Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
815/11.4TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: SEGURO DE GRUPO
SEGURO OBRIGATÓRIO
ACIDENTE DESPORTIVO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
NORMA IMPERATIVA
ORDEM PÚBLICA
INCAPACIDADE
INVALIDEZ
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO OBRIGATÓRIO / SEGURO DESPORTIVO OBRIGATÓRIO / SEGURO DE GRUPO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, reimpressão, Almedina, 2003, 127, 129.
- F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 205.
- J. C. Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 23 e 24; «O Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Breves considerações sobre a protecção dos segurados», Cadernos de Direito Privado, n.º 26, Abril/Junho de 2009, 28.
- José Bento, Direito dos Seguros, Universidade Internacional, Lições fotocopiadas, 1994/95, 113 a 119.
- José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, 41, 89, 90, 120, 172, 173 e 241.
- Karl Larenz, Allgemeiner Teil des deutschen bürgerlichen Rechts, 8.ª edição, Munique, 464-7, citado por Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 637 e 638, nota (879), último período.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão; 1966, 430 e 431.
- Margarida de Lima Rego, “Contrato de seguro e terceiros. Estudo de direito civil”, Coimbra, 2010, 777 ss.; “Os seguros coletivos e de grupo”, Temas de direito dos seguros. A propósito da nova lei do contrato de seguro, coord. De Maria de Lima Rego, Almedina 2012, 299-328.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 633 e nota (869) , 634 a 638.
- Rui de Alarcão, Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojeto para o Novo Código Civil, BMJ nº 89 (Outubro de 1959), 258.
- Sofia Galvão, Reflexões Acerca da Responsabilidade do Comitente no Direito Civil Português, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1990, 52 e 53.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 239.º, 280.º, N.º2, 286.º, 292.º, 294.º, 334.º, 762.º, 800.º, N.º 2, 809.º, Nº 1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 427.º.
D.L. N.º 10/2009, DE 12 DE JANEIRO (LEI DO SEGURO DESPORTIVO OBRIGATÓRIO): - ARTIGOS 2.º, 5.º, N.º 2, ALS. A) E B), 6.º, 7.º, AL. A), 16.º, ALS. D) E E), 18.º.
D.L. N.º 352/2007, DE 23 DE OUTUBRO: - ARTIGO 6.º, N.º 1, AL. C), E A TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES, CONSTANTE DO ANEXO II.
D.L. N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL (LEI DO CONTRATO DE SEGURO): - ARTIGOS 128.º, 146.º, N.º4, 175.º, N.º2.
LEI N.º 5/2007, DE 16 DE JANEIRO (LEI DE BASES DA ATIVIDADE FÍSICA E DO DESPORTO): - ARTIGO 42.º, Nº 1.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS:

-DE 28-03-1996, CASO RUIZ BERNÁLDEZ, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, I-01829, E DISPONÍVEL NO SÍTIO HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU/LEXURISERV/LEXURISERV.DO?URI=CELEX:61994J0129:PT:HTML#MO .
Sumário :
I - O seguro desportivo obrigatório corresponde a um seguro de grupo, em sentido estrito, porque a celebração de um único contrato entre o segurador e uma federação desportiva, que ocupa, enquanto parte no contrato, a posição de tomador do seguro, proporciona a cobertura a uma multiplicidade de segurados, sendo ainda um seguro por conta de outrem, dado que os sujeitos passivos do dever de segurar – as federações desportivas – não coincidem com a pessoa dos segurados, titulares da cobertura – os agentes desportivos.

II - Os seguros obrigatórios só podem desempenhar, cabalmente, a função social para que foram criados se ao lesado forem inoponíveis quaisquer excecões resultantes do contrato.

III - Assim, não é possível, através de cláusulas limitativas do objeto do contrato, excluir obrigações que sejam impostas por normas imperativas, ou que decorram de exigências de ordem pública.

IV - A cláusula contratual da apólice de seguro desportivo obrigatório, que impõe coberturas mínimas, garantindo “o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial”, sem mencionar percentagens de incapacidade/invalidez, contém uma inequívoca norma de caráter imperativo, não podendo ser interpretada de modo a abranger, tão-só, o risco de invalidez permanente de grau superior a 10%, excluindo ou afastando da obrigação de indemnizar uma invalidez permanente inferior a 10%, por se tratar de cláusula limitativa do objeto do contrato, que se encontra ferida de nulidade, por ser contrária à ordem publica, não podendo ser derrogada ou restringida, por vontade das partes.

V - Quando a invalidade negocial é circunscrita ao segmento que se encontra em oposição com uma disposição legal, convoca a regra da incomunicabilidade da nulidade, tendo lugar o instituto da redução do negócio jurídico, pois que a declaração negocial, na falta de disposição especial, deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam manifestado se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, como resulta do estipulado pelo art. 239.°, do CC, reconduzindo-se o problema da redução a uma questão de integração da declaração negocial, pois que as partes poderiam ter resolvido, expressamente, a questão, se a tivessem previsto.

VI - No âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído, sem a parte viciada, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjetural, estabelecendo-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes, aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato, através da chamada “eficácia mediata das normas imperativas”, enquanto solução alternativa a nulidade que resultaria da supressão do negócio ou da respetiva cláusula nula.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA propôs a presente ação com processo comum, sob a forma ordinária, contra “SEGURO BB, SPA”, ambos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €33.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, em consequência de um acidente desportivo, que se encontrava coberto por um contrato de seguro, no qual a sua entidade patronal figurava como tomador, sendo o autor, também, dele beneficiário.

Na contestação, a ré excepciona a cobertura pelo seguro de parte dos danos, com o limite do capital seguro e com a exclusão da indemnização, impugnando, igualmente, a factualidade alegada na petição.

Na réplica, o autor responde às exceções deduzidas, defendendo a sua improcedência, e requerendo ainda a ampliação da causa de pedir e do pedido, cuja liquidação remete para execução de sentença, com o valor indemnizatório de €36500,00, e a condenação da ré como litigante de má-fé.

Na tréplica, a ré opõe-se à pretendida ampliação do pedido e à condenação como litigante de má-fé.

No despacho saneador, foi admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido, este para o valor de €36500,00, e declaradas improcedentes as exceções invocadas.

A sentença julgou, parcialmente, procedente a ação e, em consequência, “condenou a ré a pagar ao autor a quantia total de €23.000,00, sendo €20000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos e €3000,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido dos respetivos juros moratórios à taxa legal para os juros civis desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé”.

Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmado a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de …, a ré interpôs agora recurso de revista excecional, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua procedência, devendo o mesmo ser revogado, proferindo-se outro que a absolva, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na parte pertinente, relativa ao único pressuposto admitido pela Formação, ou seja, quanto “ao modo como devem ser aplicadas as tabelas de desvalorização, no caso de fixação dos montantes indemnizatórios previstos nos contratos de seguro”:
……………………………………………………………………………….
3ª – De acordo com as condições da apólice, a avaliação corporal do dano ocorrido no caso em apreço deveria, e deverá, ser feita com base na tabela anexa à mesma apólice, sempre considerando os valores mínimos indemnizáveis ali constantes e com a fixação da indemnização final com base no valor previsto naquela referida tabela contratual, por referência ao capital seguro contratado.
4ª - O sinistro sub judice e os danos corporais dele eventualmente decorrentes estão subtraídos a avaliação realizada no âmbito do Decreto-Lei nº 352/07, de 23 de Outubro, e às tabelas ao mesmo anexas, designadamente, a tabela II, antes estando tais danos corporais sujeitos a avaliação segundo a tabela de desvalorização prevista no próprio contrato de seguro em causa e respectivas condições particulares, especiais e gerais do mesmo.
5ª - O invocado Decreto-Lei nº 352/07, de 23 de Outubro, cuja imperatividade o tribunal recorrido veio defender, apenas se destina à avaliação do dano corporal no âmbito do direito civil e, dentro deste, no âmbito do instituto da responsabilidade civil - cf. artigo 1o do referido Decreto-Lei, motivo pelo qual no referido Decreto-Lei apenas se faz menção ao conceito de dano, surgindo precisamente aquele enquadramento legislativo do dano corporal no âmbito da reforma iniciada com a publicação do Decreto-Lei n° 83/06, de 3 de Maio, com vista à transposição parcial para a ordem jurídica nacional do conteúdo da Directiva n° 2005/14/CE, fixando as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir a assunção da sua responsabilidade em caso de sinistro no âmbito de seguro automóvel, e que introduziu o conceito de proposta razoável.
- Reforma essa prosseguida com a publicação do Decreto-Lei n° 291/07, de 21 de Agosto, que regulou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, e onde se viu confirmado aquele mesmo conceito de proposta razoável, com a publicação do referido Decreto-Lei n° 352/07, de 23 de Outubro, relativo à avaliação do dano corporal e, finalmente, com a publicação da Portaria n° 377/08, de 26 de Maio, relativa à especificação dos valores a considerar no âmbito do recurso ao conceito da proposta razoável.
- Ora, como resulta da factualidade dada como provada nos autos, do direito aplicável, e da evolução normativa acima descrita e respectivo circunstancialismo, no caso em apreço nos autos não estamos perante a aplicação do instituto plasmado no Decreto-Lei n° 352/07, de 23 de Outubro, seja quanto ao tipo de avaliação, seja quanto ao tipo de dano que ali se pretende avaliado, não se encontrando o caso em apreço sequer no âmbito de um seguro de DANOS de responsabilidade civil.
- Não sendo, como tal, aqui aplicável o disposto no art° 6o, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei n° 352/07, invocado pelo tribunal recorrido, nem sendo ainda invocável o previsto nos artigos 138° e 146° da Lei do Contrato de Seguro, normas essas com aplicação apenas relativamente aos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.
9ª - Antes constituindo o caso em apreço um CONTRATO COMERCIAL, de seguro de PESSOAS, de ACIDENTES PESSOAIS - motivo pelo qual se fala neste âmbito em LESÃO e não em DANO, cujo risco vem definido no artigo 210° da Lei do Contrato de Seguro e o mais nos artigos 210° e seguintes da mesma Lei, no Decreto-Lei n° 10/2009, de 12 de Janeiro, enquanto seguro obrigatório desportivo, e, por força do disposto no art° 405° e 406° do CC, no clausulado da apólice e respectivas condições particulares, gerais e especiais.
10ª - Sendo certo que em norma alguma da globalidade do regime dos seguros de acidentes pessoais acima identificado, a previsão contratual, por acordo das partes, de uma tabela de desvalorização se vê impedida, antes se vendo expressamente permitida, por força do princípio da autonomia e liberdade contratual plasmado no art° 405° do CC.
11ª - Destinada aquela tabela de desvalorização a permitir a avaliação e fixação de um grau de desvalorização, por forma a depois saber quanto do capital seguro - e não um quantuum indemnizatório !!! - deverá ser pago à parte contraente segurada, aplicando-se aquela fixação a este capital seguro, sendo certo que o segurado - no caso, o autor - tem direito a um capital (seguro), no todo ou em parte, por uma LESÃO sofrida, independentemente de quem a tiver causado, e não propriamente a uma qualquer indemnização, por um dano sofrido e causado por terceiro.
12ª - Da aplicação de tal tabela contratual de desvalorização anexa às condições gerais da apólice ao caso em apreço, resulta que o recorrido não ficou com nenhuma invalidez permanente, pelo que, por força das condições da apólice aquele não tem direito a receber qualquer indemnização da apelante a este título.
13ª - Da avaliação de dano corporal realizada nos autos - tendo por base o regime regulado no Decreto-Lei 352/07, de 23 de Outubro - resultou a fixação ao recorrido de uma incapacidade de 9 pontos, incapacidade essa que, em face do valor mínimo de incapacidade previsto no nº 4.4. do artº 2o, capítulo II, das condições especiais e particulares da apólice do contrato de seguro celebrado entre recorrente e tomadora, não encontra cobertura no contrato de seguro em apreço, nada sendo devido pela apelante a esse título.
14ª - O artº 5o n° 2 do Decreto-Lei n° 10/2009, de 12 de Janeiro não foi violado pelo disposto no n° 4.4. do art° 2o, capítulo II, das condições especiais e particulares da apólice, porquanto o referido artigo visa estabelecer as coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo, coberturas essas que se encontravam acauteladas e estabelecidas no contrato de seguro em causa, nomeadamente, atento o conteúdo da cláusula n° 4.1. Coberturas e Capitais Seguros do artº 2o Definições do capitulo II das «condições especiais e particulares» da apólice de seguro, segundo a qual, aliás, os capitais seguros contratados se apresentavam como superiores aos mínimos legais, conforme resulta do artº 16º do Decrcto-Lei n° 10/2009, de 12 de Janeiro.
15ª - Assim, a disposição contida no n° 4.4. do artº 2°, capítulo II, das condições especiais e particulares da apólice em questão, não viola o disposto no art° 5, n° 2 do Decreto-Lei 10/2009, de 12 de Janeiro, não sendo, como tal, aplicável ao caso em apreço o disposto no artº 294° do Código Civil, inexistindo qualquer violação de norma imperativa e consequente nulidade daí decorrente.
16ª - O tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, com os fundamentos invocados, fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do disposto no n° 2 do artº 5º, artº 6º, e artº 16º, todos do Decreto-Lei n° 10/2009, de 12  de Janeiro, antigo art° 4°, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 146/93, da
alínea a) do artigo 18º do Decreto Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro,
artigos 280°, 294°, 405°, 406° e 566º, todos do Código Civil, e artigos 138°,
146°, 175°, n° 2, todos da Lei do Contrato de Seguro.

Nas suas contra-alegações, o autor defende que o recurso interposto pela ré deve improceder.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Na época desportiva 2008/2009, o autor encontrava-se inscrito, na Federação Portuguesa de Futebol e na Associação de Futebol de … - A).

2. Entre a Associação de Futebol de …, enquanto associação desportiva responsável pela inscrição dos seus associados nas competições da Federação Portuguesa de Futebol, e a ré, na qualidade de seguradora, foi celebrado contrato de seguro desportivo, para a época desportiva de 2008/2009, titulado pela apólice nº. 000000000996, em vigor a 11 de Abril de 2009 - B).

3. O autor era beneficiário desse contrato de seguro, enquanto atleta de futebol do Clube ..., nessas mesmas provas desportivas - C).

4. Em 11 de Abril de 2009, no campo de jogos do Atlético Clube ..., decorreu o jogo oficial de futebol de 11, que opunha esta equipa ao Grupo Recreativo “O ...”, no âmbito do campeonato da III Divisão Nacional, organizado pela Associação de Futebol de … e pela Federação Portuguesa de Futebol - D).

5. Durante este jogo, em que o autor representava o Grupo Recreativo “O ...”, na qualidade de atleta federado, na sequência de uma jogada em que se preparava para pontapear a bola, o autor sofreu uma forte torção do joelho esquerdo, do qual resultou uma rotura do ligamento cruzado anterior e menisco interno desse mesmo joelho - E).

6. No dia 27 de Abril de 2009, no âmbito do seguro, referido em B), por indicação da ré, o autor foi submetido a tratamento cirúrgico com artroscopia, meniscectomia total interna e externa e legamentoplastia do ligamento cruzado anterior, agora na Casa de Saúde … - F).

7. Em 23 de Novembro de 2009, em virtude de apresentar sequelas de plastia do ligamento cruzado anterior, com fragmentação parcial do enxerto e lesão cartilagínea – grau III do côndilo femural interno do referido joelho, o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica, com artroscopia, com exérese da porção redundante da plastia do ligamento cruzado anterior e extração de grampos, no Hospital …, no … - G).

8. No âmbito das actividades desportivas que desenvolve, o Grupo Recreativo “O ...” tem equipas de futebol não profissional que competem nos campeonatos organizados pela Associação de Futebol de … e pela Federação Portuguesa de Futebol, nomeadamente, nos escalões de seniores - a).

9. Na época desportiva de 2008/2009, o Grupo Recreativo “O ...” encontrava-se filiado, na Associação de Futebol de … e na Federação Portuguesa de Futebol, em cujos campeonatos se encontrava inscrito e a competir a sua equipa de futebol de 11, sénior, mais, concretamente, no campeonato de futebol da III Divisão Nacional - b).

10. Na época desportiva de 2008/2009, o autor era atleta não profissional sénior da modalidade desportiva de futebol de 11 do Grupo Recreativo “O ...” - c).

11. Em virtude das referidas lesões sofridas, aquando do referido em E), o autor foi, imediatamente, transportado para as urgências do Hospital …, em …, onde foi submetido a tratamento, inicialmente, com tala gessada e medicação antálgica - d).

12. Em virtude do referido em E), actualmente, o autor tem dores muito fortes, no joelho esquerdo, agravadas pelos movimentos e, quando realiza longas caminhadas ou permanece muito tempo na posição ortostática - e).

13. Devido ao referido em E), actualmente, o autor tem diminuição da força e sensação de fragilidade do membro inferior esquerdo, com dor e ligeira claudicação, agravada pela marcha, em pisos inclinados ou irregulares, bem como, subir e descer escadas e conduzir veículos - f).

14. (…) deambula com ligeira claudicação - g).

15. (…) revela atrofia da coxa esquerda e da perna esquerda  - h).

16. (…) tem diminuição da força do membro inferior esquerdo e limitação da mobilidade no joelho esquerdo - i).

17. (…) tem cicatriz linear no joelho esquerdo - j).

18. (…) tem irregularidade do ligamento cruzado anterior, tendinose do tendão rotuliano, derrame articular, quisto de Baker e sequelas de meniscectomia interna e externa e/ou laceração - k).

19. (…) revela ainda calcificação adjacente à vertente exterior do côndilo femoral interno, fragmento ósseo no pólo inferior da rótula e derrame articular - l).

20. Em 2008 e 2009, o autor era mediador de seguros - m).

21. (…) obtendo, nessa actividade, um rendimento médio anual de €12.750,24 - n).

22. Devido ao referido em E), o autor despendeu €925, em internamento hospitalar, €3.500 de honorários médicos, como consequência da cirurgia, €279,00, em consultas médicas, €79,20, em tratamentos, €219,56, em exames de diagnóstico, €67,44, em medicamentos, e €88,35, em outras despesas, designadamente, em taxas moderadoras e consultas de fisioterapia - o).

23. No dia 11 de Abril de 2009 e nos dias que se seguiram, como consequência do referido em E), o autor passou por momentos de angústia, pavor e aflição - p).

24. A lesão que sofreu causou-lhe dores agudas, agonia e sofrimento, que se estenderam por todo o período de incapacidade temporária, nomeadamente, nos períodos de recuperação das cirurgias a que se submeteu, em que tais dores se tornaram ainda mais fortes - q).

25. A prática do futebol, ao nível a que fazia antes da lesão que sofreu, proporcionava ao autor uma enorme satisfação e felicidade, bem como contribuía para uma elevada auto-estima e orgulho que sentia nas suas capacidades físicas - r).

26. A interrupção da sua carreia desportiva, fruto da lesão que sofreu, deixou-o deprimido, triste e desanimado, contribuindo ainda para uma forte desmotivação e perda significativa da sua auto-estima - s).

27. A pessoa a quem antes vaticinavam uma grade carreira no desporto, passou, de um dia para o outro, de esperança a memória, deixando de poder praticar desporto, ainda que apenas para diversão, sem sentir fortes dores e enormes limitações - t).

28. A ré encaminhou o autor para uma clínica com qual tem convenção, indicando um médico trabalhador/prestador de serviços da ré, recusando ao autor a escolha de outro médico da sua confiança e ameaçando-o de que se o fizesse se eximiria de qualquer responsabilidade indemnizatória - u).

29. Através do seu advogado, efectuou essa solicitação, nos termos constantes da carta registada - v).

30. A 11 de Abril de 2009, o contrato de seguro, referido em B), estava sujeito às condições particulares e condições gerais constantes de fls. 18 a 114 - w).

31. (…) efectuando, apenas, as coberturas, por pessoa e seguro - morte ou invalidez permanente, €26.000,00; despesas de tratamento e repatriamento, €4.650,00, incapacidade temporária, €3.500,00 - x).

32. A ré prestou diversa assistência ao autor, suportando mais de €4.650,00, em despesas de tratamento - y).

33. O autor teve alta médica, com a consolidação das suas lesões, em 24.07.2009 - z).

34. A ter alguma incapacidade permanente, em virtude do referido em E), ela é inferior a 10% - aa).

35. Na época desportiva de 2009/2010, o autor participou, como jogador do «Clube da …», em 5 jogos - bb).

36. Na época desportiva de 2010/2011, o autor participou, como jogador do «Clube da …», em quatro jogos - cc).

37. O autor, no âmbito da atividade de angariador da BANCO CC, auferiu, no ano de 2008, a quantia de 1.398,13€ - dd).
                                                               *
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I. A questão do critério da avaliação da incapacidade.
II. A questão da validade da cláusula contratual do seguro desportivo obrigatório que exclui da obrigação de indemnizar a invalidez permanente inferior a 10%.
I. DO CRITÉRIO DA AVALIAÇÃO DA INCAPACIDADE
I.1. Defende a ré que a avaliação corporal do dano deve ser feita com base na tabela anexa à apólice, considerando os valores mínimos indemnizáveis dela constantes, e com fixação da indemnização final com fundamento no valor previsto na mesma, e não em conformidade com o DL nº 352/07, de 23 de Outubro, e com as respetivas tabelas anexas, cuja imperatividade, apenas, se destina à avaliação do dano corporal, no âmbito do direito civil e, dentro deste, no quadro do instituto da responsabilidade civil e do conceito da proposta razoável.
I.2. A Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro[2]), no seu artigo 42.º, nº 1, garante “a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos agentes desportivos inscritos nas federações desportivas”, destinado a “cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos”.
Por sua vez, o artigo 2º, do DL n.º 10/2009, de 12 de janeiro, consagra a obrigatoriedade do seguro desportivo para os agentes desportivos, entre os quais se incluem, atento o disposto pelo artigo 7º, a), do mesmo diploma legal, “os praticantes desportivos federados”, estipulando o seu nº 1 que “os agentes desportivos, os praticantes de actividades desportivas em infra-estruturas desportivas abertas ao público e os participantes em provas ou manifestações desportivas devem, obrigatoriamente, beneficiar de um contrato de seguro desportivo”, acrescentando o respectivo nº 2 que “a responsabilidade pela celebração do contrato de seguro desportivo referido no número anterior cabe às federações desportivas, às entidades que explorem infra-estruturas desportivas abertas ao público e às entidades que organizem provas ou manifestações desportivas”, ou seja, a lei sujeitou a cobertura dos riscos de acidentes pessoais inerentes à atividade desportiva ao regime do seguro obrigatório.
O seguro desportivo obrigatório “cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva atividade desportiva”[3], nomeadamente, os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respetivas deslocações, dentro e fora do território português, sendo, pois, um seguro de acidentes pessoais[4].
O Instituto de Seguros de Portugal, enquanto entidade reguladora da atividade seguradora, não aprovou qualquer norma regulamentar a fixar um clausulado uniforme para o seguro desportivo obrigatório, sem embargo de os artigos 5º, 16º e 18º, da Lei do Seguro Desportivo Obrigatório, terem fixado as suas coberturas mínimas, o que permite qualificá-lo como uma figura híbrida, com uma vertente de seguro de capitais, porque proporciona o pagamento de um capital, por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, em cuja fixação não se aplica o chamado princípio indemnizatório, que limitaria a prestação do segurador ao valor do dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro, atento o preceituado pelo artigo 128º, e uma vertente de seguro de danos, já que cobre as despesas de tratamento e de repatriamento, aplicando-se a essas coberturas o princípio indemnizatório, atento, igualmente, o disposto pelo artigo 175º, nº 2, ambos da Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de abril).
O seguro desportivo obrigatório corresponde a um seguro de grupo, em sentido estrito, porque a celebração de um único contrato entre o segurador e uma federação desportiva, que ocupa, enquanto parte no contrato, a posição de tomadora do seguro, proporciona a cobertura a uma multiplicidade de segurados[5].
Deste modo, o seguro desportivo obrigatório pode ainda qualificar-se como um seguro, por conta de outrem, dado que os sujeitos passivos do dever de segurar - as federações desportivas - não coincidem com a pessoa dos segurados, titulares da cobertura - os agentes desportivos.
I.3. O contrato de seguro define-se como aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos[6], por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma retribuição determinada, o prémio acordado, a cargo do tomador do seguro, a, tratando-se de evento, futuro e incerto, relativo à pessoa humana, entregar a prestação convencionada, designadamente, a de indemnização ou capital, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites, convencionalmente, estabelecidos, pelas estipulações da apólice, não proibidas por lei, ou a dispensar o pagamento dos prémios, na hipótese de prestação a realizar, em data determinada[7] e, na sua falta ou insuficiência, subsidiariamente, pelas disposições do Código Comercial, atento o preceituado pelo artigo 427º, deste diploma legal, aplicável[8].
Ora, através da análise do seguro de vida ajuizado, constata-se que o tomador do seguro e o segurado são entidades distintas, considerando-se o seguro celebrado, por conta de outrem, o segurado-agente desportivo, e não subscrito, em nome próprio[9], ou melhor, trata-se de um seguro, por conta de outrem, em que o tomador do seguro contratou, em nome próprio, mas no interesse de um terceiro[10].
I.4. O contrato de seguro desportivo garante o montante mínimo de coberturas, ou seja, o montante mínimo de capital, em caso de invalidez permanente parcial, decorrente da atividade desportiva, de €27.222,00, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, e as despesas de tratamento, incluindo de internamento hospitalar, de €4.356,00, nos termos do disposto pelos artigos 5º, nº 2, a) e b) e 16º, d) e e), do DL nº 10/2009, de 12 de janeiro, acrescentando o seu nº 6, que “as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro”, sendo que, continua o respetivo artigo 18º, “as coberturas mínimas obrigatórias dos seguros são automaticamente atualizadas em janeiro de cada ano, de acordo com o índice de preços do consumidor verificado no ano anterior e publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P.”.
Estes valores, acabados de referir, deverão ser utilizados como capitais mínimos obrigatórios, nos contratos celebrados com as seguradoras, pelas federações desportivas, pelas entidades prestadoras de serviços desportivos e pelas entidades que promovam ou organizem provas ou manifestações desportivas abertas ao público.
I.5. Do preâmbulo do DL nº 352/2007, de 23 de outubro, que aprovou a Tabela Nacional de Incapacidades, considerando que a anterior vinha sendo «(…) utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito (…)», e considerando ainda “serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam», «opt[a]ou… pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil”.
E o artigo 6º, nº 1, c), do aludido DL nº 352/2007, de 23 de outubro, em vigor desde 21 de janeiro de 2008, determinou, expressamente, que a Tabela Nacional de Incapacidades, em Direito Civil, seria aplicável a “todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor”, concluindo pelo seu caráter imperativo, pelo que, as incapacidades, no domínio do Direito Civil, passaram a ser, obrigatoriamente, calculadas, de acordo com a sua Tabela II, impedindo que a avaliação do dano e o cálculo de incapacidades, no âmbito do Direito Civil, tenha deixado de estar no domínio do princípio da autonomia privada.
I.6. Regressando à factualidade que importa considerar, registe-se que o autor, no decurso de um jogo de futebol integrado no Campeonato Nacional da IIIª Divisão, organizado pelas entidades competentes, sofreu uma forte torção do joelho esquerdo, da qual resultou uma rotura do ligamento cruzado anterior e o menisco interno desse mesmo joelho.
Na perícia médico-legal a que o autor foi sujeito na tramitação do processo, a avaliação e valoração dos danos foi efetuada, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, em Direito Civil, constante do Anexo II ao Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, concluindo-se por um “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 9 pontos”, incapacidade esta a que o tribunal atendeu para fixar o «quantum» indemnizatório.
I.7. A natureza obrigatória do seguro desportivo de que gozam os agentes desportivos, como é a situação do autor, traduz-se na cobertura, legalmente, estabelecida, pelo artigo 5º, nº 2, a), do DL 10/2009, de 12 de janeiro, ao estatuir “as coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo”, com relevância no “pagamento de um capital por […] invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva”, razão pela qual, sendo obrigatória, no mínimo, a cobertura da invalidez permanente parcial, essa obrigação reporta-se a toda e qualquer incapacidade permanente parcial (IPP), e não, apenas, aquela que seja igual ou superior a 10% de incapacidade, como sustenta a ré.
Efetivamente, a sentença proferida, em 1ª instância, considerou nula a cláusula do artigo 2º, nº 4.4, das cláusulas especiais e particulares do contrato de seguro, da qual consta que “Caso se verifique uma situação de Invalidez Permanente garantida ao abrigo da «Invalidez Permanente» ou «Morte ou Invalidez Permanente» fica estabelecido que o pagamento da indemnização far-se-á nos seguintes termos: se o grau de Invalidez Permanente for inferior a 10%, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização;”.
No tocante a invalidez permanente, refere-se ainda, no artigo 4º, 1., b), ii, das cláusulas gerais do contrato de seguro, que “o montante da indemnização será obtido pela aplicação ao valor seguro, da respetiva percentagem de Invalidez Permanente estabelecida na Tabela de Desvalorização que faz parte integrante destas Condições Gerais”.
E, nas condições gerais, estabelece-se, efetivamente, uma “Tabela para servir de base ao cálculo das indemnizações devidas por invalidez permanente como consequência de acidente”, descriminando-se, no caso de invalidez permanente parcial (IPP), diversos tipos de lesões e a atribuição, a cada uma delas, de uma percentagem.
Logo, na altura, em que foi notificada do relatório da perícia médico-legal, a ré veio reclamar do facto de a mesma ter sido feita, exclusivamente, com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e não, também, com base na tabela de desvalorização, anexa à apólice de seguro.
Porém, “os seguros obrigatórios só podem cabalmente desempenhar a função social para que foram criados se à vítima forem inoponíveis quaisquer excepções resultantes do contrato”[11].
Deste modo, impõe-se concluir que o artigo 5º, nº 2, a), do DL 10/2009, de 12 de janeiro, contém uma inequívoca norma, de caráter imperativo.
II. DA VALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL CONSTANTE DA APÓLICE DE SEGURO DESPORTIVO QUE EXCLUI DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR A INVALIDEZ PERMANENTE INFERIOR A 10%
II.1. Sustenta ainda a ré que a disposição contida no artigo 2°, n° 4.4, capítulo II, das condições especiais e particulares da apólice, não viola o comando no artigo 5º, n° 2, do DL nº 10/2009, de 12 de janeiro, não sendo, como tal, aplicável, ao caso em apreço, o preceituado no artigo 294°, do Código Civil, inexistindo, assim, qualquer violação de norma imperativa e consequente nulidade daí decorrente.
Estabeleceu-se, no nº 4.4, do artigo 2º, das cláusulas especiais e particulares, como já se disse, que “Caso se verifique uma situação de Invalidez Permanente garantida ao abrigo da «Invalidez Permanente» ou «Morte ou Invalidez Permanente» fica estabelecido que o pagamento da indemnização far-se-á nos seguintes termos: se o grau de Invalidez Permanente for inferior a 10%, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização;”.

Dispõe o artigo 294º, do Código Civil, que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”, acrescentando o artigo 286º, do mesmo diploma legal, que “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”.

A aludida cláusula contratual significa a exclusão ou o afastamento da obrigação de indemnizar, relativamente a uma invalidez permanente inferior a 10%, ou, numa formulação positiva, que o seguro só abrange o risco de invalidez permanente de grau superior a 10%.
Não se trata, assim, de uma cláusula limitativa de responsabilidade do pagamento da indemnização, de um “pagamento”, ainda que de valor inferior ao que seria devido, em condições normais, mas antes de uma cláusula limitativa do objeto do contrato, «(…) pois não se invoca uma cláusula de irresponsabilidade para fugir ao cumprimento da obrigação, mas para se exonerar da responsabilidade, (…)»[12].
Porém, «(…), não se poderá, através de cláusulas limitativas do objecto do contrato, excluir obrigações que sejam impostas por normas imperativas, ou que decorram de exigências de ordem pública, social ou contratual.»[13].
Estando em causa um contrato de seguro obrigatório, que impõe coberturas mínimas, garantindo o “pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial” [al. a)], sem mencionar percentagens de incapacidade/invalidez, deve entender-se ser obrigatória a cobertura de uma qualquer percentagem, seja ela de que montante for, sendo que a sua natureza de norma imperativa significa que não pode ser derrogada ou restringida, por vontade das partes.
Resulta, aliás, do artigo 146º, nº 4, do DL nº 72/2008, de 16 de abril, (regime jurídico do contrato de seguro) que, no que respeita aos seguros obrigatórios, as partes só podem convencionar o âmbito da cobertura, no caso de um seguro que não esteja ainda regulamentado, o que não era a situação do presente seguro, porquanto, sendo se admitir que, nos seguros de natureza facultativa, as partes podem convencionar a extensão do dano a atender, para efeitos de indemnização, já tal liberdade lhes está arredada, na hipótese dos seguros obrigatórios, em que se estipulam coberturas mínimas, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 138º, nº 2 e 146º, nº 3, daquele mencionado diploma legal.
A isto acresce, como já se referiu, que o artigo 6º, do DL nº 10/2009, de 12 de janeiro, determina que “as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro”.
Mesmo entendendo-se que a aludida cláusula controvertida continha uma cláusula convencional limitativa da responsabilidade, e não, como se disse, uma cláusula limitativa do objeto do contrato, enfermaria, de igual modo, de nulidade, porquanto as mesmas só são admitidas, por acordo prévio das partes, se não importarem “violação de deveres impostos por normas de ordem pública”, em conformidade com o preceituado pelos artigos 800º, nº 2 e 809º, nº 1, ambos do Código Civil.
Ora, a sobredita cláusula, ao limitar a responsabilidade da seguradora, colide com o princípio do ressarcimento integral do dano corporal, o qual é, não só inerente à responsabilidade civil, mas, principalmente, ao estabelecimento da obrigatoriedade do contrato de seguro, como garantia de proteção de danos físico-psíquicos, considerados, por toda a ordem jurídica, como invioláveis, e tutelados, constitucionalmente, independentemente do seu grau ou extensão e, consequentemente, a mesma cláusula seria nula, por contrária à ordem pública, de acordo com o disposto pelo artigo 280º, nº 2, do Código Civil.
II.2. A nulidade pode ser, total ou parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo, pelo que a nulidade de alguma das suas cláusulas não determina, necessariamente, a nulidade total do negócio, quando as cláusulas nulas são substituídas, «ope legis», por normas imperativas, de acordo com a regra da incomunicabilidade da nulidade (utile per inutile non vitiatur), correspondente ao princípio da primazia da conservação do negócio[14], resolvendo-se a nulidade da cláusula com a projeção no contrato da norma imperativa, que, assim, o passa a integrar, em substituição da parte violadora da disposição legal, aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato, através da chamada “eficácia mediata das normas imperativas”, enquanto solução alternativa à nulidade que resultaria da supressão do negócio ou da respetiva cláusula nula.
Assim, quando a invalidade negocial é circunscrita à parte que está em oposição com uma disposição legal, convoca a aludida regra da incomunicabilidade da nulidade, tendo lugar o instituto da redução do negócio jurídico, enquanto manifestação de uma solução normativa para uma patologia do negócio jurídico, que combina, harmoniosamente, os valores e fins relevantes nesta matéria, ou seja, a autonomia privada e o controlo social desta, de acordo com o princípio da boa fé[15].
É que a declaração negocial, na falta de disposição especial, deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam manifestado se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, como resulta do estipulado pelo artigo 239º, do Código Civil.
Por isso, a redução do negócio jurídico, baseada na boa fé, funda-se, igualmente, nos critérios constantes do artigo 239º, reconduzindo-se, então, o problema da redução a uma questão de integração da declaração negocial, pois que as partes poderiam ter resolvido, expressamente, a questão, se a tivessem previsto, e bem assim como no preceituado pelos artigos 762º e 334º, todos do Código Civil.
Com efeito, no âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído sem aquele segmento que é atingido pelo consenso das partes, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjectural, pelo que, de acordo com a doutrina tradicional, a invalidade total só poderá ocorrer, se se provar que o negócio não teria sido concluído, sem a parte viciada, estabelecendo-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes[16].
Efetivamente, em consonância com o acabado de expor, preceitua o artigo 292º, do Código Civil, que “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.
O contraente que pretende ver declarada a invalidade total do negócio jurídico tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento da sua celebração, era nesse sentido, isto é, que as partes, ou, pelo menos, uma delas, teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer, na integridade, porquanto, a não ser efetuada essa prova, ou seja, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou, em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a invalidade total[17].
Aliás, tratando-se de uma situação de invalidade parcial resultante da infração de uma norma destinada a proteger uma parte contra a outra, sempre haveria redução do negócio jurídico, mesmo existindo vontade hipotética ou real, em sentido contrário, a denominada «redução teleológica», baseada na necessidade de alcançar, plenamente, as finalidades visadas pela norma imperativa atingida[18].
Em casos limite, deverá, inclusivamente, manter-se a nulidade da cláusula, quando tal corresponda melhor aos interesses de uma das partes cuja proteção é visada, através da nulidade da cláusula em questão, relativamente ao regime legal supletivo, como aconteceria numa situação de nulidade da cláusula que fixa os honorários do advogado, em função do êxito da ação, sendo os mesmos, porém, inferiores aos que, de outro modo, o advogado pode exigir[19].
Assim sendo, a cláusula contratual da apólice de seguro desportivo obrigatório que só abrange o risco de invalidez permanente de grau superior a 10%, excluindo ou afastando da obrigação de indemnizar uma invalidez permanente inferior a 10%, é uma cláusula limitativa do objeto do contrato, que se encontra ferida de nulidade, por ser contrária à ordem pública.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista da ré, não se mostrando violadas as disposições legais aí citadas ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer, sendo certo, também, que o douto acórdão deste STJ, junto aos autos pela ré, embora como suporte de uma eventual contradição de acórdãos, que a Formação não apreciou, tem a ver com realidade diversa daquela que constitui a questão decidenda, ou seja, com a matéria do seguro de responsabilidade civil de natureza facultativa.
CONCLUSÕES:
I - O seguro desportivo obrigatório corresponde a um seguro de grupo, em sentido estrito, porque a celebração de um único contrato entre o segurador e uma federação desportiva, que ocupa, enquanto parte no contrato, a posição de tomador do seguro, proporciona a cobertura a uma multiplicidade de segurados, sendo ainda um seguro, por conta de outrem, dado que os sujeitos passivos do dever de segurar - as federações desportivas - não coincidem com a pessoa dos segurados, titulares da cobertura - os agentes desportivos.
II - Os seguros obrigatórios só podem desempenhar, cabalmente, a função social para que foram criados se ao lesado forem inoponíveis quaisquer exceções resultantes do contrato.
III – Assim, não é possível, através de cláusulas limitativas do objeto do contrato, excluir obrigações que sejam impostas por normas imperativas, ou que decorram de exigências de ordem pública.
IV - A cláusula contratual da apólice de seguro desportivo obrigatório, que impõe coberturas mínimas, garantindo “o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial”, sem mencionar percentagens de incapacidade/invalidez, contém uma inequívoca norma de carater imperativo, não podendo ser interpretada de modo a abranger, tão-só, o risco de invalidez permanente de grau superior a 10%, excluindo ou afastando da obrigação de indemnizar uma invalidez permanente inferior a 10%, por se tratar de cláusula limitativa do objeto do contrato, que se encontra ferida de nulidade, por ser contrária à ordem pública, não podendo ser derrogada ou restringida, por vontade das partes.
V - Quando a invalidade negocial é circunscrita ao segmento que se encontra em oposição com uma disposição legal, convoca a regra da incomunicabilidade da nulidade, tendo lugar o instituto da redução do negócio jurídico, pois que a declaração negocial, na falta de disposição especial, deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam manifestado se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, como resulta do estipulado pelo artigo 239º, do CC, reconduzindo-se o problema da redução a uma questão de integração da declaração negocial, pois que as partes poderiam ter resolvido, expressamente, a questão, se a tivessem previsto.
VI - No âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído, sem a parte viciada, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjectural, estabelecendo-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes, aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato, através da chamada “eficácia mediata das normas imperativas”, enquanto solução alternativa à nulidade que resultaria da supressão do negócio ou da respetiva cláusula nula.

DECISÃO[20]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista da ré e, em consequência, confirmam o douto acórdão recorrido.

                                                     *

Custas da revista, a cargo da ré.

                                                     *

Notifique.

Lisboa, 08 de novembro de 2016

Hélder Roque – Relator

Gabriel Catarino

Roque Nogueira

_______________________________________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.
[2] Anteriormente à sua entrada em vigor, cfr. o artigo 70º, da Lei nº 30/2004, de 21 de julho (Lei de Bases do Desporto).
[3] Artigo 5.º, nº 1, do DL n.º 10/2009, de 12 de janeiro (Lei do Seguro Desportivo Obrigatório). Este diploma veio substituir o DL n.º 146/93, de 26 de abril, que, por sua vez, substituíra o DL n.º 162/87, de 8 de abril (diploma que instituiu o seguro desportivo obrigatório).
[4] É uma classificação comum ao direito contratual dos seguros – cfr. a definição de seguro de acidentes pessoais, constante do artigo 210º, da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril; e ao direito institucional dos seguros – cfr. a classificação deste contrato, no ramo de «acidentes» e modalidade de «acidentes pessoais», que integram o elenco de ramos «não vida», constante do artigo 123.º, do Regime Geral das Empresas Seguradoras e Resseguradoras (DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, com as alterações introduzidas até à Lei n.º 46/2011, de 24 de junho). Os contratos de seguro de acidentes pessoais são, especialmente, regulados, enquanto tais, pelo disposto nos artigos 210.º a 212.º, da Lei do Contrato de Seguro, sendo-lhes ainda aplicáveis os preceitos relativos aos seguros de vida, para os quais remete o nº 1 do artigo 211.º, desta última lei, e a generalidade dos preceitos constantes do Título I do mesmo diploma e ainda do Capítulo I do Título III (Disposições Comuns aos Seguros de Pessoas). Em tudo o que não se encontre, especialmente, regulado, os contratos de seguro regem-se ainda, naturalmente, pelo disposto na lei comercial e na lei civil, de acordo com o estatuído pelo artigo 4.º, da Lei do Contrato de Seguro.
[5] Margarida de Lima Rego, “Contrato de seguro e terceiros. Estudo de direito civil”, Coimbra, 2010, 777 ss.. e “Os seguros coletivos e de grupo”, Temas de direito dos seguros. A propósito da nova lei do contrato de seguro, coord. De Maria de Lima Rego, Almedina 2012, 299-328.
[6] Sendo o risco“[…] a possibilidade de um dano que alguém suporta como titular de uma posição jurídica […]”, Sofia Galvão, Reflexões Acerca da Responsabilidade do Comitente no Direito Civil Português, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1990, 52 e 53.
[7] J. C. Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 23 e 24; José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, 89, 90, 120 e 241.
[8] Este artigo foi revogado, pelo artigo 6º, nº 2, a), do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, que estabeleceu o novo regime jurídico do contrato de seguro, a partir da sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, e, em cujo artigo 4º se prevê que “as questões sobre contratos de seguro não reguladas no presente regime nem em diplomas especiais aplicam-se, subsidiariamente, as correspondentes disposições da lei comercial e da lei civil, sem prejuízo do disposto no regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora”.
[9] José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, 41, 172 e 173.
[10] José Bento, Direito dos Seguros, Universidade Internacional, Lições fotocopiadas, 1994/95, 113 a 119.
[11] J. C. Moitinho de Almeida, O Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Breves considerações sobre a protecção dos segurados, Cadernos de Direito Privado, nº 26, Abril/Junho de 2009, 28; Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 28-03-1996, caso Ruiz Bernáldez, publicado na Colectânea da Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, I-01829, e disponível no sítio http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61994J0129:PT:HTML#MO.
[12] António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, reimpressão, Almedina, 2003, 127.
[13] António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, reimpressão, Almedina, 2003, 129.
[14] F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 205.
[15] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 633 e nota (869).
[16] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 634 e 635.
[17] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 635 e 636.
[18] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão; 1966, 430 e 431; Rui de Alarcão, Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojeto para o Novo Código Civil, BMJ nº 89 (Outubro de 1959), 258.
[19] Karl Larenz, Allgemeiner Teil des deutschen bürgerlichen Rechts, 8ª edição, Munique, 464-7, citado por Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 637 e 638, nota (879), último período.
[20] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.