declarada a ilicitude da resolução - v. art. 398.º, n.º 3, do C. Trabalho.

A causa de pedir que fundamenta a pretensão da licitude da resolução do contrato e respetivas consequências legais, está sustentada no assédio moral a que o Autor considerou ter sido sujeito pela Ré.

O ónus de prova dos fundamentos da justa causa compete ao trabalhador enquanto que os factos reveladores da ausência de culpa impendem sobre o empregador de acordo com o disposto no art.º 342.º n.º 1 do Código Civil.
(…)
[A] verdade é que resulta da factualidade provada que a partir de determinada altura e não temos dúvidas de que a causa foi a reclamação sobre o vencimento e a instauração de uma ação judicial contra a empresa, a administração limitou a atuação do Autor.

As limitações relativas ao acesso ao sistema informático, à consulta direta de documentação nomeadamente faturação, à utilização da fotocopiadora, à entrada em gabinetes por razões alheias ao serviço em nada impediram o exercício das tarefas a que se encontrava adstrito.

As instruções que a administração deu à telefonista, o controlo da assiduidade e a obrigação de apresentação de relatórios semanais, por mais que desagradem ao Trabalhador, são legítimas, apesar de inovatórias.

É evidente que esta diminuição da liberdade de actuação imposta pela Ré a um trabalhador que exerce funções de chefe de departamento de oficina pode ser considerada por este, como foi, uma ofensa grave à sua dignidade.

No entanto, a apreciação que o tribunal deve fazer nestes casos é de natureza objectiva, ou seja, tem de apurar se resulta do conjunto de procedimentos da Ré um quadro de tal forma grave que não era exigível a manutenção da relação laboral, sob pena de qualquer conflito laboral ser qualificado como assédio.

Como refere (…) Freitas Pinto [Citado no Ac. Rel. Porto de 26.09.2011], “um dos grandes perigos para que a figura do assédio moral, possa sedimentar-se e vingar entre nós quer ao nível doutrinal, quer jurisprudencial, é que ela se torne num fenómeno de moda, passando a ser alegada em tudo o que é ação laboral.”

E esse constitui o grande desafio e dificuldade do julgador: distinguir claramente uma situação de assédio de outras, frequentes, de meros conflitos laborais.

No caso em apreço, afigura-se-me que estamos perante um típico conflito laboral que se gerou por causa de um desentendimento sobre o valor do vencimento do trabalhador.

As alterações que se verificaram, por ordem da administração, nesta relação laboral, estão compreendidas no seu poder de direção, e de forma alguma impediam a continuação da mesma (…).
(…)”


20. Afigura-se-nos que se decidiu bem.

Desde logo, não se vislumbra que os factos provados no caso vertente permitam imputar à R. qualquer objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, circunstância que, só por si, nos termos expostos em supra n.º 18, obsta a que o conflito laboral em causa possa ser enquadrado na figura do assédio moral.

Por outro lado, também muito relevantemente, ao A. nunca foi vedado o exercício das suas funções (n.º 43 dos factos provados), sendo certo que nada permite afirmar, em face da factualidade assente, que o A. necessitasse de aceder ao programa informático de trabalho EE, a fichas dos clientes, às tabelas de descontos e aos plannings da oficina para cabalmente as exercer (cfr. n.ºs 24 e 29 dos factos provados).

Do mesmo modo, tendo em conta que, por razões não apuradas [pelo que não é possível formular qualquer juízo no tocante à sua (in)justificação] se quebrou a relação de confiança entre A. e R., não suscita perplexidade a circunstância de àquele ter sido interditado o acesso direto aos “papéis da faturação”, outros tipos de documentos e à fotocopiadora, sendo certo que lhe foi garantida a possibilidade de solicitar os elementos necessários para trabalhar (cfr. n.ºs 25 a 27 dos factos provados).

Por fim, quanto ao facto n.º 28 (“o Sr. HH transmitiu ao Autor que, por ordem da administração, estava proibido de entrar no escritório, a não ser por razões profissionais”), também não se vê que motivos poderiam determinar que o A acedesse ao escritório, à margem do exercício das suas funções, e muito menos, no contexto global dos factos provados, que tal configure “assédio moral”.

Em suma: indemonstrada uma situação de assédio moral, o contrato de trabalho foi resolvido pelo A. sem justa causa, procedendo, pois, neste âmbito a revista da ré, com prejuízo da apreciação da segunda e terceira questões enunciadas em supra n.º 8.


XXXXX

(b) - Se o A. deve ser condenado a pagar à R. a importância de € 5.427,28, a título de indemnização, por não se ter provado a justa causa da resolução do contrato, nos termos do art. 399.º, do CT:


21. Em reconvenção, a R. pediu a condenação do A. a pagar-lhe uma indemnização de € 5.457,28, correspondente a dois salários por falta de aviso prévio, ao abrigo do art. 399.º, do CT, segundo o qual “[n]ão se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º”.

Por sua vez, dispõe este último preceito legal que “[o] trabalhador que não cumpra (…) o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pelam inobservância do prazo de aviso prévio (…)”.

Neste âmbito, a 1.ª instância julgou que “a Ré não alegou quaisquer prejuízos resultantes da falta de aviso prévio, sendo que, face à falta de confiança no trabalhador, não é minimamente credível que os tivesse sofrido, pelo que não tem direito a qualquer indemnização.”

Por seu turno, a Relação entendeu que “julgando-se lícita a resolução, como se julgou, fica prejudicado o recurso da ré” [nesta matéria].

Ora:

Se a 1.ª instância tiver deixado de conhecer de certas questões por as considerar prejudicadas, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas deverá conhecer, sempre que disponha dos elementos necessários – art. 665.º, n.º 2, CPC.

Esta regra (de imediata substituição,) não é aplicável ao recurso de revista (art. 679.º, do mesmo diploma), pelo que, impondo-se a revogação do acórdão recorrido, impõe-se a remessa dos autos à Relação, para que seja apreciada a questão aí tida por prejudicada.[14]



IV.

21. Em face do exposto, concedendo a revista da ré, acorda-se em:

a) Revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou o contrato de trabalho licitamente resolvido pelo autor, nos termos e com as implicações constantes de supra n.ºs 15 a 20;

b) Determinar a remessa dos autos à Relação, para que seja apreciada a questão aí tida por prejudicada (cfr. supra n.º 20);

c) Manter o mais decidido.

As custas da apelação e da revista serão fixadas a final, na proporção do vencido.

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 3 de Dezembro de 2014



Mário Belo Morgado (Relator)



Pinto Hespanhol



Fernandes da Silva

__________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas à versão mencionada no ponto n.º 13 do presente acórdão.
[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s), excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 660.º, n.º 2, 684.º, nºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 664.º, CPC.
[3] O TRP eliminou o ponto n.º 3 dos factos dados como provados na 1.ª Instância, do seguinte teor: “o A. tinha como uma das suas incumbências, dada pessoalmente por um administrador da Ré, Sr. CC, a missão de tratar do processo interno de certificação da qualidade da empresa”, bem como os primitivos n.ºs 6 e 7.
[4] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 152 e 161 – 162.
[5] Direito do Trabalho, I, 2007, p. 410/(1079) e 412.    
[6] V.g., a animosidade decorrente de diferenças políticas, culturais ou religiosas, a rivalidade inerente à dinâmica competitiva no local de trabalho, desafio, inveja, desconfiança, ambição, deslumbramento pelo exercício do poder, antipatia e insegurança.
[7] “Transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar”, na expressão de Júlio Gomes, ibidem, p. 431.
[8] Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
[9] Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 160.
[10] Ob. cit., p. 436.
[11] Ibidem.
[12] Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436.
[13] Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
[14] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 2013, p. 341 – 342.