Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3741
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: SENTENÇA
ACÓRDÃO
FUNDAMENTO DE FACTO
NULIDADE
Nº do Documento: SJ200312110037412
Data do Acordão: 12/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1765/02
Data: 06/25/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ANULADA A DECISÃO. ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : 1. No julgamento do agravo o Supremo está limitado, no que ao conhecimento da matéria de facto diz respeito, nos mesmos termos em que o está ao julgar a revista.
2. A não especificação, pelas instâncias, dos fundamentos de facto que justificam a decisão, é causa de nulidade desta.
3. Quando o Supremo julga procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na 2ª parte da alínea d) do art. 668º do CPC, ou verifica que o acórdão se mostra lavrado contra o vencido, deve suprir as nulidades e declarar em que sentido deve a decisão considerar-se modificada, como decorre do disposto no n.º 1 do art. 731º, aplicável ex vi do art. 762º/3 do mesmo Código.
4. Quando, porém, a anulação do acórdão se funda na verificação de alguma das restantes nulidades - designadamente da aludida no precedente n.º 2 - deve o Supremo mandar baixar o processo à Relação, para que esta supra a nulidade e reforme a decisão anulada, pelos mesmos juízes, se possível.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1
Nos autos de execução sumária para pagamento de quantia certa que, no Tribunal Judicial da comarca de Caminha, A e outro intentaram contra B, ordenada a venda dos bens penhorados, por propostas em carta fechada, vieram tais bens a ser adjudicados à exequente, que foi quem apresentou as propostas de melhor preço.
No despacho de aceitação das propostas apresentadas pela exequente, a Ex.ma Juíza dispensou-a do pagamento do preço e, posteriormente, também do depósito das custas.
Mais tarde, veio a ser proferido novo despacho judicial em que se ordenou o cálculo das custas da execução e a notificação da exequente para proceder ao seu depósito.
A exequente veio, então, requerer que se declarasse não ser devido o pagamento das custas do processo, por estar a litigar com o benefício do apoio judiciário.
Tal requerimento foi indeferido.
A exequente agravou do despacho de indeferimento, mas a Relação de Guimarães negou provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Inconformada, a recorrente interpôs, do acórdão da Relação, novo recurso de agravo, agora para este Supremo Tribunal, com fundamento em ofensa de caso julgado.
No remate da sua alegação de recurso formulou as pertinentes conclusões, salientando-se, com interesse, as seguintes:
1ª - À exequente foi concedido o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de preparos e do pagamento de custas.
2ª - Por esse motivo - por se encontrar a exequente em situação de dispensa do pagamento de custas - é que, obviamente, foram proferidos o despacho de fls. 95 e também o de fls. 126 e 127: nesses despachos, que não foram objecto de qualquer reclamação ou recurso, e transitaram em julgado, foi decidido, de forma expressa e inequívoca, e em consequência do apoio judiciário concedido, que a exequente ficou dispensada do depósito das respectivas custas.
3ª - Assim, o despacho de 30.10.02, ao ordenar a notificação da exequente para proceder ao depósito das custas da execução, violou directamente o anteriormente decidido nos mencionados despachos de fls. 95 e de fls. 126 e 127, ofendendo o julgado a esse respeito.
4ª - A não ser assim, e a ter a exequente de proceder ao depósito das custas da execução, de nada lhe valeria tal apoio judiciário - tudo se passaria, na prática, como se dele não beneficiasse.
5ª - Não faz sentido o afirmado no acórdão recorrido, isto é, que "ao ordenar o seu depósito (das custas devidas pela execução), não se está a fazer recair sobre o seu (da exequente) património qualquer pagamento".
6ª - Isto porque, tendo de proceder ao citado depósito das custas, a exequente veria inevitavelmente o seu património afectado, contrariando-se assim a dispensa do pagamento de custas a que tem efectivo direito a exequente e toda a lógica do funcionamento e da ratio do próprio instituto do apoio judiciário.
7ª - Caso contrário, em muitas situações como a dos autos, de nada valeria ao exequente ter o benefício do apoio judiciário, com consequente violação da garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, independentemente da capacidade económica do cidadão que recorre aos tribunais para executar título válido (art. 20º/1 da CRP).
8ª - Deverá, assim, revogar-se o acórdão recorrido, proferindo-se decisão que declare efectivamente dispensado o depósito, pela exequente, das custas da execução, em conformidade com o decidido a fls. 95 e a fls. 126-127.
9ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 672º e 675º/1 e 2, ambos do CPC, e o disposto no art. 20º n.º 1 da CRP.

Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
2
Tal como sucede na apreciação do recurso de revista, também no de agravo o Supremo, em regra, só conhece de questões de direito (art. 26º da LOFTJ). Não controla a matéria de facto, competindo-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelas instâncias.
Ao julgar o agravo está, pois, o Supremo limitado, no que ao conhecimento da matéria de facto diz respeito, nos mesmos termos em que o está ao julgar a revista. É, a esse respeito, claro o n.º 2 do art. 755º do CPC (1), ao determinar a aplicabilidade, ao recurso de agravo, do disposto no n.º 2 do art. 722º.
É às instâncias que compete fixar a matéria de facto, não ao STJ.
A não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão é causa de nulidade da sentença [art. 668º/1.b)] e do acórdão da Relação (art. 716º/1).
Não descreveu o acórdão recorrido os factos que se encontram provados, sendo a tal respeito completamente omisso, o que vale dizer que enferma da aludida nulidade.
Há, pois, que hic et nunc, anular o referido acórdão.
Refere a 1ª parte do n.º 3 do art. 762º que ao agravo interposto na 2ª instância se aplica o disposto no n.º 1 do art. 731º. Quer isto dizer que, se o Supremo julga procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do art. 668º, ou verifica que o acórdão se mostra lavrado contra o vencido, deve suprir as nulidades e declarar em que sentido deve a decisão considerar-se modificada.
Nada se diz, porém, quando a anulação do acórdão, pelo Supremo, se funda na verificação de alguma das restantes nulidades - designadamente da que ocorre no caso em apreço, de falta de indicação da matéria de facto.
Não obstante o silêncio da lei, vêm a doutrina e a jurisprudência entendendo, una voce, que deve, em tal caso, seguir-se o procedimento previsto para a revista no n.º 2 do mesmo art. 731º, onde se estabelece o sistema de cassação - o Supremo deve mandar baixar o processo à Relação, a fim desta suprir a nulidade verificada e reformar a decisão anulada, pelos mesmos juízes se possível.
3
Em face do exposto, anula-se o acórdão recorrido, determinando-se que os autos voltem à Relação, nos termos e para os fins supra explicitados, i.e., para que esta profira novo acórdão em que fixe com precisão os factos provados e interprete e lhes aplique as correspondentes normas jurídicas.
Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2003
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
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(1) Código a que pertencem os preceitos que vierem a citar-se sem indicação de origem.