Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5571/13.9T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
PERÍODO EXPERIMENTAL
DENÚNCIA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO / PERÍODO EXPERIMENTAL / DENÚNCIA DO CONTRATO.
Doutrina:
- Maria Regina Gomes Redinha, «A relação laboral fragmentada – Aspetos jurídicos do trabalho temporário», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 222.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 111.º, 112.º, N.º 1, AL. A), 114.º, N.º 1, 178.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/09/2015 E 9/09/2015, PROCESSOS N.º 498/12.4TTVCT.G1.S1 - 4.ª SECÇÃO E N.º 499/12.2TTVCT.G1.S1- 4.ª SECÇÃO, RESPECTIVAMENTE.
Sumário :
1. Tendo o trabalhador temporário continuado ao serviço do utilizador por mais de 10 dias após o regresso do trabalhador substituído, portanto após a cessação do contrato de utilização sem a celebração de contrato que o fundamente, verifica-se a situação prevista no art.º 178.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2009, nos termos do qual considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo.

2. Tratando-se de um novo contrato sem termo nada obsta a que se lhe possa aplicar o regime do período experimental, previsto nos artigos 111.º a 114.º do Código do Trabalho de 2009, sem prejuízo do desconto do tempo de duração do anterior contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, por força do disposto no art.º 112.º, n.º 4 do mesmo diploma.

 3. Ressalvadas as situações suscetíveis de integrarem abuso de direito, nada na lei impede a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, nos termos do artigo 114.º do Código do Trabalho, motivada em razões alheias ao desempenho profissional dos trabalhadores.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA (Autor) propôs a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, contra BB, …, S.A. (1.ª Ré) e CC, S.A. (2.ª Ré), pedindo:

a) A condenação das Rés a reconhecer que o contrato de utilização celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Ré é nulo, sendo por via disso, considerada ilícita a cessação do seu contrato de trabalho e que seja considerado trabalhador da 1.ª Ré no regime do contrato de trabalho sem termo;

b) Caso assim não se entenda, condenar as Rés a reconhecer que o contrato de trabalho temporário celebrado entre si e a 2.ª Ré é nulo, sendo por via disso, considerada ilícita a cessação do seu contrato de trabalho e que seja considerado trabalhador da 2.ª Ré no regime do contrato de trabalho sem termo;

c) Consoante o que for decidido pelo Tribunal, deve a 1.ª ou a 2.ª Ré, ser condenada a pagar-lhe os salários intercalares, vencidos e vincendos, desde a data da cessação do contrato de trabalho até trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao presente processo;

d) A condenação das Rés a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais e € 2.491,20, a título de danos patrimoniais.

Para o efeito, alegou o seguinte:

- Em julho de 2012, celebrou um contrato de trabalho temporário a termo incerto com a 2.ª Ré constando do referido contrato que o mesmo era celebrado para exercer as funções de cantoneiro, para substituir um trabalhador específico da 1.ª Ré durante o seu período de baixa médica e até ao seu regresso;

 - Após o regresso, em 7/08/2012, do trabalhador substituído, manteve-se ao serviço da 1.ª Ré;

 - Só em 2 de outubro de 2012 é que a 2.ª Ré lhe comunicou a cessação do contrato de trabalho por caducidade;

- Contudo, só fizeram cessar o seu contrato de trabalho devido ao facto de ter sofrido, em 15 de setembro de 2012, um acidente de trabalho, que o impossibilitou de exercer a sua profissão.

2. As Rés contestaram, alegando em síntese:

A 1.ª Ré, BB, …, S.A:

- O A. foi substituir uma pessoa específica, identificada no contrato;

- O trabalhador substituído regressou efetivamente em 7 de agosto de 2012, sem que tenha, contudo, assumido o seu posto de trabalho, tendo antes assumido outras funções, dada a necessidade temporária da empresa, na medida em que era época alta de verão com o inerente acréscimo de trabalho;

- Com o fim da época alta de Verão, reafectou o trabalhador substituído ao seu posto de trabalho, informando a 2.ª Ré de que devia fazer cessar o contrato de trabalho com o A., com efeitos a partir de 29 de setembro;

- Caso se venha a entender que o contrato de trabalho do A. se converteu em contrato sem termo, o despedimento ocorreu dentro do período experimental.

A 2ª Ré, CC, S.A:

- A 1.ª Ré não lhe comunicou o regresso do trabalhador substituído, nem qualquer outra necessidade relativamente ao trabalho do Autor;

- A 1.ª Ré, em 13 de setembro de 2012, rescindiu o contrato de trabalho temporário que tinham celebrado, e solicitou-lhe que promovesse a caducidade do contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado com o Autor, o que fez, por comunicação de 29 de setembro, com efeitos a partir de 2 de outubro de 2012, cumprindo o pré-aviso legal;

-A comunicação que a 1.ª Ré lhe fez foi antes do Autor ter sofrido qualquer acidente de trabalho;

- Pagou ao Autor tudo o que lhe era devido pela cessação do contrato.

3. O processo seguiu os seus termos, tendo o Autor optado pela indemnização em substituição da reintegração.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:

-Julgar a ação parcialmente procedente, tendo o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré sido julgado nulo;

- Julgar ilícita a cessação do contrato de trabalho do Autor;

- Condenar a 1.ª Ré no pagamento de todas as retribuições devidas desde a data do despedimento (incluindo subsídios de Natal e de férias) até ao trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento, acrescido de juros legais à taxa de 4% até integral pagamento;

- Condenar a 1.ª Ré no pagamento da indemnização em substituição da reintegração, em 20 dias de retribuição e diuturnidades, que se contabilizou em € 323,33 por ano desde 27 de julho de 2012 até ao trânsito em julgado da presente sentença;

- Absolver a 2.ª Ré de todo o peticionado;

- Absolver a 1.ª Ré dos pedidos de condenação em pagamento das quantias de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais e € 2.491,20, a título de danos patrimoniais.

 

4. A 1.ª Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação que o julgou procedente, tendo revogado a sentença recorrida e, consequentemente, absolveu as Rés de todos os pedidos.

 

5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

i) Aqui chegados, não pode o Tribunal “a quo” dar guarida à tese da Recorrida de que o despedimento não foi ilícito, porque decorreu dentro do período experimental uma vez que;

ii) Não foi o que sucedeu. O contrato cessou, sem sombra de dúvidas, por invocação da sua caducidade e não por denúncia ao abrigo do período experimental.

iii) 0 período experimental apenas foi arguido em sede judicial, muito depois do contrato já ter cessado os seus efeitos, com o único intuito de legitimar um despedimento ilícito. A conduta adotada pela Recorrida ao arguir que o contrato cessou ao abrigo do período experimental, apenas em sede judicial e a título de “válvula de escape”, porque, tentou até onde pode, defender a validade do contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, durante toda a sua vigência, bem como, que se considerasse válida a cessação do contrato, por via da caducidade, constitui uma verdadeira ato em Abuso de Direito.

iv) Mais, ao contrato sem termo a que ficou sujeito o Recorrente, resultante de forma automática da “sanção” por violação de norma respeitante ao regime do trabalho temporário, não permite às partes, (como no caso, o Recorrente), a possibilidade de negociar termos e condições, entre os quais a existência, derrogação ou duração do período experimental. Daqui se retira de forma clara, a especificidade do contrato sem termo resultado da referida “sanção”. Assim, por via desta referida especificidade na origem do contrato sem termo, se atesta que, este não pode ser visto como um outro contrato de trabalho sem termo, que resulte da vontade negocial das partes, logo, como é nossa profunda convicção, não se aplica aqui o regime do período experimental.

v) Mais, por absurdo, acaso se entendesse a aplicabilidade do regime do período experimental ao contrato sem termo resultante de violação de normas do regime de trabalho temporário, o facto deste contrato surgir automaticamente por força de lei e não tendo as partes (incluindo o Recorrente), possibilidade de negociar termos, faz com que todos os efeitos jurídicos do contrato de trabalho temporário, que esteve na origem do contrato de trabalho sem termo, passariam também a regular este último. Assim, o período experimental do contrato de trabalho temporário é de 15 (quinze) dias, logo, no caso concreto o prazo do período experimental já tinha decorrido, o que tornaria o despedimento ilícito, mesmo que o fundamento fosse a denúncia ao abrigo do período experimental.

vi) E, ainda assim, resulta claro que o período experimental nunca pode ser aplicado nos contratos sem termo, resultantes da “sanção” por violação de norma do regime de contrato de trabalho. Uma vez que, este entendimento configuraria uma revogação tácita de sensível parte do regime sancionatório do previsto para o contrato temporário, revogação esta que não resulta da lei; não foi pretendido pelo legislador quando criou o período experimental; não se conforma com diretivas comunitárias atinentes ao trabalho temporário e levanta sérias dúvidas sobre a conformidade constitucional como consequência da desregulação do regime do trabalho temporário.

vii) Por tudo isto, não é aplicável o regime do período experimental no caso concreto, nem em qualquer contrato de trabalho sem termo que resulte da cominação jurídica por violação de normas de trabalho temporário. Assim, devem V. Exas., considerar no caso em apreço, que a cessação do contrato ocorreu de forma ilícita, revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a Sentença da 1.ª Instancia.

Nestes termos e nos demais que V. Exas., doutamente suprirão, deve o recurso ser admitido, julgado procede e com consequência, revogado o Douto Acórdão do Tribunal a quo, repristinando-se a sentença da 1.ª Instancia, na medida em que:

i. Não poderia ter sido considerado que o contrato de trabalho do Recorrente cessou ao abrigo de denúncia no período experimental, porque, efetivamente, cessou por invocação de caducidade.

ii. Não podia o Tribunal “a quo”, alterar aquilo que foi a vontade da Recorrida e a forma como ela cessou o contrato de trabalho, de caducidade para denúncia.

iii. A invocação apenas em sede judicial, por parte da Requerida, de que o contrato cessou por denúncia ao abrigo do período experimental, é um ato praticado em claro abuso de direito e com intenção de fraude a lei.

iv. Ao contrato de trabalho sem termo imposto ao Recorrente, não poderia ser aposto período experimental dada a especificidade da sua origem, ou seja, o contrato nasce como uma sanção imposta à Recorrida.

v. Ao contrato sem termo, aplica-se tudo quanto estava regulado no contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, porque, foi o único momento em que o Recorrente pode negociar os termos do contrato.

vi. Caso se entenda que o contrato sem termo obtido por via da sanção do incumprimento do trabalho temporário, tem período experimental, este, terá de ser aquele que estava previsto no contrato a termo resolutivo incerto, contabilizando o tempo já decorrido, sendo que, neste caso era de 15 dias e há muito já se havia esgotado, tornando ilícito o despedimento.

vii. Não é admissível conceber a possibilidade de um novo período experimental, dado que, tal, implica, a possibilidade da entidade incumpridora do contrato de trabalho temporário, que foi sancionada com o contrato se trabalho sem termo, poder, a qualquer momento, fazer cessar o contrato, ou seja, deixar de cumprir a sanção que lhe foi aplicada.

6. A 1.ª Ré contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não merece censura, tendo decidido corretamente na aplicação a Lei aos factos provados.

2. Quer o contrato de trabalho temporário celebrado entre a ré CC e o autor, quer o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a ré CC e a ré BB respeitaram a exigências legais.

O fundamento do contrato de trabalho temporário foi válido e foi efetivamente cumprido.

Ambos os contratos são formal e substancialmente válidos e não são nulos.

3. A consequência não é a nulidade, é outra, é a prevista no art.º 178.º n.º 9, n.º 4 do CT/2009.

4. O facto de o autor se ter mantido a trabalhar para a ré BB mais de 10 dias após a caducidade do contrato de utilização não torna o seu fundamento inicial falso.

 Antes tem a consequência prevista no art.º 178.º, n.º 4, do CT/2009, tornando-se o respetivo contrato num contrato de trabalho novo e sem termo.

5. A este novo contrato sem termo é aplicável o regime do período experimental previsto nos artigos 111.º a 114.º do CT/2009.

Nos termos do disposto no art.º 112.º, n.º 1, alínea a) e no art.º 114.º n.º 1, todos do CT/2009, a ré BB podia fazer cessar o referido contrato durante o período experimental,

O que a ré BB fez ao solicitar à ré CC(doc. de fls. 51 - facto provado n.º 18) por escrito onde refere claramente a vontade de “dispensar mais 6 funcionários” nele se incluindo expressamente o autor, com termo a 29/9/2012, e pedindo “a emissão de cartas de rescisão de forma a cumprir os pré-avisos aplicáveis”.

 6. O despedimento do autor teve lugar dentro do período experimental, pelo que não é ilícito.

7. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser revogado o acórdão recorrido e repristinada a sentença proferida pela 1.ª instância, assim se concedendo revista.

8. Nas suas conclusões o recorrente suscita a questão de saber se a cessação do contrato de trabalho, convertido em contrato sem termo, estabelecido entre as partes, operou por denúncia durante o período experimental ou se, ao invés, operou através de uma situação de despedimento ilícito.

Caso se conclua pela denúncia por invocação do período experimental, cumprirá apreciar e decidir também se a sua invocação nos autos pela ré configura uma situação de abuso de direito.

Há que apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1- O Autor e a 2.ª Ré firmaram um acordo, que denominaram de contrato de trabalho temporário, nos precisos termos constantes de fls. 17 a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, nos termos do qual, além do mais, acordaram no seguinte:

“a) O contrato de trabalho é celebrado a termo incerto, com início no dia 27/07/2012 e o seu termo quando o fundamento do contrato que lhe deu origem cessar, não podendo exceder a sua duração máxima legal, ou seja, o dia 26-07-2014.

b) A celebração do contrato tem como fundamento o disposto no n.º 2 do art.º 140.º e n.º 1 do art.º 175.º, do CT e justifica-se para substituir o colaborador DD, que se encontra ausente pelo motivo de baixa médica. Logo que o trabalhador torne ao serviço, extingue-se o motivo que deu origem à contratação.

c) O trabalhador obriga-se a prestar trabalho ao utilizador (a 1.ª ré), sob suas ordens e direção, desempenhando as funções de cantoneiro.

d) Mais acordaram que o vencimento base mensal é de € 485,00 acrescido do subsídio de alimentação de € 5,30.”

2- O trabalhador DD retornou ao serviço no dia 07/08/2012.

3- A 2.ª Ré enviou ao autor, que a recebeu, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 26-27 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, nos termos da qual, além do mais, informa o autor de que o seu contrato de trabalho temporário caduca no próximo dia 02-10-2012.

4- O autor prestou a atividade profissional para a qual foi contratado sob as ordens e direção da 1.ª ré de 27-07-2012 a 02-10-2012.

5- O autor sofreu um acidente de trabalho no dia 15/09/2012 que o impediu, desde então, de exercer a sua atividade profissional por conta da 1.ª ré.

6- Devido ao referido em 2) o autor pensou que iria permanecer no seu posto de trabalho numa relação duradoura.

7- A cessação do contrato de trabalho causou no autor transtorno, sofrimento e ansiedade.

8- O autor mantém-se numa situação de desemprego e na incerteza quanto ao seu futuro.

9- Em 27/07/2012 a 2.ª Ré, no âmbito da sua atividade de empresa de trabalho temporário, celebrou com a 1.ª Ré um acordo, que denominaram de contrato de utilização de trabalho temporário, tendo em vista a cedência à primeira de um trabalhador temporário para o desempenho da atividade de Cantoneiro, nos precisos termos constantes de fls. 48 a 49, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

10- O contrato de utilização de trabalho temporário teve como fundamento a substituição do trabalhador da 1.ª Ré DD que se encontrava de baixa médica não existindo uma data certa para o seu regresso, motivo pelo qual foi celebrado o acordo referido em 9).

11- O motivo do contrato de utilização de trabalho temporário foi indicado pela 1.ª ré e transcrito no acordo referido em 9).

12- Na data da celebração do acordo referido em 9) existia na 1.ª Ré uma necessidade de duração temporária, que consistiu na necessidade de substituição de um trabalhador - DD – que à data se encontrava de baixa médica na sequência de um acidente de trabalho por este sofrido.

13- Por essa razão foi outorgado entre o autor e a 2.ª Ré o acordo referido em 1), tendo aquele iniciado funções ao serviço da 1.ª Ré, na data referida em 4).

14- Durante a vigência do contrato e até à data da cessação do mesmo, a 1.ª Ré não comunicou à 2.ª Ré quer o regresso do trabalhador DD, quer a existência de uma outra necessidade temporária da sua parte que justificasse a manutenção do Autor ao seu serviço.

15- Pelo que a 2.ª Ré, em relação ao Autor e durante a vigência do contrato de trabalho temporário sempre esteve convicta que o mesmo se encontrava a substituir o trabalhador DD.

16- Desconhecendo se o Autor se manteve ao serviço após o regresso do trabalhador DD e durante quanto tempo.

17- A 2.ª Ré sempre esteve convicta que o motivo justificativo do contrato que lhe havia sido transmitido pela 1.ª ré correspondia à verdade.

18- Neste contexto, a 1.ª Ré enviou à 2.ª Ré, em 13 de setembro de 2012, o email que se encontra junto a fls. 51 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos do qual, além do mais, solicitou à 2.ª Ré que promovesse a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto celebrado com o autor, com efeitos no final desse mês de setembro.

19- O que esta fez através da carta referida em 3).

20- A 2.ª Ré liquidou ao autor todas as quantias que lhe eram devidas pela execução e cessação do contrato, incluindo proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, bem como a compensação pela caducidade do contrato de trabalho temporário prevista no art. 345.º do CT, aplicável ex vi do art. 182.º, n.º 6, do CT.

21- O trabalhador DD desde o dia 07 de agosto de 2012 e até ir de férias em 20 de Agosto de 2012, trabalhou 10 dias consecutivos em diferentes serviços, entre a recolha de monstros, lavagem de moloks, recolha de ecopontos, reservas e lavagem de monstros, tudo funções correspondentes à categoria profissional de cantoneiro.

22- Uma vez regressado de férias em 28 de Agosto de 2012 e até ao dia 15 de Setembro de 2012, o trabalhador DD e o autor executaram em simultâneo a mesma função, fazendo inclusive equipa juntos no denominado “circuito c”.

23- No dia 15 de Setembro de 2012, quando o autor teve o acidente de trabalho, era o trabalhador substituído que fazia equipa com o autor, tendo assistido ao acidente e prestado os primeiros auxílios, bem como contactado a 1.ª Ré dando conhecimento da ocorrência do acidente de trabalho.

2. Os presentes autos respeitam a ação de declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, instaurada em 1 de março de 2013.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, e 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou.

3. Como já se referiu a questão suscitada na presente revista consiste em saber se a cessação do contrato de trabalho, convertido em contrato sem termo, estabelecido entre as partes, operou por denúncia durante o período experimental ou se, ao invés, operou através de uma situação de despedimento ilícito.

Caso se conclua pela denúncia por invocação do período experimental, o recorrente suscitou ainda a questão de saber se a invocação da mesma pela ré configura uma situação de abuso de direito.

A 2.ª Ré, em 27/07/2012, no âmbito da sua atividade de empresa de trabalho temporário, celebrou com a 1.ª Ré um acordo, que denominaram de contrato de utilização de trabalho temporário, tendo em vista a cedência à primeira de um trabalhador temporário para o desempenho da atividade de cantoneiro.

Este contrato de utilização de trabalho temporário teve como fundamento a substituição do trabalhador da 1.ª ré, DD, que se encontrava de baixa médica não existindo uma data certa para o seu regresso.

Por essa razão foi outorgado entre o Autor e a 2.ª Ré um acordo denominado de contrato de trabalho temporário.

Este contrato foi celebrado a termo incerto, com início no dia 27/07/2012, tendo o seu termo sido fixado quando o referido trabalhador DD regressasse ao serviço, altura em que se extinguiria o motivo que deu origem à contratação do autor.

O trabalhador DD regressou ao trabalho em 07/08/2012, ou seja, decorridos 11 dias após a contratação do autor, tendo este, não obstante, continuado a prestar à 1.ª Ré a atividade profissional para a qual havia sido contratado, situação que se manteve até ao dia 02/10/2012, data em que a referida Ré fez cessar o contrato mediante a invocação de caducidade do contrato de trabalho temporário celebrado entre as partes.

Perante este quadro factual, tal como decidiu o Tribunal da Relação, o regresso do trabalhador substituído, DD, fez caducar o contrato de utilização de trabalho temporário por verificação do termo resolutivo incerto ali previsto.

O contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre as Rés cessou no momento em que terminou o fundamento que lhe deu origem, ou seja, no momento em que o trabalhador DD regressou ao serviço.

No entanto, tendo o autor continuado a trabalhar para o utilizador, no caso a 1.ª Ré, por mais de 10 dias após o regresso do trabalhador DD, ou seja, após a cessação do contrato de utilização, verifica-se a situação prevista no art.º 178.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2009, nos termos do qual «no caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização sem a celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo».

Nos termos da disposição legal citada a inobservância dos prazos de duração máxima e a manutenção do trabalhador temporário ao serviço do utilizador dez dias após a cessação do contrato de utilização do trabalho sem que ocorra a celebração de contrato que o legitime, determina que o trabalho passe a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador.

No caso concreto dos autos, o trabalho do Autor passou a ser prestado para o utilizador, no caso a 1.ª Ré, com base em contrato de trabalho sem termo.

Como refere Maria Regina Gomes Redinha[1] estamos perante a constituição ope legis de um vínculo jurídico-laboral de duração indeterminada com o utilizador.

Tratando-se de um contrato novo, de uma nova relação jurídico-laboral, nada obsta a que se lhe possa aplicar o regime do período experimental previsto nos artigos 111.º a 114.º do Código do Trabalho de 2009, sem prejuízo do desconto do tempo de duração de anterior contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho (no caso 12 dias), por força do disposto no art.º 112.º, n.º 4 do mesmo diploma.

Assim se concluindo, e considerando o prazo de 90 dias de período experimental, a que alude o art.º 112.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho e o desconto dos 12 dias de duração do contrato de trabalho temporário, temos que a 1.ª Ré tinha 78 dias a partir de 7/8/2012 para denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nos termos do disposto no art.º 114.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.

Decorre da matéria de facto provada que, por intermédio da 2.ª Ré, a 1.ª Ré pôs termo ao contrato do Autor em 02/10/2012 (factos provados números 3, 18 e 19), em termos que se nos afiguram consubstanciar uma denúncia/rescisão unilateral por parte desta (conclusão que, de resto, é partilhada por ambas as partes).

A ser assim, temos de concluir que a 1.ª Ré, ora recorrida, denunciou unilateralmente o contrato estabelecido com o Autor no decurso do período experimental, o que inviabiliza a afirmação de que estamos perante um despedimento ilícito.

Na verdade, não se pode considerar abusiva a invocação feita pela Ré, em sede judicial, do regime do período experimental, na medida em que não resulta da matéria de facto provada que a Ré tivesse assumido uma atuação que, objetivamente considerada, fosse passível de constituir ofensa grave e patente das regras da boa-fé e do fim social e económico do direito, ou até que tenha criado no Autor uma justificada/legítima situação de confiança, tanto mais que em momento algum a Ré afirmou renunciar ao período experimental.

Saliente-se que a solicitação da 1.ª Ré à 2.ª Ré no sentido de “que promovesse a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto celebrado com o Autor, com efeitos no final desse mês de setembro” verificou-se no dia 13 desse mês (facto provado n.º 18), data anterior àquela em o Autor sofreu um acidente de trabalho, que ocorreu em 15 de setembro de 2012.

O Supremo Tribunal de Justiça[2], nos Acórdãos datados de 22/09/2015 e 9/09/2015, pronunciou-se no sentido de que não viola o princípio constitucional da segurança no emprego previsto no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa, nem os princípios relativos à restrição de direitos fundamentais consagrados no art.º 18.º daquele diploma, a denúncia de contratos de trabalho durante o período experimental, nos termos do artigo 111.º do Código do Trabalho, motivada em razões alheias ao desempenho profissional dos trabalhadores, não suscetíveis de integrarem abuso de direito nos termos do art.º 334.º do CC.

No caso concreto dos autos, não se nos afigura ilegítimo que a Ré tivesse vindo invocar a aplicação do regime jurídico previsto nos artigos 111.º a 114.º do Código do Trabalho de 2009, tanto mais que o fez a título subsidiário, para a eventualidade de se concluir pela existência de um contrato de trabalho sem termo entre as partes.

                                                           III

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 22 de junho de 2017.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

_______________________
[1] A relação laboral fragmentada – Aspetos jurídicos do trabalho temporário, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 222.
[2] Processos n.º 498/12.4TTVCT.G1.S1 - 4.ª Secção e n.º 499/12.2TTVCT.G1.S1- 4.ª Secção, relatados respetivamente pela Juíza Conselheira Ana Luísa de Passos Geraldes e pelo Juiz Conselheiro Leones Dantas.