Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2501/10.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
SEGURO AUTOMÓVEL
PLURALIDADE DE LESADOS
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - A comparação da situação da A. com as demais referenciadas nos diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciaram sobre o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais é particularmente difícil, não só pela multiplicidade de variáveis atinentes a cada indemnização, mas também por a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça estar fortemente condicionada pelo objecto do recurso podendo mover-se apenas dentro dos limites dele e não numa avaliação global e incondicionada do referido dano.

II - Os valores até agora fixados para avaliação do referido dano são pontos de partida para a fixação de indemnização, meros referenciais do que se pretende seja uma visão jurisprudencial tanto quanto possível uniforme de situações muito diversas e particulares de modo que se não atinja um valor desproporcional à gravidade dos danos ou violador do princípio da igualdade de tratamento a que têm constitucional direito todos os cidadãos.

III - Tendo sido fixadas indemnizações às demais lesadas deste acidente de viação e, no confronto com elas poderemos estabelecer uma igualdade relativa no tratamento daquilo que é mais semelhante e comparável.

IV - A situação de rateio, por o montante das indemnizações ultrapassar o valor do capital seguro, significa apenas que a seguradora será responsável pelo pagamento inicial da parte proporcional de indemnização global – reportada apenas aos respectivos montantes de capital - atribuída a cada lesada, e o réu, condutor causador do acidente, responderá perante cada lesada pelo valor da indemnização não suportado pela ré seguradora.

V - Os montantes indemnizatórios não sofrem, por tal eventual repartição do concreto réu obrigado ao seu pagamento, qualquer alteração seja no montante seja no momento a partir do qual se vencem juros de mora, que serão pagos em consonância com o determinado em cada uma das sentenças condenatórias.

Decisão Texto Integral:
*

I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

AA, A. veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido, em 21 de Novembro de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou parcialmente procedente a apelação da Ré e, em consequência:

a)  alterou o elenco de factos provados;

b)  quantificou o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico [respeitante ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, de 17 Pontos], em €60.000,00 [sessenta mil euros];

c)  quantificou o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros previstos no Ponto 126 dos Factos Provados, em €35.000,00 [trinta e cinco mil euros];

d) quantificam o valor da indemnização por danos não patrimoniais [respeitante ao sofrimento físico e psíquico experimentado pela Autora e ao denominado dano estético] em €60.000,00 [sessenta mil euros];

e)  condenou a Ré MAPFRE - Seguros Gerais, S.A., a pagar à Autora AA as quantias referidas em a), b) e c) ou a quantia que – por referência à indemnização global que lhe é devida e fixada nestes autos, tendo em conta os limites do capital seguro [€600.000,00] e, no confronto com as demais lesadas no acidente dos autos, se tal se revelar necessário - se vier a apurar caber-lhe por força do rateio a efectuar em ulterior liquidação e até ao montante da indemnização global fixada nestes autos;

f) condenou, ainda, a Ré MAPFRE - Seguros Gerais, S.A. a pagar à Autora AA juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias referidas em a), b) e c), a partir do trânsito em julgado deste acórdão ou, havendo lugar a rateio, a contar da citação para os termos da liquidação.

A A. apresentou as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões que são inadmissível cópia das alegações:

1. Decidiu-se no douto Acórdão em recurso, reproduzindo:

" C) terceira questão: Da indemnização pelos danos patrimoniais futuros/danos biológicos:

"b) quantificam o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico (respeitante ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquico, de 17 pontos), em € 60.000.00( sessenta mil euros).

2. No que concerne a esta questão, o Tribunal a quo decidiu condenar os RR, (A Ré MAPRE e o Réu BB - este sendo apenas responsável na medida em que a indemnização exceda o capital seguro) a pagarem à Autora a quantia de € 75.000,00, valor este já actualizado e com juros a contar da sentença até integral pagamento, à taxa de 4%.

3. No douto Acórdão em crise, como supra se referiu, decidiu-se:

"b) quantificam o valor da o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico (respeitante ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquico, de 17 pontos), em € 60.000.00( sessenta mil euros).

4. E neste contexto, o douto Acórdão tomando como referência a "remuneração base média mensal de €943,00, em 2017,( www.pordata.pt),e observando uma regra de três simples, chegamos ao valor de compensatório de €59.383,51" ( cfr. fls. 61 do Acórdão).

Concluindo assim que:

5.-"Ora, tendo em conta que a decisão sob recurso fixou a indemnização pelo dano patrimonial futuro/ dano biológico em €75.000,00 - montante que excede o valor indicativo a que se chegou, de acordo com os critérios mencionados, conclui-se que tal valor deve ser reduzido para a quantia de €60,000,00 (sessenta mil euros), montante que se nos afigura mais equitativo, criterioso e consonante com os critérios apontados e os valores atribuídos pelos tribunais superiores"

Modestamente, não se conforma a recorrente com tal decisão.

E não se conforma, pelas singelas razões que leva ao alto critério de Vossas Excelências:

6. A primeira razão, respeita, desde logo, ao valor da remuneração base média mensal de €943,00, relativa ao ano de 2017, que o douto Acórdão em crise tomou como referência.

Na verdade, é sabido que nos anos de 2018 e 2019, houve uma subida substancial dos salários, pelo que o valor-média da remuneração base mensal, acompanhou, naturalmente, essa subida substancial.

Parece-nos, pois profundamente errado e injusto, que no Acórdão recorrido se tome em consideração o valor médio da remuneração base mensal, referente ao ano de 2017, pelos vistos, por ser este o dado disponível pelo Tribunal...

Ora, à data da emissão do douto Acórdão em recurso, iam já passados mais de dois anos sobre aquela data.

Sendo certo, repete-se que nos anos de 2018 e 2019, houve uma subida substancial dos salários, pelo que o valor médio da remuneração base mensal, acompanhou, naturalmente, essa subida substancial.

7. Pelo que a douta decisão em crise, e apenas neste desiderato, é errada e injusta, pelo que desde logo terá que ser objecto de correcção por esse Venerando Tribunal, devendo o valor ser corrigido, pelo menos, com referência à remuneração base média mensal referente a 2019, e não 2017, como o Douto Acórdão considerou!

8. A segunda razão da nossa discordância relativamente a esta decisão, respeita ao entendimento explicitado de que o valor arbitrado de €60.000,00, " se afigura mais equitativo e criterioso..."

Pergunta-se:

9. Qual a razão desta afirmação? Porque entende o douto Acórdão em crise que o montante que fixou, reduzindo em € 15.000,00 o valor fixado pelo Tribunal a quo é " mais equitativo e criterioso" do que o valor atribuído pelo Tribunal a quo, um pouco mais elevado?

Salvo o devido respeito, que é muito, não entendemos, nem podemos aceitar, o critério adoptado no Acórdão, que, aliás, nem está fundamentado.

10. Contrariamente ao douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo, no que concerne a esta questão, decidiu condenar os RR, (A Ré MAPRE e o Réu BB,- este sendo apenas responsável na medida em que a indemnização exceda o capital seguro) a pagarem à Autora a quantia de € 75.000,00, valor este já actualizado e com juros a contar da sentença até integral pagamento, à taxa de 4%.

Para assim decidir, ponderou-se na douta sentença, como reflecte a respectiva fundamentação, os seguintes factores:

- A natureza e extensão das lesões;

- as sequelas permanentes advindas para a Autora, em termos de afectação definitiva da integridade físico-psíquica da mesma, fixada em 17 Pontos;

- a perda de capacidade de ganho da Autora, associada à referida afectação definitiva da sua integridade físico-psíquica durante toda a sua vida activa (considerando os 70 anos como idade previsível da reforma, em consonância, aliás, com a posição assumida no Ac. da RP de 04-10-2006, proc. n.º 0515426,in www.dgsi.pt);

- a idade da lesada/Autora à data do acidente,( 25 anos);

- o estatuto sócio económico da Autora (finalista do curso de direito) e

- A taxa de inflacção previsível.

11. É bom de ver, pois, que o Tribunal a quo não deixou de considerar as sequelas permanentes advindas para a Autora, em termos de afectação definitiva da integridade físico-psíquica da mesma, fixada em 17 Pontos;

Mas valorou também, e bem, alguns outros factores, cuja consideração e justeza é inegável.

Factores que, atenta a imediação dos testemunhos prestados e declarações prestadas pelo Médico Perito, e conhecimento da factualidade em causa, certamente se afigurou ao Tribunal a quo como mais " equitativa e criteriosa" para a fixação deste valor indemnizatório.

E parece inquestionável que assim é, em confronto com a fundamentação/ decisão do Acórdão em crise. Ainda relativamente a esta questão, pretende-se no douto Acórdão que é " mais consonante …com " os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores"...remuneração base média mensal de €943,00, relativa ao ano de 2017, - pois que foi este o" critério apontado no Acórdão, este valor médio apontado é errado, pois terá de reportar-se ao ano de 2019!

E tanto bastará para concluir com segurança que o montante fixado não pode ser tido como " mais equitativo e criterioso" como se pretende no douto Acórdão em crise.

12. Mas não podemos concordar também com o critério adoptado, estritamente matemático, no dizer do douto Acórdão em crise (..." Se considerarmos a remuneração base média nacional de €943,00 em 2017, e observando uma regra de três simples, chegamos ao valor de € 59.383,51").

Acresce que nada na lei obriga o julgador a ter em conta a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidade Permanente.

Esta tabela destina-se à sua utilização por médicos destinada a avaliar e a pontuar as incapacidades resultantes de ofensas à integridade física e psíquica das vítimas de acidentes.

E, também como se reconhece no douto Acórdão em recurso,"...tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico, somos de crer que os tribunais não podem deixar de a ter em conta, embora não estejam vinculados à sua aplicação"

Ora, contrariamente ao expendido, o douto Acórdão não teve apenas em conta a referida tabela.

13. 0 Acórdão recorrido ateve-se matematicamente à referida tabela, explicitando mesmo que basta observar " uma regra de três simples" para chegar ao valor compensatório de € 59.383,53, apesar de reconhecer que nem sequer estava vinculado, como qualquer tribunal, à sua aplicação!

14. Mais uma incongruência, grave, do douto Acórdão, que mais parece empenhado em questionar o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, e tentar adoptar um critério "mais equitativo e criterioso"- que não refere, para além do critério matemático exposto, para sustentar a diminuição daquele montante em € 15.000,00!

15. O Tribunal a quo, relativamente a esta questão, decidiu condenar os RR (A Ré MAPRE e o Réu BB- este sendo apenas responsável na medida em que a indemnização exceda o capital seguro-):

"E) a pagar à A. as despesas futuras com intervenções cirúrgicas, internamentos, exames, medicamentos, análises clínicas acompanhamento médico, fisioterapia que sejam determinadas pela situação clínica da A., recorrente do acidente dos autos, a liquidar posteriormente."

16. A ora recorrente aceitou esta decisão, por entendê-la justa, acautelando a sua situação de saúde futura, tendo em causa o grave acidente de que foi vítima.

No douto Acórdão em recurso não deixa de referir-se que, reproduzindo:

"No caso da Autora, considerando a globalidade das sequelas que a afectarão ao longo de toda a sua vida, existirá sempre repercussão na vida profissional e na vida social, consistente na maior dificuldade para realizar as tarefas profissionais e da vida quotidiana, incluindo as familiares e sociais".

E assim, tanto quanto se alcança da referência expressa aos 17 pontos, o douto Acórdão em Recurso, teve essencialmente em conta este factor pontual, objectivo, para reduzir o valor indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, em € 15.000,00 (quinze mil euros).

17. Contrariamente ao douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo, no que concerne a esta questão, decidiu condenar os RR, (A Ré MAPRE e o Réu BB, - este sendo apenas responsável na medida em que a indemnização exceda o capital seguro-) a pagarem à Autora a quantia de € 75.000,00, valor este já actualizado e com juros a contar da sentença até integral pagamento, à taxa de 4%.

18. Para assim decidir, ponderou-se na douta sentença, como reflecte a respectiva fundamentação, os seguintes factores:

- A natureza e extensão das lesões;

- as sequelas permanentes advindas para a Autora, em termos de afectação definitiva da integridade físico-psíquica da mesma, fixada em 17 Pontos;

- a perda de capacidade de ganho da Autora, associada à referida afectação definitiva da sua integridade físico-psíquica durante toda a sua vida activa (considerando os 70 anos como idade previsível da reforma, em consonância, aliás, com a posição assumida no Ac. da RP de 04-10-2006,proc n90515426,in www.dgsi.pt);

- a idade da lesada/Autora à data do acidente, (25 anos);

- o estatuto sócio económico da Autora (finalista do curso de direito) e

- A taxa de inflação previsível.

É bom de ver, pois, que o Tribunal a quo não deixou de considerar as sequelas permanentes advindas para a Autora, em termos de afectação definitiva da integridade físico-psíquica da mesma, fixada em 17 Pontos;

19. Mas valorou também, e bem, alguns outros factores, cuja consideração e justeza é inegável.

Factores que, atenta a imediação dos testemunhos prestados e declarações prestadas pelo Médico Perito, e conhecimento da factualidade em causa, certamente se afigurou ao Tribunal a quo como mais " equitativa e criteriosa" para a fixação deste valor indemnizatório.

20. Ainda relativamente a esta questão, pretende-se no douto Acórdão que é " mais consonante ..,.com " os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores"...

Porém, não explicita o douto Acórdão que valores são esses. Nem poderia, salvo melhor entendimento, fazê-lo.

Na verdade, e como é comum dizer-se, " cada caso é um caso”. E o caso da AA, poderá ser algo comparável, nesta ou naquela vertente.

Mas é certamente único, nas suas múltiplas facetas.

E assim, o valor indemnizatório não é compatível com uma pauta de valores atribuídos prévia e uniformemente. Bem pelo contrário.

21. Há alguma possibilidade de reconstituir a situação que existiria para a AA se aquele fatídico acidente não tivesse acontecido?

Claro que não há. A reparação destes danos sofridos pela recorrente são reparáveis?

Diríamos novamente que não. Não há valor económico algum que repare os danos de que a AA foi e vem sendo vítima.

Mas se há valor que de alguma forma possa compense esses danos, não é compaginável com uma tabela de valores pré-fixados, cujo montante se obtenha através do recurso a uma conta aritmética, " observando uma regra de três simples", como se pretende no Acórdão em crise..

22. E que dizer do critério, também referido no douto Acórdão em recurso, de o valor que fixou ser consentâneo com "os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores"?

Não explicita, porém o douto Acórdão que valores são esses.

E cabe então perguntar: Têm os Tribunais superiores uma tabela de valores de que se socorrem para atribuição dos valores indemnizatórios?

Existirão, como insiste veementemente a ora recorrida MAPFRE " actuais critérios jurisprudenciais " relativamente " ao valor atribuído pelos Tribunais Superiores em situações similares"?

Não o cremos também, tout court.

Mas, e os demais aspectos? Existirão critérios para determinar como atrás se referiu, pode haver um ou outro aspecto similar, relativamente a dados objectivos, como por exemplo, a idade da vítima.

23. 0 que o normativo do artº 562º do nosso Código Civil determina é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Este normativo, com lembra o Acórdão recorrido, que consagrou exactamente a chamada " teoria da diferença", determinou o princípio geral de que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso.

"Ou seja, reproduzindo o douto acórdão" a medida da indemnização corresponde à medida do dano sofrido.

24. E assim, o valor indemnizatório não é compatível com uma pauta de valores atribuídos prévia e uniformemente.

E não se compadece também com "critérios jurisprudenciais de atribuição de valores pelos Tribunais Superiores.

"Ou, de acordo com a terminologia adoptada no Acórdão em recurso, "consonante      com os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores"

25. 0 douto Acórdão em recurso, violou assim, frontalmente, os dispositivos legais dos artigos 562º, 564º do Código Civil.

26. Só esta interpretação é compatível com os princípios constitucionais da igualdade, da justiça e da imparcialidade, consignados na Constituição da República Portuguesa.

27. "D) Quarta questão: Da indemnização por danos não patrimoniais"

No que respeita a esta questão, Entendeu-se no douto Acórdão em apreço "adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 60.000,00 (sessenta mil euros) valor que se nos afigura mais equitativo que o fixado pela lª instância, que assim se reduz, e que o proposto pela recorrente"

28. 0 valor proposto pela recorrente MAPFRE, como se retira da Conclusão 22 das suas doutas alegações de recurso, foi de €50.000,00, fundamentado esta sua proposta como sendo um "valor mais equitativo e consentâneo com os actuais critérios jurisprudenciais".

29. A douta sentença do Tribunal a quo, condenou os RR, sendo que o Réu BB só será responsável na medida em que a indemnização exceda o capital seguro,

" D) a pagar à A. A quantia de €75.000,00, valor este já actualizado e com juros a contar da sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%".

30. 0 Tribunal a quo fundamentou pormenorizadamente a razão da sua decisão, escalpelizando a factualidade que julgou provada, de acordo com os testemunhos produzidos nas várias sessões de julgamento.

31. Contrastando com a fundamentação exaustiva do Tribunal a quo, o douto Acórdão em recurso, na linha da alegação da recorrente MAPRE, estriba-se nos " padrões indemnizatório seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça"

Ora,

32. 0 que os normativos dos artigos 494º e 496º do Código Civil prescrevem, é que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso em apreço.

33. 0 que está em causa é a fixação de um valor indemnizatório que terá que ser fixado de acordo e em obediência aos critérios fixados na lei, nos normativos legais dos artigos 494º e 496º do nosso Código Civil.

E é patente que o douto Acórdão em crise, se limitou a arbitrar um valor sem qualquer fundamento legal. E assim alterou o valor fixado pelo Tribunal a quo.

34. Assim o douto Acórdão em recurso violou frontalmente os dispositivos legais citados dos artigos 494º e 496º do Código Civil.

35. "E) Quinta questão"

Não titula o douto Acórdão recorrido esta 5- questão, mas ela tem a ver com ao pedido que a recorrente MAPFRE faz da imediata liquidação da indemnização devida pelos danos futuros.

A este propósito, explana-se no Acórdão recorrido que os danos "sendo determináveis no caso vertente, mas não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do nº3 do artº 566º do Código Civil.

36. 0 Acórdão recorrido entende então que os danos causados pelo agente à recorrente são determináveis. E sendo-o, mas não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente.

E nessa linha, o douto Acórdão, para julgar equitativamente o valor dos danos futuros a acautelar, disserta sobre os items que considera ponderar, como a idade da A., a expectativa média de vida da mulher, que era de 83,4 anos em 2017, o preço médio de uma consulta médica da especialidade, que fixa em €80,00, rematando que " a circunstância de se atribuído à Autora, no imediato, um capital produtor rendimentos futuros, com os quais poderá fazer face a parte dos danos a ressarcir podendo ainda contratar um seguro de saúde minimizador das despesas previsíveis a efectuar com consultas, também elas futuras, encontramos , como equitativa, a indemnização global de €35.000,00( trinta e cinco mil euros)."

Ora,

37. Esta última parte da ponderação do douto Acórdão, merece-nos desde já os seguintes reparos:

-Não se percebe como é que um valor de € 35.000,00, possa ser considerado " um capital produtor de rendimentos futuros"

Com efeito, a aceitar que a recorrente tivesse outros meios, que lhe permitissem fazer face às despesas de saúde, sem tocar nesse " capital", que rendimentos esse capital produziria?

Sendo, como é sabido, que o depositante não recebe juros, paga, sim, por ter um depósito.

38. O douto acórdão, que foi ao pormenor de quantificar o valor de uma consulta médica, e de duas sessões de fisioterapia, não quantificou o valor de um seguro de saúde médio, a que faz, e bem, expressa referência, como um meio de a AA fazer frente, minimamente, às despesas de saúde previsíveis a efectuar no futuro.

Ora,

39. A recorrente procedeu ao cálculo das despesas com um seguro de saúde e médicas e medicamentosas previsíveis, tendo em conta a sua idade, e a esperança média de vida que o douto Acórdão toma como referencia, 83 anos, como consta, por facilidade de analise, do quadro que se junta.(cfr. doc.5).

Pois como resulta do referido cálculo, só com os custos da contratação de um seguro de saúde médio, o valore de €43.200,00.

Ou seja, apenas com a contratação de um seguro de saúde médio, a recorrente despenderá a quantia média de €43.200,00.

Valor este só por si superior ao valor total indemnizatório decidido no douto Acórdão em € 8.200,00!

40. Adicionando ao valor do seguro as despesas médicas mínimas futuras a efectuar, o valor total médio da compensação, como consta de forma transparente do quadro anexo, que o Tribunal deverá fixar equitativamente é de € 33.475,95.

Registe-se que a proceder este douto Acórdão, poder se á dar até um caso singular, que é o seguinte:

A recorrente poderá é ter que recorrer a um empréstimo bancário para pagar à recorrida MAPFRE valores que recebeu!

Com efeito, a MAPFRE foi condenada na Providência Cautelar apensa a pagar à recorrente uma pensão mensal de €1.000,00, a título de reparação provisória dos danos sofridos.

Montante que a recorrente vem recebendo há cerca de dez anos, totalizando nesta data, grosso modo, cerca de € 120.000,00.

41. Assim, a prevalecer a decisão do douto Acórdão, feitas as contas, a recorrente ainda poderá ter que pagar á seguradora!...

A não ser que não seja deduzida ao montante fixado na douta sentença do Tribunal a quo, a quantia que tem vindo a ser paga pela seguradora por decisão do procedimento cautelar apenso. O que deverá ser esclarecido.

Enfim, a recorrente entende modestamente que:

42. A indemnização pelos danos futuros deverá manter-se ilíquida, como decidiu o Tribunal a quo;

Mas a entender-se pela liquidação, então o Tribunal deverá julgar equitativamente, em obediência ao normativo do art.º 566º, n.º 3 do C.C.

A indemnização pelos danos futuros deverá manter-se ilíquida, como decidiu o Tribunal a quo;

Mas a entender-se pela liquidação, então o Tribunal deverá julgar equitativamente, em obediência ao normativo do artº 566, nº3 do C.C.

E então, em abono dessa equidade e da justiça, deverá ter em consideração as despesas com um seguro de saúde, médicas e medicamentosas futuras, dentro do cálculo transparente a que a recorrente procedeu, e consta do quadro resumo anexo.

Só esta interpretação está conforme aos princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da boa-fé e da proporcionalidade .

Normativo que o douto Acórdão violou.

43. " e) o douto Acórdão em crise condena a Ré MAPFRE a pagar à A. ora recorrente, juros de mora à taxa legal, sobre as quantias referidas em a), b), e c) a partir do trânsito em julgado deste Acórdão, ou, havendo lugar a rateio, a contar da citação para os termos da liquidação.

Por seu turno, a douta decisão do Tribunal a quo, condenou no pagamento desses juros de mora a contar da decisão.

Não se vislumbra a fundamentação do douto Acórdão para alterar esta decisão, que se adequa à lei.

Assim,

44. Esta decisão infundada do douto Acórdão é nula, pelo que deverá improceder.

Termos em que deverá proceder o presente recurso de Revista, com as legais consequências

A ré seguradora apresentou contra-alegações onde requer a integral confirmação do acórdão recorrido que terminam com as seguintes conclusões:

1. Na perspetiva da ora recorrida o presente Recurso não apresenta qualquer base sólida em que se alicerce, já que a sentença proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, à luz do direito e da prova produzida nos autos, não poderia ter sido outra.

2. A quantia arbitrada pelo Tribunal a quo é ajustada e proporcional ao caso concreto, estando em consonância com os atuais critérios legais e jurisprudenciais.

3. Considerando que a Recorrente ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de dezassete pontos, compatível com o exercício da sua atividade habitual, embora implicando esforços suplementares, entende-se ser adequada e equitativa, para ressarcimento dos danos decorrentes desse Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, da Repercussão Temporária na Atividade de Formação Total e da Repercussão Temporária na Atividade de Formação Parcial, a quantia de 60.000,00 € arbitrada pelo douto Tribunal da Relação.

4. A indemnização a atribuir a título de danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente e na sua fixação o Tribunal deve atender, primordialmente, aos valores definidos em casos similares pela jurisprudência.

5. No caso em apreço o montante atribuído pelo douto Tribunal da Relação, apesar da redução face ao fixado pelo Tribunal de 1ª Instância, é ainda assim superior ao fixado em casos similares pela jurisprudência.

6. Não assiste, pois, qualquer razão à Recorrente quanto alega que a quantia de € 60.000,00 fixada no douto Acórdão da Relação é inadequada para indemnizar a recorrente pelos danos não patrimoniais por esta sofridos.

7. Só pode relegar-se para execução quando, de todo, seja impossível, por falta de elementos, efectuá-la no processo declarativo.

8. O juiz só fará uso da condenação ilíquida quando o processo de declaração não lhe forneça os elementos indispensáveis para emitir condenação líquida.

9. Estando provado que a Recorrente terá que fazer sessões de fisioterapia duas vez por ano, uma consulta anual para as especialidade de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia e esporadicamente terá que tomar medicamentos analgésicos para as dores, face à inúmera documentação referente a consultas e atos médicos carreados para os autos, designadamente pela Recorrente, o Tribunal da Relação poderia, como fez e bem, fixar equitativamente um montante a atribuir a esta para fazer face às futuras despesas por ela realizadas em sessões de fisioterapia duas vezes por ano, com uma consulta anual de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia e com medicamentos.

10. Tanto mais que, no caso em apreço, poderá existir a necessidade de um eventual rateio do capital seguro entre as diversas lesada e para salvaguardar esse rateiro era imperativo que, com base nos factos provados e na documentação carreada para os autos, fosse equitativamente fixado uma quantia para esse efeito, de forma a permitir esse mesmo rateio.

11. O valor arbitrado pelo Tribunal a quo para indemnizar a Recorrente pelas despesas médicas e medicamentosas futuras afigura-se adequado.

12. A Recorrida não está obrigado a pagar à Recorrente qualquer seguro de saúde, não foi a tal condenada, nem faria sentido que o fosse uma vez que esse seguro englobaria consultas, tratamentos, exames complementares de diagnóstico e despesas medicamentosas decorrentes de todo e qualquer problema de saúde da recorrente (ainda que sem qualquer relação com o acidente dos autos) e não apenas as consultas, tratamentos e despesas medicamentosas de que a Recorrente necessitará em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos.

13. É apenas em relação a estas últimas (devidamente provadas e como tal integrantes da matéria de facto provada) que sobre a Recorrida impende a obrigação de indemnizar.

14. Possivelmente o seguro de saúde terá efetivamente um curso superior ao da indemnização fixada. Porém, também comtemplará um leque de atos e tratamentos médicos muito maior do que aqueles de que a Recorrente necessita em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos (que como resultou provado se cingem apenas a sessões de fisioterapia duas vez por ano, uma consulta anual para as especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia e esporadicamente terá de tomar medicamentos analgésicos para as dores).

15. O elenco de consultas, tratamentos e medicamentos patente no quadro que a Recorrente anexa às suas alegações, para justificar a alegada insuficiência da indemnização a este título arbitrada na douta sentença agora em crise, supera em muito as sessões de fisioterapia duas vez por ano, uma consulta anual para as especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia e a toma esporádica de medicamentos analgésicos para as dores, nos quais a ora Recorrida foi condenada.

16. A Recorrente ignora a matéria de facto provada no que concerne às consultas, tratamentos e medicamentos de que necessita e nos quais a Recorrida foi efetivamente condenada e desse modo elenca e quantifica consultas tratamento e medicamentos sem qualquer base na matéria de fato provada ( da qual, refira-se, não recorreu).

17. Tendo a recorrente vindo a receber uma quantia mensal, a título de reparação provisória, há cerca de 10 anos, não constitui caso “singular” nem se afigura errada a possibilidade de ter que restituir eventuais quantias recebidos em excesso.

18. A decisão proferida no âmbito da providência cautelar tem uma natureza provisória e é fixada desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.

19. O próprio artigo 390º do C.P.C., no seu número 2, prevê a possibilidade de “a decisão proferida na ação de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida”, condenar sempre o lesado a restituir o que for devido.

20. Ao contrário do referido pela Recorrente, nada há a esclarecer em relação ao facto de os valores pagos pelo Recorrida à Recorrente, no âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, serem necessariamente deduzidos ao valor indemnizatório fixado no douto Acórdão.

21. Essa dedução resulta desde logo do já mencionado artigo 390º do C.P.C., que no seu número 2, refere expressamente que a “decisão final, proferida na ação de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condena sempre o lesado a restituir o que for devido”.

22. Para além disso a própria sentença de 1ª Instância refere expressamente na sua alínea H) que “Deverá ser deduzido aos montantes ora fixados, a quantia que tem vinda a ser paga pela seguradora por decisão do procedimento cautelar a este apenso”.

23. Atente-se que a Recorrida não recorreu dessa parte da sentença e a Recorrente não recorreu da sentença, de todo.

24. Existe a possibilidade de o capital seguro ter de ser rateado por todos os lesados no acidente no acidente em apreço, nos termos do artigo 16º nº 1 do Decreto-lei 522/85 de 31 de Dezembro, vigente à data do acidente dos autos, uma vez que a soma do montante dos pedidos em ações emergentes do acidente dos autos, excede o capital seguro de € 600.000,00 por sinistro, para danos corporais e materiais.

25. Caso haja lugar a rateio, apenas será possível efetuar o mesmo após o trânsito em julgado de todas as ações emergentes do acidente dos autos.

26. Consequentemente só após esse mesmo trânsito em julgado da última ação contra si intentada pelas lesadas no acidente de viação dos autos e após feito o rateio, se a ele houver lugar, a Recorrida poderá pagar às mesmas.

27. Deste modo, bem andou o Tribunal a quo ao alterar a decisão da 1ª instância no que concerne à data de início de contagem dos juros e ao condenar a mesma a pagar juros a partir do trânsito em julgado do douto Acórdão ou, havendo lugar a rateio, a contar da citação para os termos da liquidação.


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I.2 – Questões prévias

A - Admissibilidade do recurso

Nos termos conjugados do disposto nos art.º 671.º, n.º1 do Código de Processo Civil o recurso é admissível.


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B – Junção de documentos com as alegações de revista

Em 21 de Janeiro de 2020 a A. juntou um requerimento – referência ...83 - que se mostra integrado pelas alegações de recurso de revista, 3 documentos relativos ao invocado justo impedimento de apresentação atempadas das alegações de recurso, e o documento 4, referido nas alegações e denominado – Mapa Despesas Médico-Medicamentosas Futuras – onde enuncia o custo de diversas consultas médicas de especialidade, exames de diagnóstico, tratamentos, medicamentos e seguro de saúde.

Nos termos do disposto no art.º 680.º, n.º1 do Código de Processo Civil podem ser juntos ao recurso de revista os documentos supervenientes. Não foi alegado, como justificativo da referida junção, tratar-se de documento superveniente. Analisando o respectivo teor dele não decorre qualquer superveniência, uma vez que se trata de uma listagem de custos sem indicação de que eles hajam sofrido qualquer significativa alteração depois de proferido o acórdão recorrido.

Assim, trata-se de documento cuja apresentação é inadmissível neste recurso pelo que se determina o seu desentranhamento e entrega à A..

C – Factos de conhecimento oficioso

Como consta da plataforma Citius, no dia 9 de Janeiro de 2023 foi obtido o acesso ao processo 2499/10.... onde se verifica ter transitado em julgado, em 26 de Janeiro de 2012, a sentença de 1.ª instância proferida em 2 de Abril de 2019 na acção ordinária com processo comum instaurada por CC, contra Mapfre – Seguros Gerais, S.A. e BB, onde foram formulados os pedidos de:

- Condenação dos Réus a pagar solidariamente à Autora a importância global de € 10.575,61, por danos patrimoniais emergentes presentes, acrescida do valor correspondente à frustração do não investimento desse valor e expectativas de rendimento desse investimento, a título de lucros cessantes, que deve ser fixado em dobro;

- indemnização no valor global de € 275.000,00 destinada a compensar a despesa a suportar com o auxílio de terceira pessoa;

- indemnização no valor global de € 280.000,00, por danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora vincendos calculados à taxa legal e contados desde 13.01.2008, nos termos que decorrem dos artigos 36º, 38º, n.º 3 do D.L. n.º 291/2007, de 2108, até integral e efectivo pagamento;

- indemnização no valor global de € 300.000,00, por danos morais, acrescida de juros de mora vincendos calculados à taxa legal e contados desde 13.01.2008, nos termos que decorrem dos artigos 36º, 38º, n.º 3 do D.L. n.º 291/2007, de 2108, até integral e efectivo pagamento;

- custos de um seguro de saúde que cubra as responsabilidades pelas lesões sofridas até que a Autora perfaça os 81,38 anos de vida;

que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

a) Quantificou o valor da indemnização integral devida à Autora em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);

b) Condenou a Ré Mapfre, S.A. a pagar à Autora a quantia que, por referência a este valor, tendo em conta os limites do capital seguro (€ 600.000) e no confronto com os demais lesados, se vier a apurar caber-lhe por força do rateio a efectuar em ulterior liquidação;

c) Condenou a Ré Mapfre, S.A. a pagar à Autora os juros de mora à taxa legal, sobre a quantia que vier a ser liquidada nos termos da alínea anterior, contados desde o trânsito em julgado da decisão proferida em sede de liquidação e até integral pagamento;

d) Condenou o Réu BB a pagar à Autora o valor que remanesça da quantia que vier a ser liquidada pela Ré seguradora, acrescido de juros de mora à taxa legal, nos termos supra determinados;

e) Absolveu os Réus do demais peticionado.

        


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Nulidade do acórdão com fundamento em falta de fundamentação.

2. Montante da indemnização por danos patrimoniais futuros.

3. Montante da indemnização por danos não patrimoniais.

4. Imediata liquidação da indemnização devida pelos danos futuros a que se refere o facto provado 124 (126 na anterior numeração).

5. Momento inicial da contagem dos juros de mora em caso de rateio.

                                                            


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I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos, organizados por critério temporal:

1. No dia 12 de Maio de 2007, cerca das 06h 25m, o R. BB conduzia a viatura automóvel Mercedes Benz de matrícula ..-..-ST, pela Av.ª dos C..., em ..., no sentido Sul/Norte, na 2ª via de trânsito a contar da direita para a esquerda;

2. A responsabilidade civil por danos emergentes da detenção e circulação do veículo de matrícula ..-..-ST, encontrava-se transferida para R. Mapfre S.A., por contrato de seguro do ramo “Automóvel”, titulado pela apólice n.º ...84;

3. Nessa data, a cobertura de responsabilidade civil estava limitada o capital de € 600.000,00, por sinistro, por danos corporais e materiais;

4. Nessa ocasião circulava na Av. ..., em direcção à Av. ª Professor ..., na 1ª via de trânsito a contar da direita para a esquerda em relação ao seu sentido de marcha, o veículo de matrícula ..-..-TM, conduzido por DD;

5. No mesmo veículo seguia como passageira a A.;

6. Nessa ocasião e local, ao chegar ao cruzamento entre a Av.ª dos C... com a Av.ª..., o condutor do ST prosseguiu a sua marcha, tendo ocorrido o embate nesse cruzamento, entre a sua viatura e o TM;

7. Na ocasião referida em 6), o sinal para os veículos que circulavam na Av.ª dos C..., direcção Sul/Norte, encontrava-se vermelho;

8. Por sua vez, o sinal para os veículos que circulavam na Av. ... na direcção da Av.ª Professor ..., encontrava-se na posição de verde;

9. O 2° R. ao chegar a este cruzamento, ultrapassou os veículos que se encontravam parados no sinal vermelho e entrou no cruzamento desta Av. ª com a Av.ª...;

10. Nessa ocasião o R. conduzia com uma TAS de 1,64 g/l;

11. Tendo ido embater na parte lateral direita do TM, projectando-o, tendo este veículo ficado totalmente destruído;

12. Necessitando a A. de ser desencarcerada deste veículo;

13. Tendo ficado em estado de coma profundo, por causa do embate;

14. Tendo sido assistida ainda no local por pessoal médico e paramédico do H... e por pessoal do INEM e de elementos de RSB;

15. A A. deu entrada no Hospital ... com perda de conhecimento e com grande perda de sangue;

16. No SOA, foram-lhe prestados os primeiros socorros;

17. Sendo-lhe aí efectuados exames radiológicos e TACS às regiões do corpo fracturadas e análises clínicas;

18.  Foi depois levada para o bloco operatório, onde foi submetida a análises clínicas, ministrada anestesia geral, suturadas as feridas e imobilizada;

19.  Foram-lhe ministradas transfusões de sangue e foi mantida a soro;

20. Em consequência do embate a A. sofreu:

a. Hemorragia cerebral;

b. Perfuração do pulmão direito;

c. Drenagem pleural direita removida em 14.05.2007

d. Hematomas

e. Bacia fracturada em 5 sítios;

f. Três Vértebras fracturadas;

g. Intervenção cirúrgica hemopneumotórax;

h. Ferida incisa contusa da região frontal à direita;

i.  Hemopneumotórax traumático à direita;

j.  Fractura das apófises transversas direitas de L2 a L 4];

k. Fractura dos ramos isquiopúbicos;

l.  Fractura da púbis direito;

m. Fractura da asa esquerda do sacro;

n. Fractura ilíaca esquerda;

o. Escoriação no hemitórax direito, com dor à palpação dos quadrantes direitos;

p. Traumatismo torácico e do membro superior direito, com hematoma;

q. Ferida extensa na zona do joelho direito;

r.  Ferida no ombro direito e anca direita;

s. Compressão do trigémeo, com repercussões na vista, maxilar, língua e lábio direitos;

t.  Traumatismo da coluna cervical;

u. Traumatismo na zona do cotovelo direito;

v. Lesões por todo o corpo;

w. Entorse dupla, nos tornozelos esquerdo e direito;

21. Destas lesões resultaram:

i. Sequelas pós fractura da bacia;

ii. Depressão a nível da articulação coxofemural esquerda, deformante;

22. As sequelas pós fractura da bacia impuseram um acompanhamento médico após a data da alta;

23. Em 13.05.2007, a A. foi transferida, ainda inconsciente, para o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de ...; Doc. de fls.149 relevando-se o lapso que se se escreveu no relatório a data de 3/5 quando se queria ter escrito 13/5 até porque em 3/5 ainda não tinha ocorrido o acidente;

24. No Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, foi submetida a exames radiológicos conforme consta de fls.149;

25. Na UCI, manteve-se inconsciente (7 dias, e ligada a prótese ventilatória durante 10 dias);

26.  A A., não reagia a nenhuns dos estímulos verbais dos pais, familiares e amigos;

27. Apenas balbuciou as primeiras palavras passados dias;

28. Quando abriu os olhos pela primeira vez, mas por escassos momentos, recusando-se a fazê-lo de novo, apesar dos pedidos insistentes da mãe;

29. Mantendo-se em estado de prostração total nos dois dias seguintes, sem falar e sem abrir os olhos, indiferente aos pedidos dos pais, da irmã, dos amigos e dos médicos;

30. As únicas palavras que balbuciou em 24.05.2007, e fê-lo em voz sumida, depois de insistentes pedidos da irmã, foram: "só vejo sombras"!

31. Nos dias que se seguiram manteve que não via as pessoas, nem as coisas;

32. A A. só alguns dias depois passou a reconhecer as pessoas e a ver, ainda que com dupla imagem e com muitas sombras começando a focar as pessoas e as coisas com o olho direito e o esquerdo fechado e com inclinação da cabeça para a esquerda;

33. Só nessa posição conseguindo vislumbrar as pessoas, ainda que as imagens lhe aparecessem sobrepostas e ainda esbatidas;

34. Posição que lhe provocava fortes dores na coluna cervical e lombar;

35. No período entre 13.05.07 e 5.06.2007 a A. fez exames médicos do foro neurológico e análises clínicas;

36. Em 6.06.2007, ainda imobilizada, foi transferida do Serviço de Cardiotorácica para a unidade de Ortopedia do H..., com o seguinte diagnóstico:

- TCE: ferida incisa na região frontal à direita

- Traumatismo tóraxico abdominal.

- Hemopneumotórax traumático à direita

- Apófises transversais direitas de L2 a L4 - dos ramos isquiopúbicos - do púbis Dt.°

- Asa de sacro Esq. - Ilíaca esquerda

37. E a seguinte medicação:

- Dieta geral;

- Paracetamol comp a 1000 mg. um comp SOS;

- Cipralex 10 mg comp/dia;

- Bromazepam: 3 mg de manhã e 1,5 mg à noite;

- Lactulose: 1 carteira 2xdia.

38. Foi-lhe ainda marcada uma consulta “de observação de seguimento, na consulta de cardiologia, no dia 05.07.2007, pelas 15h30”;

39. No serviço de Ortopedia, a A. foi submetida a um exame TAC de controlo posterior, com o seguinte diagnóstico:

- Traumatismo craniano, torácico abdominal e pélvico, com:

- Fractura apófise transversal L4 à direita

- Fractura da bacia

- Hematoma epidural da média convexidade 1 com resolução em TAC;

40. Durante todo o período em que se esteve internada manteve-se retida no leito, e imobilizada;

41. Todos os dias era lavada no leito por duas enfermeiras e as necessidades fisiológicas eram efectuadas na cama numa arrastadeira;

42.   Sendo também necessário o auxílio de duas enfermeiras para a segurarem, e mudarem;

43.  No dia 18.06.2007 a A. teve alta hospitalar; cfr. doc. de fls.179

44.  Sendo transferida de ambulância, com cuidados especiais para a sua residência;

45.  Onde ficou imobilizada, acompanhada permanentemente pela mãe, e assistida, diariamente, por uma empregada doméstica, das 8h30m às 20 horas e uma assistente de enfermagem;

46.  Assistente que ajudava a mãe nos cuidados diários, que a lavava também na cama, administrando-lhe também toda a medicação tanto oral como injectável, assim como os tratamentos necessários, até 26/08/07;

47.  Permanecendo, contudo, imobilizada e com a visão afectada, com dupla imagem, desfocada e com sombras;

48.  Situação que lhe provocava momentos de pânico e de angústia permanente;

49.  Dores e sofrimento, particularmente acentuados durante os meses em que esteve acamada;

50.  E em que apenas movia a mão direita, mas sem força para segurar uma colher de chá;

51.  Tendo dificuldade em ingerir os alimentos;

52. Em que quase não falava;

53.  Tendo dificuldade em conciliar o sono;

54.  Tendo de tomar psicofármacos;

55.  A partir de Agosto de 2007, a A. passou a ser assistida por uma empregada doméstica;

56. Em 12/07/07, foi-lhe diagnosticada Diplopia post-traumática para a esquerda e para baixo, provocada por esmagamento do trigémeo;

57. Com a consequência daí decorrente de desfocagem da visão e a necessidade de utilização de óculos prismáticos de correcção;

58.  Em 19 de Maio de 2008, foi emitida declaração pelo cirurgião vascular EE, declarando que a A. tem sido seguida na consulta por quadro de trombose venosa profunda em consequência de traumatismo, conforme melhor consta de fls.161;

59.  Uma trombose venosa profunda acarreta um maior risco de o doente vir a contrair uma embolia pulmonar.

60. Em 05.07.2007, teve de deslocar-se de maca em ambulância ao H...; cfr. fls.211

61.  Entre 15.07.2007 e 30.07.2007, a A. teve consultas domiciliárias de apoio psicológico;

62.  No seguimento da consulta foram-lhe ministradas, no domicílio, 14 injecções; cfr. fls.220/221

63.  Por determinação médica, a A. submeteu-se ainda a sessões de fisioterapia; cfr. fls.223 a 226, 1508

64. Após a alta a A. teve consultas externas no Hospital ..., da especialidade de neurocirurgia, no Serviço de Neurocirurgia-CE, de oftalmologia e no serviço de Cardiotorácica; Doc. de fls.168, 1501, 1506 e ss.;

65. Em 12.7.2007, a A. teve consulta externa de oftalmologia; cfr. fls. 1502;

66. Foi-lhe diagnosticada a diplopia e receitados uns óculos especiais prismáticos de correcção e reeducação da visão; cfr. fls.1501 v.

67.  Para poder utilizar os óculos prismáticos a A. tem que estar sentada numa cadeira especial, introduzir um aparelho na boca para suporte dos maxilares, apoiar os pés numa banquinha, e colocar à sua frente uma Leitoril;

68.  Equipamentos que tinham de ser construídos por encomenda, ajustados à A., e o aparelho bucal importado;

69.  O aparelho bucal, exigiu uma adaptação, até pela necessidade de regulação da respiração, e postura corporal;

70.  Com a ajuda dos óculos prismáticos a A. pôde passar a ver as coisas e as pessoas, sem sombras, mas com imagens esbatidas, a ver alguma televisão, a "discar" os números do telefone com alguma autonomia e a começar a ler, sempre com os tais óculos;

71.  e sem o aparelho bucal, durante o dia;

72.  Ainda em 2007 numa consulta de psiquiatria, foi-lhe diagnosticado uma síndroma de pânico; cfr. fls.166

73.  Em Agosto de 2007, deu os primeiros passos com canadianas;

74.  Em Agosto de 2007, passou três semanas no ... amparada por canadianas;

75.  Regressou a ..., ainda com canadianas;

76.  Em Setembro de 2007, reiniciou os tratamentos de fisioterapia;

77. Os quais tem de suspender periodicamente para evitar a inflamação da perna esquerda;

78.  Tratamentos que mantém ainda e irá precisar durante toda a sua vida duas vezes por ano;

79.  No ano de 2007, a A. teve de deslocar-se ao H..., para fazer um exame de Imagiologia Geral e teve consulta no H... de Ortopedia;

80.  Durante o ano de 2007, a A. fez exames, ecografias, análises, consultas externas de Ginecologia, ortopedia, consulta dentária, fisioterapia, otorrinolaringologia, tratamento de reeducação vestibular, tratamento de posturografia dinâmico, psicologia, neurocirurgia;

81.  Em 23.10.2007, a A teve uma consulta da especialidade de Oftalmologia, postura e dislexia em ..., onde foi confirmado o diagnóstico de diplopia Pós- traumática;

82.  No ano de 2008 a A. teve consulta no Serviço de Ortopedia do H...., continuando a ser seguida na consulta de ortopedia do H...; (art. º l04°e l05°da B.I.)

83.  A A. ainda hoje continua a suportar dores, agravadas ainda com as mudanças de tempo, e continua a ter de se sujeitar a medicamentação oral e injectável;

84. Tem vertigens e perdas de equilíbrio;

85.  A A. sofre de falta de sensibilidade da língua, lábio e maxilar direitos, parte exterior do braço direito, dedos da mão direita, e com inflamações do membro inferior esquerdo direito e dos tornozelos; cfr. fls.1512 v.

86.  A A. sofrerá, de cefaleias, vertigens, dores provocadas por inflamações na coluna, na bacia, e na perna esquerda, tornozelo, e pé do mesmo lado, períodos de imobilização prolongados, deficiência de visão, de perda de equilíbrio, e claudicará sempre a andar;

87.  O internamento hospitalar, com imobilização, provocou-lhe feridas dolorosas nas costas e nas nádegas e esfoliações por todo o corpo;

88. Durante esses períodos nomeadamente, naqueles em que se manteve em internamente hospitalar viu-se privada da companhia dos pais e mais familiares;

89. Muitas vezes, durante a noite era acometida de estados de pânico, em que ligava à mãe a chorar copiosamente e a pedir socorro;

90.  Socorro que a mãe não lhe podia prestar, por que não tinha acesso ao hospital entre as 8:00 h da noite e as 12:00 h do dia seguinte;

91. Viu-se também privada da sua intimidade pessoal durante os períodos de internamento e acamamento, e incapacitada para satisfazer as suas necessidades de higiene diária;

92. Em que teve de permanecer imóvel, sempre na mesma posição;

93.  A data do acidente a A. era saudável, sã, e não padecia de qualquer doença;

94.  E com grande alegria de viver, o que contagiava os amigos, colegas e todos os que se relacionavam com ela;

95.  No que diz respeito às dores sofridas pela A., quer durante os períodos de intervenções cirúrgicas e consequentes tratamentos médicos, quer durante os períodos de recuperação, que foram consequência do acidente, numa escala de 0 a 7 graus estas situam-se no grau 5; (cfr. relatório perícia médica)

96.  Deitada não consegue levantar as duas pernas ao mesmo tempo;

97.  A A. tem perdas de equilíbrio;

98.  A A. devido ao acidente ficou afectada de uma incapacidade fixada pela perícia do IML em 17 pontos percentuais;

99.  A A. suportou a totalidade das despesas médicas, de internamento, exames clínicos, consultas médicas e de psicologia, e ainda despesas com tratamentos a que se submeteu, designadamente fisioterapia, enfermagem domiciliária, transporte de táxi e em transporte públicos e ambulâncias, despesas de farmácia no valor de € 21.101,85;

100. A A. despendeu nuns óculos prismáticos o valor de €300,00, leitoril, €45,00; palmilhas, €45,00; cadeira especial, €100,00; banco de apoio de pés, €55,00, aparelho de estabilização de boca e maxilares, €56,85, num total de € 601.85; cfr. fls.l58/159;

101. Na deslocação a ... a A. despendeu:

i. Despesas de deslocação - passagem aérea, adquirida na Agência OPODO € 391,12; cfr.. fls.186/189

ii. Consulta médica € 40,00; cfr. fls.191

iii. Alojamento no Hotel N... - marcação € 70,84 -dias 24 a 27 de Outubro €252,52; cfr. fls. 192 a 195

iv. Alojamento no Hotel ... - dias 28 a 30 de Outubro €192,12; cfr. fls. l92 a 195

102. A A. pagou € 79,1 na inscrição para os exames da segunda na Universidade ..., que não pode realizar por causa do acidente;

103. As deslocações da A. apenas foram feitas de Táxi, na impossibilidade da mãe, da irmã ou do pai a levarem em viatura própria às consultas médicas, exames clínicos, tratamentos de fisioterapia;

104. Na altura do acidente a A. vinha de uma gala de finalistas organizada pela Faculdade de Direito da Universidade ...;

105. Face à violência do embate, ficaram danificados e/ou perdidos no acidente, os seguintes bens:, Vestido de noite: 230,00€, Sapatos, - Écharpe, Brincos, Anel em ouro, Roupa interior:, Mala:, Relógio: 550,00€, Pulseira;

106. No acidente ficou ainda danificada a máquina fotográfica, que a A. levou consigo para a festa;

107. A A. teve de adquirir uma outra de características idênticas, mas mais barata, no que despendeu € 400,00;

108. O mesmo aconteceu com o seu telemóvel MOTOROLA V3 - P, que ficou todo partido;

109. Pelo que, a A. viu-se na necessidade de adquirir um outro telemóvel em 28.08.2007, da marca LG -KG800 Chocolate LIFELINE GOLD, na "The Phone House, Loja TMN — ... 167260, pelo preço de € 214,80; (cfr.fls.228)

110. A A. era aluna finalista do curso de direito da Faculdade de Direito da Universidade ...;

111. Na altura do acidente a A. preparava-se para concluir o seu curso;

112. Devido ao acidente a A. deixou de poder assistir às últimas aulas do ano lectivo, e apresentar-se aos exames;

113. A A. teve de repetir este ano;

114. A A. sentiu a mágoa de ter que conviver com o facto de ver os seus ex-colegas já a trabalhar, a ganhar experiência de vida;

115. Na altura do acidente, a A. frequentava um curso de espanhol no ..., curso em que despendeu € 230,00;

116. Curso que não pode frequentar até ao fim, e fazer o exame final;

117.  A A. estava a tirar a carta de condução no ..., tendo pago € 167,23 antes do acidente; (docs. de fls.230 a 234);

118. Por causa do acidente, a A. não pode realizar o exame de condução;

119.  A A. paga (à data da propositura da acção) a importância de € 620,00 à empregada doméstica que a apoia;

120. A mãe da A. deixou de trabalhar para acompanhar a A. no período compreendido entre o dia 12/05/2007 e Setembro de 2007;

121. Tendo deixado de auferir o montante de € 726,27, que a R. seguradora já pagou;

122. No período de internamento hospitalar, o seu pai e irmã almoçaram no H.....;

123. Aí adquirindo as refeições da A. sumos, águas e fruta de que necessitava, despendendo montante não concretamente apurado;

124.  Face às sequelas do acidente, a A. terá de fazer durante toda a sua vida sessões de fisioterapia duas vezes por ano, uma consulta anual para as especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, neurologia, e esporadicamente, em crise, terá de tomar medicamentos anti-inflamatórios e analgésicos;

125. A A. foi submetida a exame pericial, pela Delegação de ... do Instituto Nacional de Medicina Legal, no âmbito do processo de inquérito n.º 7058/07...., dele resultando as seguintes sequelas do acidente:

 a) Cicatriz em Y, com sinais de pontos de sutura, em área com depressão óssea, da região frontal direita, com 5 cm de cumprimento do ramo horizontal, no couro cabeludo, e de 3 cm do ramo vertical, deformante;

 b) Cicatriz, como dedada, sobre a articulação do ombro direito, de ferida contusa;

 c) Cicatriz, como pala de mão de criança, da face antero-externa do pólo superior do joelho      direito;

 d) Edema da perna esquerda com 35 cm de diâmetro, a 16 cm do ponto médio do joelho, em comparação com diâmetro da mesma região contralateral direita, com 33 cm;

e) Cicatriz linear, com sinais de pontos de sutura, oblíqua, da linha média axilar direita, a nível do 6.º espaço intercostal, referente a drenagem cirúrgica pulmonar;

126. A data de consolidação das lesões sofridas pela A. é 11.5.2009 (relatório - Medicina legal);

127. Sofrendo um período de défice funcional temporário total de 111 dias e parcial de 618 dias; Relatório do IML;

128. Após instauração do processo de sinistro, a R. seguradora, assumiu a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro;

129. A A. recebeu em 15 de Fevereiro de 2007, da R. MAPFRE, a importância de € 9.497,25;

130. A quantia paga pela seguradora destinou-se a reembolsar a Autora e a mãe desta das seguintes despesas:

-Inscrição anual da Autora na faculdade e respectivas propinas referentes ao ano lectivo 2006/2007 -€ 3.465,90

-Auxílio de terceira pessoa, prestado pela própria da mãe da Autora, no período compreendido entre o dia 14 de Maio de 2007 e o dia 21 de Agosto de 2007 -€ 726,27

-Auxílio de terceira pessoa, prestado por empregada -€ 650,00

-Munditer (serviço de saúde) -€ 86,89

-Farmácia - € 258,05

-Dra. FF (Psicologia Clínica) -€480,00

-GG (Fisioterapeuta) -€ 500,00

 -Táxis-€117,95

 -Bombeiros -€ 120,00

-HH (comercio pró. ortopédicos) -€10,19

-Hospital ... -€ 4,30

- Clínica ... (Fisioterapia) -€ 600,00

- Clínica Maio -€ 65,00

- Opto centro (óculos) -€ 300,00

-Posturmed-€ 100,00

-II (leitoril, palmilhas e apoio pés) -€ 145,00

 -Sermagem (serviços de enfermagem) -€ 191,60

-The Phone House /aquisição de novo telemóvel -€ 214,80

-Solidus (apoio medico psicopedagógico) - € 90,00

-Munditer (arrastadeira) -€ 86,89

-Roupas, sapatos, écharpe e outros objectos danificados no acidente -€ 1.284,41;

131. Em acção judicial emergente do acidente dos autos, intentada contra a Ré por CC, é peticionada a quantia €865.575,61.

132. Em acção judicial emergente do acidente dos autos, intentada por
DD, contra a Ré
(proc. n." 2500/10.5...) esta foi condenada apagar àquela
:

a. A quantia de 5.140,00 €, acrescida da que se vier a apurar em posterior liquidação, relativamente aos bens danificados ou perdidos no acidente e aos valores despendidos em livros, fotocopias, material escolar, transporte em carro próprio e refeições escolares, deduzida a quantia já paga pela R., acrescendo os juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;

b. A quantia de 30.000,00 € por danos não patrimoniais.

c. Na mesma acção ficou ainda provado que no dia 15.02.2008 a referida DD recebeu da Ré a quantia de € 5.417,77, relativa ao reembolso parcial das despesas de ensino, consultas médicas, farmácia e tratamentos.

133. Em acção judicial emergente do acidente dos autos, intentada por JJ
 contra a Ré (proc. n.º 220/11.2TVLSB), esta foi condenada a pagar
àquela:

- A quantia de € 45.000,00 a título de danos patrimoniais futuros [respeitantes a avaliação dos seguintes danos: Repercussão Temporária na Atividade de Formação Total; Repercussão Temporária na Atividade de Formação Parcial; Défice Funcional Permanente da Integridade Fisico-Psiquica de dezassete pontos; esforços suplementares da autora no exercício das atividades profissionais da sua área de formação]

-A quantia de € 45.000,00 a título de indemnização integral pelos danos morais [respeitantes ao sofrimento físico e psíquico experimentado pela autora e ao denominado dano estético]

-A quantia que, por referência a indemnização global de 95.313,89 €, tendo em conta os limites do capital seguro (600.000 €) e no confronto com as demais lesadas, se vier a apurar caber-lhe por força do rateio a efetuar em ulterior liquidação e até ao montante máximo de 90.000 € e ainda em juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que vier a ser liquidada, nos termos acabados de referir, contados desde a data da futura decisão atualizadora e não na data da citação para os termos da liquidação.

- Na mesma ação ficou ainda provado que no dia 15 de Janeiro de 2008 a referida JJ recebeu da Ré a quantia de € 5.313,89 a título de reembolso parcial das despesas com consultas médicas, farmácia e tratamentos»

Não se provaram os seguintes factos:

1.  O veículo conduzido pelo 2º R. circulava a mais de 180 km/hora;

2.  Circulando o TM a não mais de 40 Km/hora;

3.  O TM imobilizou-se numa zona de terra, exterior às faixas de rodagem, depois de rodopiar sobre si diversas vezes;

4.  Ficando com a frente virada para o lado contrário da direcção em que seguia;

5.  As sequelas pós fractura da bacia, impõem um acompanhamento periódico médico durante o período mínimo de quatro anos? (consolidação das lesões em 2009 segundo o relatório do IML)

6.  Terá que fazer uma operação aos olhos, e provavelmente à bacia;

7.  A A. tem de executar obras de adaptação da casa de banho da sua residência, com a substituição da banheira por uni poliban, com banco, para poder tomar banho sozinha;

8.  Uma vez que pode cair na banheira e não consegue subir sem ajuda de terceiros;

9.  Orçando tais obras em €1.760,00;

10.  Por virtude de incapacidade permanente de que ficou sendo portadora, a A. apenas poderá vir a utilizar um veículo dotado de caixa automática, e outras adaptações, mais dispendioso do que um veículo com caixa normal;

11.  A A. necessitará para o futuro e até ao final da sua vida, de uma terceira pessoa que a auxilie nas tarefas domésticas, nomeadamente passar a ferro, aspirar, arrumar, cozinha, tirar a roupa e a loiça das máquinas;

12.  A A. tinha já trabalho a partir de Setembro de 2007, que lhe garantia um salário anual de € 21.000,00/mês (€ 1.500,00/mês) e um seguro de saúde Medis;

13.  A A. tem necessidade de ser submetida a exames médicos regulares de modo a verificar se poderá ou não ter filhos;

14.  Sendo que, se isso vier a ser viável, apenas acontecerá com acompanhamento médico permanente e numa situação de repouso absoluto;

15.  A A. não poderá praticar quaisquer actividades de lazer e recreio e outros que envolvam qualquer esforço físico;

16.  Como debruçar-se e agachar-se;

17.  Actividades que a trombose na perna esquerda exigia que fizesse, sob pena de contrair uma embolia pulmonar;

18.  Só consegue levantar a perna direita 10 cm e a esquerda não mais

de 5 cm, e por escassos segundos;

19.  Em consequência das sequelas resultantes dos ferimentos sofridos no acidente não pode já, nem poderá no futuro, exercer qualquer actividade que exija permanecer de pé ou sentada por período superior a uma hora, estar concentrada a ler por períodos longos, ou desempenhar qualquer tarefa que implique o dispêndio de esforço físico e do movimento de se debruçar, agachar, ajoelhar ou transportar quaisquer volumes;

20.  Até as meras compras de supermercado ou de transporte de uma simples mala em viagem lhe estão vedadas para sempre;

21.0 simples repouso num sofá lhe causa mal-estar, passado algum tempo;

22.  Devido às sequelas do acidente a A. está impossibilitada de fazer um seguro de saúde que cubra as enfermidades de que padece, e mesmo as coberturas gerais têm um agravamento de custo;

23.  Em financiamento para habitação própria, por causa das sequelas da A., o spread que lhe é exigido é mais elevado, e o número de prestações diminuído;

24.  No período de internamento hospitalar, o pai e irmã despenderam no H..... em refeições o montante de € 1.200,00.

25.  Ainda em ..., a A. procedeu à adaptação do aparelho de ortodontia bucal;

26.  No ano de 2007, as despesas de ensino universitário foram: Refeições: almoços escolares (ano completo) - aprox. 3,00 Euros x 3 dias/ Semana + lanche diário -650,00€;

     Livros + fotocópias +material escolares (€ 200,00);

     Transportes: carro/táxi+ gasolina: total (ano completo) € 1.000,00;

    Mesadas+despesas extra escolares+vestuário (€ 5.500,00);

27.  A A. paga à empregada doméstica encargos sociais no montante de €39,71 e seguro de trabalho no montante de €200,00 anuais;

28.  A A. permaneceu imobilizada até final de Agosto de 2007.»


*

II - Fundamentação

1. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação

Invoca a autora a nulidade do acórdão recorrido por ausência de fundamentação relativamente à decisão de condenar a Ré MAPFRE a pagar à A. ora recorrente, juros de mora à taxa legal, sobre as quantias referidas em a), b), e c) a partir do trânsito em julgado deste Acórdão, ou, havendo lugar a rateio, a contar da citação para os termos da liquidação.

O Tribunal de 1.ª instância havia condenado a R. no pagamento desses juros de mora a contar da decisão.

Sobre os juros de mora, um dos fundamentos do recurso de apelação interposto pela ré, refere o acórdão recorrido o seguinte:

G) Sétima questão: Do início do cômputo dos juros de mora.

Finalmente, na Conclusão 33 a Recorrente alega que o Tribunal a quo errou ao condená-la a pagar juros desde a data da sentença, defendendo que apenas a deveria ter condenado a pagar juros a partir do trânsito em julgado da última acção contra si intentada pelas lesadas no acidente de viação dos autos ou, havendo lugar a rateio, em ulterior liquidação, sobre a quantia que vier ser liquidada, juros esses contados desde a data da futura decisão actualizadora.

E, na Conclusão 34, alega que o Tribunal a quo errou ao ter condenado a Ré/Recorrente a pagar juros de mora contados desde a data da decisão sobre as quantias referidas em E) do petitório, ou seja, sobre as quantias que no futuro a Recorrida venha a despender e que nos termos da própria sentença recorrida serão a liquidar posteriormente, em execução de sentença.

A sentença recorrida condenou "os RR. no pagamento de juros de mora contados desde a data desta decisão sobre as quantias referidas em C), D) e E) à taxa legal de 4%", ou seja, juros contados sobre as indemnizações por danos patrimoniais futuros [referidas em C) e E)] e por danos não patrimoniais [referida em D)].

A este propósito, a sentença em crise fundamentou a decisão nos seguintes termos:

"A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo a indemnização pela mora, aos juros legais desde a data da sua constituição, ou seja, desde a data da citação (art.°s 804 n°3, 805 n°3 e 806 n°s 1 e 2, do C.C.)

Por se tratarem de juros de mora estipulados por lei, e regulados nos art.° s 806°, n.° s 1 e 2, do Cód. Civil, seriam devidos desde a citação, nos termos do disposto no n.° 3 do art. 805°, do Cód. Civil, à taxa legal de 4% (Portaria n.° 291/03, de 8.04), uma vez que está em causa uma obrigação civil (sendo que, no entanto, fixada a indemnização tendo em atenção a data mais recente, a da sentença, a fixação de juros teria de se reportar a esta data e não à citação).

Estabelece o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 4/02 de 09/05/02, publicado no D.R., I Série A, n° 146, de 27/06/02, que:

"Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.° 2 do artigo 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeitos do disposto nos artigos 805°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."

É assim inadmissível, a nosso ver, a cumulação de juros desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa de inflação"

A decisão recorrida está correcta e é aplicável ao caso concreto, contanto que o crédito da Autora, ora Recorrida, se mostre líquido, o que acontecerá, apenas, se o resultado da soma da indemnização global fixada e devida à Autora nestes autos e das indemnizações globais fixadas ou a fixar judicialmente e devidas às restantes lesadas do mesmo acidente não ultrapassar o valor do capital seguro, que é de €600.000,00.

Não sendo esse o caso, ou seja, se o total dos créditos da Autora e das demais lesadas exceder o valor do capital seguro, tem de se considerar que o crédito da Autora ainda não se mostra líquido, o que acontecerá, apenas, aquando' da subsequente fase de liquidação, havendo lugar a rateio, a mora inicia-se a contar da citação para os termos da liquidação posterior, em conformidade com o disposto nos artigos 805.°, n.º 3 do Cód. Civil e 360.°, n.° 3, do CPC e com a referida jurisprudência uniformizadora. Por conseguinte:

1. não havendo lugar a rateio, os juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, sobre os montantes indemnizatórios, por danos patrimónios futuros e por danos não patrimoniais, porque actualizados, são devidos a partir do trânsito em julgado presente acórdão actualizador e não do trânsito em julgado da última decisão a proferir em qualquer das outras acções intentadas pelas demais lesados no acidente, como pretende a Recorrente;

2. havendo lugar a rateio, os juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, sobre os montantes indemnizatórios, por danos patrimónios futuros e por danos não patrimoniais, porque actualizados, são devidos a contar da citação para os termos da liquidação ulterior e não da futura decisão actualizadora, como pretende a Recorrente.

A alteração da decisão proferida em primeira instância quanto a juros moratórios mostra-se fundamentada.

Tal decisão confirma a decisão proferida pela 1.ª instância, caso não haja lugar a rateio por insuficiência do capital seguro para satisfazer integralmente as indemnizações de todos os lesados deste mesmo acidente, desatendendo a pretensão da ré de que esses juros fossem contados apenas a partir do trânsito em julgado da última acção contra si intentada pelas lesadas no acidente de viação dos autos ou, havendo lugar a rateio, em ulterior liquidação, sobre a quantia que vier ser liquidada, juros esses contados desde a data da futura decisão actualizadora.

A decisão a ter em consideração é a decisão proferida no acórdão recorrido e não na decisão de 1.ª instância uma vez que na apelação foram alterados/reduzidos os montantes indemnizatórios o que significa a obrigação só se tornou líquida com a decisão do Tribunal da Relação.

O acórdão recorrido acrescenta à decisão da 1.ª instância que, apesar de estarmos face a uma indemnização cujo valor é actualizado à data da sentença, no caso de haver lugar a rateio que amputará de uma parte o valor da indemnização já se não poderá falar de uma indemnização que foi actualizada à data da sentença pelo que o valor dos juros moratórios terão de passar a contabilizar-se a partir da citação para o processo de liquidação.

Improcede, pois, a revista com este fundamento. 


 *

  

2. Montante da indemnização por danos patrimoniais futuros

Pretende a recorrente que deve ser mantida a decisão do tribunal de 1.ª instância que fixou em 75 000,00€ a indemnização por danos patrimoniais futuros, não contestado pela A. na apelação, por o entender justo e equitativo. Questiona a validade do critério utilizado pelo acórdão recorrido, suportado num salário médio mensal de 2017 quando à data de prolação do acórdão – 21/11/2019 - se sabia já que aquele salário mínimo sofrera considerável incremento, e, nos valores fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça na determinação do mesmo tipo de indemnização para casos similares, sem demonstração da similitude de tais casos com a situação da A.

Diversamente, a Ré seguradora considera justa e inatacável a decisão recorrida.

O acórdão recorrido fixou em 60 000,00€ a indemnização pelo dano patrimonial futuro com a seguinte fundamentação:

(…)Esta afectação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho efectiva, releva para efeitos indemnizatórios -como dano biológico - porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente da sua actividade laboral, quer diminuindo as alternativas que lhe seriam possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

No âmbito do dano biológico, na vertente de dano não patrimonial, não pode deixar de considerar-se a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto-Lei n.° 352/2007 de 23 de Outubro, que representa uma tabela médica destinada a avaliar e pontuar as incapacidades resultantes de ofensa na integridade física e psíquica das vítimas de acidentes. Embora seja uma tabela que se destina a ser utilizada por médicos, no âmbito do direito civil, tendo em vista a avaliação do dano biológico e tenha como principais destinatárias as seguradoras, já que surge da necessidade de apresentação por estas de uma proposta de indemnização ou compensação aos sinistrados, o que é certo, é que, tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico, somos de crer que os tribunais não podem igualmente deixar de a ter em conta, embora não estejam vinculados à sua aplicação.

Na verdade, a fixação de uma compensação a título de indemnização por Dano Futuro decorrente de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/Dano Biológico, assume necessariamente alguma dificuldade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objectivo, no caso a tabela em questão, para que possa potenciar uma certa uniformização de decisões, sem prejuízo de, naturalmente, se levarem igualmente em conta outros factores relevantes que possam determinar uma indemnização equitativa. Nesta medida os valores resultantes da aplicação da tabela devem ser ponderados, mas também temperados pelas circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade.

Para a questão que agora nos interessa há que ter em conta o anexo IV da Portaria n.° 377/2008, alterada pela Portaria n.° 679/2008 de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, no que é designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente.

Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre comportará para o lesado um esforço suplementar para o exercício de qualquer actividade humana e uma diminuição da sua qualidade de vida futura.

Nesta perspectiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional.

Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido, quando o lesado não exerce actividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 6.000,00 ou com € 600,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.

Como se pondera no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-06-2013, proferido no proc. n.° 2092/11.8T2AVR.C1, disponível para consulta em www.dtzsi.pt., que temos vindo a seguir de perto, fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, gerar situações injustas. Pode acontecer que o esforço acrescido necessário para o exercício da actividade, por força de uma incapacidade como aquela de que a Autora padece, de 17 Pontos que afecta a sua concentração, memória, é causa de vertigens, de défice de visão e de fenómenos dolorosos na coluna lombar e na bacia, pode ser maior para alguém que, por exemplo, exerça a profissão de advogado, do que para alguém que seja porteiro numa empresa. Considera-se por isso que, estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade. Coloca-se, assim, a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização.

A propósito desta questão, ponderou-se no Acórdão do TRC citado, "A Portaria 377/2008 de 26 de Maio faz consignar a remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico.

Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida. Seguimos aqui de perto o já decidido no Acórdão deste Tribunal e Secção de 28 de Maio de 2013, no Proc. 1394/08.5 TBTNV. Cl [...], que refere a dada altura: "A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem."

A informação estatística da base de dados Pordata, em Portugal, in. www.pordatti.pt indica que a remuneração base média dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2009 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 867,50.

Este valor é então um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização, havendo também que considerar, naturalmente a idade do lesado que era de 53 anos à data do acidente e o grau de desvalorização que é de 37%.

A Portaria 377/2008 de 26 de Maio foi actualizada pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho que, no seu anexo IV dispõe sobre os valores de compensação do dano biológico-compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica. Na mesma é estabelecido um valor por cada ponto de desvalorização, ponderando a idade do lesado."

Reportando-nos, agora, ao caso concreto, temos assim que para uma desvalorização de 17 Pontos, são estabelecidos, na referida Portaria, os valores de €1441,53 a €1492,83, quando a vítima tenha entre 21 e 25 anos de idade.

Havendo uma desvalorização de 17 Pontos e equivalendo cada ponto a €1492,83 [tendo em conta que a idade da lesada era de 25 anos, situando-se por isso no fim do respectivo grupo etário], a indemnização seria de €25.378,11.

Contudo, tais valores da Portaria reportam-se à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV) que é menos de metade da remuneração média nacional.

Se considerarmos a remuneração base média nacional de € 943,00 em 2017 (www.pordata.pt) e observando uma regra de três simples, chegamos ao valor compensatório de € 59.383,51.

Ora, tendo em conta que a decisão sob recurso fixou a indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico em €75.000,00 - montante que excede o valor indicativo a que se chegou, de acordo com os critérios mencionados, conclui-se que tal valor deve ser reduzido para a quantia de €60,000,00 [sessenta mil euros], montante que se nos afigura mais equitativo, criterioso e consonante com os critérios apontados e os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores.”

O acórdão recorrido fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros aplicando uma regra matemática ao valor do salário médio mensal do ano de 2017, seguindo a fórmula do anexo IV da Portaria 679/2009 de 25 de Junho, apesar de ter indicado que se trata de uma tabela que se destina a ser utilizada por médicos, no âmbito do direito civil, tendo em vista a avaliação do dano biológico e tenha como principais destinatárias as seguradoras, já que surge da necessidade de apresentação por estas de uma proposta de indemnização ou compensação aos sinistrados, o que é certo, é que, tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico, somos de crer que os tribunais não podem igualmente deixar de a ter em conta, embora não estejam vinculados à sua aplicação. Pretendeu assim encontrar um meio objectivo de definir tal indemnização com respeito pelo princípio da igualdade.

Seguindo a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proferida no proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, que se mantém actual e à qual aderimos inteiramente, reafirmamos que:

  “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil).

A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”).

Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

Na presente situação, ainda que não expresso, o acórdão recorrido fixou a referida indemnização assente em critérios de equidade.

A determinação da indemnização por danos patrimoniais futuros, obedece a juízos de equidade alicerçados não na aplicação de um estrito critério normativo, mas numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

Verificam-se, e nem mesmo vêm questionados, os pressupostos normativos do recurso à equidade para a determinação do valor a indemnização por danos patrimoniais futuros sofrido pela A. com o acidente de viação em causa nestes autos, e, as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida.

O objecto do recurso, neste particular, dirige-se contra o critério utilizado e os limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo.

Na presente situação a compensação a atribuir por danos patrimoniais futuros, porque não determina a diminuição da capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional ou com os seus rendimentos que ela previsivelmente lhe proporcionaria como entendeu o acórdão recorrido.

Ficou provado que:

1. - Em consequência do embate a A. sofreu:

a. Hemorragia cerebral;

b. Perfuração do pulmão direito;

c. Drenagem pleural direita removida em 14.05.2007

d. Hematomas

e. Bacia fracturada em 5 sítios;

f. Três Vértebras fracturadas;

g. Intervenção cirúrgica hemopneumotórax;

h. Ferida incisa contusa da região frontal à direita;

i.  Hemopneumotórax traumático à direita;

j.  Fractura das apófises transversas direitas de L2 a L 4];

k. Fractura dos ramos isquiopúbicos;

l.  Fractura da púbis direito;

m. Fractura da asa esquerda do sacro;

n. Fractura ilíaca esquerda;

o. Escoriação no hemitórax direito, com dor à palpação dos quadrantes direitos;

p. Traumatismo torácico e do membro superior direito, com hematoma;

q. Ferida extensa na zona do joelho direito;

r.  Ferida no ombro direito e anca direita;

s. Compressão do trigémeo, com repercussões na vista, maxilar, língua e lábio direitos;

t.  Traumatismo da coluna cervical;

u. Traumatismo na zona do cotovelo direito;

v. Lesões por todo o corpo;

w. Entorse dupla, nos tornozelos esquerdo e direito;

2. Destas lesões resultaram:

i. Sequelas pós fractura da bacia;

ii. Depressão a nível da articulação coxofemural esquerda, deformante;

- a A. poderá exercer a actividade profissional compatível com a licenciatura em direito que estava prestes a terminar quando ocorreu o acidente,

- A A. ainda hoje continua a suportar dores, agravadas ainda com as mudanças de tempo, e continua a ter de se sujeitar a medicamentação oral e injectável;

- Tem vertigens e perdas de equilíbrio;

- A A. sofre de falta de sensibilidade da língua, lábio e maxilar direitos, parte exterior do braço direito, dedos da mão direita, e com inflamações do membro inferior esquerdo direito e dos tornozelos; cfr. fls.1512 v.

- A A. sofrerá, de cefaleias, vertigens, dores provocadas por inflamações na coluna, na bacia, e na perna esquerda, tornozelo, e pé do mesmo lado, períodos de imobilização prolongados, deficiência de visão, de perda de equilíbrio, e claudicará sempre a andar;

- A A. tem Diplopia post-traumática para a esquerda e para baixo, provocada por esmagamento do trigémeo, com a consequência daí decorrente de desfocagem da visão e a necessidade de utilização de óculos prismáticos de correcção

- Teve uma trombose venosa profunda que acarreta um maior risco de o doente vir a contrair uma embolia pulmonar.

- Foi-lhe diagnosticado uma síndrome do pânico.

- A A. estava a tirar a carta de condução no ..., e, por causa do acidente, a A. não pode realizar o exame de condução;

- Face às sequelas do acidente, a A. terá de fazer durante toda a sua vida sessões de fisioterapia duas vezes por ano, uma consulta anual para as especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, neurologia, e esporadicamente, em crise, terá que tomar medicamentos anti-inflamatórios e analgésicos;

- A A. devido ao acidente ficou afectada de uma incapacidade fixada pela perícia do IML em 17 pontos.

Ponderando a matéria de facto provada, particularmente os pontos antes transcritos e tendo em conta que a A. nasceu em .../.../1981, só pode concluir-se que este dano patrimonial futuro sofrido pela A. com o acidente de viação aqui em causa é muito grave, terá profundas repercussões negativas na sua vida futura, em termos de esforços físicos e psíquicos acrescidos na sua vida profissional, pessoal e social, até ao fim da sua vida e não só da sua vida activa profissional, em comparação com o que ocorreria se o acidente não tivesse ocorrido ou, pelo menos, não tivesse atingido de forma tão profunda a sua integridade física e psíquica.

A comparação da situação da A. com as demais referenciadas nos diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciaram sobre o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros é particularmente difícil, não só pela multiplicidade de variáveis atinentes a cada indemnização, mas também por a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça estar fortemente condicionada pelo objecto do recurso podendo mover-se apenas dentro dos limites dele e não numa avaliação global e incondicionada do referido dano. Os valores até agora fixados para avaliação do referido dano são pontos de partida para a fixação de indemnização, meros referenciais do que se pretende seja uma visão jurisprudencial tanto quanto possível uniforme de situações muito diversas e particulares de modo que se não atinja um valor desproporcional à gravidade dos danos ou violador do princípio da igualdade de tratamento a que têm constitucional direito todos os cidadãos.

Porém, foram já fixadas indemnizações às demais lesadas deste acidente de viação e, no confronto com elas creio que poderemos estabelecer uma igualdade relativa no tratamento daquilo que é mais semelhante e comparável.

Assim, como resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 12/05/2015, no processo n.º 220/11.2TVLSB.L1-1, acessível em www.dgs.pt,  em que era A. JJ, que, quanto aos montantes indemnizatórios foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, decidiu-se que:

“Se atentarmos no elenco factual acima fixado constatamos que os danos futuros consistiram no retardamento da entrada no mercado de trabalho da área da sua licenciatura com a perda de oportunidades eventuais (dada que nenhuma em concreto foi demonstrada) e numa incapacidade permanente geral de 8%, que não implica necessariamente perda de rendimento mas apenas a necessidade de esforço suplementar para o alcançar.

Dado que a Autora não tinha ainda uma actividade profissional inexiste qualquer elemento de referência para determinar a correspondente perda de rendimento. Por outro lado, a actual situação do mercado de trabalho, mesmo para licenciados, pela sua incerteza presente e futura, não permite lançar mão a critérios de probabilidade tendentes a quantificar uma referência salarial.

A essa incerteza acresce a incerteza quanto à escolha da taxa de juro para aplicação de tabelas financeiras (a usual taxa de 3% mostra-se manifestamente desajustada da realidade, em que se chegou ao paradoxo da existência de taxas de juro negativas). Como igualmente se encontram em crise, dada a situação económica e orçamental nacional e internacional, que se afigura vir a manter-se por prolongado período, os critérios que vinham usualmente sendo considerados, como sejam a estabilidade do emprego, a progressão profissional e a melhoria das condições económicas e sociais.

Assim, no difícil exercício da equidade tendente à quantificação da indemnização por danos patrimoniais futuros, afigura-se-nos como o mais adequado partir da fixação efectuada pelo já citado acórdão do STJ, comparando a situação nele visada e a dos presentes autos.

Em ambas as situações se trata de pessoas jovens (19 e 23 anos – sendo que não tendo sido junta certidão de nascimento da Autora várias referências há nos autos que nos permitem considerar essa idade), sendo previsível que o dano em causa se prolongue por extenso período, ainda sem actividade profissional e com grau de incapacidade idêntico.

Embora, pelos motivos já apontados, se não possa vislumbrar uma referência salarial não deixa de se afigurar como razoável uma probabilidade de maior rendimento a quem, como a Autora, obteve formação de nível superior. E, por outro lado, a baixa rendibilidade do capital evidenciada nas baixas taxas de juros implica um aumento do capital necessário para que a indemnização atinja os seus objectivos.

Tudo isto ponderado afigura-se-nos que a indemnização a atribuir à Autora deverá ser superior à que foi arbitrada no citado acórdão do STJ; mas não na proporção (quase o dobro) em que o foi na sentença recorrida.

Em conformidade fixa-se a indemnização por danos patrimoniais futuros em 45.000 €. “.

Os factos provados considerados nesta decisão eram coincidentes quanto ao acidente em causa e ausência total de culpa da vítima na produção do acidente. Mas os danos causados a esta lesada foram os seguintes:

- A autora foi internada nas Urgências do "Hospital ..." politraumatizada, com o seguinte diagnóstico:

- escoriações múltiplas dos membros superioras e inferiores;

- ferida incisa contusa de 15 cm na região frontal e descendendo para a pálpebra superior direita com secção parcial do frontal;

- politraumatismos com especial incidência craniana e facial traumatismo;

- dois focos de contusão hemorrágica frontais;

- traumatismo da coluna cervical;

- traumatismo do punho e mão direita, tornozelo, pé e cotovelo direitos;

- traumatismo do pé e tibio-társica direitas;

-quisto aracnoideu, hematoma epicraneano frontal e peri-orbitário direitos.

No relatório clínico de 22/01/2008 elaborado pelos serviços clínicos da ré, constam as seguintes lesões:

-traumatismo craniano com fratura do frontal, condicionando ainda queixas de cefaleia frontal e hipoestesia da fronte;

-Traumatismo da pirâmide nasal com fractura, desvio e afundamento da mesma, já   submetida a cirurgia;

- fractura do esfenóide;

- escoriações e hematomas.

- No serviço de urgência do Hospital ... a autora foi, de imediato, submetida a uma intervenção cirúrgica devido à fractura da pirâmide nasal [redução de fractura de ossos próprios do nariz, tamponamento e contenção com tala gessada].

- No serviço de urgência do "Hospital ..." a autora foi ainda submetida a uma recomposição de uma ferida contusa da face, desde o canto interno do olho direito, atravessando o dorso do nariz, região frontal, terminando acima do terço externo da sobrancelha esquerda.

- Das lesões sofridas no acidente de 12/05/2007 resultaram ainda as seguintes sequelas:

- Cicatriz na região frontal, discretamente hipopigmentada e deprimida, parcialmente de bordos irregulares, em forma de “Y” de abertura para a esquerda, sendo o maior ramo inferior, oblíquo para baixo e para a direita até ao canto interno da sobrancelha direita e medindo 5,5 cm de comprimento já rectificado, e o menor ramo medindo 2 cm de comprimento;

- Cicatriz em forma de “L” invertido, de abertura superior e para a esquerda, na pálpebra superior direita, que se estende imediatamente a partir da porção direita da cicatriz anteriormente descrita e para a esquerda desta, com um dos ramos medindo 2 cm de comprimento e o outro 1 cm de comprimento;

- Cicatriz no couro cabeludo da região temporal direita (coberta pelo cabelo), hipopigmentada, arciforme de concavidade para a frente, medindo 3,5 cm x 0,5 cm

de largura média;

- Desvio da pirâmide nasal para a direita;

- Vestígio muito ténue de cicatriz na coxa direita, terço inferior da face antero medial, de contornos irregulares, ocupando uma área de 1,5 cm x 1,2 cm de maior eixo vertical;

- Na face dorsal do pé direito, sobre a região entre os 4º e 5º metatársicos, cicatriz linear com vestígios de sutura hipopigmentada, medindo 0,8 cm;

-Vestígio muito ténue de cicatriz na coxa esquerda, metade inferior da face medial, arciforme de concavidade para baixo e vestígios de pontos medindo 2 cm.

- As aludidas cicatrizes causam à autora profunda tristeza, com repercussão na sua auto-estima.

- A gravidade das lesões sofridas pela autora conduziu à necessidade de efetuar tratamentos de fisioterapia dos membros e a medicamentação, além da submissão a vários exames de RX e TAC.

- Em 15/05/2007, foi dada alta à autora, continuando os tratamentos em regime externo.

- As lesões sofridas pela autora e respectivos tratamentos determinaram para a mesma a seguinte Repercussão Temporária na Actividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual, no caso concreto, actividade de formação):

- Repercussão Temporária na Actividade de Formação Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto): desde 12-05-2007 até 25-05-2007 (primeiro internamento no Hospital ...) e desde 22-11-2007 até 08-12-2007 (segundo internamento no Hospital ..., para rinoplastia e correção cirúrgica da cicatriz da região frontal);

- Repercussão Temporária na Atividade de Formação Parcial (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações): desde 26-05-2007 até 21-11-2007 e desde 09-12-2007 até 26-06-2008; esta última data - 26-06-2008 – é a da consolidação médico-legal das lesões.

- Em consequência das lesões sofridas pela autora e respetivos tratamentos médicos (designadamente, duas intervenções cirúrgicas, tratamentos de fisioterapia e psicoterapia) a mesma autora sofreu dores correspondentes ao Quantum doloris de grau cinco (numa escala de sete graus de gravidade crescente). [resposta aos pontos 37.º, 38.º e 39.º da BI].

-  A autora frequentava o último ano da licenciatura em direito, na Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade ..., sempre com bom aproveitamento escolar.

- A autora estava na flor da vida e com excelente saúde quando ocorreu o sinistro.

- A autora era uma pessoa alegre, bem-disposta, cheia de energia e com grande vontade de viver, o que contagiava os amigos, colegas e todos os que se relacionavam com ela.

- Como consequência directa do acidente, a autora sofreu um trauma psicológico.

- Na vida afectiva e social, a autora, temporariamente, perdeu o relacionamento com o seu grupo de amigos, deixou de frequentar a praia, deixou de sair de casa e de ir à discoteca.

- Em consequência das lesões sofridas pela autora, esta sofreu um Dano Estético Permanente de grau cinco (numa escala de sete graus de gravidade crescente), tendo em conta as cicatrizes resultantes, sobretudo a localizada na face, atenta a sua especial visibilidade e repercussão na mímica; esta última cicatriz poderá melhorar o seu aspeto estético com tratamento cirúrgico.

- A autora sofreu medo e angústia, tendo temido pela vida.

 -A autora terminou a licenciatura em direito no final do ano de 2008.

-  Na altura do acidente a autora vinha de uma gala de finalistas organizada pela Faculdade de Direito da Universidade ... de que era aluna finalista.

- A autora tem um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (anteriormente designado por Incapacidade Permanente Geral) de oito pontos (numa escala de 100 pontos); no âmbito da Repercussão Permanente na Atividade Profissional, atendendo à formação académica que a autora realizava, as sequelas resultantes do acidente são compatíveis com o exercício das atividades profissionais da sua área de formação, embora impliquem esforços suplementares.

A comparação das duas situações, danos sofridos pela a autora e danos sofridos pela JJ, ambas estudantes finalistas da licenciatura em direito, jovens com pouco mais de duas décadas, partilhando o mesmo veículo no momento do acidente permitem concluir que os limites do juízo equitativo formulado pelo tribunal recorrido quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros subvaloriza os danos futuros da A.. Com efeito considerando as lesões sofridas, as sequelas físicas e psíquicas que cada uma destas senhoras suportará durante toda a sua vida, as condicionantes funcionais que delas previsivelmente decorrerão para o desempenho das tarefas pessoais, profissionais e sociais de cada uma delas, o certo é que os danos sofridos pela A. são muito mais extensos e profundos que os sofridos pela sua amiga JJ e, consequentemente determinarão um maior esforço acrescido para desempenhar as tarefas do dia a dia, e, também as suas funções profissionais que, em ambos os casos, do ponto de vista médico-legal foi considerado não estarem comprometidas.

O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica da JJ é de oito pontos numa escala de 100 enquanto o da A. é de 17 pontos percentuais. As sequelas da JJ são sobretudo de ordem estética, sendo certo que sofreu inúmeros traumatismos e fractura do esfenóide. Mas a A. para além do dano estético decorrente das cicatrizes e do claudicar da marcha, tem dificuldades de visão, de equilíbrio, e as sequelas das múltiplas fracturas que sofreu, uma lesão do nervo trigémeo, tudo factores que apesar da consolidação das lesões perturbarão toda a sua vida futura de forma significativa em termos físicos e psicológicos. Na comparação possível entre uma e outra situação, com todo o respeito pelo sofrimento experimentado por uma e outra, parece-nos evidente que a A. sofreu um dano patrimonial futuro consideravelmente superior ao da JJ e, consequentemente a sua vida futura demandará um esforço muito superior para  desempenhar as tarefas normais do dia a dia e garantir um desempenho profissional de nível elevado, razões suficientes para nos reconduzir ao montante de 75 000,00€ fixado pelo Tribunal de 1.ª instância, de que a A. não recorreu, que se afigura equitativo no confronto das duas reais situações acabadas de analisar, sem se mostrar desenquadrado dos parâmetros seguidos para a determinação da indemnização por danos patrimoniais futuros nos muitos outros casos referenciados ao longo dos autos, naquilo que deles se pode extrair de comparável com a situação da A..

Procede, pelo exposto, a revista com este fundamento.

3. Montante da indemnização por danos não patrimoniais.

Também em matéria de indemnização por danos não patrimoniais entendeu o tribunal recorrido, seguindo a posição assumida na apelação pela ré seguradora que era excessivo o montante de €75.000,00, valor este já actualizado e com juros a contar da sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4% fixados na sentença do Tribunal de 1.ª instância, reduzindo-os para o valor de 60 000,00€.

Fundamentou a redução de tal valor indemnizatório formulando o que entendeu ser o padrão indemnizatórios seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça suportado nas decisões proferidas em 07.07.2009, no Proc. 1145/05.6TAMAI.C1, 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.SI, 26.01.2016, no Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 28.01.2016, no Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 17.03.2016, no Proc. 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1, 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt, que considerou similares ao dos presentes autos. Aplicou tal padrão indemnizatório aos danos sofridos pela Autora, às sequelas que apresenta e que a afectarão ao longo de toda a sua vida, acarretando limitações a nível de lazer, do convívio social e do quotidiano, o sofrimento atroz que experimentou, a afectação permanente da sua imagem corporal [dano estético], a afectação psicológica e o decurso do tempo, e concluiu como adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 60.000,00 [sessenta mil euros], valor que considerou mais equitativo que o fixado pela 1." Instância.

Também na avaliação dos danos não patrimoniais, em que o critério da sua fixação segundo a equidade é o único aplicável cremos difícil a definição de um padrão indemnizatório seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça por mais minuciosa que seja a análise dos dados disponíveis em cada processo e em cada fundamentação da indemnização arbitrada. O número de variáveis a considerar é muito elevado dado que cada decisão se molda ao caso concreto com idades, profissões, situações profissionais, sociais, económicas e culturais muito diversas, é escrita por uma pluralidade de juízes com a sua própria visão do direito e do mundo, num mosaico plurifacetado em que será possível delinear pouco mais que tendências e, mesmo estas, fortemente condicionadas não pela justiça do caso concreto mas pelos espartilhos processuais que condicionam, quando não afunilam e fazem descolar da realidade as decisões exclusivamente de direito nos recursos de revista.

No caso concreto temos uma A. que sofreu um violento acidente de viação a que não deu a menor contribuição, numa cidade de um país europeu, causado por um condutor que desrespeitou o semáforo vermelho e conduzia com taxa de alcoolemia elevada. O veículo onde a A. seguia, dada a violência do embate, foi projectado e os seus ocupantes tiveram de ser desencarcerados.

Por causa desse embate a A. sofreu:

a. Hemorragia cerebral;

b. Perfuração do pulmão direito, que exigiu drenagem pleural direita removida em 14.05.2007

c. Hematomas

d. Bacia fracturada em 5 sítios;

e. Três Vértebras fracturadas;

f. Intervenção cirúrgica hemopneumotórax;

g. Ferida incisa contusa da região frontal à direita;

h.  Hemopneumotórax traumático à direita;

i.  Fractura das apófises transversas direitas de L2 a L 4;

j. Fractura dos ramos isquiopúbicos;

k.  Fractura da púbis direito;

l.  Fractura da asa esquerda do sacro;

m. Fractura ilíaca esquerda;

n. Escoriação no hemitórax direito, com dor à palpação dos quadrantes direitos;

o. Traumatismo torácico e do membro superior direito, com hematoma;

p. Ferida extensa na zona do joelho direito;

q. Ferida no ombro direito e anca direita;

r. Compressão do trigémeo, com repercussões na vista, maxilar, língua e lábio direitos;

s. Traumatismo da coluna cervical;

t. Traumatismo na zona do cotovelo direito;

u. Lesões por todo o corpo;

v. Entorse dupla, nos tornozelos esquerdo e direito.

A A. ficou em estado de coma profundo na Unidade de Cuidados Intensivos, inconsciente durante 7 dias e ventilada durante 10 dias. Conseguiu dizer algumas palavras 11 dias após o acidente para indicar que só via sombras. Esteve imobilizada durante 111 dias e com déficit funcional temporário parcial durante 618 dias. Durante o período de imobilização dependia totalmente de terceiros para a higiene, alimentação, satisfação das necessidades fisiológicas e para a realização de qualquer movimento e vui-se privada da sua intimidade pessoal. Ficou com feridas dolorosas nas costas e nas nádegas, esfoliações por todo o corpo, e, mais tarde, com uma trombose venosa profunda num dos membros inferiores pelo que é acrescido o seu risco de embolia pulmonar.

Tem cicatrizes em várias partes do corpo, nomeadamente na face. Houve esmagamento do nervo trigémeo que afectou gravemente a sua visão com Diplopia pós-traumática para a esquerda e para baixo. Para recuperar a visão teve de usar uns óculos especiais prismáticos de correcção e reeducação da visão cuja utilização impunha que a A. estivesse sentada numa cadeira especial, introduzir um aparelho na boca para suporte dos maxilares, apoiar os pés numa banquinha, e colocar à sua frente um leitoril. O aparelho bucal, exigiu uma adaptação, até pela necessidade de regulação da respiração, e postura corporal.

A A. voltou a andar, com apoio de canadianas, apenas em Agosto de 2007.

A A. tem uma síndrome de pânico, vertigens e perda de equilíbrio. Sofre de falta de sensibilidade da língua, lábio e maxilar direitos, parte exterior do braço direito, dedos da mão direita, e inflamações do membro inferior esquerdo direito e dos tornozelos.

A A. sofrerá, de cefaleias, vertigens, dores provocadas por inflamações na coluna, na bacia, e na perna esquerda, tornozelo, e pé do mesmo lado, períodos de imobilização prolongados, deficiência de visão, de perda de equilíbrio, e claudicará sempre a andar. Deitada não consegue levantar as duas pernas ao mesmo tempo.

A A. sofreu dores durante os períodos de intervenções cirúrgicas e consequentes tratamentos médicos, e durante os períodos de recuperação, que foram consequência do acidente, do grau 5 numa escala de 0 a 7 graus.

Não pode concluir a sua licenciatura em direito durante o período de doença e de recuperação, atrasando assim o seu ingresso na vida laboral. Não pode realizar o exame para obter a carta de condução de veículos. Deixou de conviver com os seus amigos e familiares.

Durante toda a vida terá que fazer sessões de fisioterapia duas vezes por ano, e ter consultas de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, neurologia e, em momentos de crise tomar medicamentos anti-inflamatórios e analgésicos.

Todos os danos acabados de enumerar pela sua gravidade merecem a tutela do direito. Aconteceram num momento da juventude da A., em que estava a completar a sua formação académica assumindo uma proporção avassaladora por para ela, como para qualquer outro ser humano, gerarem uma enorme preocupação com o que será o futuro quando a vida adulta estava apenas a começar. A dor, o sofrimento físico e psicológico, a incerteza sobre a possibilidade de recuperar a visão, o andar, a autonomia, os esforços para recuperar e completar a sua licenciatura e retomar a sua vida na situação em que fora bruscamente travada, são danos não patrimoniais muito significativos que, pela natureza das coisas não podem ser reparados, na medida em que não são um elemento patrimonial mas devem ser compensados de forma adequada concedendo à A. um montante monetário que lhe permita encontrar os apoios técnicos e psicológicos que lhe permitam, apesar dos danos, viver uma vida equilibrada, gratificante e feliz.

Voltando uma vez mais ao paralelo com a indemnização arbitrada à JJ uma vez mais concluímos que a indemnização por danos patrimoniais a arbitrar à A. tem de superar a que foi fixada à JJ por mais grave serem os danos não patrimoniais por ela sofridos.

O Tribunal da Relação de Lisboa considerou equitativo fixar a indemnização por danos morais à JJ no montante de 45 000,00€, considerando o elenco factual apurado constata-se que à Autora foram infligidos incómodos e sofrimentos que merecem a tutela do direito. Desde logo o pânico e a angústia da iminência e concretização da colisão dos veículos; o significativo período de recuperação das lesões causadas com as limitações funcionais daí decorrentes; as dores sofridas (quantificadas - aliás sem qualquer impugnação - no grau 5 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente) e as sequelas, em que avulta um dano estético na face (quantificado – aliás sem qualquer impugnação - no grau 5 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente), com a consequente perda de auto estima.

Tais danos são de elevada gravidade e alguns deles perdurarão no tempo, podendo, numa apreciação global, ser considerados equivalentes àqueles de que se ocupou o acórdão do STJ que a sentença recorrida erigiu como referência. Daí que se não vislumbre razão para atribuir à Autora um quantitativo indemnizatório superior ao que aí se fixou.

A situação da A. e da JJ apenas coincidem quanto à fixação médico-legal do nível de dor suportada com o acidente e os tratamentos que as lesões por ele provocadas demandaram para curar – 5, numa escala de 0 a 7. Todos os demais danos suportados pela A. são substancialmente mais graves, extensos e profundos que os suportados pela JJ e sobretudo quase todos perdurarão no tempo – dificuldade de visão, claudicação da marcha, problemas ortopédicos, neurológicos, psicológicos, enquanto, previsivelmente isso apenas acontecerá com os danos estético e psicológico relativamente à JJ.

Assim, não só as razões fundamentadoras do acórdão recorrido não nos parecem suficientemente fortes e suportadas num razoável juízo de equidade, como no confronto com a indemnização fixada à JJ, já transitada em julgado, se afigura que o montante fixado pelo tribunal de 1.ª instância é, também quanto aos danos não patrimoniais, de que a A. não recorreu,  o que se apresenta mais consentâneo com um critério de equidade informado pela justiça relativa com que devem ser tratados os lesados no mesmo acidente de viação, sempre que possível, pelo que se confirma a decisão do Tribunal de 1.ª instância e se revoga nesta parte o acórdão recorrido fixando-se em 75 000,00€ o valor da indemnização que a ré deve pagar à A. a título de danos não patrimoniais.

Procede, pois a revista com o indicado fundamento.


*

4. Imediata liquidação da indemnização devida pelos danos futuros a que se refere o facto provado 124.

Insurge-se ainda a recorrente contra a decisão do Tribunal recorrido que fixou com base na equidade os danos futuros em 35 000,00€, a que se refere o facto provado 124 antes numerado sob 126, alterando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que os relegara para liquidação em execução de sentença, considerando que deve ser mantida a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância e, caso assim não seja entendido devem aqueles danos ser fixado em montante equitativo tendo em conta os valores que apresentou no documento junto com as alegações de revista denominado – Mapa Despesas Médico-Medicamentosas Futuras – a que nos referidos acima na questão prévia B.

A este propósito disse o Tribunal de 1.ª instância:

Vejamos, agora, os danos patrimoniais futuros (alínea c) e f) do petitório): Enformado aqui o pedido de condenação da Ré no custo de um seguro de saúde, adiante-se, desde já, que não provou a A. a impossibilidade de contratar um seguro de saúde por força das lesões que sofreu no acidente, motivo pelo qual terá tal pedido desde já de improceder.

No que concerne às despesas futuras, conforme se anotou acima, estará a Ré obrigada ao pagamento de todas as intervenções que a A. tenha de vir a sofrer por virtude directa das lesões provocadas pelo acidente.

No que concerne ao pedido de condenação da R. em custos de um seguro de saúde, terá este pedido de improceder desde logo porquanto não se provou o agravamento do custo de um tal seguro por via das lesões decorrentes do acidente e, de igual modo, considerando que a Ré é condenada a pagar todas as despesas decorrentes das lesões do acidente, designadamente consultas, exames, medicamentos, tratamentos de fisioterapia e outros passados, presentes e futuros que se relacionem directamente com o acidente.

Tendo condenado a ré:

E)   a pagar à A. as despesas futuras com intervenções cirúrgicas,
internamentos, exames, medicamentos, análises clínicas, acompanhamento
médico, fisioterapia que sejam determinadas pela situação clínica da A. decorrente do acidente dos autos, a liquidar posteriormente
.

Por sua vez o acórdão recorrido indicou que:

Impetra, ainda, a Recorrente, que se proceda à imediata liquidação da indemnização devida pelos seguintes danos futuros: medicamentos; sessões de fisioterapia duas vezes por anos; e uma consulta anual das especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia. (…)

Quanto ao apontado erro na fixação dos factos provados, importa salientar que a questão já foi solucionada aquando da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no que concerne ao Ponto 126 dos Factos Provados cuja redacção foi alterada, suprimindo-se a expressão "actos médicos" cujo conceito pode abranger intervenções cirúrgicas, que pressupõe, naturalmente, internamentos.

Relativamente à objecção relacionada com a não liquidação imediata da indemnização devida, cabe referir que também aqui a razão está do lado da Recorrente, pois consideramos que os autos já dispõem de todos os elementos necessários à fixação da indemnização pelos concretos danos futuros previsíveis que resultaram provados no Ponto 126 dos Factos Provados [despesas com medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios em situação de crise; despesas com sessões de fisioterapia duas vezes por anos; e despesas com uma consulta anual das especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia], pois estes estão determinados qualitativamente, apenas não sendo possível o apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser quantificado.

Nos termos do disposto no n.° 2 do art.° 609. ° do CPC o juiz só deve relegar para execução de sentença quando, de todo, seja impossível, por falta de elementos, efectuá-la no processo declarativo, de forma a obviar ao exercício desnecessário de nova actividade processual.

O n.° 2 do art.° 564. ° do Cód. Civil permite que na fixação da indemnização se atenda aos danos futuros, desde que sejam, previsíveis, podendo o julgador, nos termos da parte final dessa norma, remeter para decisão ulterior a fixação da indemnização, se os danos não forem logo determináveis. Sendo determináveis, como sucede no caso vertente, mas não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provado, nos termos do n.° 3 do art.° 566. ° do Cód. Civil.

Por sua vez, o n.° 3 do art.° 496." do Cód. Civil, aplicável aos danos não patrimoniais, mas cujo critério deve ser aqui observado, manda fixar o montante da indemnização, equitativamente, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.° 494.º [culpabilidade do agente; situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso][5].

Ora, considerando a idade da Autora, a expectativa média de vida da mulher, que era de 83,4 anos em 2017, segundo a Pordata [www.pordata.pt.], o preço médio de uma consulta médica de especialidade [€80,00] e de duas sessões anuais de fisioterapia [nunca inferior a €1200,00], a situação económica da lesada [não tem rendimentos próprios], a culpa exclusiva e grave do segurado da Ré na produção do acidente e ainda a circunstância de ser atribuído à Autora, no imediato, um capital produtor de rendimentos futuros, com os quais poderá fazer face a parte dos danos a ressarcir, podendo, ainda, contratar um seguro de saúde minimizador das despesas previsíveis a efectuar com consultas, também eles futuros, encontramos, como equitativa, a indemnização global de €35.000,00 [trinta e cinco mil euros].

Procede, portanto, nesta parte, a apelação, fixando-se em € 35.00,00 00 [trinta e cinco mil euros] a indemnização pelos danos patrimoniais futuros previstos no Ponto 126 dos Factos Provados.

A recorrente não questiona que os danos futuros em causa - despesas com medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios em situação de crise, despesas com sessões de fisioterapia duas vezes por anos, e despesas com uma consulta anual das especialidades de ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia ou neurologia - sejam previsíveis e determináveis para efeitos de afastar a aplicação do disposto no art.º 564.º do código civil.

Na verdade, como ao longo de todo o processo, a recorrente apenas se não conforma com a circunstância de nenhuma das instâncias ter considerado que a ré deveria ser condenada a pagar um seguro de saúde à A..

Um seguro de saúde, no seu entendimento, permitiria à A. ver salvaguardadas as despesas de saúde que ao longo da sua vida tivesse de incorrer fosse por patologias imputáveis às lesões sofridas com o acidente, fosse a quaisquer outras. Ora isso ultrapassa muito os limites da indemnização por acto ilícito que se circunscreve apenas à reparação dos danos que a A. não teria suportado se o efeito danoso não tivesse ocorrido. No âmbito da indemnização poderia ter cabido um dano com isto relacionado, que não corresponde ao pagamento de um prémio de seguro de saúde, caso tivesse provado, e, não provou, que as lesões que sofreu com o acidente e as sequelas que permanecem na sua pessoa, fazem com que seja difícil contratar um seguro de saúde, ou implicam um acréscimo significativo no prémio em virtude do seu historial clínico decorrente do acidente de viação.

Porém esta questão do seguro de saúde encontra-se há muito definitivamente decidida dado a A. não ter recorrido da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, que considerou não ser indemnizável tal dano.

Sobre o montante fixado a recorrente apenas propõe as suas próprias contas constantes do documento que apresentou com as alegações, como se nesta sede pudesse produzir prova por declaração do advogado.

O montante fixado tendo em conta a fundamentação apresentada no acórdão recorrido, e, na ausência de quaisquer outros elementos no processo que infirmem os valores de que partiu, não se apresenta como afrontando os limites da discricionariedade que lhe são permitidos pela equidade.

Acresce que a disponibilidade num só momento do montante de € 35.00,00 00 que irá sendo consumido talvez à razão de 1500,00€ por ano, caso as consultas e medicamentos não sejam comparticipados pelo estado, como ocorrerá eventualmente nas consultas externas das referidas especialidades que o Hospital ... marcará, por rotina, para a A.,  permite a rentabilização do valor restante com aplicações financeiras sem risco, capitalizando os juros, a taxas ainda modestas, bem certo, mas que se mostram em subida na situação inflacionária com que se defronta a Europa, e, face às recentes actuações do Banco Central Europeu.

Sobre a possibilidade de o montante fixado nesta acção exceder o valor que foi fixado no arbitramento de reparação provisória rege o disposto no art.º 390.º, n.º 2, determinando-se, pois, que a A. restitua à R. qualquer montante que haja recebido que supere o valor indemnizatório global fixado neste processo.

Improcede, pois, a revista com este fundamento.


*

5. Momento inicial da contagem dos juros de mora em caso de

rateio.

A A. invocou a nulidade do acórdão com fundamento em ausência de fundamentação da decisão que condena a Ré a pagar à A. ora recorrente, juros de mora à taxa legal, sobre as quantias referidas em a), b), e c) a partir do trânsito em julgado deste Acórdão, ou, havendo lugar a rateio, a contar da citação para os termos da liquidação.

Como vimos, não há qualquer nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

Passaremos a analisar se tal decisão enferma de erro de julgamento.

Os montantes indemnizatórios fixados segundo critérios de equidade – danos patrimoniais futuros, danos não patrimoniais e danos futuros a que se refere o facto provado 124 – medicamentos, consultas de especialidade e sessões de fisioterapia – foram fixados tendo em conta os termos da acção e os factos e valores reportados à data da decisão pelo que vencem juros de mora contabilizados apenas a partir da decisão. Segue-se a este propósito o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002, publicado no Diário da República – I Série-A, 27 de Junho de 2002), que fixou como jurisprudência:

 “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.

Os montantes indemnizatórios relativos danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais foram fixados no Tribunal de 1.ª instância, reduzidos no Tribunal da Relação e confirmados os valores arbitrados pelo Tribunal de 1.ª instância em sede de revista no Supremo Tribunal de Justiça. Assim, relativamente a estes montantes indemnizatórios os juros de mora terão de ser contabilizados a partir da decisão proferida em 1.ª instância, sob pena de a R. obter através do seu recurso de apelação um benefício injustificado porque discordando dos montantes e apesar de o Supremo Tribunal de Justiça confirmar os valores determinados na decisão de 1.ª instância, sempre teria ganho com o recurso os anos de juros moratórios sobre os ditos montantes que o processo percorreu até esta decisão.

O montante indemnizatório relativo aos danos futuros a que se refere o facto provado 124 – medicamentos, consultas de especialidade e sessões de fisioterapia – foi fixado no Tribunal da Relação e confirmado neste Supremo Tribunal de Justiça pelo que seguindo o mesmo critério os juros de mora serão contabilizados a partir da data daquela decisão.

Os demais montantes indemnizatórios, porque não foram alvo de qualquer actualização vencem juros de mora desde a data da citação nos termos do disposto no art.º 805.º, n.º 3 do código civil.  

A ré seguradora, onerada pela obrigação de suscitar a questão de necessidade de eventual rateio das indemnizações caso o seu montante total ultrapasse o valor do capital seguro, sob pena de vir a ser responsabilizada pelos danos causados por este acidente que sejam indemnizáveis, para além desse montante, apenas referenciou 4 lesadas.

Neste momento sabemos que foram fixadas nas outras acções judiciais intentadas pelas demais identificadas lesadas as seguintes indemnizações:

1. Em acção judicial emergente do acidente dos autos, intentada por DD, contra os aqui réus - proc. n.º 2500/10.5... esta foi condenada, por decisão proferida em 14 de Julho de 2015, a pagar àquela:

- A quantia de 5.140,00 €, acrescida da que se vier a apurar em posterior liquidação, relativamente aos bens danificados ou perdidos no acidente e aos valores despendidos em livros, fotocopias, material escolar, transporte em carro próprio e refeições escolares, deduzida a quantia já paga pela R., acrescendo os juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;

- A quantia de 30.000,00 € por danos não patrimoniais.

Valor global da indemnização: 35 140 ,00 € + o que se liquidar em execução de sentença quanto a bens perdidos ou danificados.

2. Em acção judicial emergente do acidente dos autos, intentada por JJ contra a Ré-proc. n.° 220/11.2TVLSB -, esta foi condenada a pagar àquela:

-A quantia de € 45.000,00 a título de danos patrimoniais futuros [respeitantes a avaliação dos seguintes danos: Repercussão Temporária na Actividade de Formação Total; Repercussão Temporária na Actividade de Formação Parcial; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de dezassete pontos; esforços suplementares da autora no exercício das actividades profissionais da sua área deformação]

- A quantia de € 45.000,00 a título de indemnização integral pelos danos morais [respeitantes ao sofrimento físico e psíquico experimentado pela autora e ao denominado dano estético]

- A quantia que, por referência a indemnização global de 95.313,89 €, tendo em conta os limites do capital seguro (600.000 €) e no confronto com as demais lesadas, se vier a apurar caber-lhe por força do rateio a efectuar em ulterior liquidação e até ao montante máximo de 90.000 € e ainda em juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que vier a ser liquidada, nos termos acabados de referir, contados desde a data da futura decisão actualizadora e não na data da citação para os termos da liquidação.

Valor global da indemnização: 95.313,89 €

3. Em acção judicial emergente do acidente dos autos - processo 2499/10.... - instaurado por CC foi proferida sentença já transitada em julgado que:

- Quantificou o valor da indemnização integral devida à Autora em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);

Valor global da indemnização: 35.000,00 €

Tais valores, acrescidos dos valores de indemnização fixados neste processo distam cerca de 200 000,00€ do limite do capital seguro, não sendo previsível que possam ser esgotados pela liquidação em execução de sentença dos danos sofridos por DD, não liquidados na sentença condenatória, como antes referido, pelo que está prejudicado o conhecimento da contagem dos juros de mora em caso de rateio que se não afigura, por ora, sequer previsível.

Acresce que todas as acções foram igualmente propostas contra o réu BB que é responsável pelo pagamento de todos os montantes indemnizatórios que venha a demonstrar-se, relativamente às quatro lesadas aqui indicadas, excedam na parte correspondente ao capital, o valor total do montante seguro.

Apesar de se aparentar neste momento improvável a necessidade de rateio, ainda assim, dado que há um montante indemnizatório de outro processo que será liquidado em execução de sentença, sempre se esclarece o seguinte:

A situação de rateio, por o montante das indemnizações ultrapassar o valor do capital seguro significa apenas que a seguradora será responsável pelo pagamento inicial da parte proporcional de indemnização global – reportada apenas aos respectivos montantes de capital - atribuída a cada lesada – e o réu BB responderá perante cada lesada pelo valor da indemnização não suportado pela ré seguradora. Os montantes indemnizatórios não sofrem, por tal eventual repartição do concreto réu obrigado ao seu pagamento, qualquer alteração seja no montante seja no momento a partir do qual se vencem juros de mora, que serão pagos em consonância com o determinado em cada uma das sentenças condenatórias.

Relativamente a cada um dos segmentos dos montantes indemnizatórios aqui fixados serão, como já determinado na decisão proferida em 1.ª instância, abatidos os valores que a ré seguradora haja pago à A..


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III – Deliberação


Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista nos seguintes termos:

I. Fixa-se o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros em €75.000 e o valor da indemnização por danos não patrimoniais em €75.000, valores estes acrescidos de juros de mora a contar da decisão do Tribunal de 1.ª instância, revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância nesta parte; e

II. Fixa-se o valor da indemnização pelos danos patrimoniais futuros a que se refere o facto provado 124 em €35.000,00, valor este acrescido de juros de mora a partir da data do Acórdão, confirmando-se, parcialmente, o Acórdão recorrido nesta parte.

III. O valor total da indemnização devida à A. será suportado pela ré Companhia de Seguros Mapfre-Seguros Gerais, S.A. até ao limite do capital seguro e pelo réu BB no montante que exceda aquele limite.

Custas em todas as instâncias, por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento – art.º 527.º do Código de Processo Civil -.

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Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023

Ana Paula Lobo (Relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Catarina Serra