Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7745/17.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Vindo provado que os AA. subscreveram obrigações subordinadas SLB apenas porque o funcionário do “BPN”, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada, assegurando  que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo, e que só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta, existindo uma confiança tal dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”, há ilicitude na prestação da informação relativa ao produto financeiro, culpa e dano, sendo o Banco responsável civilmente, nos termos do Ac. de UJ nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. AA e BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, intentaram a presente acção declarativa de condenação contra o Banco BIC PORTUGUÊS S.A. e contra o Estado Português, peticionando a condenação solidária dos Réus a indemniza-los pelo prejuízo sofrido no montante de €50.000,00, acrescido de juros remuneratórios vencidos desde 27.10.2014 e vincendos, à taxa contratual fixada de 4,50%, até efectivo e integral pagamento, calculados sobre a quantia de €50.000,00 a liquidar em execução de sentença, e dos respectivos juros moratórios, à taxa legal de 4% a partira da citação até integral e efectivo pagamento.

Em síntese, alegaram que eram clientes do Banco Português de Negócios, praticamente desde a sua fundação, mantendo relações de confiança com os funcionários, essencialmente da agência de ...; os autores eram simples aforradores, de perfil conservador, procurando produtos com garantia de capital investimento e rendibilidade compatíveis com taxas de juro de curto prazo, o que os funcionários que geriam as suas contas sabiam.

O A. marido foi contactado pelo gestor de conta do BPN que lhe apresentou o produto “SLN Rendimento Mais 2004” enfatizando o facto de se tratar de um produto financeiro com capital 100% garantido pelo BPN, em coerência com as instruções aos funcionários constantes de nota interna relativa ao lançamento do produto, na qual aliás se enfatizou a importância estratégica da sua total subscrição para o Grupo.

O funcionário garantiu ao Autor que na data do vencimento receberia o capital, acrescido dos respectivos juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo.

Confiando no seu gestor de conta e nesta garantia, e nesta caracterização do produto como um depósito a prazo, o A. marido, subscreveu o produto SLN 2004, no montante de 50.000€ com data de reembolso de 27/10/2014 e taxa de juro nominal de 4,5% nos primeiros anos e posteriormente variável e acordo correspondente à Euribor a 6 meses, o que fez sem que lhe tivesse sido dada qualquer informação ou esclarecimento, limitando-se o funcionário a entregar a documentação para assinar, sendo porém certo que o Autor não tinha os conhecimentos suficientes para fazer uma ponderação cuidada das vantagens e riscos do papel comercial que subscrevia.

O A. apenas aceitou a proposta feita pelo gestor no pressuposto e convicção de que era o mesmo que um depósito a prazo, com variações nas taxas de juro, tendo-lhe sido garantido que na data do vencimento receberia o capital e os juros.

Chegada a data de vencimento do capital o BPN não procedeu ao seu reembolso.

O papel em causa era um instrumento financeiro complexo e não era adequado ao perfil dos Autores. A SLN era a única acionista do BPN e a administração era comum.

À data da subscrição o BPN, como intermediário financeiro, tinha ou devia ter a completa noção e total conhecimento que a informação veiculada através da nota informativa e da ficha técnica não refletia a verdadeira situação económico-financeira da emitente.

2. Contestou o Banco BIC, invocando o cumprimento do dever de informação, invocando nunca ter agido com intenção de enganar ou prejudicar os Autores ou sequer de conscientemente omitir informação relevante, sendo que qualquer tipo de deficiência informativa, a ter existido, foi negligente, donde, e porque na pior das hipóteses, os Autores confessam ter tido conhecimento do produto subscrito aquando do reembolso incumprido, em 2014, a prescrição do eventual direito dos AA. há muito ocorreu. De resto, os AA “deixaram-se estar, auferindo uma remuneração muito acima da média (…) Nunca tendo apresentado qualquer pedido de esclarecimento (…) Nunca tendo reclamado da subscrição e muito menos dos juros, fazendo o Banco acreditar que não poriam em risco a subscrição, agindo agora em abuso de direito.

Mais contestou o Réu por impugnação, e mais defendeu que não podia haver produto mais seguro e que o único risco era o risco geral de incumprimento como sucede em todos os contratos, que essa segurança é uma afirmação válida não obstante o fundo de garantia de depósitos garantir à data €25.000,00 por conta bancária, e que o incumprimento foi determinado por “circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas. À data da subscrição, “mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria necessariamente uma prévia insolvência do próprio Banco por ser um seu activo”, pelo que também por aqui o risco da aplicação era efectivamente semelhante ao de um depósito a prazo no próprio banco. Na qualidade de intermediária financeira e que nesta qualidade cumpriu todos os seus deveres de informação, sendo verdadeiras todas as informações prestadas.

3. Contestou também o Estado Português invocando a prescrição do direito dos AA. e o abuso de direito nos mesmos termos que o Réu e impugnando os factos alegados por desconhecimento, e no mais pugnando pela sua própria absolvição.

4. Os AA. responderam à excepção de prescrição em articulado autónomo, negando que a conduta do Banco se pudesse considerar como negligente, antes “verdadeiramente predatória e premeditada”. Responderam ao invocado abuso de direito, e responderam ainda às excepções constantes da contestação do Estado Português.

5. Realizou-se audiência prévia, tendo sido fixado à acção o valor de €55.455,48, tendo sido elaborado saneador tabelar e tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição, tendo sido identificado o objecto do litígio e indicados os temas de prova, tudo sem reclamações.

6. Procedeu-se à audiência de julgamento com gravação da prova nela prestada.

7. Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido e condenando os AA. em custas.

8. Inconformados, os AA. interpuseram recurso, da sentença final.

9. Na apelação houve impugnação da matéria de facto, que foi julgada totalmente improcedente, embora a apelação fosse julgada parcialmente procedente e fosse decidido:

acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente e em consequência condena o 1º Réu a pagar aos Autores a quantia de €50.000,00 – cinquenta mil euros – acrescida de juros de mora à taxa civil desde a citação e até integral e efectivo pagamento.”


10. Não se conformando com a decisão o BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., Réu notificado de acórdão proferido em sede de recurso de apelação, veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artº 671º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

5. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

7. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

8. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

10. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

11. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

12. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

13. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

14. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do ^tulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptivel de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

33. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.

34. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...

35. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal...

36. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

37. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

38. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

39. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

40. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

41. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do Ipo de instrumento financeiro em causa.

42. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

43. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

44. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

45. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

46. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

47. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

48. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

49. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

50. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

51. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

52. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

53. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

54. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

55. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

56. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

57. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

58. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

59. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

60. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo ^pico ou não do acordo contratual entre as partes.

61. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

62. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

63. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

64. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

65. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

66. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

67. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

68. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

69. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

70. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

71. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

72. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

73. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

74. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

75. E nada disto foi feito!

76. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

77. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

78. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as (características) dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

79. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!”


11. Foram apresentadas contra-alegações.


12. Foi, entretanto, proferido Acórdão que Uniformizou Jurisprudência em relação às questões suscitadas no presente recurso e que haviam justificado a suspensão do processo - Processo nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


Cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

13. Das instâncias vieram provados os seguintes factos:

1. Os Autores era clientes de uma instituição de crédito denominada Banco Português de Negócios (BPN), mantendo relações de confiança essencialmente na agência de ..., nas pessoas de CC e DD, funcionários da referia agência e responsáveis pela gestão das contas dos AA.

2. A totalidade do capital social do BPN, Banco Português de negócios, S.A. era detida na íntegra pela sociedade então denominada SLN- Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

3. O BPN foi alvo de um processo de nacionalização conduzido pelo Estado Português como decorre da Lei n.º 62-A/2008 de 11 de Novembro, que procedeu à nacionalização das acções representativas da totalidade do capital do Banco Português de Negócios, S.A.

4. Nos termos da resolução de conselho de ministros n.º 38/2011 de 1 de Setembro, foi adjudicado a uma sociedade do Grupo BIC a proposta apresentada por esta no sentido de aquisição da totalidade das acções representativas do capital social e dos direitos de voto do BPN.

5. O 1º Réu apenas alterou a sua denominação comercial, passando a apresentar-se como Banco BIC.

6. O Banco Português de Negócios, S.A. era uma instituição de crédito, na modalidade de Banco, actividade para a qual está devidamente autorizada pelo Banco de Portugal.

7. O BPN era também uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica, tendo por objecto a prática de actos de comércio a dotado o tipo de sociedade anónima, estando registada na Conservatória de Registo Comercial, sob o n.º ...93.

8. O autor marido é empresário e a autora é .....

9. Ao longo dos anos, os Autores foram depositando em diversas entidades bancárias, significativas poupanças e valores, realizando várias aplicações financeiras.

10. Os Autores, detiveram ao longo dos anos no “BPN”, vários depósitos a prazo, fruto das atividades comerciais desenvolvidas ao longo de uma vida de trabalho.

11. Os AA. são avessos aos principais riscos associados ao investimento em activos financeiros, nomeadamente capital, rendimento e liquidez.

12. Procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidade compatível com taxas de juros de curto prazo.

13. O “BPN”, em 07 de Outubro de 2004, emitiu uma nota interna subordinada ao assunto “SLN Rendimento Mais 2004”, da qual consta que “O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações Subordinadas a 10 anos denominada “SLN Rendimento Mais 2004” para consolidação da dívida da SLN, SGPS, SA”, mencionando expressamente que “A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”.

14. Consta ainda dessa nota que seria garantido “100% do capital investido”, sendo o valor nominal de cada obrigação de 50.000,00€ e que o montante mínimo de cada subscrição é de 50.000,00€.

15. O Autor marido foi contactado pelo gestor de conta do BPN que lhe apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 enfatizando o facto de ser um produto com capital 100% garantido pelo BPN.

16. O gestor de conta tinha conhecimento de que os AA. não estariam interessados em qualquer produto que envolvesse risco de perda de capital.

17. O autor marido, através da conta n.º ...70 de que era titular no BPN subscreveu o produto “SLN Rendimento Mais 2004” no montante de 50.000€ com data de reembolso de 27.10.2014, com taxa de juro anual nominal de 4,50% nos primeiros anos e posteriormente taxa variável e acordo correspondente à Euribor a seis meses.

18. O funcionário do “BPN”, CC, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada.

19. O mesmo funcionário assegurou que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo.

20. Só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta.

21. A confiança dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”.

22. Os funcionários do BPN conheciam bem os Autores, o seu perfil e a sua vontade.

23. Com a subscrição foram entregues ao A. cópia da nota informativa da emitente e da ficha técnica elaborada pelo “BPN”

24. A data prevista para o reembolso do capital seria 27/10/2014, o que não se verificou.

25. O A. foi surpreendido a 22 de Outubro de 2014 por uma missiva assinada pela Galilei, SGPS, S.A. na qual se afirma que será esta entidade a responsável pelo reembolso das obrigações subscritas.

26. Desde então os A. passaram a ser convocados para marcar presença em assembleias obrigacionistas, com sucessivas promessas de reembolso de capital.

27. O A. recebeu comunicação com data de 25/08/2015 que dava conta de que a SLN/GAlilei SGPS teria recorrido a processo especial de revitalização (PER).

28. O A. confrontou o 1º R. com tal informação tendo obtido, como resposta o doc. 5 da PI, que aqui se dá por reproduzido.

29. O A. reclamou os seus créditos no âmbito do PER da GALILEI SGPS.

30. Publicada a sentença de insolvência da Galilei SGPS, S.A., o A. foi notificado pelo Sr. Administrador da insolvência de que o seu crédito havia sido reconhecido como subordinado.

31. Até à presente data os AA. não foram reembolsados do dinheiro que investiram.

14. Factos não provados:

a) Que os autores depositassem as suas quantias maioritariamente em depósitos a prazo.

b) Que os Autores, especialmente o Autor marido, no exercício da sua actividade comercial, em períodos de maiores dificuldades, tinha também contraído junto do “BPN” vários empréstimos que aplicavam no giro comercial das suas actividades comerciais.

c) Que os AA. já tivessem investido em fundos de investimento, dado ter-lhes sido transmitido que o risco seria inexistente.

d) Que os recursos dos AA. tenham sido aplicados num produto totalmente desadequado ao seu perfil.

e) O A. subscreveu o produto “SLN Rendimento Mais” sem que lhe tivesse sido dada qualquer informação ou esclarecimento.

f) O funcionário do “BPN”, entregou ao A. a documentação para assinar sem qualquer esclarecimento prévio sobre o tipo de produto e investimento que estava a efectuar.

g) Que o A. subscreveu as obrigações em causa no pressuposto e convicção de que era o mesmo que um depósito a prazo, com variações nas taxas de juro.

h) O Autor não tinha os conhecimentos suficientes para fazer uma ponderação cuidada das vantagens e dos riscos do papel comercial, nem lhe foi explicada a informação constante na nota informativa, que assinou sem qualquer explicação acerca dos mesmos.

i) Os funcionários do BPN, obedecendo a ordens internas, convenceram o Autor marido, aproveitando a sua falta de conhecimentos, a subscrever um produto desajustado ao seu perfil, com informações falsas sobre a segurança do investimento, tudo para servir os interesses do “BPN”, mas contra a vontade e os interesses dos Autores.

j) O papel comercial em causa não era transacionável em mercado organizado, pelo que não existem preços de mercado, nem qualquer cotação independente credível disponível.

k) Nem tão pouco foi disponibilizada ou existe informação adequada sobre as suas características.

l) Esta aplicação não era adequada ao perfil dos Autores, nem correspondia aos interesses e à vontade destes, como era do conhecimento do gestor do 1º Réu que a impingiu aos Autores.

m) Que a administração da SLN fosse comum ao BPN.

n) Que o Banco de Portugal, a dada altura, começou a exigir que o “BPN” cumprisse o ratio de solvabilidade e reforçasse os seus capitais próprios.

o) Que o “BPN”, tenha preparado de forma pouco transparente “a apropriação” de grande parte das quantias depositadas na instituição.

p) Os valores captados na execução deste “plano” denominado “SLN Rendimento Mais 2004”, foram integralmente utilizados para reforçar os rácios de capitais próprios do “BPN” e dessa forma cumprir com as exigências impostas pelo Banco de Portugal.

q) À data da subscrição pelo Autor do papel comercial da “SLN Mais 2004”, o “BPN”, intermediário financeiro, tinha ou devia ter a completa noção e total conhecimento de que a informação veiculada através da nota informativa e da ficha técnica não refletia a verdadeira situação económico-financeira da emitente, que viria a culminar com a insolvência .

r) Que o BPN tenha promovido as aplicações contra os interesses e instruções dos AA.


De Direito

15. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Das conclusões do recurso resultam estarem em causa os pressupostos do dever de indemnizar – ilicitude, culpa, nexo de causalidade.


16. Como diz o recorrente, o acórdão recorrido decidiu condenar o Banco-Recorrente no pagamento quantia de €50.000,00 – cinquenta mil euros – acrescida de juros de mora à taxa civil desde a citação e até integral e efectivo pagamento, o que veio justificado com a responsabilidade civil do Banco-R., nomeadamente a título de intermediário financeiro, e concretamente por violação dos deveres de informação a que estaria adstrito nessa qualidade perante os Autores.

Contestando a decisão, o recorrido entende que acórdão da Relação violou e fez errada aplicação interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.


13.1. A) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve ilicitude, porque não houve violação do dever de informar, em particular, no que se reporta ao risco associado à subscrição das obrigações subordinadas, pois na sua visão a única informação que era devida foi prestada e reportava-se ao cumprimento da obrigação de reembolso pelo emitente do respectivo produto financeiro.

Não haveria outros riscos associados que o intermediário financeiro devesse ter prestado, em especial:

a) não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos;

b) não havia qualquer tipo de risco de liquidez, porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos, à data;

c) à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão.

Apenas haveria um risco equivalente ao de um DP, porque:

i) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

ii) Ora, o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

iii) E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

iv) a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN

v) o risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!


Em suma, na sua visão:

“26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.”

-o “art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, obriga então o intermediário financeiro a informar o invesIdor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, e “tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!”

- “art.º 312º nº 1 alínea a) do CdVM diz respeito à prestação de informação acerca

dos riscos próprios e especiais do negócio de intermediação ou de cobertura, não se destinando a referir aos instrumentos financeiros propriamente ditos”

- “Essa informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do Ipo de instrumento financeiro em causa”

 

No seu entender a menção à referência de “o produto ter capital garantido” estava também correcta e sem que pudesse ser assacada à Ré qualquer violação do dever de informar, informação errónea ou omissa, porquanto:

a) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação

b) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

c) daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital!


13.2. B) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve culpa

Apesar de se defender nos termos expostos, procurando excluir a ilicitude na prestação da informação, a recorrente parece assumir que poderia ter esclarecido melhor o cliente do sentido de “capital garantido”, quando diz:

Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!


Embora a recorrente assuma a possível falta de clareza – como se disse – da mesma não retira como consequência a violação culposa dos seus deveres com efeitos na responsabilização civil, afirmando que a actuação do banco e dos seus funcionários não teria sido culposa – “O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação!”


Em sua defesa invoca ainda:

A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garan.do” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais”.


13.3.  C) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não ficou demonstrada a existência de nexo de causalidade entre a falta de informação e dano.

Na sua visão, “72. um primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

73. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

74. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

75. E nada disto foi feito!

76. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

77. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

78. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as (características) dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!”


14. A posição do Tribunal recorrido foi a seguinte:

“3.1.2. Importa apreciar as especificidades do caso concreto.

Na verdade, independentemente das construções teóricas potencialmente convocáveis para a delimitação do âmbito dos deveres de informação, só ao nível do caso concreto, com base na factualidade provada, se poderá concluir se um intermediário financeiro forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais (como se extrai do art.312º do CVM). Assim se justifica que em certos casos respeitantes ao cumprimento dos deveres de informação, em contratos de intermediação financeira, se conclua pela não responsabilização do intermediário e noutros casos se conclua de modo diverso[4].

(…)

“3.1.3. Decorre das normas do RGICSF que antes citámos, que, enquanto instituição bancária, o BPN estava obrigado a manter elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência e que nas relações com os clientes os seus agentes estavam obrigados a um procedimento com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados. O BPN estava ainda obrigado a ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores.

Ou seja, na sua intervenção junto de um cliente como o Autor, o BPN estava obrigado a ponderar as suas características de aforrista e de investidor e a propor-lhe um produto da mesma natureza do que lhe era por ele solicitado – depósito a prazo – explicitando-lhe nos termos adequados as vicissitudes possíveis do mesmo produto.

Em congruência, os artigos 304.º e 309.º, do Código de Valores Mobiliários, respeitantes aos princípios a observar e aos conflitos de interesses, pormenorizam o que já constava indicado no regime das instituições bancárias.

No que respeita especificamente às obrigações de informação, do indicado artigo 7.º do Código de Valores Mobiliários, decorre que o BPN, enquanto intermediário financeiro, estava obrigado a prestar ao Autor uma informação caracterizada pela sua completude, actualidade, objectividade e clareza.

Características de informação que o artigo 312.º, do Código de Valores Mobiliários, densifica ao estabelecer que o intermediário financeiro deve prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (n.º 1), nomeadamente as que respeitem a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar (alínea a)) e a qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar (alínea b)), sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (n.º ...).

Analisando a matéria de facto provada, não se vislumbra que tenham sido dadas informações inexactas ao Autor. Aliás, a indicação de inexactidão das informações reporta-se a ter sido o Autor informado de que o produto era de capital garantido. Ora, essa informação é formalmente exacta, face ao funcionamento do produto, uma vez que na maturidade o capital é pago, não estando sujeito a oscilações que o aumentem ou diminuam no decurso da sua vigência. Informar que o capital está garantido é por isso informar com exactidão.

Mas de tal não decorre o cumprimento do dever de informação com as qualidades assinaladas da sua completude, segundo o princípio da proporcionalidade inversa a estabelecer entre o âmbito e conteúdo da informação e a (i)literacia financeira do cliente.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte[5].

No caso do Autor, a qualificação como investidor não institucional não oferece dúvida face aos factos provados e ao disposto no artigo 321.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários.

Na verdade, o BPN promoveu e assentou a sua campanha de colocação das obrigações SLN 2004 mediante a utilização de um argumentário de identificação das mesmas com os depósitos a prazo. (…)

Acontece que outras diferenças havia, as relacionadas com as características das obrigações e com a especial segurança dos depósitos a prazo.

No que às primeiras respeita, desde logo a sua natureza de crédito sobre a sociedade emitente que decorre do disposto no artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que lhe atribui a estrutura de um mútuo.

Refere Paulo Câmara[6] que o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente e como relação jurídica subjacente na base deste valor mobiliário existe tipicamente um contrato de mútuo. Ao que acresce como característica do título a quase ausência de controle da gestão desta, como refere Paulo Câmara[7]:

(…) há que admitir que a tutela conferida no ordenamento jurídico português à posição dos credores obrigacionistas é, a este    propósito escassa. De uma banda, é quase nula a intervenção dos obrigacionistas no processo decisório ligado ao governo societário (…).

De considerar ainda, neste domínio da incompletude da informação prestada, a ausência de referência ao carácter subordinado das obrigações em causa, matéria que não é despicienda para a opção do investidor na medida em que implica uma menor garantia de reembolso dos seus créditos face aos credores comuns.

As obrigações representativas de dívida subordinada são aquelas em que o titular da obrigação, havendo insolvência da emitente, apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns[8].

Por outro lado, a protecção concedida aos depósitos a prazo, nos termos dos artigos 164.º e 166.º do RGICSF, mesmo na redacção vigente à data, torna muito diversa a segurança do investimento que estes concedem face à concedida pelas obrigações.

No que respeita a estas diferenças essenciais das obrigações quanto aos depósitos a prazo, vejam-se os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 31/17.1T8PVZ.P1.S1 (ROSA TCHING) e de 26 de Março de 2019, proferido no processo 2259/17.5T8LRA.C1.S1 (ALEXANDRE REIS).

Ora, essas diferenças não foram explicadas ao Autor. Deveriam ter sido? Entendemos que sim.

Por um lado, nada permite acreditar face ao seu perfil de investidor que resulta dos factos assentes, que o Autor dominasse o conceito de obrigação ou de credor obrigacionista, as suas diferenças face ao depósito bancário e à protecção do depositante bancário, ou as suas especiais características de vulnerabilidade face à gestão da empresa emitente.

Por outro lado, porque a utilização pelo Banco do argumentário da similitude com os depósitos a prazo, favorável aos seus objectivos de colocar as obrigações SLN 2004, impunha-lhe uma especial diligência em explicar as diferenças com um depósito a prazo, nomeadamente as que se deixaram assinaladas.

Dito de outro modo, se o BPN se prevaleceu das características atractivas do depósito a prazo para seduzir o perfil de investidor do Autor, devia de igual modo indicar as diferenças entre obrigações e depósitos a prazo na parte menos atarctiva para esse perfil de investidor.

(…)

Por essa razão, só essa completa informação permitiria considerar cumprido o seu dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada e de colocar os interesses do cliente à frente dos seus próprios e dos do grupo financeiro em que se inseria.

Consideramos por isso que não foram cumpridos pelo BPN os deveres de informação a que estava adstrito.

(…)

Ao que acresce a maior disponibilidade dos Estados para assegurar a solvabilidade de um Banco face à de uma empresa, que a experiência recente voltou a lembrar. Nesse sentido o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu:

E nem se diga, como o faz o recorrente que, à data da subscrição desta obrigação, o intermediário financeiro não tinha o dever legal de informar o investidor sobre os riscos deste instrumento financeiro.

É que, enquanto as obrigações clássicas são tipicamente empréstimos obrigacionistas, cujas condições de reembolso e remuneração, são fixadas à partida pela entidade emitente e que, na expressão do art. 348º do Código das Sociedades Comerciais, conferem direitos de crédito iguais sobre esta entidade, as obrigações subordinadas distinguem-se destas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo todavia prioridade sobre os acionistas (cfr. art. 48º, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE), representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os autores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respetivos juros.

Deste modo, mesmo aceitando que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência da entidade emitente, nem acerca da robustez financeira da entidade emitente, temos por certo impender sobre o mesmo o dever de, em momento anterior à subscrição da obrigação DD, dar a conhecer aos autores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor.

Mas, não só não o fez, como, em vez disso, assegurou aos autores que a obrigação DD era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, o que não pode deixar de consubstanciar uma informação que, para além de incompleta, por não dar a conhecer aos autores as características da obrigação por eles subscrita nem os ter alertados para os riscos específicos da obrigação subordinada em causa, era inexata, por não ser totalmente verdadeira, violando, desse modo, disposto nos arts. 7º, nº 1 e 312º, nº 1, al. a) do CVM, tanto mais que provado ficou que os autores adquiriram a obrigação em causa, porque lhes foram dadas aquelas condições[12] .”

15. Da leitura da decisão recorrida resulta, em dúvida, que o Tribunal considerou:

- Demonstrada a ilicitude na falta da prestação da informação devida ao concreto cliente em causa, em face do seu próprio perfil e conhecimentos em matérias de investimentos na área em causa, com ponderação da sua profissão habitual e especificidade do produto em causa – obrigações subordinadas

E de outras passagens do acórdão decorre ainda:

- Demonstrada a culpa do Réu, por presunção, não ilidida;

- Demonstrado o nexo de causalidade entre a falta da prestação da informação devida e o dano invocado.


16. As questões relativas ao âmbito do dever de informação reportadas a casos similares ao dos presentes autos, presunção de culpa e nexo de causalidade, foram objecto de recente acórdão de Uniformização de Jurisprudência pelo STJ, tendo-se fixado a seguinte orientação jurisprudencial:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 


17. Essa orientação foi definida no âmbito de confronto entre um acórdão recorrido e um acórdão fundamento considerados como contraditórios e, na sequência da uniformização, a solução uniformizadora foi aplicada ao acórdão recorrido – tendo resultado em confirmação do acórdão recorrido por não estar demonstrada a causalidade, enquanto pressuposto indispensável à procedência do pedido indemnizatório.

Nesse processo do acórdão recorrido os factos relevantes eram os seguintes:

a) Provados:

1º - Os autores foram clientes do réu (à data BPN - Banco Português de Negócios), na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ...01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2° - Em 10.4.2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, seis "obrigações SLN 2006", cada uma no valor de € 50.000,00.

3º - Aquando do referido em 2º, o autor assinou o boletim de subscrição respectivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

4º - Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a "SLN 2006 Boletim de Subscrição", datado de 10.4.2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (...)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões Taxa anual nominal bruta

1º semestres

4,5%*

9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15 %

Restantes 10 semestres

Euribor a 6 meses + 1,50 %

*Taxa anual efectiva líquida: 3,632 %

5º - As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as acções integradoras do capital social daquele.

6º - A circunstância de a emitente do produto referido em 2º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigações - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.

7º - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior accionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100 % do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.

8º - A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

9º - Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.

10º - À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

11º - O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).

13º - Os autores fizeram, por intermédio da ré ou junto desta, outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, designadamente, em fundos de investimento.

14º - Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2º.

O acórdão da Relação aditou os seguintes factos:

15º - Os autores não sabiam o que são obrigações.

16º - O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações.

17º - Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.

18º - Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

19º - O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN.

20º - Foram pagos os juros vencidos até Nov/2015, ficando por pagar os restantes juros até à maturidade (vencidos em Maio/2016).

b) não provados

a) Que a gerente do Banco réu da agência de ... tenha dito ao autor, em Abril/2006, que tinha uma aplicação que correspondia exactamente a – no sentido de ser, verdadeiramente – um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN.

b) Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse em concreto “o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa”, estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.

e) Que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, após explicação do mencionado em 1.6., não tivesse consentido e autorizado tal compra.

f) Que os autores nem soubessem que existia a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que era uma mera denominação de conta a prazo, que o banco réu utilizava.

g) Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.

j) Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações.


18. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da ilicitude, o tribunal disse:

Dos factos provados resulta que:

- Os Autores foram clientes do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º...01, onde movimentam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

- Em 10/04/2006, o Autor subscreveu, junto dessa agência, seis “obrigações SLN 2006”, cada uma no valor de €50 000,00, tendo assinado o boletim de subscrição respetivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

- O Autor veio a subscrever seis obrigações subordinadas SLN, no valor de €50 000,00 cada, tendo o Banco agido na sua qualidade de intermediário financeiro;

- As Obrigações SLN 2000 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do “Banco réu (então BPN)”, participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

Deste modo, não só releva o perfil do cliente e o tipo de contratação que com ele foi estabelecida mas também o facto de o Banco BPN ter um claro interesse no resultado da operação de comercialização das obrigações emitidas pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

Encontra-se, também, provado que:

- “foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso.” (facto provado e atrás indicado sob o ponto 7.).

-Tendo o Autor subscrito as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

- O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da Ré que com ele contactaram.

- O Autor não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que era do conhecimento do Banco.

- Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou aos Autores o que eram obrigações, bem como, ninguém explicou aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Ora, destes factos provados, à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta, incompleta, inexata e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos.

7.2. A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

 Também não foram explicadas “as condições de reembolso…, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso”, isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que “à data, era extramente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.

A informação incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p.137).

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto.

Como já se deixou dito, o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão STJ, de 11/10/2018), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa. Por outro lado, não se deve ignorar que nas relações com os clientes “os intermediários devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (artigo 304.º, n.º 2, do CVM).

7.3. Para resolver a situação suscitada no Acórdão recorrido é premente ir mais longe na análise do caso concreto, nomeadamente considerando os factos alegados e a situação fáctica com que o Tribunal tem de decidir.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes alegaram:

- que o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada.

Analisando.

A ser prestada esta informação, estaríamos em presença de uma informação falsa, porquanto, no caso das obrigações subordinadas não existe a garantia dos depósitos bancários a prazo, isto é, se o Autor constituísse um depósito a prazo no mesmo valor, em caso de falência do Banco, o Autor teria o reembolso de €25 000,00, garantido legalmente (artigos 164.º e 166.º, nº 1, do Decreto - Lei  n.º 298/92 de 31.12, na redação do Decreto - Lei n.º 252/2003 de 17/10 - cf. Ac. STJ, de 23.3.2021, processo n.º 1209/19.9T8STR.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt); pelo contrário, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que sucedeu, o Autor não tem garantia legal de reaver qualquer montante aplicado no produto (podendo, contudo, a final da liquidação, ser reembolsado).

Contudo, apesar da alegação dos Autores, esse facto não ficou provado no Acórdão recorrido.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes também disseram:

- que foi dito pelo Banco ao Autor que o reembolso do capital era garantido pelo BPN, o que se traduziria numa informação falsa.

Analisando, também nesta parte os Autores não lograram fazer a prova do que alegaram.

- Estas alegações dos Autores e o resultado fáctico será reanalisado novamente, em sede de análise da causalidade -

Ponto de síntese:

Considerando-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, conclui-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco.”


19. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva da culpa, o tribunal disse:

Por outro lado, verifica-se a existência do dano e o Banco não demonstrou que não agiu com culpa, como se referiu esta presume-se nos termos do disposto no n.º1 do artigo 799.º, n.º1, do Código Civil (sendo que estes pressupostos da responsabilidade civil não estavam colocados em crise no Acórdão recorrido).”


20. Na aplicação da solução uniformizadora ao caso concreto, na perspectiva do nexo de causalidade, o tribunal disse:

“7.5. Importa agora verificar se está preenchido o requisito da existência, no Acórdão recorrido, do nexo de causalidade entre o facto ilícito – a prestação de informação incompleta, falsa e obscura – e o dano (a perda do capital investido na aquisição das obrigações).

7.5.1. Como se referiu anteriormente, a prova da verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano compete ao Autor, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil, encontrando-se afastada a presunção de causalidade, no caso presente.

Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º n.º 2, do CVM – na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos – o dano e nexo de causalidade –, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) –  (cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo n.º 2632/16. 6T8LRA.L1.S1).

Com efeito, dispõe o artigo 563.° do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB).

7.5.2. atentemos nos factos provados e não provados.

No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram:

- “… o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial);

- se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (artigo 8.º da petição inicial);

- pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial).

Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados).

Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.

Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações.

Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital.

Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes, o recurso não pode proceder.”


21. Da Fixação de jurisprudência e sua aplicação ao concreto processo que a despoletou resulta sem sombra de dúvidas que o âmbito do dever de informação e sua violação comporta uma vertente subjectiva, em função do perfil do cliente com quem o banco contratou o produto financeiro. Tratando-se de pessoa com pouca literacia e experiência em investimentos típicos deste mercado financeiro a informação a prestar pelo banco teria de ser superior à que é necessária para um cliente com conhecimentos e experiência relevante. Sendo pessoa menos experiente ou que depositasse confiança significativa em informação – menos precisa ou até errónea – que fosse decisiva para a opção de investimento, poder-se-ia admitir existir ilicitude na prestação da informação contratualmente devida.

Por isso, no caso do RUJ, se deu destaque, entre outros, ao facto de o cliente ser pouco experiente e informado, como resultava do facto provado “12º - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).


22. A situação no presente recurso não é substancialmente diversa:

A) Quanto ao perfil do cliente:

i) no presente processo está provado que:

8. O autor marido é empresário e a autora é .....

9. Ao longo dos anos, os Autores foram depositando em diversas entidades bancárias, significativas poupanças e valores, realizando várias aplicações financeiras.

10. Os Autores, detiveram ao longo dos anos no “BPN”, vários depósitos a prazo, fruto das atividades comerciais desenvolvidas ao longo de uma vida de trabalho.

11. Os AA. são avessos aos principais riscos associados ao investimento em activos financeiros, nomeadamente capital, rendimento e liquidez.

12. Procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidade compatível com taxas de juros de curto prazo.

15. O Autor marido foi contactado pelo gestor de conta do BPN que lhe apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 enfatizando o facto de ser um produto com capital 100% garantido pelo BPN.

16. O gestor de conta tinha conhecimento de que os AA. não estariam interessados em qualquer produto que envolvesse risco de perda de capital.

17. O autor marido, através da conta n.º ...70 de que era titular no BPN subscreveu o produto “SLN Rendimento Mais 2004” no montante de 50.000€ com data de reembolso de 27.10.2014, com taxa de juro anual nominal de 4,50% nos primeiros anos e posteriormente taxa variável e acordo correspondente à Euribor a seis meses.

18. O funcionário do “BPN”, CC, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada.

19. O mesmo funcionário assegurou que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo.

20. Só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta.

21. A confiança dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”.

22. Os funcionários do BPN conheciam bem os Autores, o seu perfil e a sua vontade.

ii) No processo do RUJ está provado que ((17º) Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.; (12º) - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).


22. Existem assim pontos comuns nos factos em confronto do processo do RUJ e no presente como:

B) informação sobre o que eram obrigações/conhecimento do significado “obrigações e obrigações subordinadas” (e não papel comercial, como consta nos factos não provados):

i) no presente processo está provado que:

8. O autor marido é empresário e a autora é .....

9. Ao longo dos anos, os Autores foram depositando em diversas entidades bancárias, significativas poupanças e valores, realizando várias aplicações financeiras.

10. Os Autores, detiveram ao longo dos anos no “BPN”, vários depósitos a prazo, fruto das atividades comerciais desenvolvidas ao longo de uma vida de trabalho.

11. Os AA. são avessos aos principais riscos associados ao investimento em activos financeiros, nomeadamente capital, rendimento e liquidez.

12. Procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidade compatível com taxas de juros de curto prazo.

13. O “BPN”, em 07 de Outubro de 2004, emitiu uma nota interna subordinada ao assunto “SLN Rendimento Mais 2004”, da qual consta que “O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações Subordinadas a 10 anos denominada “SLN Rendimento Mais 2004” para consolidação da dívida da SLN, SGPS, SA”, mencionando expressamente que “A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”.

14. Consta ainda dessa nota que seria garantido “100% do capital investido”, sendo o valor nominal de cada obrigação de 50.000,00€ e que o montante mínimo de cada subscrição é de 50.000,00€.

15. O Autor marido foi contactado pelo gestor de conta do BPN que lhe apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 enfatizando o facto de ser um produto com capital 100% garantido pelo BPN.

16. O gestor de conta tinha conhecimento de que os AA. não estariam interessados em qualquer produto que envolvesse risco de perda de capital.

17. O autor marido, através da conta n.º ...70 de que era titular no BPN subscreveu o produto “SLN Rendimento Mais 2004” no montante de 50.000€ com data de reembolso de 27.10.2014, com taxa de juro anual nominal de 4,50% nos primeiros anos e posteriormente taxa variável e acordo correspondente à Euribor a seis meses.

18. O funcionário do “BPN”, CC, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada.

19. O mesmo funcionário assegurou que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo.

20. Só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta.

21. A confiança dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”.

22. Os funcionários do BPN conheciam bem os Autores, o seu perfil e a sua vontade.

iii) No processo do RUJ está provado que (15º) Os autores não sabiam o que são obrigações; (16º ) O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações;


23. Partindo da afirmação constante do acórdão recorrido – e que se afigura acertada - só ao nível do caso concreto, com base na factualidade provada, se poderá concluir se um intermediário financeiro forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais (como se extrai do art.312º do CVM). Assim se justifica que em certos casos respeitantes ao cumprimento dos deveres de informação, em contratos de intermediação financeira, se conclua pela não responsabilização do intermediário e noutros casos se conclua de modo diverso[4].” – vejamos a situação do presente processo.

Ora, da análise dos factos provados nos presentes autos, nomeadamente dos acabados de indicar resulta que foi prestado ao Autor informação não completa e adequada aos seus conhecimentos e perfil – também aferido pela sua profissão e pelo seu perfil de cliente bancário e à confiança depositada na informação recebida - que lhe permitisse decidir com inteiro conhecimento de causa que tipo de investimento estava a realizar.


Por estes motivos, pode equiparar-se a situação informativa destes As. à situação de outros que têm obtido dos tribunais uma posição de defesa da sua frágil posição informativa reflectida em decisões de investimento, tudo apontando no sentido de estarmos perante alguém que decidiu enveredar por um investimento que comportava algum risco sem ter sido esclarecido completamente do risco em causa.

Nas indicadas condições de facto constantes dos presentes autos estão reunidas as condições para se entender que houve falta/incompletude de informação, e que por isso tenha havido ilicitude na actuação do intermediário financeiro, apta a conduzir a possível dever de indemnizar.

É, por isso de confirmar o entendimento sufragado no acórdão recorrido quanto à ilicitude.

Quanto à culpa, disse o tribunal, no acórdão recorrido:

“No quadro geral dos pressupostos de responsabilidade civil a ilicitude corresponde à violação do dever de informação e dela decorre presunção de culpa se o dano for causado por essa violação. Anote-se que a lei prescinde do contexto contratual ou até pré-contratual, admitindo a responsabilidade extra-contratual.

Todavia, no caso vertente, como já o dissemos, a responsabilidade nasce num contexto contratual, o do contrato de intermediação financeira estabelecido entre o BPN e o Autor.

Contexto contratual em que a prestação de informação não assume a natureza de um mero dever acessório da prestação principal entendida como o estabelecimento de contacto entre o investidor e a emitente do produto financeiro. Na verdade, a informação e a sua qualidade é a principal das prestações do intermediário, enquanto assume a dimensão da prestação mais essencial para a contraparte, razão fundamental da sua decisão de contratar a intermediação.

Seguramente que do conteúdo dessa prestação principal do intermediário consta a actividade de receber e transmitir ordens de investimento, mas as demais características são tanto ou mais essenciais do que essa mera transmissão.

Interessa à decisão do caso a consideração de tais deveres enquanto deveres de informação pré-contratual: podendo ser funcionalmente ordenados como deveres acessórios de conduta relativamente ao dever de prestar emergente de determinado contrato de intermediação financeira, constituem, eles próprios, deveres de prestar, autonomamente valorados na disciplina dessa específica relação obrigacional, designadamente para efeitos do seu incumprimento, nos termos previstos no art. 314º do CVM (na redação originária do DL 486/99), adiante examinado[13].

Acresce o reforço dessa obrigação, dada a natureza de instituição bancária do BPN, com especiais conhecimentos financeiros e uma necessária posição de perícia junto do Autor.

O mesmo é dizer que a ilicitude demonstrada constitui o próprio incumprimento contratual do contrato de intermediação que, por si só, também estabeleceria presunção de culpa nos termos da lei geral consubstanciada no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

O Réu não ilidiu a presunção de culpa, tendo de tal o ónus nos termos do artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil.

Verifica-se assim demonstrada a prática pelo Réu de um acto ilícito e culposo, importando apreciar se dele decorreu dano.”

Neste ponto do recurso, embora o recorrente entenda ter sido violada a lei, à luz da jurisprudência uniformizada já indicada, a decisão adoptada está correcta e deve ser confirmada, pelos fundamentos nela indicados.

Quanto ao nexo de causalidade, disse o tribunal, no acórdão recorrido:

“Entende o Réu que o dano decorre do incumprimento por parte da sociedade emitente das obrigações e não de actuação sua. Ou seja, o dano não decorre da subscrição das obrigações, mas do incumprimento da SLN.

Não se concorda com a asserção. Na verdade, decorre de ambas. O nosso regime de causalidade entre acto ilícito e culposo e dano é o de causalidade adequada, conforme resulta do artigo 563.º do Código Civil.

O conceito jurídico de causalidade, excluída que está a causalidade puramente naturalística, é e foi objecto de diversas abordagens e teorias sempre com vista a encontrar o conceito de causa apropriado à realização dos objectivos específicos do direito e, mais concretamente, tendo-se em vista os princípios que inspiram a responsabilidade civil (…)[14].

Partindo dos conceitos de condição de ocorrência de um facto e causa do mesmo, as teses dividiram-se entre dois grandes grupos, consoante aceitavam como causa todas as condições sem as quais o facto não teria ocorrido (doutrina da equivalência das condições ou da conditio sine qua non) ou, pelo contrário, distinguiam de entre as condições aquelas que podiam merecer o qualificativo de causa (doutrinas selectivas).

O legislador português consagrou no artigo 563º, do Código Civil, a denominada tese da causalidade adequada[15], a saber, considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.

(…)

Assim, deverá entender-se, no primeiro domínio [factos ilícitos], que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais[16].

Este o quadro em que deve analisar-se o facto ilícito em causa nos autos e a sua repercussão danosa.

Na perspectiva da responsabilidade civil, pode dizer-se, liminarmente, que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[17].

(…)

O dano a considerar no caso concreto é a privação do montante de € 50.000,00 que o Autor tinha a expectativa de receber no final do prazo estabelecido.

Ora, a violação do dever de informação por parte do BPN foi uma das causas que determinou que o Autor se visse desapossado daquela quantia, por a ter investido em obrigações por deficiência da informação prestada pelo Réu.

Deve considerar-se que as circunstâncias determinantes são de tal modo excepcionais e anómalas que retiram a natureza causal à conduta do BPN, por se confundirem com a crise económica e financeira que assolou o mundo?

Não cremos. As circunstâncias determinantes são o sempre possível incumprimento da contraparte, que se revestem de grande normalidade, a respeito do qual não foi dada ao Réu a informação relevante quanto às diferenças entre depósitos a prazo e obrigações, como à saciedade se indicou.

Entendemos, em consequência, que a subscrição das obrigações é causa adequada do dano que o não pagamento do capital na maturidade constitui.”

Neste ponto do recurso, embora o recorrente entenda ter sido violada a lei, à luz da jurisprudência uniformizada já indicada, a decisão adoptada está correcta e deve ser confirmada, pelos fundamentos indicados, que encontram respaldo integral nos factos provados:

18. O funcionário do “BPN”, CC, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada.

19. O mesmo funcionário assegurou que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo.

20. Só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta.

21. A confiança dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”.

22. Os funcionários do BPN conheciam bem os Autores, o seu perfil e a sua vontade.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados:

É negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido

As custas são a cargo do Réu, recorrente, que ficou vencido.


Lisboa, 10 de Novembro de 2022


Fátima Gomes /Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira