Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1102/09.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
RESERVA DA VIDA PRIVADA
FIGURA PÚBLICA
LIBERDADE DE IMPRENSA
DANO
ILICITUDE
CULPA
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PUBLICAÇÃO
AUTORIZAÇÃO
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- Os factos da vida privada, quando tornados públicos, não perdem a natureza de factos da vida privada; não se confundem com factos de natureza pública.

A tutela da reserva sobre a intimidade da vida privada não existe apenas quando o seu titular mantém absoluto silêncio sobre factos da sua vida pessoal e familiar. Nessa tutela compreende-se ainda a liberdade de decidir sobre o grau de revelação ou exposição a terceiros de factos da vida privada.

II- Não cabe no conceito de liberdade de informar (porque o extravasa) a escrita e publicação de um livro, cujo conteúdo consiste, essencialmente, no relato de uma doença oncológica de uma “figura pública”, tendo como objetivo a sua comercialização e o recebimento da receita (total ou parcial) dessa venda.

III- Uma publicação com estas caraterísticas, e contra a vontade previamente expressa da pessoa visada, também não se pode considerar coberta pela liberdade de criação artística ou intelectual dos seus autores, porque não se reconduz ao produto de uma elaboração ficcional ou científica. Reduz-se, na essência, a um relato “oportunista” do infortúnio da pessoa visada, sem conexão com fatores de relevo do interesse público.

Decisão Texto Integral:


Processo n. 1102/09.3TVLSB.L1.S1

Recorrente: AA

Recorridos:

- PRESSELIVRE – Imprensa Livre, S.A.

- BB,

- CC

- DD

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, residente em ..., propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:

“PRESSELIVRE – Imprensa Livre, S.A.”, com sede em ...; BB, CC, e DD, todos com domicílio profissional em ....

2. A autora pediu a condenação dos réus:

a) no pagamento de indemnização por danos morais em montante não inferior a 35.000,00 Euros;

b) à não publicação do livro identificado como doc. nº 2;

c) a não publicarem quaisquer factos sobre a vida privada da Autora.

Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:

A Ré PRESSELIVRE é a proprietária do jornal “C...”, sendo o Réu BB o diretor desse jornal.

Os Réus CC (exercendo a função de chefe de redação do mesmo jornal) e DD são os autores do livro em cuja capa consta o seguinte título: «... AA “VENCI O CANCRO”», Edição C....

Apesar de os Réus saberem da oposição da Autora à publicação do livro, apenas a contactaram quando este já estava impresso, apresentando-lho como um facto consumado, tendo apenas indagado junto da Autora acerca da sua opinião no que respeita à instituição escolhida para receber parte dos rendimentos.

Os Réus elaboraram e escreveram o livro, usando uma foto da Autora na capa e frase supostamente dita por esta, na primeira pessoa, o que induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a sua doença.

Sem que a autora tenha dado aos Réus qualquer entrevista exclusiva sobre os factos relatados, estes enunciam factos que, de forma abusiva, não correspondem à verdade. O que acontece, desde logo, com o próprio título do Livro.

Entre 07 a ... de ... de 2009, os dias foram horríveis para a Autora, que viveu na expectativa de o livro poder ser publicado, sendo que o seu estado de ansiedade não foi saudável para a sua gravidez, facto que era do conhecimento dos Réus; tendo estes tido intenção de causar dano à Autora, publicando notícias falsas, mesmo depois de terem sido desmentidas. Tendo, assim, a Autora sido lesada na sua tranquilidade, bem-estar físico e psíquico e intimidade; causando-lhe danos e ainda se sentindo presentemente revoltada com a ameaça da publicação do livro. Causando-lhe lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos a publicação de tal livro, divulgando factos sobre a sua vida privada, sem a sua autorização prévia, sendo, ainda, muitos deles falsos.

Sendo os Réus solidariamente responsáveis pela prática de tais factos, nos termos dos artigos 500º, nº 1, do Cód. Civil e 29º, nº. 2, da Lei nº. 02/99, de 13/01.

Entretanto, em procedimento cautelar que instaurou, foi decidida a não publicação do livro, assim como sobre factos privados da vida da Autora, sem o seu consentimento prévio;

A autora sempre procurou evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didático, sendo que o Livro, contrariamente ao que os Réus pretendem fazer crer, não tem qualquer objetivo didático.

3. Os réus contestaram a ação, alegando, em síntese, o seguinte:

 O deduzido pedido de não publicação de “quaisquer factos sobre a vida privada da Autora” não é legalmente admissível, por traduzir um “pedido genérico”; decorrendo, igualmente, tal ilegalidade, do facto de o mesmo pedido constituir uma violação da liberdade de expressão e informação, bem como da liberdade de criação cultural e do princípio da livre concorrência.

Por exceção, o réu BB, enquanto diretor do jornal, é parte ilegítima, pois não escolhe os produtos a vender conjuntamente com o jornal, desconhece o conteúdo dos artigos comercializados e não tem obrigação de o conhecer; não teve qualquer conhecimento prévio do teor do Livro objeto dos presentes autos, não teve qualquer influência na sua elaboração nem foi elaborado a seu pedido; prevendo a Lei da Imprensa que o diretor superintenda e determine o “conteúdo da publicação”, mas não dos produtos acessórios a esta.

É igualmente ilegítima a Ré editora Presselivre, S.A., não alegando a Autora um único facto constitutivo da sua responsabilidade; limitando-se a alegar a sua qualidade de editora do Livro e, como tal, deve ser responsabilizada pelo seu conteúdo. Ademais, a mesma Ré desconhece a natureza dos factos descritos no Livro, nomeadamente se constituem factos da vida pessoal, íntima ou pública da Autora, pois limitou-se a publicá-lo. Sendo que nos termos do nº. 2, do artº. 14º, do Código dos Direitos de Autor, apenas os autores dos livros podem responder civilmente pelo seu conteúdo. Não prevendo a lei uma qualquer responsabilidade automática ou objetiva das editoras.

Por impugnação, referenciam a forma como a Autora divulgou, em vários meios de comunicação, a doença de que padeceu, pelo que, a partir do momento em que fala publicamente de um facto do foro privado, este deixa de ter tal natureza, sujeitando-se a que sejam escritos textos sobre as circunstâncias em que tais factos ocorreram.

A Autora relatou o diagnóstico, os casos da família com a mesma doença e a sua luta, falando abertamente da sua doença e autorizando várias reportagens em revistas cujo tema de capa era a sua doença. Marcou conferências de impressa, revelou o procedimento médico a que foi sujeita, a forma como a doença afetou o convívio com os filhos e revelou os pormenores íntimos da doença, bem como dos episódios ocorridos no seio familiar privado. Tendo sido a Autora quem decidiu tornar público todos os pormenores da sua doença, para que servisse de exemplo “para outros anónimos falarem”.

Todos os factos constantes do livro objeto dos presentes autos foram retirados das entrevistas que a Autora concedeu aos meios de comunicação social, sendo que alguns factos resultam de informação expressamente divulgada pela Autora, enquanto que outros resultam da interpretação que os autores fizeram sobre as circunstâncias em que os factos relatados pela Autora ocorreram.

O que a Autora põe em causa é o rigor em que os detalhes são descritos, mas não o facto central que consta em cada uma das passagens que transcreve. Todavia, a causa de pedir da Autora não é a falta de rigor ou detalhe, da informação, nem mesmo a veracidade, mas antes a violação do seu direito à reserva da vida privada, e o facto de no livro constarem factos que não foram revelados diretamente pela Autora aos Réus.

Ora, tendo sido os factos concretos relatados expressamente divulgados pela Autora, que os trouxe a público, não tem esta de autorizar que os mesmos sejam publicados numa compilação ou obra biográfica.

Desta forma, a leitura do livro não pode ter provocado qualquer dos danos alegados pela Autora. E, mesmo os alegados não possuem a intensidade ou gravidade suscetível de merecer a tutela do direito.

Inexiste, assim, qualquer culpa ou ilicitude na conduta dos Réus e, mesmo que estes tivessem violado um qualquer direito da Autora, a aparente ilicitude estaria afastada, pois aqueles atuaram no exercício legítimo de um direito, que é o Direito à Liberdade de Expressão e Criação Cultural, constitucionalmente previstos.

4. Houve réplica e tréplica, seguindo-se audiência preliminar e audiência de julgamento, vindo a sentença a decidir nos seguintes termos:

«Face ao exposto, julgando a acção parcialmente procedente, decide-se:

a) condenar os réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD, solidariamente, a pagar à autora AA a quantia de vinte e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais;

b) condenar ainda os réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial];

c) sem prejuízo do decidido em b), absolver os réus do pedido na parte restante, nomeadamente de condenação “(…) a não publicarem quaisquer factos sobre a vida privada da Autora.”

d) absolver a autora do pedido indemnizatório fundado na invocada litigância de má fé;

e) condenar a autora e os réus no pagamento das custas, na proporção de 10% para a primeira e de 90% para os segundos.»

5. Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação. Fizeram-no com sucesso, pois o acórdão do TRL veio a ser-lhes favorável, ao decidir como se transcreve:

 «Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes/Recorrentes/Réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD, em que figura como Autora/Recorrida/Apelada AA e, consequentemente, decide-se:

I) revogar parcialmente a sentença recorrida/apelada, nos segmentos integrantes do objecto recursório, a qual se substitui por outra que, relativamente às alíneas a) e b) do dispositivo daquela, passe a ter a seguinte redacção:

“a) absolver os Réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD, do pagamento à Autora de indemnização/compensação a título der danos não patrimoniais;

b) condenar os mesmos réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial], salvo se fizerem constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora”.»

6. Inconformada com o acórdão do TRL, que revogou a decisão da primeira instância, a autora interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou procedente a apelação dos Réus, ora Recorridos, alterando a sentença recorrida.

2. O Tribunal de Primeira Instância condenou, em março de 2013, os Réus, ora Recorridos, solidariamente, a pagar à Autora, ora Recorrente, a quantia de vinte e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais, e a não proceder à publicação e distribuição do livro em causa nos presentes autos.

3. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, nove anos depois, em novembro de 2021, revogar parcialmente a sentença recorrida, absolvendo os Réus do pagamento, à Autora, de indemnização a título de danos não patrimoniais, mantendo a condenação dos Réus a não proceder à publicação e distribuição do livro referido, “salvo se fizerem constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora.”

4. Em sede de recurso de apelação, os Recorridos impugnaram a matéria de facto, tendo o Tribunal a quo apenas procedido às seguintes alterações à matéria de facto dada como provada:

a. Consideração como não escrito do facto provado 49. – correspondente ao ponto 5) da base instrutória;

b. Alteração de redação dos factos provados 45., 50., 53., 54., 55., 58. e 69, correspondentes às respostas aos pontos 1), 6), 9), 10), 11), 14) e 26) da base instrutória;

c. Aditamento dos factos provados 81 a 102, que consistem exclusivamente em transcrições do documento superveniente junto pelos Recorridos com as alegações do recurso de apelação, e dos factos provados 103 e 104, que se limitam ao conteúdo das decisões proferidas nos autos do procedimento cautelar apenso.

5. O Tribunal da Relação entendeu aceitar a junção do documento superveniente – livro escrito pela Recorrida em ... de 2013 – quando finalmente soube que o cancro tinha redimido, mas a verdade é que este Tribunal não alterou a matéria de facto consoante os ora Recorridos solicitaram, não apurando quaisquer efeitos decorrentes da publicação desse livro na matéria de facto dada como provada.

6. Além da impugnação da matéria de facto, os ora Recorridos invocaram várias nulidades, tendo decidido o Tribunal da Relação pela improcedência de todas as nulidades invocadas.

7. Conforme consta da factualidade dada como provada, a Recorrente não deu consentimento expresso aos Recorridos para a publicação do livro em causa nos presentes autos, sendo que, antes da publicação do mesmo, comunicou, por escrito, aos Recorridos a sua oposição, pelo que, os Recorridos, indubitavelmente, violaram os direitos de personalidade da Recorrente, nomeadamente, o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, honra e imagem.

8. O direito à reserva da intimidade da vida privada divide-se em dois direitos menores: o direito de impedir o acesso a informações relativas à vida privada e o direito de impedir a divulgação dessas mesmas informações, que incluem, necessariamente, os dados relativos ao estado de saúde.

9. O direito à reserva da intimidade da vida privada goza de proteção constitucional, sendo consagrado no n.º 1 do art. 26.º da CRP, e é, igualmente, tutelado no Direito internacional, nomeadamente, no art. 8.º, n.º 2 da CEDH e ao nível do Direito ordinário, artigo 80.º, n.ºs 1 e 2 do CC.

10. As informações sobre o estado de saúde das pessoas singulares são consideradas dados especialmente sensíveis, sendo proibido o tratamento de dados relativos à saúde, nos termos do n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, diploma vigente à data dos factos relevantes nos presentes autos.

11. O livro em causa nos presentes autos contém informações sobre o estado de saúde da Recorrente que não correspondem inteiramente à verdade, vide factos provados: “O próprio título do livro não corresponde à verdade, dado que a autora nunca afirmou “VENCI O CANCRO”, [resposta ao ponto 7. da BI]” e “Sem nunca a autora ter dado alguma entrevista exclusiva directamente aos réus sobre os factos relatados no referido livro, estes afirmam diversos factos, sendo que alguns não correspondem à verdade. [resposta ao ponto 8. da BI]. Acresce que o Recorrido CC até afirmou que o livro não continha factos sobre a vida privada da Recorrente (vide facto provado “O réu CC referenciou que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora [resposta ao ponto 6. da BI)”.

12. O Tribunal a quo entendeu que os Recorridos se basearam no conteúdo das entrevistas prestadas pela Recorrente em novembro de 2008, e que a Recorrente teria limitado voluntariamente o seu direito à reserva da intimidade da vida privada, ao falar da sua doença na conferência de imprensa e nas entrevistas às revistas C..., V... e P..., funcionando esta limitação como causa excludente da existência de qualquer lesão do próprio direito.

13. Ao abrigo do art. 81.º, n.ºs 1 e 2 do CC, a divulgação sobre o estado de saúde pela Recorrente na conferência de imprensa e nas entrevistas exclusivas, prestadas pela mesma, às revistas supra referidas, pode ser entendida como uma limitação voluntária ao seu direito de personalidade.

14. A limitação voluntária dos direitos de personalidade constitui um negócio jurídico, podendo o respetivo titular decidir se quer ou não delimitar a sua esfera de privacidade e os termos em que tal limitação vai operar. Como tal, está sujeita aos limites constantes do n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil, devendo a limitação ser determinada quanto aos seus termos, tempo e finalidade, sob pena de nulidade.

15. No que concerne aos termos materiais da limitação voluntária, a Recorrente, após um período de silêncio de 7 meses, por sua exclusiva opção, deu, em novembro de 2008, conferência de imprensa e entrevistas, com caráter didático para o público em geral, sendo que estas reportagens, antes de serem publicadas, foram devidamente autorizadas pela Recorrente. Esta referiu, ainda, na conferência de imprensa o seguinte: “Quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso, preciso da vossa ajuda, ou seja, que não me estejam sempre a lembrar o que passei”, conforme consta da alínea p) dos factos assentes.

16. Em suma, a Recorrente apenas divulgou informação sobre o seu processo terapêutico à C..., à V... e à P..., em novembro de 2008, com o objetivo específico de ajudar mulheres com cancro na mama e apenas neste contexto, pelo que não se deve entender que está permitida toda e qualquer utilização daquela informação, por parte de outras entidades, nomeadamente os Recorridos.

17. Acresce que a Recorrente nunca autorizou, nem expressa nem tacitamente, os Recorridos a utilizarem e divulgarem informações relativas à sua saúde, tendo-se oposto expressamente à distribuição do livro em causa nos autos, em 7 e 8 de abril de 2009, conforme consta das alíneas d) e e) dos factos assentes.

18. Assim, a limitação voluntária concretizou-se numa redução temporária da esfera de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada da Recorrente, sem que tal implique uma supressão do direito. Mais se diga que não é pelo facto de se tratar de uma pessoa notoriamente conhecida que a tese anteriormente perfilhada não deve proceder, principalmente porque a informação relativa ao estado de saúde da Recorrente em nada se relaciona com a notoriedade que advém da sua profissão.

19. Nos termos do artigo 81.º, n.º 2 do Código Civil, a limitação voluntária aos direitos de personalidade é revogável a todo o tempo.

20. Pelo que, ainda que se entenda que a limitação voluntária da Recorrente, ao seu direito à reserva da intimidade da vida privada, não tinha cessado em novembro de 2008 com o fim das entrevistas e conferência de imprensa, dúvidas não restam que qualquer limitação voluntária aos direitos de personalidade da Recorrente cessou, em abril de 2009, com a declaração expressa de oposição à comercialização do livro em causa nos autos.

21. Conforme consta da resposta aos pontos 15 a 19 da B.I., ao relembrarem a Recorrente do cancro de que esta padecia, os Recorridos causaram-lhe mágoa sofrimento, ansiedade, angústia, revolta, ficando aquela perturbada enquanto estava grávida e carecia de repouso, e após o violento processo terapêutico provocando-lhe danos não patrimoniais de extrema gravidade, que merecem a tutela do Direito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.

22. Os Recorridos, ao colocarem na capa da biografia a imagem da Recorrente com o cabelo rapado e figurando a frase “Venci o Cancro” como título da obra, violaram os direitos de personalidade daquela, nomeadamente, o direito à imagem e à sua honra.

23. O direito à imagem e o direito à honra gozam de proteção constitucional nos termos do n.º 1 do art. 26.º da CRP e, ao nível do Direito ordinário, é consagrado no art. 79.º do CC.

24. O Supremo Tribunal de Justiça considerou que “a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas actividades”, exigindo-se que “esse consentimento seja expresso, o que constitui uma garantia de que efectivamente, o titular está de acordo com a intromissão de um terceiro num bem da personalidade do próprio.” e ainda, que “se alguém aceita, ainda que de forma tácita, ser fotografado para um determinado fim, não podem as imagens ser utilizadas para fim diverso, sem que para este específico fim tenha sido obtido prévio consentimento do titular.” (Ac. STJ de 07/06/2011, processo n.  1581/07.3TVLSB.L1.S1 - Gabriel Catarino).

25. A imagem que figura na capa do livro em causa nos presentes autos corresponde a uma fotografia da Recorrente, enquanto atriz, na novela “Q...”, que esteve em exibição nos anos de 2003 e 2004, na qual a Recorrente representou uma personagem que padecia de doença cancerígena. Tal imagem foi captada com o consentimento expresso da Recorrente para a finalidade exclusiva das gravações da telenovela, nunca tendo autorizado os Recorridos a utilizar a fotografia em causa na capa do livro, pelo que estes violaram o disposto no n.º 1 do art. 79.º do Código Civil. Aliás, estes não demonstraram em momento algum ter obtido essa autorização por parte da Recorrente.

26. Acresce que a fotografia representa a Recorrente na qualidade de uma personagem de uma telenovela e que os Recorridos associam, erroneamente ao período em que aquela sofreu de cancro da mama, ou seja, passam a ideia para o público em geral de que a imagem na capa da obra se reporta à Recorrente enquanto indivíduo, o que não corresponde à verdade, pelo que a fotografia em causa não pode ser divulgada sem o consentimento da Recorrente, ao abrigo n.º 2 do artigo 79.º do CC.

27. A Recorrente, enquanto titular de direitos de personalidade, tem o direito de controlar a sua imagem e o poder de definir como quer ser vista pelo público em geral, a todo o momento.

28. Conforme resulta claro dos factos provados, a Recorrente não fez aparições públicas com o cabelo rapado durante o seu processo de convalescença, pelo que ao colocarem a fotografia supra referida na capa do livro, os Recorridos contrariaram a vontade expressa e tácita daquela, causando-lhe enorme desgosto e sofrimento psicológico, bem como prejuízos morais graves no seu bom nome honra, decoro e reputação, violando, por conseguinte, o previsto no n.º 3 do artigo 79º do Código Civil.

29. Em sentido idêntico, o título do livro não corresponde à verdade, uma vez que os Recorridos imputaram à Recorrente uma frase que nunca foi dita por esta  – “VENCI O CANCRO” – atribuindo-lhe declarações falsas, suscetíveis de criar a convicção no público de que o livro seria da sua pessoal autoria, provocando um equívoco censurável, de teor sensacionalista, induzindo o público a comprar e consequentemente, conseguir vender o maior número de exemplares possíveis (vide resposta aos pontos 7, 25 e 26 da B.I.).

30. O Tribunal a quo entendeu que não é admissível a publicação do livro, com o título original e sem que dele conste, de forma expressa e visível, que se trata de um trabalho não autorizado pela pessoa biografada. Se a publicação do livro sem estes requisitos não é admissível, então é ilícita, entrando o Tribunal recorrido em contradição, ao concluir que não existiu qualquer facto ilícito.

31. O Tribunal a quo entendeu que os Recorridos, enquanto escritores do livro em causa nos autos, são titulares dos direitos à liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual, sendo certo que, como desenvolvido supra, a Recorrente é titular de direitos subjetivos constitucionalmente protegidos, pelo que existe uma situação de conflito que carece de ponderação à luz do princípio da proporcionalidade, nos termos do art. 335.º do CC.

32. O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o “direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando – e só quando – um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade (vide Ac. STJ de 13/01/2011, processo n.º 153/06.4TVLSB.L1.S1 (Oliveira Vasconcelos).

33. O STJ considerou, também, que “exige-se sempre, segundo a melhor doutrina, que haja conexão entre o que se divulga e a actividade que a pessoa visada desenvolve, geradora da sua notoriedade. Isto, por um lado. Por outro lado, todos estarão de acordo em que há um "núcleo duro" de reserva da vida privada que se encontra legalmente protegido, mesmo no caso das figuras públicas, que são aquelas cuja área de privacidade está por natureza mais restringida, mais limitada.” (vide Ac. STJ de 14/06/2015, processo n.º 05A945 (Nuno Cameira).

34. Assim, o interesse da generalidade do público em conhecer o percurso da vida da Recorrente, quando esteve doente, não constitui um interesse público legalmente reconhecido e constitucionalmente protegido, uma vez que as informações divulgadas na obra não têm qualquer conexão com o exercício da atividade profissional da Recorrente, mas dizem respeito ao seu estado de saúde, que constitui um dos aspetos mais sensíveis para o ordenamento jurídico na sua globalidade e que carece de maior proteção no âmbito da tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada.

35. Pelo que bem andou o Tribunal de Primeira Instância ao considerar que os Recorridos “praticaram um acto ilícito e culposo, ameaçando a vida privada da autora AA com a pretendida ilegal publicação de um escrito que pretendia ser uma espécie de relato, na primeira pessoa, do período de doença e subsequentes tratamentos da ora autora.”

Na perspectiva da profissão desenvolvida pelos autores CC e DD, que são jornalistas, não se vislumbra qualquer espécie de interesse público atendível que seja susceptível de ser prosseguido com aquele escrito e respectiva publicação.

Acresce que tal escrito, para além de relatar factos da vida privada da autora, conhecendo os réus CC e DD a oposição da mesma autora à sua publicação, contém factos que não ocorreram, ou não ocorreram da forma que é relatada”, decisão que deve ser mantida.

36. Por todo o exposto, a decisão constante do acórdão recorrido viola o princípio da proporcionalidade, por não fazer prevalecer os direitos de personalidade da Recorrente sobre os direitos dos Recorridos, razão pela qual deve ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

37. O acórdão do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 26.º, n.º1 CRP, no artigo 8.º, n.º 2 da CEDH, artigos 79.º, n.ºs 1, 2 e 3, 80.º, n.ºs 1 e 2, 81.º, n.ºs1 e 2, 280.º, n.º1, 335.º n.ºs 1 e 2, 483.º e 496.º, n.º1 do Código Civil e artigo 7.º, n.º1 da Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, 26 de outubro).

38. Razões pelas quais deverá ser revogado o acórdão do Tribunal a quo, devendo manter-se a sentença recorrida, que condenou os Réus, ora Recorridos, a pagar, solidariamente, à Autora, ora Recorrente, a quantia de 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais e a não proceder à publicação e distribuição do livro em discussão nos presentes autos.

Nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, deve o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ser revogado e, em consequência, manter-se a sentença recorrida.»

 

7. Os recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as conclusões que se transcrevem:

«1. A Recorrente vem interpor recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o qual revogou parcialmente a decisão proferido pelo Tribunal de 1.ª instância.

2. Para o efeito alega a Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo:

a) Violou o princípio da proporcionalidade, por não fazer prevalecer os direitos de personalidade da Recorrente sobre os direitos dos Recorridos; e

b) Violou o disposto no artigo 26.º, n.º 1 CRP, no artigo 8.º, n.º 2 da CEDH, artigos 79.º, n.ºs 1, 2 e 3, 80.º, n.ºs 1 e 2, 81.º, n.ºs 1 e 2, 280.º, n.º 1, 335.º n.ºs 1 e 2, 483.º e 496.º, n.º 1 do Código Civil e artigo 7.º, n.º1 da Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, 26 de outubro).

3. Porém, entendem legitimamente os Recorridos, que o recurso de revista apresentado pela Recorrente deve improceder, na sua totalidade, pelo facto de o Acórdão recorrido não merecer qualquer censura ou reparo, razão pela qual se deverá o mesmo manter na íntegra.

4. A Recorrente é uma figura pública com grande notoriedade, reconhecida pelo público, sendo presença frequente na comunicação social.

5. Não existem, por isso, dúvidas que a Recorrente é uma figura pública em relação às quais “vigora uma conceção mais ampla de liberdade de expressão, no sentido de que estas têm de aceitar um maior grau de crítica ou um escrutínio mais incisivo e duro do que o comum dos indivíduos” (in Acórdão de revista do STJ, de 05.04.2016, proferido no âmbito do processo n.º 755/13.2TVLSB.L1.S1).

6. É evidente que há que respeitar o direito à honra e ao bom nome de todo o cidadão, ainda que de figuras públicas se trate.

7. A honra está ligada à imagem que cada um forma de si próprio, construída interiormente, mas também a partir de reflexos exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e de honestidade que não se deseja ver manchados.

8. A reputação, por seu lado, representa a V... exterior sobre a dignidade de cada um, o apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações ou, para figuras públicas, no seio da comunidade local, regional ou mundial.

9. A partir do momento que a Recorrente fala publicamente de um facto do foro privado, este deixa de ter esta natureza e sujeita-se a que sejam escritos textos sobre as circunstâncias em que os referidos factos ocorreram.

10. Significa, por isso que, a honra e a reputação da Recorrente são formadas por si própria na forma como se expõe e nos comportamentos que adota enquanto “figura pública”.

11. Sucede que vem a Recorrente alegar que os Recorridos violaram o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada porquanto a Recorrente não lhes deu o seu consentimento expresso para a publicação do livro em causa nos presentes autos e porque, antes da publicação do mesmo, lhes comunicou a sua oposição relativamente à sua publicação.

12. Ora, entendem os Recorridos, contrariamente ao que alega a Recorrente, que a publicação do livro em causa nos presentes autos não é passível de violar o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada da Recorrente, razão pela qual não lhe assiste qualquer razão.

13. Alega a Recorrente que por o livro em causa nos presentes autos conter informações sobre o seu estado de saúde, que se encontra a ser violado o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, que proíbe o tratamento de dados pessoais relativos à saúde.

14. Ora, não obstante o livro em causa tratar efetivamente dados pessoais relativos à saúde da Recorrente, a realidade é que o tratamento destes dados é permitido ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, motivo pelo qual não se encontra a ser violado o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro.

15. Nos presentes autos, e como melhor se demonstrará adiante, os dados tratados no livro em causa relativos à saúde da Recorrente resultam única e exclusivamente das informações que foram conferidas pela própria ao longo das entrevistas e conferências de imprensa que deu, razão pela qual se encontram abrangidos pelo disposto nesta alínea, e como tal sempre seria permitido o seu tratamento.

16. Dado o supra exposto, nunca os Recorridos violaram o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, razão pela qual não assiste qualquer razão à Recorrente.

17. Da análise do disposto no artigo 80.º do Código Civil entendem os Recorridos que inexistiu qualquer comportamento ilícito uma vez que não revelaram qualquer facto que não tivesse sido revelado pela Recorrente e por isso que fosse privado ou ilícita a sua difusão.

18. Por sua vez, da análise do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do Código Civil claramente resulta que a lei permite que ocorram situações de limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade, por parte do seu titular, desde que as mesmas não sejam contrárias aos princípios da ordem pública.

19. Sendo que nos presentes autos encontramo-nos precisamente perante uma situação em que a Recorrente limitou voluntariamente o exercício dos seus direitos de personalidade, nomeadamente o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, tendo em consideração que foi a própria Recorrente, mediante a concessão de entrevistas e de conferências de imprensa a diversos órgãos de comunicação social, que conferiu ao público diversas informações sobre o seu estado de saúde, o momento que se encontrava a viver, e a doença de que padecia, limitando assim voluntariamente o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.

20. Ora, não se discute que a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade, nomeadamente do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nas hipóteses em que se trate de um negócio jurídico, está sujeita aos limites constantes do n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil.

21. Sucede que da sujeição a tais limites nunca se poderá retirar o efeito que a Recorrente cabalmente pretende.

22. Alega a Recorrente, no que respeita aos termos materiais da sua limitação voluntária, que apenas concedeu informações sobre o seu estado de saúde e sobre a doença de que padecia com a exclusiva finalidade de ajudar outras mulheres com cancro na mama, para justificar que não se encontrava permitida “toda e qualquer utilização daquela informação, por parte de outras entidades, nomeadamente os Recorridos”.

23. Ora, sucede que entendem os Recorridos que não pode vir a Recorrente, passados mais de 10 anos, e simplesmente porque neste momento lhe aproveita, limitar a finalidade para a qual concedeu entrevistas e conferências de imprensa sobre o seu estado de saúde, quando dessas mesmas entrevistas e conferências de imprensa nunca expressamente resultou que o único e exclusivo objetivo da Recorrente era esse.

24. É que a verdade é que a Recorrente apenas alega que este seria o seu único e exclusivo objetivo para justificar que os Recorridos não poderiam ter utilizado a informação conferida pela Recorrente no âmbito das entrevistas e conferências de imprensa que deu, mas não invoca qualquer facto que o prove.

25. Ora, com o devido respeito, desde já se diga que a Recorrente, com este tipo de atitudes, mais não está do que cabalmente a tentar distorcer a posição que o Tribunal ad quem irá ter sobre a realidade material dos factos, empenhando-se em deturpar a matéria de facto que já foi dada como provada e que se encontra completamente assente nos presentes autos.

26. Mas mesmo que assim não se entenda, isto é, mesmo que se considere que o único e exclusivo objetivo da Recorrente era o de ajudar outras mulheres que estivessem na mesma situação, o que não se concede, então questionam agora os Recorridos se o livro em causa nos presentes autos não teria também essa finalidade tão alegadamente pretendida pela Recorrente?

27. É que o livro em causa nos presentes autos, tal como foi considerado, e bem, pelo Tribunal a quo, mais não era do que um “apanhado” de todas vivências que foram experienciadas pela Recorrente num momento tão critico e doloroso da sua vida e que foram sendo divulgadas pela mesma ao longo das entrevistas e conferências de imprensa que concedeu.

28. Ora, se o livro em causa nos presentes autos se limitava a retratar, em formato de história, é certo, o que a Recorrente viveu conforme as informações que deu nas suas entrevistas e conferências de imprensa, então também este livro iria ajudar outras mulheres que o lessem e que se encontrassem na mesma situação que a Recorrente.

29. Dado o exposto, nunca se poderá considerar que a Recorrente materialmente limitou o exercício dos seus direitos de personalidade, nomeadamente o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.

30. Vem ainda a Recorrente alegar, no que aos termos temporais da sua limitação voluntária diz respeito, que revogou tal limitação a partir do momento em que comunicou aos Recorridos que se opunha à comercialização do livro em causa nos presentes autos, invocando para tanto o disposto no n.º 2 do artigo 81.º do Código Civil.

31. Sucede que, contrariamente ao que pretende a Recorrente, nunca do comunicado feito pela Recorrente aos Recorridos se poderá retirar o resultado que a mesma pretende.

32. Da análise do comunicado realizado pela Recorrente, de lado nenhum se pode retirar que a mesma revogou a sua limitação voluntária aos direitos de personalidade, nomeadamente o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.

33. A Recorrente, neste seu comunicado aos Recorridos, limitou-se a afirmar que não autorizou a publicação do livro em causa nos presentes autos e que desconhecia integralmente o seu conteúdo.

34. Com todo o respeito, não pode a Recorrente vir agora aproveitar-se de uma comunicação que transmitiu aos Recorridos para cabalmente daí retirar que tal comunicação funcionou como uma revogação.

35. Não assiste qualquer razão à Recorrente quando afirma que revogou a sua limitação voluntaria aos direitos de personalidade, nomeadamente no que respeita ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, no sentido que prevê o n.º 2 do artigo 81.º do Código Civil.

36. E também não venha a Recorrente dizer que nunca autorizou os Recorridos, nem expressa nem tacitamente, a publicarem o livro em causa nos presentes autos, como se estes necessitassem da sua autorização para o publicarem.

37. Ora, por a história retratada no livro se tratar de um “apanhado” de todas as informações que foi a própria Recorrente a conceder ao público, o livro em causa nos presentes autos não necessitava da autorização da Recorrente para ser publicado, precisamente porque se encontrava dentro do âmbito da limitação voluntária feita pela Recorrente aos seus direitos de personalidade.

38. Alega ainda a Recorrente que a história constante do livro em causa nos presentes autos não correspondia à realidade.

39. Ora, mais uma vez e como referiu o Tribunal a quo, toda a história retratada no livro tinha na sua base a realidade dos factos que foi transmitida pela própria Recorrente ao público, claramente que um pouco mais dramatizada, romantizada e floreada, por se tratar precisamente de um livro, mas nem por isso deixa de corresponder à realidade dos factos vividos pela Recorrente e transmitidos pela mesma.

40. E sempre se diga que a Recorrente se limitou a invocar uma dimensão pessoal sobre os alegados efeitos, que não são adequados a preencher os requisitos previstos pelo número 1 do artigo 496º do Código Civil, sendo que muitos dos danos são meramente temporários e passageiros.

41. Em nenhum dos danos alegados pela Recorrente se denota qualquer “intensidade” que mereça a tutela de uma indemnização por danos não patrimoniais, pelo contrário, todos os “danos” em causa foram sempre situações passageiras e temporalmente determinadas.

42. Não sofre, pois, dúvida a indemnização do dano não patrimonial, como claramente resulta do artigo 496° do Código Civil. Ponto é que, pela sua gravidade, medida por padrões objetivos, tal dano mereça a tutela do direito.

43.  A gravidade dos danos não patrimoniais não deve medir-se por padrões subjetivos, cabendo ao tribunal, em cada caso, se o dano, face à sua gravidade, merece ou não a tutela do direito.

44. Afigura-se-nos que daqui não se pode concluir que a Recorrente tenha sofrido danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito, tendo em consideração o que foi referido.

45. Assim sendo, não se nos afigura que, perante o circunstancialismo exposto, tenham resultado para a apelante mais do que incómodos ou arrelias cuja gravidade não é merecedora de tutela jurídica (Ac. TRL de 23-11-2010; www.dgsi.pt).

46. Dado o supra exposto, nunca os Recorridos violaram o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada da Recorrente, pelo que nenhum dano não patrimonial de extrema gravidade e que mereça a tutela do direito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, foi causado à Recorrente pelos Recorridos, razão pela qual deve o Acórdão recorrido ser mantido na sua íntegra.

47. Vem ainda alegar a Recorrente, que os Recorridos violaram o seu direito à imagem e à honra, previsto no artigo 79.º n.º 1 do Código Civil.

48. Entendendo a Recorrente que para que os Recorridos pudessem colocar a sua imagem na capa do livro, teriam de previamente ter obtido o consentimento da mesma.

49. Salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido vir a Recorrente invocar o seu direito à imagem, como se de uma perfeita e total desconhecida se tratasse, quando é claro que se trata de uma figura pública, conhecida por todo o público português, e, quiçá, até a nível internacional, dada a transmissão das telenovelas portuguesas em canais internacionais.

50. “Relativamente a pessoas que ganharam o estatuto de figuras públicas, como a Autora, a divulgação da sua imagem e de aspectos da sua vida privada, embora sujeita naturalmente a restrições, não pode ser aferida pela mesma bitola de exigência e rigor que é utilizada para um qualquer cidadão anónimo e desconhecido, constituindo, de alguma maneira e de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência mais conceituadas, o preço, por vezes indesejável, da fama e exposição públicas.” (sublinhado e negrito nossos). (Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 10344/2006-6, em 15.03.2007).

51. Mas mais, a realidade é que, contrariamente ao que alega a Recorrente, para a publicação da imagem na capa do livro em causa nos presentes autos, nem sequer seria necessário o consentimento da Recorrente, dado o disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil.

52. Ora, no que a notoriedade da Recorrente diz respeito é claro que a mesma é conhecida pelos indivíduos de um determinado ambiente, nomeadamente os espetadores da televisão portuguesa, em virtude da sua profissão de atriz, notoriedade essa que é de, pelo menos, âmbito nacional.

53. Mas mais, a imagem colocada na capa do livro em causa nos presentes autos, nem sequer foi fotografada na intimidade da vida privada da Recorrente, ou sem o conhecimento da mesma.

54. A imagem colocada na capa do livro trata-se de uma imagem amplamente difundida por todos os meios de comunicação social portugueses, por retratar uma cena representada pela Recorrente na novela Q..., pelo que é também representativa da grande notoriedade da Recorrente.

55. Alega ainda a Recorrente que a divulgação da imagem capa do livro em causa nos presentes autos lhe causou prejuízos morais graves no seu bom nome, honra, decoro e reputação, invocando para tanto o disposto no n.º 3, do artigo 79.º, do Código Civil.

56. Ora, salvo o devido respeito, parece aos Recorridos que a Recorrente tem uma noção completamente deturpada do que é que significa haver prejuízos para a honra, reputação ou simples decoro.

57. O retrato divulgado trata-se da imagem que naquela altura o público português tinha da Recorrente, quer pela participação da mesma na novela Q..., quer por todos os portugueses saberem que a Recorrente padecia de uma doença por a mesma o ter amplamente difundido por vários meios de comunicação social.

58. No sentido de que quando a imagem divulgada corresponde à imagem que o público tem sobre uma determinada pessoa, não resultam prejuízos nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 79.º, do Código Civil, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1939/20.2T8AMD.L1-7, em 06.07.2021:

“Não obstante algumas das fotografias publicadas no livro retratarem o peito, o abdómen, as pernas, as nádegas e exibirem o contorno do sexo de António Variações, mas sem o exibirem ou ultrapassarem os limites do nu integral, daí não decorre prejuízo para a sua honra, reputação ou simples decoro, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 79.º, pois elas correspondem à imagem pública dele enquanto vivo, constituindo um tributo ao artista e ao homem que ele foi em vida, com um estilo peculiar e uma ideia de liberdade muito próprios.” (sublinhado e negrito nossos).

59. O disposto no n.º 3, do artigo 79.º, do Código Civil está pensado para situações bastante específicas, em que a divulgação de uma imagem causa efetivamente humilhação, vergonha, constrangimento, descrédito à pessoa retratada.

60. Nos presentes autos nunca a publicação da imagem em causa poderia causar este tipo de sentimentos à Recorrente. Primeiro porque se trata de uma imagem que já tinha sido amplamente difundida por todos os meios de comunicação social portugueses. Segundo porque foi própria Recorrente que decidiu dar entrevistas e conferências de imprensa para comunicar e explicar ao público a situação que se encontrava a viver.

61. Qualquer declaratário normal e de boa-fé, colocado na posição de um leitor com conhecimento da doença de que padecia a Recorrente, e tendo em atenção as regras contidas nos artigos 236.º e seguintes e 295.º do Código Civil, nunca extrairia de tal imagem considerações que possam afetar a honra, reputação ou simples decoro da Recorrente.

62. Dado o supra exposto, não violaram os Recorridos o direito à imagem e à honra da Recorrente, razão pela qual deve o Acórdão recorrido ser mantido na sua íntegra.

63. Alega ainda a Recorrente que o Tribunal a quo agiu contraditoriamente porquanto considerou que não era admissível a publicação do livro com o título “Venci o Cancro”, e sem que dele constasse, de forma expressa, que não se tratava uma biografia autorizada pela Recorrente e, ao mesmo tempo, considerou que publicação do livro não se tratava de um facto ilícito.

64. Ora, o Tribunal a quo considerou efetivamente que o livro não poderia ser publicado com o título original e que tinha de contar expressamente no mesmo de que se tratava de uma biografia não autorizada, mas tal em nada significa que a publicação do livro se tratava de um facto ilícito.

65. São decisões completamente distintas, que não dependem em absolutamente nada uma da outra, e que por isso em nada são contraditórias. Uma coisa é o Tribunal a quo ter considerado que o livro em causa nos presentes autos em nada atentava contra os direitos de personalidade da Recorrente e que, por essa mesma razão, não se encontravam reunidos os pressupostos para que se pudesse considerar que a publicação do mesmo se tratava de um facto ilícito. Outra coisa completamente distinta, e que em nada se encontra dependente da anterior, é o Tribunal a quo ter considerado que o livro não podia ser publicado com o título original e que se devia fazer constar expressamente no mesmo de que se tratava de uma biografia não autorizada.

66. Ora, que os Recorridos tenham conhecimento, nem o título do livro, nem o facto de não se ter feito menção expressa a de que se tratava de uma biografia não autorizada, se tratam de factos que podem atentar contra os direitos de personalidade da Recorrente.

67. Daí que tenha decidido bem o Tribunal a quo, quando não obstante ter considerado que algumas alterações deveriam ser feitas, considerou que a publicação do mesmo não se tratava de um facto ilícito.

68. Dado o supra exposto, não houve qualquer contradição por parte do Tribunal a quo, razão pela qual deve o Acórdão recorrido ser mantido na sua íntegra.

69. Alega ainda a Recorrente que nos presentes autos estamos perante uma situação de conflito de direitos, que deve ser ponderada ao abrigo do disposto no artigo 335.º do Código Civil, invocando para tanto que de um lado se encontram os direitos dos Recorridos à liberdade de expressão e à liberdade de criação intelectual e, do outro lado, encontram-se os direitos subjetivos constitucionalmente protegidos da Recorrente.

70. Andou bem o Tribunal a quo quando considerou que nos presentes autos não estávamos perante uma situação de colisão de direitos ao abrigo do disposto no artigo 335.º do Código Civil.

71. Mas mesmo que assim não se entendesse, e só por mero dever de patrocínio se concede, a realidade é que, tal como o Tribunal a quo referiu, sempre prevaleceria o direito à liberdade de expressão e à liberdade de criação intelectual dos Recorridos.

72. E essa prevalência sempre ocorreria precisamente porque os Recorridos, ao exercerem os seus direitos, limitaram-se a fazê-lo com base em toda a realidade factual que foi amplamente difundida pela Recorrente.

73. Agindo os Recorridos no exercício da Liberdade de Criação Cultural deve ser excluída qualquer ilicitude da sua atuação.

74. A delimitação da reserva de intimidade, deverá ser feita tendo em conta o que foi divulgado, expressa ou tacitamente, e tornado acessíveis sobre circunstâncias da vida da figura pública.

75. Pelo que mesmo que os Recorridos tivessem violado qualquer direito da Recorrente, o que apenas se admite a título puramente académico, a aparente ilicitude dessa falta estaria afastada porquanto estes atuaram no exercício legítimo de um direito, que é o direito à Liberdade de Expressão e Criação Cultural, constitucionalmente previstos.

76. Vem ainda a Recorrente alegar que não se verifica a existência de qualquer interesse público no que concerne à divulgação dos factos relacionados com a doença e consequentes experiências vividas pela mesma.

77. Sucede que também a definição do que se pode entender como interesse público deve ser modelada consoante a natureza do caso em concreto e a pessoa a que se refere.

78. Ora, não obstante a doença de que a Recorrente padecia não estar em nada relacionada com a sua atividade profissional, a verdade é que esta se trata de uma figura pública, bastante querida por parte dos assíduos espetadores de telenovelas, e dos portugueses em geral, pelo que claramente se verifica a existência de um interesse público relativamente às experiências vivenciadas pela Recorrente, a partir do momento em que é a própria Recorrente que relata aos portugueses os factos relativos à sua doença.

79. No sentido da existência de interesse público neste tipo de situações, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 10344/2006-6, em 15.03.2007:

“Concordando-se ou não com o mercado das chamadas revistas cor-de-rosa e com as necessidades fúteis e de baixo nível que também satisfazem, certo é que a informação particularizada e específica que presta, não pode ser, liminar e radicalmente excluída ou erradicada, por, como diz a Autora, não se traduzir na divulgação de factos de interesse e relevância públicas, pois o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa (artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa) engloba e enquadra também aquele tipo de publicações e o respectivo conteúdo, sendo certo que o referido conceito de interesse e relevância pública é relativo, mutável e bastante abrangente, podendo abarcar também o universo em análise”.

80. Dado o supra exposto, contrariamente ao que é alegado pela Recorrente, não estamos perante uma situação de colisão de direitos, mas, mesmo que assim não se entendesse, o que os Recorridos não aceitam e apenas por mero dever de patrocínio se concede, sempre o direito à liberdade de expressão e à liberdade de criação intelectual dos Recorridos prevaleceria.

81. Por tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente. Pois só se assim se fará a costumada Justiça!»

Cabe apreciar.

II. ANÁLISE E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. A admissibilidade e o objeto do recurso:

1.1. Preenchidos os pressupostos gerais de recorribilidade (fixados no art.629º, n.1 do CPC), concluiu-se que a revista interposta pela autora é admissível, nos termos do art.671º, n.1 do CPC, pois o acórdão recorrido, ao revogar a decisão da primeira instância, foi desfavorável à recorrente.

1.2. Sendo o objeto do recurso traçado pelas conclusões das alegações do recorrente (art.635º, n.4 do CPC), as questões em análise são as de saber:

- Se os réus devem ser condenados a indemnizar a autora-recorrente por danos não patrimoniais (nos mesmos termos em que a sentença havia decidido);

- Se os réus devem ser impedidos de proceder à publicação e distribuição do livro em discussão nos presentes autos.

No presente recurso apenas se decidem questões jurídicas, sem ter de rebater o argumentários com que as partes defendem as suas teses.

2. A factualidade assente:

A segunda instância, depois de proceder a algumas alterações, deu como provados os seguintes factos:

«1. A ré PRESSELIVRE – Imprensa Livre, S.A. é a proprietária do jornal “C...” [alínea A) dos factos assentes];

2. A ré PRESSELIVRE – Imprensa Livre, S.A. é a editora do livro intitulado “... AA” - “VENCI O CANCRO” cujos autores são os réus CC e DD - documento oferecido com o n.º 2 nos autos de procedimento cautelar em apenso [alínea B) dos factos assentes];

3. O réu BB é o director do jornal “C...”, sendo o réu CC chefe de redacção deste mesmo jornal; o réu DD é igualmente jornalista [alínea C) dos factos assentes];

4. A autora, no dia 7 de Abril de 2009, enviou um fax dirigido ao director do jornal “C...”, que se encontra junto como doc. n.º 3 à providência cautelar, com o seguinte teor:

“Tendo tido ontem, dia 6/04/2009, conhecimento que no próximo dia 16 vai ser distribuída com o C..., uma biografia minha, sou a informar V. Exas. que não a autorizei e desconheço, integralmente, o seu conteúdo, pelo que, reservo-me o direito de, após tomar conhecimento do mesmo, tomar as diligências que venha a considerar por necessárias e convenientes” [alínea D) dos factos assentes];

5. No dia 8 de Abril de 2009 [e não 2008], a autora, através da sua mandatária, enviou um fax para a redacção do jornal, informando que se opunha à publicação do doc. n.º 2 – cfr. doc. n.º 4 junto com a providência cautelar e que se dá aqui por reproduzido; até hoje, os réus não responderam a esses faxes [alínea E) dos factos assentes];

6. Conforme a autora verificou, o aludido livro encontrava-se impresso e pronto a publicar; no dia 15 de Abril de 2009, os réus anunciavam na primeira página do jornal “amanhã não perca a luta de AA, livro sobre a vida da actriz” – com o custo 2 € + jornal, exibindo a capa do livro (primeira página e págs. 18 e 45, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. [alínea F) dos factos assentes];

7. Na página 18 consta o artigo sobre a referida publicação, novamente com a foto da capa; na página 45 é repetida a notícia, acompanhada da capa do livro [alínea G) dos factos assentes];

8. Nos autos de procedimento cautelar em apenso foi decidida a não publicação do livro assim como sobre factos privados da vida da autora sem o seu consentimento prévio; no dia ... de ... de 2009, na primeira página do jornal, os réus fazem constar “Providência cautelar, AA trava publicação do livro”, acompanhando fotografia da capa do livro – cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i. [alínea H) dos factos assentes];

9. Na página 17 do mesmo jornal, e exibindo de novo a foto da capa, os réus referem que a autora avançou com uma providência cautelar para travar a publicação do livro mas que este apoia a associação humanitária de doentes com cancro e que é um livro exemplar; para ilustrar o que consideram um livro exemplar, os réus afirmam “O livro é exemplar: conta como AA venceu com determinação a batalha contra o cancro da mama – e omite os factos da vida privada e íntima que só à actriz dizem respeito” [alínea I) dos factos assentes] ;

10. Em 28 de Abril de 2008, a autora enviou um comunicado – cfr. doc. n.º 5 junto com a providência cautelar - para todos os órgãos de comunicação social com o seguinte teor:

Eu, AA, venho por este meio e em nome próprio, informar que me foi diagnosticado no passado mês de Fevereiro um nódulo no peito que se veio posteriormente a revelar um tumor maligno. Depois de já ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica e de o mesmo ter sido removido de imediato, encontro-me em fase de recuperação. Por respeito a todos os que sempre me apoiaram, directa ou indirectamente, informo que me encontro tranquila e muito confiante no tratamento que iniciei. Nesta fase, agradeço que o apoio de todos se traduza no respeito pelo silêncio e calma que eu e toda a minha família necessitamos e defendemos. Nestes primeiros tempos, não serão prestadas quaisquer declarações sobre a evolução do meu estado de saúde, agradecendo a omissão de quaisquer especulações. Quero apenas partilhar, que estou segura de que sairei vitoriosa de mais esta batalha. Em breve, retornarei aos meus projectos profissionais, quer na televisão, quer no teatro. Esta é uma doença que afecta muitas mulheres por todo o mundo às quais expresso a minha solidariedade. Continuarei a sorrir. Até breve. AA” [alínea J) dos factos assentes];

11. Os órgãos de comunicação social divulgaram o comunicado, por exemplo, a revista C..., o D... e o D... – cfr. docs. n.ºs 4, 5 e 6 juntos com p.i. - entre eles o C... – cfr. doc. n.º 6 junto com a providência cautelar [alínea K) dos factos assentes];

12. Em resultado da realização da conferência de imprensa, ocorrida em 11 de Novembro de 2008, vários órgãos de comunicação social publicaram o que a autora aí disse, dando maior ou menor destaque à notícia; o jornal “C...” esteve presente na conferência de imprensa, onde a autora frisou: “estou numa fase de reabilitação e preciso de calma e serenidade, por isso quero falar de coisas boas e felizes”; na primeira página do jornal é apresentada uma fotografia da autora e esta a afirmar “Quero esquecer esta fase da minha vida”, cfr. 1.ª página e págs. 26 e 27 que constituem o doc. n.º 9 junto com a providência cautelar [alínea L) dos factos assentes];

13. A revista C... fez o mesmo que os réus: publicou o que a autora disse na conferência de imprensa; o mesmo se verificou com a revista V... – cfr. docs. n.ºs 20 e 24 juntos com a oposição da providência cautelar [alínea M) dos factos assentes];

14. No que respeita à revista C... – cfr. doc. n.º 25 junto com a oposição à providência -, a entrevista da autora é apenas sobre a sua vida profissional, entrevista inserida no plano de promoção da empresa U... que iria produzir a peça de teatro “...”, onde a autora era a protagonista [alínea N) dos factos assentes];

15. A entrevista que a autora deu à revista V..., no seguimento da conferência de imprensa, teve o cariz que a autora pretendia: carácter didáctico para o público; é uma entrevista inserida num painel de pessoas novas que tiveram a mesma doença, na secção de saúde da revista – cfr. doc. n.º 7 junto com p.i. [alínea O) dos factos assentes];

16. A autora disse na conferência de imprensa: “Quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso, preciso da vossa ajuda, ou seja, que não me estejam sempre a lembrar o que passei” - cfr. doc. 10 junto com a providência cautelar [alínea P) dos factos assentes];

17. O jornal “C...” em Março de 2009 teve uma tiragem média diária de 148.154 exemplares, sendo o preço do jornal 0,80 €, tendo sido, em 2008, líder de vendas – cfr. doc. 12 junto com a providência cautelar; assim sendo, o livro sobre a autora estaria exposto em todos os postos de venda, quiosques, supermercados, bombas de gasolina, tabacarias e papelarias, entre outros [alínea Q) dos factos assentes];

18. Em entrevista à revista “P...”, edição de ... de ... de 2008, a autora disse que queria que o seu caso fosse falado na imprensa:

- Revista P...: Passou a ser uma referência. Houve mulheres que seguiram o caso da Kyelie Minogue, houve pessoas que seguiram o caso da AA. A dada altura, a AA já não é a AA, é a personagem pública que as pessoas seguem e cujo exemplo de coragem precisam ter. Como é que fez estes desdobramentos?”

Autora: “NÃO SEI ACHO QUE FOI UMA DECISÃO QUE TOMEI NO INÍCIO QUANDO PERCEBI QUE NÃO IA CONSEGUIR MANTER A SITUAÇÃO EM PRIVADO. É UMA OPÇÃO PESSOAL, MAS EU, NÃO CONSEGUINDO OMITIR TAMBÉM NÃO IA ANDAR A FUGIR, A ESCONDER. DECIDI TORNAR PÚBLICO. Procurei casos de figuras públicas – como a actriz brasileira Patrícia Pilar – e fiz aquilo que outros fizeram comigo. Também fui em busca. QUERO QUE O MEU CASO NÃO SEJA FALADO COMO UMA COISA POUCOCHINHA; “coitadinha, teve isto”; QUERO QUE SIRVA DE EXEMPLO COMO MAIS UM CASO FELIZ” - cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação [alínea S) dos factos assentes];

19. A autora foi tema de capa da edição n.º ...4, da semana de ... de ... de 2008, da referida revista com o título “A ACTRIZ TEM CANCRO DA MAMA, JÁ FOI OPERADA E ESTÁ A FAZER QUIMIOTERAPIA” - cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação; em letras garrafais consta a frase: “AA LUTA PELA VIDA – “ESTOU SEGURA QUE SAIREI VITORIOSA DESTA BATALHA” [alínea T) dos factos assentes];

20. A reportagem conta que: “Foi depois de um auto-exame que AA, de 34 anos, descobriu um nódulo no peito. Rapidamente consultou o seu médico ginecologista, que a aconselhou a fazer alguns exames. O diagnóstico não foi o mais animador: cancro da mama. A actriz sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés, mas logo ganhou coragem para enfrentar a batalha contra a doença”. “AA foi submetida a uma intervenção cirúrgica, para retirar o tumor maligno, iniciando logo de seguida o tratamento de quimioterapia, medida preventiva para reduzir as hipóteses de reincidência da doença. Seguem-se tempos de luta, na qual contará com o total apoio do marido EE. E EE não a deixa baixar os braços. Nem ele, nem os dois filhos de ambos, FF de três anos e GG, de quatro meses. É junto deles que AA ganha força para enfrentar esta fase que encara com serenidade, pois tudo aponta para que o tratamento seja um êxito.” “O diagnóstico de AA foi feito precocemente, porque a actriz que há dois anos se associou à campanha O Cancro da Mama no Alvo da Moda 2006, fazia parte de um grupo de risco e, como tal, estava atenta a todos os sinais” A Autora diz, “Na minha família há bastantes casos de cancro da mama e isso faz-me ficar muito mais alerta. Mas calculo que as pessoas que não são de risco não estejam tão empenhadas em fazer despistagem do cancro da mama. Há que fazer o rastreio desde cedo, pois esta doença afecta mulheres de todas as idades e estratos sociais. É uma situação que deve ser encarada com bastante seriedade, embora com calma. Mas o primeiro passo é sempre o nosso. E se não tivermos essa consciência e não nos policiarmos, torna-se mais difícil” [alínea U) dos factos assentes];

21. Quando terminou os tratamentos, a autora convocou uma conferência de imprensa e explicou: “Em Fevereiro foi-me diagnosticado cancro da mama, após o dia do nascimento da minha filha ter detectado um nódulo, coincidência das coincidências, num dia tão feliz ter detectado um nódulo. Claro que não imaginamos, nem queremos acreditar que seja aquele o diagnóstico, mas a verdade é que fiquei bastante alerta. Fiquei em sentido e policiei-me bastante e ao fim de dois meses, no final de amamentar, decidi que não podia descurar e fui fazer uma ecografia mamária, de seguida e no mesmo dia uma biopsia, uma semana depois foi-me diagnosticado cancro de mama”. Disse ainda a Autora nessa conferência de imprensa: “Imediatamente fui, claro, procurar ajuda médica. Ouvi, e isto é muito importante de salientar, uma primeira perspectiva médica não muito favorável, foi devastador ouvir aquela informação e o fulcral para mim foi ter ido em busca de uma outra opinião. É sempre muito importante ouvir uma segunda, terceira ou quarta opinião. Eu ouvi uma segunda e foi nessa que encontrei alguma tranquilidade, alguma confiança e tudo o que buscamos nos olhos de um médico”. Confessou ainda a Autora que: “Dr. HH chefe do departamento de cirurgia do IPO, responsável pela Unidade de Mama do Instituto de Oncologia. Director de cirurgia oncológica da C. II, onde fui tratada.” “Fui submetida a uma intervenção cirúrgica no dia 7 de Março” (…) sujeita a uma “tumorectomia – cirurgia conservadora da mama”. A própria Autora informa o procedimento médico a que foi sujeita e o facto de não ter sido necessário amputar [alínea V) dos factos assentes];

22. Informou ainda a Autora que foi sujeita a: “6 ciclos de quimioterapia, 33 de radioterapia” (…) “pensamos em muitas coisas terríveis, pensamos na morte, no medo terrível de se ficar por ali, no medo de perder as pessoas que amamos e é fundamental estarmos com alguém que nos acompanhe”. A autora tornou publico que: “O tratamento oncológico foi concluído por mais dois médicos – JJ e KK.” (…) “fui muito bem tratada, muito protegida. Tive sempre o apoio do enfermeiro LL que me acompanhou nas horas mais difíceis da minha vida, as sessões de quimioterapia”. Confessou ainda a autora que: “Terei de voltar a fazer exames de rotina, é uma vigilância que para já será daqui a três meses, depois passará a cerca de seis meses de distanciamento, depois uma vez por ano (…) o termo curada só poderá ser utilizado cinco anos após o tratamento. Só de Setembro a cinco anos posso dizer que estou curada, para já posso dizer que estou tratada, estou fora de perigo e estou muito feliz por estar a comunicar”. Informou ainda a Autora que “a quimio terminou em Julho, a rádio em Setembro”. “Mediante uma situação limite temos de pensar se vamos para cima ou para baixo, eu escolhi acreditar no tratamento, na cura e no final feliz, e passar uma boa imagem e a mensagem que estou bem (…) naturalmente os meus filhos, o meu marido e os meus pais e uma pessoa muito especial, a MM, uma das primeiras pessoas a saber e transmitiu-me uma tranquilidade e paz, quase humanamente possível, tudo iria correr bem” [alínea W) dos factos assentes];

23. A Autora falou sobre como a doença afectou o convívio com os seus filhos: “Nunca quis transmitir ao meu filho FF que estava triste ou mal, obrigava-me a estar bem, estar feliz. E importante para o nosso estado de alma”. A Autora conta quais foram os seus dias mais difíceis: “tive muitos momentos difíceis, considero que os mais difíceis foram os dias de espera, pelo resultado dos exames, até haver um prognóstico é angustiante”. A Autora fala sobre o apoio que teve: “A ancora foram os meus filhos, os meus pais e o meu marido (…) o primeiro pensamento que tive, além do medo de tudo, tive muito medo de morrer (…) EE só não entrou no bloco, tive muita sorte de ter o EE sempre ao meu lado. Um pai presente, feliz. Um dia mais tarde contarei a minha história ao FF”. A Autora revela pormenores íntimos da doença e de episódios ocorridos no privado seio familiar: “FF assistiu ao processo do corte do cabelo. Fiz questão. Sugeri cortar o cabelo e que ele estivesse presente, mas no final ele não ficou muito satisfeito com o resultado e me pediu para recolocar o cabelo, que seria impossível. Rapidamente pensei nesta solução”. A Autora disse ainda: “Nunca pensei em desistir, apesar do medo inicial (…) Faço uma vida normal. Acho que faço o que todos devemos fazer. Uma vigilância médica, uma boa alimentação. Tenho apenas de fazer a minha vida normal (…) Durante dois anos foi-me aconselhado pelo médico a não engravidar (...) muitas saudades de fazer televisão. ensaios com NN. Aprendemos a viver um dia de cada vez. Aprendemos que o importante é o aqui e o agora. Estar com um sorriso nos lábios porque estou bem” [alínea X) dos factos assentes];

24. A reportagem da revista “C...” respeitante à edição n.º ...2, foi publicada depois da conferência de imprensa que a autora refere no artigo 29.º do seu requerimento inicial, na qual esta terá dito: “quero esquecer esta fase da minha vida” (..) “quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso preciso da vossa ajuda, ou seja que não me estejam sempre a lembrar do que passei”. A autora sabia que a referida publicação teria aquele tema de capa, mesmo assim não se opôs à sua publicação. O tema da doença da autora foi capa da revista “C...” e objecto de uma reportagem “exclusiva”, com o título “TIVE MEDO DE MORRER”. A referida entrevista foi concedida nove meses depois de lhe ter sido diagnosticado cancro da mama e depois de terminados os tratamentos a que a autora foi sujeita. Toda a reportagem foi combinada e teve a autorização expressa da autora que inclusivamente é entrevistada pela publicação. Na referida entrevista, a autora confessa que: “Terminei os tratamentos. Fiz uma tumorectomia, seis ciclos de quimioterapia e 33 de radioterapia. Não havia metástases. Foi um tratamento preventivo, tendo desde o início um prognóstico muito favorável”. “A actriz sublinha que a tumorectomia pressupõe uma cirurgia conservadora da mama, e recorda como descobriu o tumor: “Notei que tinha um nódulo no dia do nascimento da minha filha. Porque tenho um histórico familiar policiei-me nesse sentido” (..) Assim que parou de amamentar fez o exame que viria a detectar o tumor. Seguiu-se uma biopsia, que confirmou os piores receios: cancro da mama. Teve uma primeira opinião médica que a actriz considera “terrifica”. “ouvi uma segunda opinião, do Dr. HH e foi uma perspectiva completamente diferente. Foi um cenário muito mais feliz, senti-me mais confiante”. “AA acreditou que estava bem entregue ao médico do IPO e da Clínica ... estabelecimento hospitalar dirigido por OO e acabou por ser seguida ali. A actriz faz aliás questão, de elogiar as equipas médicas e de enfermagem em todas as dimensões do seu profissionalismo, nomeadamente na forma como preservaram a sua intimidade”. A autora confessa: “Nesta clínica senti-me sempre muito protegida, o que foi fundamental para todo este processo” (..) “O EE foi a pessoa que esteve sempre ao meu lado. Só não entrou no bloco operatório porque não era permitido. Tenho um marido excepcional, como sei que nem toda a gente tem. O EE teve a postura que eu acho que deve de ter qualquer marido que ama a sua mulher e que se vê numa situação delicada como esta. Ele foi tudo: um pai, um companheiro e um marido presente e uma ajuda preciosa. E foi sempre um elemento optimista, positivo, impulsionador das minhas rápidas melhorias. Foi e será sempre um elemento fundamental na minha vida”. A reportagem revela ainda que: “AA chegou a achar que iria morrer: “O meu primeiro pensamento foi exactamente esse e deve ser o de qualquer pessoa que se confronte com uma situação destas. Imediatamente após um exame em que nos é diagnosticado cancro não sabemos o desfecho. Só depois é que existe uma adaptação às circunstâncias, dados clínicos novos e a fase de tratamentos. E é importante que as pessoas acreditem que existe cura, eu sou o exemplo disso. Sou mais um caso de sucesso”. [alínea Y) dos factos assentes];

25. Na entrevista que a autora deu à revista “P...”, quando lhe foi perguntado se já tinha feito alguma mamografia, a autora respondeu: “Já. Andava sempre em cima. Foi-me dito por um médico que mais tarde iria ter cancro da mama. Aos 40 anos, aos 50 anos. Preferia transpor a experiência para daqui a 20 anos – daqui a 20 anos a medicina estará mais avançada, existirão medicamentos…” - cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação. Em várias entrevistas e ocasiões, a autora transmitiu a ideia de que existia uma forte probabilidade ou tendência para vir a sofrer de um cancro de mama, até pelo histórico familiar:

-Revista V...: “Já sabia que tinha antecedentes familiares e que isso significava um factor de risco…”

-Autora: “Por isso fazia apalpação, mamografias, ecografias mamárias. Provavelmente, iria ter isto daqui a 10, 20 anos…” cfr. doc. n.º 5 junto com a contestação [alínea Z) dos factos assentes];

26. No doc. n.º 1 junto com a contestação (reportagem da revista C...) consta o seguinte comentário da própria revista: “Mesmo estando a amamentar, AA teve o bom senso de não ignorar o nódulo, que facilmente poderia ter confundido com uma alteração normal associada ao pós-parto” - cfr. documento n.º 1 junto com a contestação.

-Revista P...: “A primeira vez que sentiu o nódulo foi no dia do nascimento da sua filha. Coincidência macabra”

-Autora: “Eu e a minha mãe pensámos: o que quer que seja que esteja ali tem de sair. Era um nódulo perfeitamente visível. Durante a gravidez estamos sempre a fazer apalpação, massagens, com cremes; nunca me tinha apercebido daquilo, deve ter eclodido nessa altura. Não sei como. Mas foquei-me no que era importante: amamentar, um novo ser na minha vida, a felicidade era imensa.” [alínea AA) dos factos assentes];

27. Na entrevista da autora à revista “P...”, esta disse: “Recebi o resultado por telefone, insisti imenso, a minha INQUIETAÇÃO era tal que não aguentei pelo resultado escrito” (..) “Soube isto numa segunda-feira à noite” (o referido documento nº 3). No mesmo sentido, “Tive muitos momentos difíceis, considero que os mais difíceis foram os dias de espera, pelo resultado dos exames, até haver um prognóstico é ANGUSTIANTE”, revelou a autora na conferência de imprensa que convocou depois de terminados os tratamentos [alínea BB) dos factos assentes];

28. Na reportagem da revista “C...” resulta que a autora “Teve uma primeira opinião médica que a actriz considera “terrifica” - doc. n.º1 já referido. A mesma ideia foi transmitida pela autora na entrevista à revista “P...” - doc. n.º 3 já referido:

-Revista P...: “Perguntou directamente o que tinha?”

-Autora: “Fui preparada por ele para receber a notícia, a informação foi doseada. Foi a constatação gradual de um desfecho (pausa) nada simpático”.

-Revista P...: “Trágico”

-Autora: “Na altura é. Tenho agora algum distanciamento, mas nunca me consigo ausentar desses momentos” Revista P...: “Por que é que usa expressões como “nada simpático” e não escolhe palavras mais fortes e definitivas?”

-Autora: “Porque agora já passou. E quero deixar clara a mensagem de que é possível acreditar num tratamento e numa cura”.

-Revista P...: “Quer dizer que só achou que ia morrer no início da doença?”

-Autora: “Achei que ia morrer. E não percebia por que é que tinha de ser já.”

O mesmo resulta da entrevista da autora à revista “V...” - doc. n.º 5 já referido:

-Revista V...: “Ouviu uma segunda opinião, porque não gostou da primeira. Disseram-lhe que ficaria sem peito?”

-Autora: “Nem quero falar sobre isso. De repente na segunda opinião, o panorama era outro – cinzento e não negro. Naquela altura, qualquer cinzento é bom, torna-se cor-de-rosa” [alínea CC) dos factos assentes];

29. A autora declarou à imprensa, nomeadamente: “Os meus pais são exemplares, estiveram sempre ao meu lado, dia e noite, ajudaram-me em tudo o que foi necessário” - doc. n.º 1 já referido. A ancora foram os meus filhos, os meus pais e o meu marido” revelou a autora na conferência de imprensa que convocou quando terminou os tratamentos. No mesmo sentido, em entrevista publicada na revista “P...”:

-Revista P...: “Quando acordou, essa foi a primeira coisa que tentou perceber…?”

-Autora: “Foi. Toquei, olhei, perguntei. Ao meu lado estava o Dr. HH e perguntei: “Correu bem?” “Afirmativo” foi a resposta e, “Descanse”. ÁS QUATRO PESSOAS QUE ESTAVAM COMIGO FIZ A MESMA PERGUNTA. Era para acreditar completamente! Como se me beliscasse” - doc. n.º 3 já referido. [alínea DD) dos factos assentes];

30. O que a autora disse na sua entrevista à Revista P... foi:

-Revista P...: “Quando foi para a sala de operações, estava ciente dos dois cenários?”

-Autora: “Os médicos são muito minuciosos e criteriosos neste tipo de informação. O Dr. HH sempre disse: em princípio será apenas para retirar o tumor e perceber se existiu passagem de algumas células cancerígenas para outras zonas do corpo, e possíveis metástases. Mas só depois de ver, de peito aberto, seria possível perceber a extensão da lesão e decidir. Preveniu-me para o caso de poder acordar sem peito”.

-Revista P...: “Quando acordou, essa foi a primeira coisa que tentou perceber…?”

-Autora: “Foi. Toquei, olhei, perguntei. Ao meu lado estava o Dr. HH e perguntei: “Correu bem?” “Afirmativo” foi a resposta e, “Descanse”. Ás quatro pessoas que estavam comigo fiz a mesma pergunta. Era para acreditar completamente! Como se me beliscasse. Queria confirmações, confirmações. Queria que não houvesse tempos passados entre a entrada e a saída das pessoas, para que não tivessem tempo de combinar respostas entre si” - doc. n.º 3 já referido [alínea EE) dos factos assentes];

31. A autora tornou públicos todos os detalhes do seu casamento, da sua lua-de-mel e das suas gravidezes. A autora apresentou os seus filhos menores à imprensa. No Verão de 2003, a autora assumiu publicamente o namoro com EE, no aniversário do Bar ..., na presença da Revista C..., edição nº ...0, semana de ... de ... de 2003 – cfr. doc. n.º 6. Nessa mesma reportagem, a autora e EE “ASSUMEM ROMANCE E CONFESSAM-SE FELIZES”. A autora revela que: “Sobre a curiosidade da imprensa em relação ao romance, a actriz diz que isso não a aborreceu: “quando as pessoas estão muito bem e muito felizes, não têm de ter preocupações. Tenho feito a minha vida normal, nunca me escondi, nunca fugi e nunca menti”. Um ano após começarem a namorar, no fim-de-semana de aniversário do Bar “...”, um casal amigo ofereceu-lhes uma viagem de helicóptero, que foi acompanhada pela revista “C...”, na sua edição n.º ...0, da semana de ... de ..., com chamada de primeira página - documento n.º 7. Em cinco das sete fotografias que compõem a referida reportagem, surgem imagens do casal em momentos de grande intimidade e cumplicidade. A reportagem mostra a autora aos beijos na boca do seu namorado EE. No texto são revelados pormenores da vida particular da autora, de como vive e se organiza: “sou uma dona de casa perfeita e sou eu que faço todas as coisas da casa, não tenho ninguém que me faça nada porque não quero”. A autora partilha com a imprensa, os seus desejos pessoais, nomeadamente a sua vontade mais intima em ser mãe:

-Revista C...: “Há um ano que namora com o EE. Já falou em entrevistas anteriores da sua vontade de ser mãe. Os filhos fazem parte dos vossos planos?

-Autora: “Acho que todos nós chegamos a uma fase da vida em que pensamos nisso. É uma sequência natural numa vida a dois. Mas não determino se vou ser mãe agora, até porque a Natureza não nos obedece tão prontamente. Há alturas em que penso mais nisso, outras nem tanto, até porque a minha vida profissional não me permite organizar assim tão bem a vida pessoal.”

-Revista C...: “Mas se acontecesse engravidar, seria um bebé desejado?”

-Autora: “Quando duas pessoas estão bem, calmas, felizes e tranquilas, é, dentro dos diversos projectos, uma situação feliz” [alínea FF) dos factos assentes];

32. Na primeira página da edição n.º ...7 da revista C... de ... de ... de 2004, foi publicada, em grande plano, uma fotografia da autora e EE “de olhos fechados num beijo sensual” - doc. n.º 8. Na referida edição, com o título “TUDO SOBRE O CASAMENTO MAIS ESPERADO DO ANO”, o país ficou a conhecer todos os pormenores dos preparativos para o casamento da autora com EE. Todos os factos e pormenores dos preparativos para o casamento “mais esperado” foram revelados pela autora, em exclusivo para a revisa “C...”. Foi a autora quem, deliberadamente, deu a conhecer à imprensa e ao país, todos os detalhes de um dia que, para muitos, é considerado um momento íntimo e restrito a amigos e familiares. Nessa mesma reportagem, a autora deu a conhecer os detalhes do pedido de casamento “foi no dia 15 de Novembro do ano passado, data do 30º aniversário da AA. EE não deixou ao acaso e preparou uma verdadeira surpresa, ou melhor três: uma viagem, um jantar e um anel. Imaginativo, o empresário reservou viagens para três cidades europeias: ..., ... e ...” (...) “À hora a que lá chegaram, a capital ... era o destino possível. Embarcaram sem bagagem” (..) “numa verdadeira aventura romântica” (...) “à chegada, AA tinha à sua espera um jantar à luz de velas com direito ao presente menos esperado mas nem por isso menos desejado: um anel de ouro branco, que desde então tem simbolizado, além de um momento mágico, uma bonita história de amor. História essa que vai conhecer um novo capítulo em breve, com a oficialização deste romance tão mediático”. Toda a reportagem foi feita com a informação prestada pela autora sobre os pormenores da sua vida pessoal à revista “C...”. [alínea GG) dos factos assentes];

33. Na revista “C...”, edição n.º ...3, da semana de ... de ...  de 2004, foi publicada uma reportagem de 26 páginas, com tema de capa, dando a conhecer aos portugueses todos os detalhes de um dos dias mais importantes da vida da autora: o seu casamento – doc. n.º 9. A reportagem acima referida foi elaborada com a colaboração da autora e exclusivamente para a revista “C...”. Foi a autora quem decidiu ceder à referida publicação autorização para fotografar e escrever detalhadamente todos os pormenores do dia do seu casamento. Assim, na referida reportagem, o país ficou a conhecer entre muitas outras coisas, o local, o número de convidados, os padrinhos dos noivos, os costureiros do fato do noivo, o vestido da noiva, marca e modelo das alianças, o nome da “menina das alianças”, o nome da funcionária do Registo Civil que presidiu à cerimónia, quem elaborou a ementa, o número de mesas, forma e material em que as mesmas foram concebidas (22 mesas, 14 quadradas em plástico e 8 redondas), o nome dos pais dos noivos, do DJ, de quem abriu a pista de dança com a noiva, o Hotel onde os noivos foram passar a noite de núpcias, local da lua-de-mel e até o cabeleireiro responsável pelo “inesperado penteado” da autora. A referida reportagem revela desde a proveniência dos materiais utilizados para fazer o vestido da autora, até o pormenor da origem das extensões utilizadas para criar a “ilusão de que se tratava de cabelo comprido” (...) “feito com próprio cabelo dela, de quando o cortou para fazer o anúncio de televisão”. A reportagem descreve pormenores da cerimónia de matrimónio da autora: “quando PP perguntou se alguém dos presentes tinha algo a opor à união, a actriz olhou ameaçadoramente para trás, soltando o riso geral” [alínea HH) dos factos assentes];

34. A autora deu uma longa entrevista sobre o dia do seu casamento, na qual expõe os seus sentimentos e certezas sobre o passo que acabou de tomar; a mero título de exemplo:

-Revista C...: “Um ano não é uma caminhada assim muito longa, o que é que lhe deu tantas certezas?”

-Autora: “Precisamente este tempo que estive com ele. Foi suficiente. Deu-me todas as certezas para dar este passo que nunca tinha tomado, nunca tinha sequer pensado nestes termos, nesta situação, desta forma”.

-Revista C...: “Presume-se que nunca sentiu nada assim?”

-Autora: “Julgo que os actores gerem bem o apego e o desapego. Tal como nos trabalhos, transpomos isso também para algumas pessoas que se cruzam connosco na nossas vidas. Nunca criei desapego, mas acho que progredi sempre em quase tudo o que fiz, e nesta situação em concreto progredi claramente e descobri coisas muito novas, muito recentes, muito bonitas, muito grandiosas, que me fizeram chegar a tal decisão.”

-Revista C...: “Neste momento vivem mais em função da paixão ou do amor?”

-Autora: “Um ano é muito recente, ainda é tudo muito novo, não pode ser uma coisa muito serena, há ainda muita paixão”

-Revista C...: “O melhor do EE?”

-Autora: “É tudo, é o todo. O EE é uma pessoa sobre a qual é difícil definir qualidades, porque ele só tem qualidades. É difícil, não me consigo lembrar de nenhum defeito. Estou mais do que segura de que estou a dar o passo certo. Tenho a certeza. O EE é o homem da minha vida”.

-Revista C...: “Qual foi a maior prova de amor com que o EE já a brindou?”

-Autora: “Nunca aconteceu nenhuma situação nem houve nenhum momento, é o dia-a-dia. Ela faz-me sentir especial em todos os momentos, única no mundo, e isso vale por si só”.

A Autora partilhou com a comunicação social, que a música “Pecado” de Caetano Veloso é aquela que sente ser a “especial” e a que “define e que tem a ver mesmo com o início da nossa relação do nosso amor” [alínea II) dos factos assentes];

35. A lua-de-mel da autora também foi acompanhada pela Revista C..., que publicou a reportagem, na capa na sua edição n.º ...4, semana de ... de ... de 2004 – doc. n.º 10. Na referida reportagem, descreve a lua-de-mel da autora, com fotografias dos recém casados, descontraídos nas .... A mesma revista testemunhou a chegada da autora ao aeroporto ..., vinda da sua lua-de-mel, tendo aquela revelado nesse momento que: “É muito romântico. Foi uma lua-de-mel curtinha, mas muito boa”. A reportagem relata o pormenor da perda das malas da autora no aeroporto. A autora acabara de chegar da sua lua-de-mel e sabia que tinha jornalistas que a esperavam no aeroporto. A autora “... acedeu a perder algum tempo a falar aos jornalistas que esperavam o casal” [alínea JJ) dos factos assentes];

36. Após o trágico acidente que vitimou o pai do seu marido e deixou a mãe em coma, a autora, na Revista C..., Edição n.º ...6, da semana de ... de ... de 2004, revelou que os dois estavam a tentar ultrapassar aquele momento difícil na vida de ambos afirmando que “Estamos a lidar com a situação não sei onde é que o EE foi buscar forças.” - doc. n.º 11. Quando soube que estava grávida do seu primeiro filho, a autora deu uma entrevista à revista “C...”, como tema de capa, da edição n.º ...7, da semana de ... de ... de 2004 – doc. n.º 12. Na referida reportagem com o título “ESTE BEBÉ VAI FAZER O EE VOLTAR A SORRIR” a autora aborda os seus sentimentos e opiniões sobre temas tão íntimos como “ser mãe”, a morte do sogro e a vida para além da morte. A mero título de exemplo:

-Revista C...: “No ano em que viveu um dos dias mais felizes da sua vida viveu também um dos mais tristes: a morte do seu sogro. Pareceu-lhe um pesadelo?”

-Autora: “Foi um choque. Porque quando estamos muito felizes não conseguimos conceber a ideia de não estar feliz. Temos a sensação de sermos inatingíveis e de repente é como se nos retirassem o tapete e ficássemos sem nada. É estranho e o que mais me angustia é a impotência de não poder fazer nada perante a inevitabilidade que é a morte, sobretudo de pessoas que nos são muito próximas e de quem gostamos muito. Ver a pessoa que mais amo sofrer tanto e não poder fazer nada aflige-me muito. Nestas alturas é que penso que a vida é o que é.” A Autora partilha sentimentos, a sua vivência e aquilo que pensa sobre assuntos individuais, particulares e íntimos da vivência de qualquer casal.

-Revista C...: “A chegada deste bebé poderá fazer o EE voltar a sorrir?”

-Autora: “O EE e a mãe do EE. Agora estamos menos bem, é uma fase menos feliz, mas que há-de voltar a equilibrar-se quando acontecer a reabilitação da QQ. Vai ser uma alegria para nós, porque ela faz-nos muita falta. O facto dela saber que vai ser avó é uma coisa que eu penso que a estimula e que a pode ajudar a recuperar” [alínea LL) dos factos assentes];

37. A autora responde e comenta ainda questões como: “Apesar da dor destes últimos tempos, como é que tem corrido a gravidez?”, “Tem preferência pelo sexo?”, “Não receia que a vinda de um filho possa remeter a vida do casal para um segundo plano?”, “O que gostaria que o bebé herdasse da cada um de vocês?”. A autora não tem qualquer problema em falar abertamente sobre os sentimentos mais íntimos do seu marido no seguimento da morte do seu pai:

-Revista C...: “Deve ser muito difícil chorar a morte de um pai, sofrer por uma mãe em estado crítico e sentir uma alegria enorme por estar prestes a ser pai. O EE surpreendeu-a na forma como consegue gerir esta mistura de sentimentos?”

-Autora: “Ele é um poço de coragem. Não existimos só nós os dois. Gostamos muito de estar com a família e os amigos e estamos numa fase em que temos de nos desdobrar. Vamos todos os dias ao hospital. O EE parece omnipresente, pois consegue estar presente nos momentos mais importantes para cada um de nós. Ele nunca falha a ninguém.” A Autora explica ainda na referida reportagem a forma como começou o romance com EE, que inicialmente “não era uma pessoa que me dissesse alguma coisa de especial” (...) “tudo aconteceu de forma natural, eu estava só, o EE também, e só muito gradualmente, de forma natural e progressiva, tranquilamente e sem ansiedade, nos fomos conhecendo e foi ai que cresceu uma admiração, uma paixão, um amor uma coisa muito boa que cada vez está mais forte. Neste momento não me consigo imaginar a viver sem o EE a meu lado, o que é uma coisa que nunca pensei sentir: dependência de uma pessoa (...) e cada dia me sinto uma pessoa mais orgulhosa da pessoa com quem estou, mais apaixonada, mais feliz pela decisão que tomámos e cada vez com mais certezas.” A Autora falou da gravidez afirmando que “tem sido muito calma” e que “queria uma menina” [alínea MM) dos factos assentes];

38. Na edição n.º ...9 da revista “C...”, semana de ... de ... de 2004, mais uma vez com chamada de capa, a autora fala sobre os primeiros seis meses da sua gravidez – doc. n.º 13. Na edição da Revista C..., edição n.º ...2, semana de ... de ... de 2004, com o título “A DOIS MESES DE SEREM PAIS” a autora deixou-se fotografar na ... falando de todos os momentos bons e maus que passou na sua vida – doc. n.º 14. A referida reportagem é um exclusivo da revista “C...” e novamente, mais um tema de capa, com o título “UM FILHO FAZ-NOS ACREDITAR QUE TUDO VALE A PENA”. A autora fala da sua gravidez, do dia-a-dia do casal, de como ultrapassaram as dificuldades, entre muitos outros acontecimentos da sua vida pessoal e privada. A mero título de exemplo:

-Revista C...: “Que momentos ficarão para sempre guardados no vosso calendário afectivo?”

-Autora: “Todos aqueles que foram importantes para nós que partilhámos a dois, que partilhámos com aqueles de quem gostamos, as decisões que marcarão para sempre as nossas vidas, enfim, todos os que são muito nossos”.

-Revista C...: “Como se gere no dia-a-dia tanta felicidade e tamanha dor em simultâneo?”

-Autora: “A vida vai-nos ensinando que dela também fazem parte a dor e o sofrimento, por isso, gradualmente, de uma forma ou de outra, aprendemos a lidar com essa vertente e, naturalmente, criamos métodos e mecanismos muito próprios para conseguir ultrapassar esses obstáculos”.

-Revista C...: “Nos piores momentos, onde se encontram forças para continuar?”

-Autora: “Na vida, nas pessoas que amamos, no amanhã”.

A autora responde ainda a questões tão pessoais como “Que traço de personalidade do EE lhe é mais querido, lhe faz mais falta para o seu equilíbrio pessoal?”, “A gravidez alterou muito o seu temperamento?”, entre muitas outras questões [alínea NN) dos factos assentes];

39. Logo após o nascimento do primeiro filho do casal, o marido da autora, conforme descreve a revista V..., na edição n.º ...9, na semana de ... a ... de ... de 2005, desceu ao hall do hospital para fazer as primeiras declarações, estando presentes jornalistas, tendo declarado que “Correu tudo muito bem. AA está muito bem. Foi uma cesariana mas ela esteve muito calma e tranquila ao longo do dia (…) o bebe é muito bonito e parecido com a mãe (…) é um dia muito importante para nós e com muito significado” - doc. n.º 15. A referida reportagem descreve todo o percurso da autora, desde o momento em que deu entrada no hospital, “a chegada dos avós”, “o dia seguinte” e “uma nova vida a três”. Na publicação da revista “C...” n.º ...0, na edição de ... de ... de 2005, a autora pousou para os fotógrafos com o seu filho recém nascido – doc. n.º 16. A autora foi objecto de capa daquela revista. Naquela reportagem, a autora revela coisas tão íntimas como: o período de gestação do seu filho, o hospital onde teve a criança, o facto de se tratar de um parto induzido “recorrendo a cesariana, com epidural, um desfecho diferente do previsto e do desejado por AA que preferia um parto natural”. Mais uma vez, a autora torna públicos pormenores da sua vida pessoal: em relação à experiência de ser mãe, a autora confessou que “É uma mistura de emoções tão grandes e tão forte...Não fazia ideia de que era assim tão bom. Não fazia ideia que fosse assim, É muito melhor do que poderia pensar” (...) “Ouve-se dizer que ter um filho é a melhor coisa do mundo e parece cliché, mas agora sei, sinto que é, na verdade a melhor coisa do mundo. Não me canso de olhar para ele”. A referida reportagem, com o título “AA E EE JÁ LEVARAM FF PARA CASA” mostra várias fotografias da autora com o seu filho, bem como dos pais e amigos que a foram visitar. A autora sabia que estava a ser fotografada para a revista “C...” e que seria tema de capa da referida publicação. Apenas, 3 meses após o nascimento no seu filho, a autora deu uma entrevista à revista V..., na edição nº ...0, da semana de ... a ... de ... de 2005, novamente com tema de capa, na qual fala de aspectos pessoais da sua vida, tais como a sua relação com o marido, os seus sentimentos por ele e ainda do filho de ambos – doc. n.º 17 [alínea OO) dos factos assentes];

40. Na revista “C...” n.º ...4, na edição de ... de ... de 2005, a autora concedeu uma sessão fotográfica descontraída, num ambiente de serenidade, da autora com o filho e que, mais uma vez, foi tema de capa da referida publicação – doc. n.º 18. A referida reportagem dá a conhecer a todo o país “AS PRIMEIRAS FOTOS DE FF, DE CINCO MESES”. Também nesta reportagem, a autora revela sentimentos e medos pessoais, confessando que: “a primeira vez que saí com o FF de casa achei que o mundo era horrível de mais para trazer o meu filho cá para fora”. A autora fala ainda sobre assuntos tão íntimos como a sua vontade de ter tido um parto normal:

-Revista C...: “Queria ter um parto normal, mas afinal o FF nasceu de cesariana. Isso deixou-a triste?”

-Autora: “Na altura deixou-me apreensiva, porque quando estamos durante uma série de meses a pensar como é que se vai desenrolar a situação e depois nos deparamos com alguns contratempos, é natural que se crie alguma ansiedade, mas foi só isso. Ele tinha de nascer e da forma o menos dolorosa possível para ele”.

A Autora fala ainda sobre amamentação do seu filho:

-Revista C...: “Começou por amamentar, mas parou passado pouco tempo. Aconteceu naturalmente ou foi uma opção?”

-Autora: “Aconteceu naturalmente. Foi numa viagem que fizemos aos .... Era a primeira vez que o FF andava de avião e eu estava com medo de que alguma coisa corresse mal, fiquei ansiosa e isso fez com que o leite secasse. Fiquei com imensa pena porque queria amamentar durante o maior tempo possível, sem medo nenhum de estragar o peito. Sempre quis muito amamentar, foram dos momentos mais ternurentos que tive logo após o nascimento do FF.” [alínea PP) dos factos assentes];

41. Na publicação V... n.º ...6, na edição de ... a .../.../2005, são publicadas fotografias da autora com o seu filho em momentos distintos, fazendo declarações sobre si própria e o seu filho e marido - doc. n.º 19. A autora e o seu filho são tema de capa da referida revista. Na Revista V... n.º ...5, na edição de ... a .../.../2006, a autora pousou para os fotógrafos antes da entrada para a inauguração do E... e são publicadas declarações desta sobre os seus planos para as férias, aproveitando ainda para descrever algumas habilidades do seu filho e fala, mais uma vez, da sua satisfação com a maternidade – doc. n.º 20.

A autora partilha com a referida publicação desejos tão íntimos como a vontade de voltar a engravidar: “Queremos dar um irmão ao nosso filho”. Na mesma revista, na edição n.º ...1, na edição de ... a .../.../2007, a actriz expôs-se numa sessão fotográfica a convite da V..., na qual pousou para várias fotografias e concedeu uma entrevista ao mesmo título que incidiu sobre vários aspectos da sua vida profissional e pessoal, em que a actriz expõe os seus pontos de vista, aborda os seus planos profissionais, a maternidade, descreve um dia na sua rotina, revela como é importante ter tempo para si e para o seu marido, descrevendo brevemente a pessoa do seu marido e ainda do seu filho – doc. n.º 21. Foram ainda publicadas respostas suas a perguntas de opinião sobre vários temas polémicos da actualidade (adopção, referendo ao aborto, eutanásia, emigração). Na edição n.º ...3 da Revista C..., semana de ... de ... de 2005, a autora vendeu à referida revista “A PRIMEIRA SAÍDA A DOIS DESDE O NASCIMENTO DO BEBÉ”, mais uma vez, com chamada de capa – doc. n.º 22. A ... de ... de 2007, a autora deu à revista “S...” a “Entrevista da Vida” na qual falou sobre a sua infância e o início da sua carreira – doc. n.º 23 [alínea QQ) dos factos assentes];

42. A autora foi recentemente mãe, e para além de tal facto já ser tema de capa da revista “C...”, “V...”, “N...”, “T...” - doc. n.º 25 a 28 – foram disponibilizados no sítio da Internet da Revista “C...” um vídeo da autora, ainda dentro do hospital, rodeada de fotógrafos, com a sua filha recém-nascida nos braços a responder a perguntas dos jornalistas – doc. n.º 29. [alínea RR) dos factos assentes];

43. A revista C... tem uma elevada tiragem e é distribuída em todos os postos de venda, quiosques, supermercados, bombas de gasolina, tabacarias e papelarias. [alínea SS) dos factos assentes];

44. No mês de Novembro de 2008 a revista C... teve uma tiragem média de 115.100 exemplares e 76.564 vendas – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação [alínea TT) dos factos assentes];

45. No dia 6 de Abril de 2009, MM, representante artística da autora, recebeu uma chamada telefónica do réu CC; este identificou-se, disse que era do jornal “C...” e que no dia ... de ... de 2009 iria ser publicado e distribuído junto com o referido jornal um livro sobre a vida da autora e que a receita da venda reverteria parcialmente a favor de uma instituição, pretendendo saber se a autora tinha alguma preferência, e pretendia escolher, a instituição beneficiária [resposta ao ponto 1. da BI];

46. MM respondeu ao réu CC que nem ela nem a autora tinham conhecimento do conteúdo e da futura publicação do referido livro, ao que o mesmo réu ripostou que “estava a avisar agora” [resposta ao ponto 2. da BI];

47. MM informou que a autora não autorizava tal publicação e o réu CC disse que lhe iria fazer chegar um exemplar do livro [resposta ao ponto 3. da BI];

48. Quando a autora foi informada do conteúdo do telefonema, ficou emocionalmente perturbada e, imediatamente, rejeitou qualquer consentimento na publicação do referido livro, independentemente do seu conteúdo [resposta ao ponto 4. da BI];

49. considera-se não escrito*;

50. O réu CC referenciou que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora [resposta ao ponto 6. da BI];

51. O próprio título do livro não corresponde à verdade, dado que a autora nunca afirmou “VENCI O CANCRO” [resposta ao ponto 7. da BI];

52. Sem nunca a autora ter dado alguma entrevista exclusiva directamente aos réus sobre os factos relatados no referido livro, estes afirmam diversos factos, sendo que alguns não correspondem à verdade [resposta ao ponto 8. da BI];

53. Consta de pág. 9 do livro que «AA estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama»” [resposta ao ponto 9. da BI];

54. Consta de pág. 15 do livro que «ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: AA descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada.»” [resposta ao ponto 10. da BI].

55. Consta de pág. 16 e 17 do livro que «Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, AA, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica»” [resposta ao ponto 11. da BI];

56. “A medicina pouco ou nada podia fazer pelo seu caso – disseram-lhe. AA estava condenada à morte. Era uma questão de tempo. A cirurgia e os tratamentos complementares, como a quimioterapia e a radioterapia apenas podiam adiar o desfecho final.” – pág. 17 - nenhum médico disse isto à autora [resposta ao ponto 12. da BI];

57. “Quando acordou da operação, tinha a seu lado os pais, o marido e o cirurgião”, pág. 23 do livro - os pais da autora não estavam presentes [resposta ao ponto 13. da BI];

58. Consta de pág. 23 do livro que «a primeira coisa que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou AA ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama»” [resposta ao ponto 14. da BI];

59. A autora, com a leitura do referido livro, ficou revoltada e angustiada com os factos ali mencionados e respeitantes à sua saúde [resposta ao ponto 15. da BI];

60. O teor do referido livro e respectivo título provocaram na autora um estado de ansiedade que a perturbou no seu bem-estar e no dia a dia, com ataques de choro [resposta ao ponto 16. da BI];

61. Na altura, a autora encontrava-se em repouso devido a estar grávida e passava os dias com os seus dois filhos pequenos [resposta ao ponto 17. da BI];

62. A autora tinha saído do processo terapêutico que é a debelação e recuperação do cancro da mama [resposta ao ponto 18. da BI];

63. Desde o dia ... até ao dia ... de ... de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição [resposta ao ponto 19. da BI];

64. Entre a divulgação do comunicado e a conferência de imprensa que a autora realizou em 11-11-08, foi opção da autora não dar entrevistas exclusivas ou pessoais aos órgãos de comunicação social sobre a sua doença [resposta ao ponto 20. da BI];

65. Nesse período a autora esteve em silêncio e dedicada à sua recuperação; designadamente, a autora não deu nenhuma entrevista, nem exclusiva nem não exclusiva, à revista C... [resposta ao ponto 21. da BI];

66. A autora, no dia da conferência de imprensa, deu uma entrevista à revista “P...” [resposta ao ponto 22. da BI];

67. A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico [resposta ao ponto 23. da BI];

68. Quando os réus decidiram, unilateralmente, publicar um livro cujo título é “VENCI O CANCRO” e cujos primeiros capítulos são dedicados à doença da autora, lembraram a esta a sua doença [resposta ao ponto 25. da BI];

69. A capa do livro contém uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “Venci o cancro” [resposta ao ponto 26. da BI];

70. O livro iria ser vendido em conjunto com o jornal, isto é, apesar de parte dos rendimentos do livro serem para uma associação humanitária, o restante e o lucro auferido com a venda do jornal seria para a ré Presselivre [resposta ao ponto 27. da BI];

71. A venda de um livro ou de qualquer outro produto com o jornal “C...” constitui uma opção de marketing, tomada pelo departamento de marketing da ré Presselivre; a comercialização de produtos com o jornal constitui uma área de negócio autónoma que não se confunde com o produto que é o jornal [resposta ao ponto 29. da BI];

72. Não é o director do jornal quem escolhe quais os produtos que são vendidos com o jornal [resposta ao ponto 30. da BI];

73. O livro não foi elaborado a pedido do director do jornal nem este teve qualquer influência na sua elaboração [resposta ao ponto 33. da BI];

74. A ré editora Presselivre não escolheu o título, o teor, nem a imagem utilizados no livro. [resposta ao ponto 35. da BI];

75. A capa da revista “C...”, edição n.º ...2, de ...-...-2008, referindo-se à autora, contem o seguinte: “A ACTRIZ FALA SOBRE O FIM DOS TRATAMENTOS CONTRA O CANCRO DA MAMA E FECHA DE UMA FORMA FELIZ ESTE CICLO DA SUA VIDA – AA TIVE MEDO DE MORRER”, conforme doc. n.º 1 junto com a contestação, esclarecendo-se que esta edição reporta-se à conferência de imprensa dada pela autora em 11-11-2008, conforme alíneas L) e M) [resposta aos pontos 38), 38-A), 41) e 47). da BI]

76. A capa da revista “C...”, na sua edição n.º ...4 da semana de ...-...-2008, referindo-se à autora, ostentava os dizeres referidos na alínea T), esclarecendo-se que esta edição reporta-se ao comunicado de 28-04-2008 aludido na alínea J) [resposta aos pontos 39) e 46). da BI];

77. Entre 29-04-2008 e 10-11-2008 a autora não falou publicamente da sua doença. [resposta ao ponto 40. da BI];

78. A autora não se opôs que os vídeos referidos na alínea RR) fossem disponibilizados no sítio da internet da revista “C...”, esclarecendo-se que tais vídeos e subsequente exposição não foram expressamente autorizados pela autora [resposta ao ponto 43. da BI];

79. O referido livro pode ser vendido com ou em separado do jornal [resposta ao ponto 45. da BI];

80. A revista “C...”, na sua edição n.º ...3, semana de ...-...-2005, referindo-se à autora, incluiu uma reportagem intitulada “A primeira saída a dois desde o nascimento do bebé”, com chamada de capa, esclarecendo-se que a autora autorizou tal reportagem, tendo prestado declarações, conforme consta do doc. n.º 22 junto com a contestação. [resposta ao ponto 48. da BI].»

- A segunda instância acrescentou ainda a seguinte factualidade dada como provada (embora respeite a factos ocorridos em 2013, ou seja, depois de a presente ação ter dado entrada em tribunal, o que aconteceu em 2009):

«81. a Autora AA escreveu um livro com o título “...”, publicado pela editora Oficina do Livro, cuja 1ª edição data de ... de 2013;

82. Consta da capa de tal livro, para além da identidade da Autora, acompanhada de foto da mesma, e título, as seguintes menções: “Um diagnóstico terrível. Uma gravidez inesperada. E uma decisão corajosa. Uma história de vida”;

83. Consta do verso da capa de tal livro o seguinte texto:

“No dia do nascimento da sua segunda criança, por mero acaso, AA tocou no peito e sentiu um caroço. O obstetra garantiu que não era nada. Mas era um cancro, como mais tarde se concluiu – e muito agressivo.

Quando soube da notícia, AA tinha um filho de dois anos e uma filha de dois meses. O sorrido mais bonito de Portugal desvaneceu-se. Mas nem o medo da morte, nem a agonia dos tratamentos, o fizeram desaparecer.

Depois de muita luta, a actriz conseguiu ultrapassar a doença, voltar à normalidade e preparar o regresso aos palcos e à televisão. Sentia-se a renascer.

Só que, três meses depois, tudo desabou outra vez. A única coisa que os médicos lhe tinham proibido aconteceu: na sequência de um conjunto de circunstâncias insólitas, AA engravidou e voltou, assim, a ficar numa situação dramática. A gravidez podia custar-lhe a vida e teria de ser interrompida, disseram-lhe os oncologistas – era ela ou a filha. O sofrimento da actriz tornou-se, então, dilacerante.

Mas a filha veio ao mundo, forte e saudável, e AA sobreviveu, mais lutadora do que nunca – e ainda mais grata por estar viva.

Contada pela primeira vez, esta é a história da fase mais tenebrosa na vida da actriz portuguesa. Uma história de dor e angústia, coragem e resiliência – com um final feliz”;

84. Consta de fls. 19 do Livro o seguinte trecho:

“Num pequeno berço ao lado da minha cama, a GG dormia um sono imperturbável. Nascera cinco horas antes, quando faltavam dois minutos para as três da tarde.

(….)

Foi então que, distraidamente, levei a mão ao peito e senti-o. Um caroço. Na parte superior e interna da mama direita. Achei esquisito, mas naquela altura não liguei nem disse nada”;

85. Constando a fls. 20 que:

Mais tarde, ao dar de mamar nessa noite, voltei a senti-lo. E então comentei com a minha mãe:

- Vê lá isto. Não é estranho? Ela tocou.

- Apareceu-te agora?

- Não sei, eu só me dei conta há um bocadinho…”;

 86. E a fls. 21 que:

Só que cada vez que punha a pomada para preparar o peito para os primeiros dias de amamentação – que são sempre tão dolorosos – sentia aquilo ali”;

87. Bem como a fls. 22 o seguinte:

À noite a minha mãe voltou a puxar o assunto e contei-lhe o que o médico tinha dito. - Está bem, mas se isso continuar temos de ir ver.

Ela ficou de sobreaviso. Já tinha visto uma irmã e uma cunhada, ambas minhas tias direitas, morrer de cancro da mama. Nunca mais descansou”;

88. E a fls. 23 que “Hoje acho que a apreensão deve ter-se mantido sempre, ainda que inconscientemente (...)”:

89. A fls. 33 consta que:

“- RR, põe lá aqui a mão. Não sentes um caroço? - Por acaso sinto. É esquisito… Já foste ao médico?

- Fui. Ele diz que não é nada. Mas que coisa parva. Isto apareceu-me no dia do parto, à noite. Depois até me custava a dar de mamar, deixei de dar esta maminha…”;

90. Constando de fls. 37 e 38 que:

Olhe, AA, não tenho bem a certeza do que está aqui, estou um pouco inquieta em relação a uma coisa e quero fazer-lhe um exame mais pormenorizado para me despreocupar e à AA também. Mas ainda tenho bastantes pacientes. Prefere vir amanhã ou tem oportunidade de esperar e fazer já hoje?

(….)

Por mais que ela se tenha esforçado por transmitir naturalidade, fiquei apreensiva. Quando fui para o cubículo para me vestir eu já chorava e … (….)

 E lembro-me perfeitamente de estar muito preocupada, sentir que alguma coisa não estava bem e pensar que tinha de ir para a sala de espera sem afligir a minha mãe”;

91. mencionando-se a fls. 40 que:

Qualquer mulher que faça uma ecografia, e a quem seja dito que parece haver ali algum sinal estranho, compreenderá o pânico que me tomou naquele momento”;

92. Constando de fls. 50 o seguinte:

“- Olhe, e tem de ficar calma, está bem, AA? Nesta altura tem de ter muita calma.

Só não me disse tudo porque não calhou. Mas pouco faltou. Estava transtornado. Perguntei-lhe:

- O que eu tenho é mau?

A resposta haveria de ecoar na minha cabeça, incontáveis vezes, nos dias que se seguiram. - Digamos que não é bom.

- Não me diga isso doutor… Mas é muito grave? (….)

Calma foi tudo o que não consegui manter. Aí caiu-me a ficha. Foi muito complicado. Fiquei extremamente perturbada. Então o resultado da biopsia, que fizera na véspera, demorava pelo menos cinco dias e a médica já tinha falado com ele? É porque já tinha certezas.

Estava assustadíssima (…)”;

93. E, escreveu a fls. 51 e 52 que: “Descontrolei-me completamente. Foi muito violento. Violento para mim, que estava a passar por aquilo, violento para a minha mãe, que estava a ver-me assim, e para o meu pai, que no seu típico silêncio – é um homem muito calado e introvertido, mas muito presente e protector – estava de certeza tão ou mais assustado do que nós”;

94. Figurando a fls. 65 o seguinte:

Os oito dias do prazo máximo para o resultado do exame terminavam no dia seguinte. Ninguém falava sobre o assunto, mas sentia-se perfeitamente o nervosismo em que todos andávamos. Os meus pais estavam lá em casa e o EE tinha chegado mais cedo – segunda-feira é um dia mais calmo para ele. (….) Por mais ansiosa que estivesse, e até praticamente certa do que ia acontecer, no fundo, enquanto não me dissessem o que se passava comigo, não seria real”;

95. Constando de fls. 79 e 80 que:

Mal acabou o exame, a médica entrou e disse-me:

- Óptimas notícias. Está situado, é uma coisa localizada. Não há vestígios de metástases.

Mas logo a seguir explicou que o nódulo era grande, e que teria de ser retirado com uma margem de segurança de um centímetro e meio. A operação seria feita por uma cirurgiã da sua equipa, a quem ela me apresentou de seguida. (….)

O panorama que me foi apresentado por essa médica foi muito, muito, negro. Mais negro do que tudo aquilo para que me tinha preparado.

- É um tumor muito agressivo. Tem de o tirar já. Eu acho que não é seguro removermos só o tumor, porque tem uma mama pequena. Fico mais descansada retirando-a toda. Depois faz seis ciclos de quimioterapia e voltamos a avaliar. Mas em princípio basta tirar uma…”;

96. Constando de fls. 87 o seguinte:

Pensava com uma angústia agora mais justificada: «Se eu morrer, quem cuidará dos meus filhos?» ;

97. E, a fls. 98 consta que:

Não perguntou o que a outra médica tinha dito. Aliás, quando eu ia entrar nessa parte, interrompeu-me:

- Sobre a avaliação que a colega fez não quero saber.

Avaliou-me, fez a apalpação da mama, voltou a analisar os exames e, ao fim de algum tempo, disse serenamente:

- Há aqui uma coisa que eu não percebo, AA. O meu filho telefonou-me a dizer que era uma situação urgentíssima, gravíssima….

E eu:

- Então mas não é?

- Quer dizer, não é……tranquilo. Não é uma situação fácil. Mas não é o fim do mundo. - Não?!?

Lá fora, o dia continuava escuro, mas naquele momento a minha vida passou de preto a cinzento. Instantaneamente”;

98. Referenciando-se a fls. 109 que:

Talvez algum dia perceba que o meu caso serviu para alertar muitas pessoas que, como eu, também se julgavam um bocadinho mais do que simples mortais. Se calhar fiz com que algumas se policiassem, ficassem mais alerta, fossem fazer exames. Na minha família todas as mulheres foram.

Há quem ache que nunca nada de mal acontece a quem trabalha na televisão. Que a vida dos famosos é só glamour, coisas boas. Acredito que a minha experiência possa ter servido para uma tomada de consciência: «Se acontece àquela, espera lá, então pode acontecer a todos.»

Ao contrário de outras pessoas conhecidas que decidem não divulgar que têm problemas, eu sempre achei que por um lado nunca iria conseguir esconder eternamente, e por outro, que a minha história haveria de servir para alguém. “Aqui está ela”;

99. Constando de fls. 119 que:

Tinha um pavor enorme do que o médico poderia encontrar quando analisasse o nódulo. Não sabia se ia acordar com a mama mutilada, ou amputada de todo; se o tumor seria completamente removível ou se se teria, entretanto, alastrado pelo meu corpo” ;

100.Tendo escrito a fls. 125 e 126 o seguinte:

Pouco mais de uma hora depois, regressava ao quarto, com um penso enorme sobre a mama direita. Ou o que restava dela, se é que restava alguma coisa. Não sabia.

(…)

O médico foi o primeiro a parecer ao pé de mim. - Correu bem?

- Correu muito bem. - E então?

- Tirei só aquilo que achei necessário, que era o previsto. Agora vai para análise. Está bem-disposta?

- Estou.

- Quer que mande entrar os seus amigos?

- Sim, mas depressa, por favor.

Necessitava desesperadamente de dormir, mas havia uma coisa de que precisava ainda mais: saber a verdade. Para que eles não tivessem tempo de combinar o que iam dizer-me, eu queria que, mal saísse um, entrasse logo o outro, para que fossem o mais genuínos possível. Veio o EE.(…)

- Quem é que está aí?

- A SS, a TT e a MM. 

- Então vá, diz para entrarem já.

Estava focada em perceber se eles se teriam concertado: «Ela está a morrer, mas vamos dizer-lhe outras coisas.» Então perguntava a todos o mesmo. Depois de quatro interrogatórios, cedi à exaustão e deixei os olhos fecharem-se, aliviada. Afinal talvez não fosse morrer tão brevemente. E ainda tinha pelo menos uma parte da maminha”;

101. E de fls. 132: “Perguntei se com estes tratamentos ia ficar bem e se não voltaria a ter chatices.

- Isso é impossível garantir. Sobretudo porque este tumor tinha células muito voláteis, difíceis de prever. Apesar de ter sido apanhado no início, de o gânglio sentinela ter dado negativo e de não haver metástases, não temos como assegurar que não volte a haver problemas”;

102. Constando de fls. 241 que:

Outra coisa que mudou na minha vida: passei a acreditar em finais felizes. É bom saber que nem todos os problemas acabam mal. Eu tive vários que correram bem. É uma sorte, eu sei. Sou uma privilegiada. E por isso agradeço. Todos os dias.

Mas apanhei um susto tão grande que não consigo descansar. Faço análises de três em três meses (porque quero, podia fazê-las só de seis em seis); TAC ao tórax, ecografias mamárias, abdominais, pélvicas e á tiróide duas vezes por ano; ressonância magnética e cintigrafia óssea todos os anos. Preciso de andar sempre a confirmar que está tudo bem comigo, mas como não posso fazer exames todos os meses, arranjo maneira de os ir espaçando. Quando vou mostrar um ao médico, está ana altura de fazer o seguinte. Estou constantemente a ser vigiada. E a receber boas notícias”;

103. No âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos, foi proferida uma primeira Decisão, datada de 15/04/2009, sem audiência dos Requeridos, de cujo dispositivo consta o seguinte:

 “Deste modo, decido declarar procedente a presente providência cautelar e consequentemente, determino:

a) Ordenar aos Requeridos que não procedam à publicação do livro sob o título «Venci o cancro», identificado nos autos como Doc. nº. 2;

b) Citar os requeridos para o efeito, assim como a distribuidora V..., via fax (cujos números se encontram identificados no requerimento inicial);

c) Condenar os requeridos a não publicarem, sem autorização, quaisquer factos sobre a vida privada da Requerente”;

104. Após audição dos Requeridos, foi proferida Decisão, datada de 22/07/2009, que não foi objecto de recurso, constando do respectivo dispositivo que:

“Pelo exposto, nos termos do artigo 388º, nº. 2, do Código de Processo Civil, determino a revogação da providência decretada e em consequência autorizo:

a) A publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente;

b) A publicação de quaisquer factos sobre a vida privada da requerente, desde que os mesmos sejam públicos ou tornados públicos pela requerente”.»

*

3. O direito aplicável

A recorrente entende que a decisão recorrida deve ser revogada, por ter feito errada aplicação da lei, devendo prevalecer o decidido em primeira instância.

Pelo contrário, os réus-recorridos, nas sua contra-alegações, sustentam a manutenção do que se decidiu no acórdão recorrido.

3.1. No acórdão recorrido entendeu-se que não se encontravam verificados os pressupostos legais para responsabilizar civilmente os réus, não tendo, portanto, a autora direito à indemnização que lhe havia sido concedida pela primeira instância. E, ainda que assim não se entendesse, sempre existiria um conflito de direitos, nos termos do qual o direito dos réus à liberdade de expressão e criação artística prevaleceria sobre o direito da autora à reserva da vida privada.

Por outro lado, quanto à pretensão da autora no sentido de ser vedada a publicação do livro em causa nos presentes autos, entendeu-se no acórdão recorrido que este podia ser publicado desde que os réus fizessem “constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora”.

3.2. No quadro normativo à luz do qual deve ser apreciada a pretensão indemnizatória da autora-recorrente assume posição central, no plano civilístico, o artigo 29º da Lei de Imprensa (Lei n. 2/99), o qual dispõe:

«1- Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.

2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado

 Esta norma remete, assim, para as normas gerais a apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil no que respeita aos “factos cometidos por meio da imprensa”, estabelecendo, porém, uma hipótese específica de responsabilidade objetiva dos diretores de jornais, quando se verifiquem as circunstâncias referidas no seu n.2.

Os termos gerais da responsabilidade civil, para os quais remete o n.1 do art.29º da Lei de Imprensa, encontram-se definidos (para além de outras disposições complementares e particularizadoras) essencialmente no artº 483º, n.1 do CC, nos termos do qual: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Por outro lado, estando em causa a indemnização de danos não patrimoniais, a determinação do montante indemnizatório assentará em critérios de equidade, como determina o art.496º do CC, ponderados os demais fatores aí referidos bem como os fatores previstos no art.494º do CC.

A apreciação metodologicamente correta do caso sub judice exige que se analise, em relação a todos os réus, a presença de cada um dos pressupostos (de verificação cumulativa) previstos no art.483º, n.1 do CC, ou seja, a existência de um facto voluntário, causador de danos, de forma ilícita e culposa e a adequação desse facto para a produção daqueles danos[1].

Vejamos se estes pressupostos se encontram, cumulativamente, preenchidos no caso concreto.

*

3.3. Quanto ao facto gerador de danos:

A autora demandou quatro réus (três pessoas singulares e uma pessoa coletiva), tendo a primeira instância entendido que todos os réus deviam ser civilmente responsabilizados, e tendo o acórdão recorrido, pelo contrário, decidido que essa responsabilização não se verificava em relação a nenhum deles.

Os quatro réus não se encontram em idêntica posição jurídica face aos danos invocados pela autora. Como consta da supra transcrita factualidade provada [pontos n.1, n.2 e n.3 dos factos provados], os réus CC e DD, que são jornalistas, são os autores do livro em causa, cuja publicação foi anunciada no jornal C..., para o qual estes dois réus trabalham. Este jornal é propriedade da ré “Presslivre” e tem como diretor o réu BB. A ré “Presslivre” é a editora daquele livro.

3.3.1. Quanto ao réu BB, diretor do jornal C..., não resulta da factualidade provada que o seu comportamento fosse suscetível de causar danos à autora.

No ponto n.73 dos factos provados encontra-se assente que: «O livro não foi elaborado a pedido do director do jornal nem este teve qualquer influência na sua elaboração

E como resulta do n.79 da factualidade provada, o livro tanto podia ser distribuído conjuntamente com o jornal C..., como vendido em separado.

Como se encontra assente no n.72 dos factos provados: «Não é o director do jornal quem escolhe quais os produtos que são vendidos com o jornal.»

Por outro lado, deu-se como provado, no n.71, que: «A venda de um livro ou de qualquer outro produto com o jornal “C...” constitui uma opção de marketing, tomada pelo departamento de marketing da ré Presselivre; a comercialização de produtos com o jornal constitui uma área de negócio autónoma que não se confunde com o produto que é o jornal

Conclui-se, portanto, que em relação ao réu BB falha o primeiro dos pressupostos (de verificação cumulativa) da responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, o de ter praticado um facto voluntário suscetível de causar danos à autora. Consequentemente, não lhe poderá ser imputada responsabilidade civil.

3.3.2 Quanto à ré “Presslivre”, consta do n.2 da factualidade provada que esta era a editora do livro em causa nos presentes autos. Por outro lado, deu-se como assente, no n.74 da factualidade provada, que: «A ré editora Presslivre não escolheu o título, o teor, nem a imagem utilizados no livro

Decorre ainda do n.70 da factualidade provada que parte do produto da venda do livro seria recebido pela ré “Presslivre” (sendo outra parte destinada a uma associação humanitária).

Deste quadro factual não se pode concluir que o livro tenha sido feito por encomenda ou por conta da ré “Presslivre”, pelo que resultará afastada a existência de algum dos “outros contratos” (que não o contrato de edição) previstos no art.84º do Código dos Direitos de Autor e, pelas mesmas razões, tem aplicação a presunção prevista no art.14º, n.2 deste Código, do qual resulta que a titularidade da obra pertence aos réus CC e DD.

Daquela factualidade parece resultar que estre estes dois réus e a ré “Presslivre” existiria um contrato de edição, que o art.83º do Código dos Direitos de Autor define nos seguintes termos:

«Considera-se de edição o contrato pelo qual o autor concede a outrem, nas condições nele estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um número determinado de exemplares de uma obra ou conjunto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender

Concluindo-se pela ausência de um facto próprio suscetível de responsabilizar esta autora, tal não significa que esta não possa ser responsabilizada enquanto comitente, nos termos do art.500º do CC, ou seja, por facto de terceiro, caso se verifique uma relação de comissão entre esta ré e os dois réus autores do livro. 

Porém, não resulta da factualidade provada que existisse uma relação de comissão entre os dois réus autores do livro e a ré “Presslivre”, pois esses réus não eram trabalhadores desta ré, sendo, sim, trabalhadores do jornal C... (factos provados n.2 e n.3), tal como não resulta da factualidade provada que a elaboração do livro correspondesse ao exercício de função que lhes tivesse sido confiada pela “Presslivre” (como exige o n.2 do art.500º do CC).

Conclui-se, em suma, que, dos elementos trazidos aos autos, não é possível atribuir à ré “Presslivre” a prática de um facto que, direta ou indiretamente, permitisse a sua responsabilização pelos danos que a autora sofreu.

3.3.3. Quanto aos réus CC e DD:

Encontra-se provado que são estes réus os autores do livro (ponto n.2 da factualidade).

E como se conclui dos factos provados n.45 e n.46, foram estes réus que comunicaram à representante da autora-recorrente, em 6 de abril de 2009, que o livro se encontrava pronto a ser vendido e que seria publicado e distribuído no dia ... de ... de 2009, juntamente com o jornal C..., tendo essa representante informado os réus, de imediato, que a autora não autorizaria tal publicação.

A partir deste momento, pelo menos, estes réus ficaram a saber que praticavam factos (a escrita do livro e a sua projetada publicação) que, sendo contrário à vontade da autora-recorrente lhes poderiam causar danos.

Ainda que se possa razoavelmente supor que a elaboração e publicação do livro pudesse caber num plano “orquestrado” entre os dois réus autores do livro, o jornal para o qual trabalham e a ré editora “Presslivre”, certo é que o tribunal não se pode basear em meras suposições, mas tão-só na factualidade concretamente provada. E desta factualidade não se pode concluir que a ré “Presslivre” e o réu BB possam ser responsabilizados pelos danos que a autora sofreu, o que, aliás, corresponde à pretensão constante das peças processuais apresentadas em conjunto pelos quatro réus.

*

3.4. Danos sofridos pela autora:

Os dois réus autores do livro, ao procederem à elaboração desse livro com o propósito da respetiva comercialização (distribuído em conjunto com o jornal C... ou em separado), nele relatando factos da vida privada da autora, que esta não autorizou que fossem publicitados em forma de livro, sendo que alguns dos factos relatados não correspondiam à verdade [factos provados n.51 a n.57], causaram à autora revolta, angústia, ansiedade e choro, numa altura em que se encontrava grávida e em que tinha terminado os tratamentos contra o cancro.

Como se encontra assente, nos números 59 a 63 da factualidade provada:

«59. A autora, com a leitura do referido livro, ficou revoltada e angustiada com os factos ali mencionados e respeitantes à sua saúde.

60. O teor do referido livro e respectivo título provocaram na autora um estado de ansiedade que a perturbou no seu bem-estar e no dia a dia, com ataques de choro.

61. Na altura, a autora encontrava-se em repouso devido a estar grávida (…)

62. A autora tinha saído do processo terapêutico que é a debelação e recuperação do cancro da mama.

63. Desde o dia ... até ao dia ... de ... de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição

A autora-recorrente sofreu, portanto, danos não patrimoniais, os quais, pela sua gravidade, são suscetíveis de convocar a tutela do direito, como decorre do disposto no n.1 do art.496º do CC.

Embora a autora tivesse conseguido impedir a publicação do livro, através do procedimento cautelar que moveu para o efeito (apenso aos autos, e referido nos pontos n.8 e n.103 dos factos provados), tal não obstou a que, entre o momento em que a autora tomou conhecimento da existência do livro bem como do plano para a respetiva publicação e o momento em que a providência foi decretada, tivesse sofrido os danos que se encontram provados.

*

3.5. A ilicitude do comportamento dos agentes:

3.5.1. O facto de se constatar que, com o seu comportamento os réus CC e DD terão causado danos à autora-recorrente não é, por si só, suficiente para se concluir que incorrem em responsabilidade civil, pois como se infere claramente do art.483º, n.1 do CC tal comportamento tem de revestir natureza ilícita e culposa.

A ilicitude consiste, nos termos desse artigo, na violação de direitos absolutos de outrem, (como são os direitos de personalidade) ou na violação de regras que (sem conferirem diretamente um direito subjetivo) tutelam interesses alheios.

A autora alega que os réus violaram o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, tutelado, desde logo, pelo art.80º do CC, sendo, portanto, merecedora da tutela geral da personalidade, prevista no art.70º do CC.

Por sua vez, os réus sustentam, em síntese, a tese segundo a qual ao publicarem, em forma de livro, factos sobre a saúde da autora que esta já tinha tornado públicos não violariam a intimidade da sua vida privada. E ainda que assim se não entendesse, sempre o seu comportamento estaria coberto pela liberdade de expressão e pela liberdade de criação artística, dado o facto de a autora-recorrente ser uma “figura pública”.

3.5.2. Para se concluir se, em concreto, existiu violação de um direito de personalidade da autora, máxime o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, importa ter presente a abrangência da tutela desse direito.

Estabelece o art.80º, n.1 do CC que: «Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem».

O artigo 80º do CC, ao verter na lei civil a tutela direta do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada afirma-se como uma afloração do respaldo constitucional que que o art.26º da CRP confere a esse direito enquanto expressão da tutela constitucional do direito geral de personalidade.

 

Como afirmam Rui Medeiros e António Cortês a consagração do direito geral de personalidade: «(…) postula a tutela abrangente de todas as formas de lesão de bens de personalidade independentemente de estarem ou não tipicamente consagrados[2]

Com particular interesse para a abordagem compreensiva do caso sub judice, destaca-se a seguinte afirmação destes autores:

«Por ser expressão direta do postulado básico do respeito pela dignidade humana, o princípio consignado neste artigo 26º constitui uma “pedra angular” na demarcação dos limites ao exercício dos outros direitos fundamentais. É em especial o que sucede com a liberdade de expressão e informação e com a liberdade de imprensa e meios de comunicação social (mas também com a própria liberdade de criação literária e artística). Estas liberdades não podem ser interpretadas sem ter sempre em consideração o direito geral de personalidade consignado neste artigo e, em especial, a tutela do bom nome, da reputação, da imagem, da palavra e da intimidade da vida privada[3]

Mais especificamente sobre o âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, afirmam aqueles autores que «(…) tende hoje a reconhecer-se igualmente uma outra dimensão, de cariz positivo, traduzida na faculdade dos cidadãos de controlarem as informações que lhe dizem respeito. Entendida nestes termos, a tutela constitucional de uma reserva da intimidade da vida privada e familiar confere a faculdade de conservar na esfera não pública e reservada dos cidadãos todos os dados pessoais que pertençam à sua vida privada e familiar, dispondo o respetivo titular do direito de impedir o acesso, emprego e revelação desses dados em moldes que não tenham sido por si previamente autorizados (…)»[4]

E acrescentam que, nestes termos, se pode falar de um «(…) direito à autodeterminação informacional, ou seja, no direito de cada indivíduo dispor livremente dos respetivos dados e informações pessoais e, assim, determinar os termos de acesso e utilização por terceiros desses mesmos dados e informações. Este direito, tendo na sua base a previsão constitucional do direito ao desenvolvimento da personalidade, mostra-se particularmente abrangido pelo âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar[5]

Ainda no quadro da caraterização da tutela da reserva sobre a intimidade da vida privada, merecem particular referência as palavras de Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro L. Pais de Vasconcelos:

 «A reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a exceção. É esse o sentido que se retira, por um lado, da natureza do direito à privacidade como direito de personalidade e, por outro, da sua consagração constitucional como direito fundamental. O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando e só quando um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade.

Tal como sucede com o direito à honra, o direito à privacidade colide frequentemente com o direito à liberdade de expressão, principalmente com a liberdade de imprensa.[…] A divulgação e a credibilidade dos meios de comunicação social agravam a ofensa e tornam-na praticamente irreparável. Cai, portanto, sobre os meios de comunicação social um dever agravado de prudência na divulgação de comunicações que possam agredir a privacidade.»

E acrescentam os mesmos autores: «É ilícita a agressão à privacidade quando o interesse que a impulsiona seja eticamente pouco relevante como o simples interesse do lucro, de tiragem ou de audiência, ou eticamente negativo, como o sensacionalismo, a inveja, o ódio ou os intuitos de difamar ou de injuriar.

Tal como acontece com as ofensas à honra, não deve admitir-se um estatuto degradado, de menor dignidade, para as chamadas “figuras públicas”, pessoas que gozam, ou que sofrem, de maior notoriedade, designadamente na comunicação social, em virtude da titularidade de cargos públicos ou políticos de maior relevância, ou de posições profissionais ou sociais que as tornem mais notadas. […]

As chamadas “figuras públicas”, as pessoas com maior notoriedade, têm o mesmo direito à privacidade que todas as pessoas. Admitir para elas um estatuto pessoal degradado seria inconstitucional e colidiria com o princípio da igualdade. (…) a compressão da esfera de privacidade que eventualmente possam sofrer só pode fundar-se na publicidade e relevância do interesse em questão e nunca pode resultar simplesmente da notoriedade da pessoa.»[6] 

3.5.3. Traçado o âmbito do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, consideram-se, agora, os factos provados relevantes para se concluir pela existência de violação ilícita de um direito de personalidade da autora.

Factos provados:

n.68. Quando os réus decidiram, unilateralmente, publicar um livro cujo título é “VENCI O CANCRO” e cujos primeiros capítulos são dedicados à doença da autora, lembraram a esta a sua doença.

n.69. A capa do livro contém uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “Venci o cancro”.

n.52. Sem nunca a autora ter dado alguma entrevista exclusiva directamente aos réus sobre os factos relatados no referido livro, estes afirmam diversos factos, sendo que alguns não correspondem à verdade.

n.64. Entre a divulgação do comunicado e a conferência de imprensa que a autora realizou em 11.11.08, foi opção da autora não dar entrevistas exclusivas ou pessoais aos órgãos de comunicação social sobre a sua doença.

n.65. Nesse período a autora esteve em silêncio e dedicada à sua recuperação (…)

n.77. Entre 29.04.2008 e 10.11.2008 a autora não falou publicamente da sua doença.

n.12. Em resultado da realização da conferência de imprensa, ocorrida em 11 de Novembro de 2008, vários órgãos de comunicação social publicaram o que a autora aí disse, dando maior ou menor destaque à notícia; o jornal “C...” esteve presente na conferência de imprensa, onde a autora frisou: “estou numa fase de reabilitação e preciso de calma e serenidade, por isso quero falar de coisas boas e felizes”; na primeira página do jornal é apresentada uma fotografia da autora e esta a afirmar “Quero esquecer esta fase da minha vida”.

n.16. A autora disse na conferência de imprensa: “Quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso, preciso da vossa ajuda, ou seja, que não me estejam sempre a lembrar o que passei”.

Quanto à ausência de consentimento para a publicação do livro em causa:

«n. 4. A autora, no dia 7 de Abril de 2009, enviou um fax dirigido ao director do jornal “C...”, que se encontra junto como doc. n.º 3 à providência cautelar, com o seguinte teor:

Tendo tido ontem, dia 6/04/2009, conhecimento que no próximo dia 16 vai ser distribuída com o C..., uma biografia minha, sou a informar V. Exas. que não a autorizei e desconheço, integralmente, o seu conteúdo, pelo que, reservo-me o direito de, após tomar conhecimento do mesmo, tomar as diligências que venha a considerar por necessárias e convenientes”.

n.5. No dia 8 de Abril de 2009 (…), a autora, através da sua mandatária, enviou um fax para a redacção do jornal, informando que se opunha à publicação do doc. n.º 2 (…).

n.6. Conforme a autora verificou, o aludido livro encontrava-se impresso e pronto a publicar; no dia 15 de Abril de 2009, os réus anunciavam na primeira página do jornal “amanhã não perca a luta de AA, livro sobre a vida da actriz” – com o custo 2 € + jornal, exibindo a capa do livro (primeira página e págs. 18 e 45, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i

3.5.4. Sustentam os réus que, tal como se entendeu no acórdão recorrido, a partir do momento em que a autora falou publicamente sobre factos de natureza privada, esta se sujeitou a que fossem escritos textos sobre tais factos, pois estes teriam deixado de ter natureza privada, não sendo necessária a sua autorização para que esses factos fossem publicados numa compilação ou obra biográfica.

Mas não é assim.

Como decorre do art.80º, n.2 do CC, a reserva sobre a vida privada não tem de ser absoluta, sendo a sua extensão definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.

Como concretização de “imperativos de tutela” de direitos fundamentais[7], o art.80º do CC não pode deixar de ser interpretado numa função dialógica com os preceitos constitucionais dos quais emanam comandos interpretativos e concretizadores da reserva da vida privada, como o art.26º da CRP, tutelador do normal desenvolvimento da personalidade (como supra referido).

Neste quadro pode ser ancorada a ideia de que no conteúdo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada também cabe o poder de definir qual o grau de publicitação que o titular do direito pretende permitir sobre as matérias cobertas por essa tutela. Deve, assim, caber a cada pessoa, no âmbito do normal desenvolvimento da sua personalidade, definir o grau de publicidade que pretende admitir sobre aspetos da sua vida privada, ou seja, deve caber-lhe em exclusivo decidir até onde pretende “abrir a porta” e quando pretende fechá-la (ideia que também estará subjacente à livre revogabilidade da limitação voluntária de direitos, consagrada no n.2 do art.81º do CC).

Será, no fundo, uma expressão do direito à autodeterminação informacional, de que falam Rui Medeiros e António Cortês[8].

Assim, deve concluir-se que os factos da vida privada, quando tornados públicos, não perdem a natureza de factos da vida privada; não se confundem com factos de natureza pública.

A tutela da reserva da vida privada não existe apenas quando o seu titular mantém absoluto silêncio sobre factos da sua vida pessoal e familiar. Nessa tutela compreende-se ainda a liberdade de decidir sobre o grau de revelação ou exposição a terceiros de factos da vida privada.

Imagine-se que em vez de revelar que sofreu uma doença grave, alguém torna público (por exemplo, através de uma “rede social” ou em entrevista a um órgão de comunicação social) que foi vítima de violação. Na tese defendida pelos autores, a partir desse momento (e abstraindo, agora, do relevo criminal), tal facto perderia a natureza de facto da vida privada da vítima e poderia ser objeto de qualquer publicação, incluindo de um livro que os autores explorariam recebendo o respetivo preço.

Facilmente se compreende que neste tipo de hipóteses (ainda que a vítima seja uma denominada “figura pública”) não existe nenhum interesse público relevante que possa justificar o afastamento da tutela da intimidade da vida privada e que possa retirar à vítima o poder de decidir qual o grau de publicidade que pretende admitir sobre os factos da sua vida pessoal.

Os factos da vida privada tornados públicos (de modo lícito) não perdem a natureza de factos da vida privada e, por isso, não se confundem com factos de natureza pública.

3.5.5. Os réus sustentam ainda que, mesmo que tivessem violado algum direito da autora, a ilicitude estaria afastada porque estariam a agir ao abrigo do direito à liberdade de expressão e de criação cultural, constitucionalmente consagrados, os quais deviam prevalecer na hipótese de colisão com o direito da autora sobre a reserva da intimidade da vida privada.

Porém, em rigor, o caso concreto não apresenta uma colisão desses direitos.

Na realidade, o livro escrito pelos autores, e que se encontrava pronto para ser vendido, não constitui uma peça destinada a informar, já que os factos relatados no livro não apresentavam caráter de novidade, mas também não é o resultado de um trabalho de investigação nem um produto do talento ficcional dos autores. Trata-se, no fundo, de um relato “parasitário” do infortúnio da autora-recorrente, destinado a proporcionar réditos aos autores, e que não encontra justificação na satisfação de qualquer interesse geral.

A tutela da vida privada da recorrente não impede os réus (ou qualquer outra pessoa) de publicarem notícias sobre ela, que sejam justificadas pelo interesse público decorrente da sua notoriedade, mas impede a publicitação especulativa de factos pessoais sem relevo público.

A questão da prevalência da liberdade de expressão sobre outros direitos fundamentais tem-se desenvolvido, sobretudo, no domínio do conflito com o direito à honra e ao bom nome, tendo obtido significativo acolhimento na jurisprudência do TEDH (no âmbito da aplicação do artigo 10º da CEDH).

Na realidade, este património jurisprudencial tem modelado o pensamento jurisprudencial nacional no sentido de prefigurar o potencial juízo que o TEDH faria sobre os casos que fossem submetidos à sua apreciação. De forma modelarmente elucidativa, no acórdão do STJ, de 13.07.2017 (relator Lopes do Rego) [9], processo n. 1405/07.1TCSNT.L1.S1, procurou-se um critério orientador para os tribunais nacionais, nos seguintes termos:

Pode (…) considerar-se que a jurisprudência recente deste Supremo vem realizando uma reponderação relativamente à tradicional visão acerca do critério de resolução dos conflitos entre direitos fundamentais individuais e liberdade de imprensa, que conferia aprioristicamente precedência ao direito individual à honra e bom nome – procurando valorar adequadamente as circunstâncias do caso e ponderar a interpretação feita, de modo qualificado, pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vinculam o Estado Português; e tendo, por outro lado, também em conta a dimensão objetiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa - que não pode deixar de ser considerada, sempre que se determina o âmbito de proteção da norma constitucional que consagra este tipo de liberdade: com efeito, o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido não é outro senão o da formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correto funcionamento da democracia (cfr. declaração de voto aposta ao Ac. do TC nº292/08).  (…)

Existem, por outro lado, prementes razões de ordem prática a impor esse diálogo entre os Supremos Tribunais e o TEDH a propósito da interpretação dos princípios da Convenção: desde logo, o dissídio entre tais órgãos jurisdicionais acabará por se traduzir em condenações do Estado Português pelo incumprimento das normas convencionais, implicando em última análise que sejam suportadas pelo erário público – afinal, pelo contribuinte – as indemnizações arbitradas aos lesados pelos abusos de liberdade de imprensa que não suportem o ulterior confronto com o entendimento jurisprudencial prevalecente no TEDH; depois, porque, a partir da reforma do processo civil de 2007, passou a constituir fundamento de revisão a incompatibilidade do acórdão proferido na jurisdição interna com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional, vinculativa do Estado Português – implicando este regime processual que, a posteriori, tenha de se proceder a uma análise e eventual reponderação dos fundamentos da decisão do órgão nacional, transitada em julgado, à luz da jurisprudência afirmada, no caso, pelo TEDH: ora, em vez de se proceder a uma tentativa de articulação ou compatibilização das orientações jurisprudenciais, interna e internacional, realizada apenas ex post, envolvendo eventual preterição do caso julgado e do princípio da confiança que lhe subjaz, é claramente preferível tentar realizar essa operação de eventual compatibilização ou concordância prática ex ante, evitando assim, na medida do possível, a sedimentação de conflitos insanáveis acerca da interpretação dos princípios e normas da Convenção. É certo que não existe, no âmbito da Convenção, um mecanismo processual análogo ao do reenvio prejudicial, suscetível de permitir ao Tribunal nacional, chamado nomeadamente a resolver um conflito entre os direitos individuais de personalidade, alegadamente lesados, e o exercício da liberdade de imprensa, obter previamente do TEDH a resposta a dúvidas interpretativas razoavelmente suscitadas acerca do âmbito das normas convencionais: consideramos que a metodologia adequada a substituir esse inexistente mecanismo de reenvio consistirá em formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e atualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável á dos autos.”

De todo o modo, a liberdade de expressão não pode deixar de ter limites, desde logo, como consta do próprio art.10º da CEDH e como se consagra expressamente no n.4 do art.37º da CRP.

Ilustrando a jurisprudência sobre o tema, veja-se o acórdão do STJ, de 05.06.2018 (relatora Fernanda Isabel Pereira)[10], no processo n. 517/09.1TBLGS.L2.S1, no que se entendeu que:

«O correcto exercício da liberdade de expressão (art. 10.º da CEDH e n.º 1 do art. 37.º da CRP) pressupõe o cumprimento de deveres e responsabilidades, sendo passível de ser restringido, conquanto a restrição imposta seja necessária numa sociedade democrática, corresponda a uma necessidade social imperiosa, se revele proporcional e os fundamentos invocados pelas autoridades sejam suficientes e relevantes (n.º 2 do art. 10.º do TEDH).»

Neste quadro, na eventualidade de se pretender traçar um juízo de prognose sobre o modo como o TEDH apreciaria o caso concreto, razoavelmente se concluiria que o seu entendimento seria o de não existir qualquer restrição da liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa. Efetivamente, como já referido, o caso dos presentes autos (tratando-se da publicação de um livro sobre a doença oncológica de uma figura pública) tem uma configuração específica que não permite afirmar estar-se em presença de uma compressão da liberdade de informar ao entender que essa publicação seria ilícita por violar, injustificadamente, direitos fundamentais da recorrente.

Em rigor, o que está em causa com a elaboração do livro sobre a doença da autora-recorrente não é a liberdade de imprensa ou a liberdade de expressão, enquanto liberdade de opinião ou juízo de valor opinativo dos autores.

Uma publicação com estas caraterísticas, sem conexão com fatores de relevo do interesse público, e contra a vontade previamente expressa da pessoa visada, também não se pode considerar coberta pela liberdade de criação artística ou intelectual dos seus autores, porque não se reconduz ao produto de uma elaboração ficcional ou científica.

Limitando-se a fazer uma recolha de factos que eram conhecidos e acrescentado outros que não correspondiam à verdade (como consta da matéria de facto provada), o comportamento dos réus autores do livro acaba por se traduzir num projeto de exploração económica e “oportunista” do infortúnio da autora-recorrente.

Em suma, pelo exposto, só resta concluir que o comportamento dos réus autores do livro é ilícito por violação de direitos de personalidade da autora, expressamente tutelados pelo art.483º do CC.

*

3.6. A culpa dos agentes:

O comportamento culposo previsto no art.483º do CC tanto pode traduzir-se numa conduta intencionalmente causadora de danos (dolo), como na ausência do cuidado devido para que os danos se não produzam (negligência). No caso concreto não se encontra provado (nem tal pareceria crível) que os réus, ao elaborarem o livro, tivessem como objetivo único e direto causar danos morais à autora, mas, antes, conseguirem algum rendimento com a venda do livro ou outro tipo de vantagem (como, por exemplo, o reconhecimento profissional).

Todavia, pela própria formação profissional dos réus (acima do tradicional critério do “bonus pater familias”), não poderiam estes ignorar que o respetivo comportamento seria suscetível de causar danos à autora-recorrente, sobretudo depois de lhes ter sido expressamente transmitido (através da representante da autora), em 06.04.2009, que esta se opunha à publicação do livro [facto provado n.47].

Tal oposição, porém, não os fez cessar, de imediato, o propósito de publicarem o livro, pois só a providência cautelar que a autora teve de mover impediu a publicação [factos provados n.8 e n.103]. Neste contexto, é de concluir que os autores tinham consciência de que o seu comportamento podia causar danos à autora, mas conformaram-se com esse eventual resultado. Conclui-se, portanto, que os danos sofridos pela autora-recorrente são subjetivamente atribuíveis à conduta dos réus.

*

3.7. O nexo de causalidade entre os factos e o dano:

Como se extrai da factualidade provada, os danos morais que a autora sofreu foram causados pela supra referida conduta dos réus. Nos termos do art.563º do CC, a conduta dos réus foi, portanto, causa adequada dos danos sofridos pela autora ou, pelo menos, revelou-se como adequadamente ou razoavelmente idónea à produção, em concreto, do tipo de danos que a autora sofreu. Acresce que as normas que tutelam a intimidade da vida privada (nomeadamente o art.80º do CC) visam, precisamente, evitar a produção do tipo de danos que a autora sofreu (angústia, ansiedade, perturbação, choro, etc.) por verem factos da sua vida privada publicitados ou explorados em termos não autorizados.

*

3.8. Quanto ao montante indemnizatório:

Apurada a presença dos pressupostos da responsabilidade civil em relação aos réus CC e DD, cabe decidir sobre o montante indemnizatório a atribuir à autora-recorrente.

Nas conclusões das suas alegações de revista, a autora defende a subsistência do montante indemnizatório que lhe havia sido atribuído pela primeira instância, ou seja, 25.000 Euros. Por seu lado, nas suas intervenções, ao longo da tramitação dos presentes autos, os réus sempre defenderam a ausência de qualquer montante indemnizatório, por entenderem que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

A jurisprudência reiterada do STJ em matéria de aferição dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais tem-se desenvolvido num sentido essencialmente de harmonização dos casos tipologicamente equiparáveis. Neste domínio identificam-se diferentes categorias ordenadoras, em função dos diversos critérios atendíveis na fixação e nivelamento dos danos não patrimoniais, como sejam a tipologia do ato causador de danos, por exemplo, danos emergentes de lesões físicas (maxime em acidentes de viação), ou danos emergentes de outros tipos de lesões, como a ofensa ao bom nome, à honra, à imagem, ao sossego, etc.

É no quadro desta última categoria que se deve localizar o referente jurisprudencial à luz do qual se ponderará o montante indemnizatório a arbitrar no presente caso.

Vejamos os resumos de alguns acórdãos proferidos pelo STJ em casos respeitantes à comunicação social:

- Ac. do STJ, de 16.06.2020 (relatora Maria Clara Sottomayor), processo n.1981/14.2TBOER.L1.S1:

«Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro.» [11]

No caso concreto, os autores tinham sido filmados, sem para tal terem dado autorização, tendo a empresa titular do canal televisivo SIC sido condenada a pagar uma indemnização de 40.000 Euros por violação do direito à imagem.

- Ac. do STJ de 02.12.2020 (relatora Fátima Gomes), no proc. n. 24555/17.1T8LSB.L1.S1:

«Num quadro em que foram produzidas afirmações com animosidade e intenção ofensiva, cuja falsidade a R. não podia razoavelmente ignorar e sendo objectivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A., no domínio da vida privada deste, ponderando casos congéneres e as demais circunstâncias do caso, tem-se por adequado fixar a indemnização em € 25.000,00[12]

- Ac. do STJ de 23.10.2012 (relator Mário Mendes) proc. n. 2398/06.8TBPDL.L1.S1: considerou-se adequada a indemnização no montante de € 50.000,00 pela «imputação, pública e reiterada, através de um órgão de comunicação social (no caso, um relevante canal de televisão) a um cidadão (em concreto um cidadão com demonstrada e reconhecida intervenção a nível cívico, público e político) de envolvimento em actos de pedofilia e envolvimento sexual com menores, ainda que objecto de posterior rectificação, constitui, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos destituídos de relevância jurídica»[13]

Com os quadros jurisprudenciais acabados de apontar, e tendo-se já concluído, como supra exposto, que existe obrigação de indemnizar, embora com um âmbito subjetivo inferior aos que foi fixado pela decisão da primeira instância, importa aferir do montante indemnizatório, tendo presente que, nos termos do art.496º, n.4 do CC tal montante se afere segundo juízos de equidade.

Dada a remissão feita pelo art.496º, n.4, serão atendíveis fatores de ponderação previstos no art.494º do CC. Entre os fatores contemplados nesta disposição, relevam para o caso concreto a consideração da situação económica do lesante e do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso.

A primeira instância havia condenado os quatro réus no pagamento solidário de uma indemnização de 25.000 Euros, encontrando-se entre os condenados uma pessoa coletiva (a “Presslivre”) que, por essa natureza, apresenta, em regra, melhor capacidade financeira para o pagamento de uma indemnização do que uma pessoa singular (independentemente de um eventual direito de regresso).

Concluindo-se, no presente julgamento, que os pressupostos da responsabilidade civil apenas se verificam em relação aos réus CC e DD, o montante indemnizatório tem de ser equitativamente adequado, nos termos dos artigos 496º, n.4 e 494º do CC.

Não existindo nos autos informação sobre a concreta situação económica dos lesantes e da lesada, o único fator a ponderar, nesta variante, é o de estarem em causa pessoas singulares, normalmente com menor capacidade financeira do que as pessoas coletivas. Por outro lado, atendendo a outras circunstâncias do caso (como refere o art.494º), importa ter presente que os danos morais que a autora sofreu acabaram por ser temporalmente circunscritos, dado que ela moveu o procedimento cautelar para que o livro não fosse publicado.

Ponderando estes fatores, e por aplicação do princípio da proporcionalidade, entende-se como equitativa a indemnização de 10.000 (dez mil) Euros, a pagar solidariamente (art.497º do CC) pelos dois réus civilmente responsabilizados.

4. A questão da proibição ou permissão da publicação do livro:

No que respeita a esta questão, o acórdão recorrido manteve, na essência, o que havia sido determinado no procedimento cautelar (decisão final), decidindo, na alínea b) do seu dispositivo:

«Condenar os mesmos réus PRESSELIVRE - Imprensa Livre, S.A., BB, CC e DD a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial], salvo se fizerem constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora”.»

 O decretado no procedimento cautelar (apenso aos autos) não faz caso julgado nestes autos, como decorre da leitura conjugada dos artigos 364, n.4 e 371º, n.3 do CPC.

Como afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (em anotação ao art.364º do CPC):

«Quer a decisão seja favorável, quer seja desfavorável ao requerente, é vedado extrair da mesma efeitos de caso julgado extensivos ao processo principal. Tão pouco a convicção formada acerca dos factos considerados provados ou não provados ou quanto ao direito invocado pode influir na ação principal, cujo resultado deve ser o corolário da alegação e prova dos factos que nela venham a ser apreciados.»[14]

Coloca-se, então a questão de saber se a ressalva constante do acórdão recorrido, no sentido de o livro passar a ter um título diferente e de conter a informação de não autorização da autora-recorrente, é suficiente para se concluir que a sua futura publicação não lesaria direitos fundamentais da pessoa visada, deixando de constituir uma violação do art.80º, n.1 do CC.

Por tudo o que se deixou já exposto quanto à responsabilização civil dos autores, facilmente se concluiu que a ilicitude da publicação não reside apenas no título nem na ausência de informação de que a pessoa visada não tinha autorizado a respetiva publicação. Tal publicação continuaria, de qualquer modo, a ser contrária à vontade da pessoa visada em ver a sua doença oncológica ser exposta em forma de livro, relembrando-a desse sofrimento, e sobretudo depois de terem já passado vários anos desde a altura em que o livro foi escrito. O livro em causa não deixaria de constituir, pelo seu conteúdo, uma exposição ampliada e uma exploração económica da doença da autora-recorrente.

Assim, tem de se concluir que o acórdão recorrido não fez a correta aplicação da lei ao autorizar a publicação do livro, mediante a introdução de meras alterações formais.

Nestes termos, com base no art.80º, n.1 e no art.70º do CC, deve entender-se que a publicação do livro, ainda que com as referidas alterações seria ilícita, devendo os autores do livro, CC e DD, bem como a ré editora “Pesslivre” abster-se da sua publicação sem consentimento da autora-recorrente. 

*

DECISÃO: Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso da autora, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido nos seguintes termos:

a) Condenam-se os réus CC e DD a pagar, solidariamente, à autora uma indemnização de 10.000 (dez mil) Euros;

b) Condenam-se os réus referidos na alínea a) e a ré PRESSELIVRE – Imprensa Livre, S.A. a não publicarem o livro sobre factos da vida da autora com o título «... AA - “VENCI O CANCRO”», sem a autorização desta.

No resto, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas: 2/3 a cargo dos recorridos condenados, em partes iguais; 1/3 a cargo da autora recorrente.

Lisboa, 26.10.2022

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Ricardo Costa

António Barateiro Martins

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).


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[1] Sobre os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I (10ª ed.), página 525 e seguintes.
[2] Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, página 443.
[3] Op. cit. páginas 442 e 443.
[4] Op. cit. página 452.
[5] Op. cit. página 452.
[6] Teoria Geral do Direito Civil (9ª ed.), páginas 71 a 73.
[7] Sobre esta temática, veja-se Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado (Tradução de Ingo Sarlet e Paulo Mota Pinto), página 34 e seguintes.
[8] Op. cit página 452.
[9] Texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3d6c378c4e3c6cff8025815c0048886d?OpenDocument.
[10] Texto integral publicado em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/19faccc3793dfb42802582a4003b34e0?OpenDocument
[11]Texto integral publicado em:
 https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1981.14.2TBOER.L1.S1/
[12] Texto integral publicado em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3aaf63c7a2a548cf802586650042f380?OpenDocument
[13] Texto integral publicado em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a595dbd318f964fa80257aa30034741f?OpenDocument&ExpandSection=1.
[14] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, página 423.