Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
726/07.8TTMTS.P2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
VÍCIOS DA VONTADE
Data do Acordão: 10/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÍDICO
DIREITO DO TRABALHO - CESSAÇÃO DO CONTRATO
Doutrina: - Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil’, 2.ª edição, vol. II, 1996, pgs. 123-124.
- Joana de Vasconcelos, A revogação do Contrato de Trabalho, Teses, Almedina, pg. 159/ss., pg. 180/ss., 365.
- Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pg. 236.
- P. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, revista e actualizada, pg. 128 e seguintes.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 2.ª reimpressão, pg. 233.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra Editora, pgs. 500, 514.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 244.º, 252.º.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGOS 384.º, 393.º, 394.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.3.2008, PROC. 07S4653, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A revogação do contrato de trabalho prefigura-se, face ao disposto no artigo 394.º, do Código do Trabalho de 2003, como um negócio formal; operando contudo no âmbito da liberdade contratual, o negócio em causa está sujeito à disciplina civilista, comum aos demais negócios jurídicos, relativa aos vícios da vontade, sempre no pressuposto da igualdade e equilíbrio entre as partes outorgantes.

II - Todavia, e porque não raras vezes esta modalidade de desvinculação dá cobertura à prática do chamado despedimento negociado – expediente que, não obstante a sua natureza negocial/bilateral, vai primacialmente ao encontro dos interesses do empregador, surgindo a acertada compensação pecuniária como o preço da contrapartida pelo assentimento do trabalhador na promovida cessação do contrato – deve assumir particular relevância, atenta a especificidade da relação laboral, a salvaguarda da genuinidade da formação da vontade extintiva, por banda do trabalhador.

III - No âmbito da relevância do erro-vício ressalta a sua essencialidade: só é relevante o erro essencial e só é essencial o erro se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou só se celebraria um outro, com diverso objecto, de outro tipo ou com outra pessoa.

IV - Não resultando provado que o motivo determinante da vontade rescisória do trabalhador fosse a extinção do seu posto de trabalho, nem se demonstrando que as partes tivessem reconhecido, no acordo, que a verificação de tal motivo era essencial à pactuada desvinculação, não pode operar a pretendida anulação do acordo revogatório.
Decisão Texto Integral:

   Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

                                           I –

1.

AA, com os sinais dos Autos, instaurou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, em 26 de Setembro de 2007, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra «BB Ld.ª», pedindo que seja declarada a nulidade da cessação do contrato de trabalho decorrente do acordo intitulado «convenção de revogação do contrato de trabalho por acordo das partes», e consequentemente, que a Ré seja condenada a reintegrá-lo ao serviço e a pagar-lhe, além do mais discriminado nos artigos 31 a 33 da petição, os vencimentos que deixou de receber desde a data da rescisão do contrato de trabalho.

 Alegou para o efeito, em resumo útil, que foi admitido ao serviço da Ré em 2.2.1987, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, tendo posteriormente, em 3.7.1989, outorgado contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Ultimamente desempenhava as funções correspondentes à categoria de «chefe de departamento».

Acontece que a Ré, no início do mês de Setembro de 2006, invocou perante o Autor a necessidade e urgência em proceder à «reestruturação organizativa e estrutural» da actividade da empresa, a qual passava, obrigatoriamente, pela redução do número de trabalhadores.

 Fazendo fé nos motivos invocados pela Ré, o Autor subscreveu o documento «convenção de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes», assim anuindo na cessação do seu contrato de trabalho, que ocorreu em 30.9.2006, mediante a entrega da compensação pecuniária no montante de € 40.000,00.

No entanto, o Autor tomou conhecimento que a Ré admitiu um outro trabalhador para o lugar e funções anteriormente desempenhadas por ele, pelo que os motivos invocados pela Ré para a cessação do contrato de trabalho do Autor eram falsos. A Ré usou de má-fé (reserva mental), fraude (erro sobre os motivos e dolo), circunstâncias que determinam a nulidade do referido acordo de cessação de contrato de trabalho do Autor.

A Ré contestou, alegando que procedeu à reestruturação dos seus serviços e que o Autor tinha perfeito conhecimento dessa situação quando assinou o acordo de cessação do seu contrato de trabalho.

Invocou ainda que o Autor agiu com manifesto abuso do direito ao ter instaurado a presente acção, concluindo pela improcedência da mesma e pedindo a condenação do Autor, como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e de uma indemnização, esta a favor da Ré, em montante não inferior a 10 UC’s.

Em via reconvencional a Ré pediu, para o caso da acção proceder, a condenação do Autor a restituir-lhe o valor de € 40.000,00 recebido por este a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho.           

O Autor respondeu, pedindo a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, bem como do pedido reconvencional.

Discutida a causa, proferiu-se sentença.

Todavia, na sequência da Apelação interposta, o Tribunal da Relação do Porto determinou a anulação do julgamento – fls. 555.

Repetido, prolatou-se decisão julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, com absolvição da R. dos pedidos e prejudicada, consequentemente, a apreciação da reconvenção deduzida a título subsidiário.

2.

O Autor, inconformado, veio recorrer, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção totalmente procedente.

Com êxito, já que o Acórdão proferido a fls. 786-798 julgou a Apelação procedente e, revogando a sentença, declarou a anulação da cessação do contrato de trabalho decorrente do acordo intitulado ‘Convenção de Revogação de Contrato de Trabalho por Acordo das Partes’ e condenou a R. a reintegrar o A., no seu posto de trabalho e nas funções que exercia na data da cessação do contrato, e a pagar-lhe todos os vencimentos que deixou de auferir desde 1.10.2006 (descontados os montantes auferidos pelo A. ao serviço de outrem no período que vai desde 1.10.2006 e até à sua reintegração), a liquidar oportunamente.

Do mesmo passo condenou o A. a restituir à R. a quantia de € 40.000,00.

No mais, confirmou a sentença recorrida.


Irresignada, a R. veio pedir Revista, terminando a respectiva alegação com este quadro conclusivo:

I.    O douto acórdão recorrido, na parte objecto do presente recurso, não pode manter-se.

II.   Contrariamente ao decidido em 1.ª Instância, o douto acórdão recorrido entendeu ter o Recorrido provado os requisitos previstos no art. 252.º, n.º 1, do Código Civil e, em face disso, determinou a anulação do acordo de revogação de contrato de trabalho celebrado entre as partes, com as consequências daí inerentes.

III. Era fundamental, para que o acordo de revogação do contrato de trabalho fosse anulado com base no art. 252.º, n.º 1, do Código Civil, que o Recorrido demonstrasse: (i) qual o motivo determinante da sua vontade e (ii) que as partes tivessem reconhecido no acordo que esse motivo era essencial.

IV. Resulta da cláusula 4.ª do acordo de revogação que os motivos/causa que determinaram a cessação do contrato de trabalho estão plasmados nos considerandos C) e D) do acordo, nos quais se lê o seguinte, conforme documento constante de fls. 67 a 69 dos autos: "O/A Segunda Subscritora está a proceder à sua reestruturação organizativa e estrutural; D) No âmbito da reestruturação organizativa e estrutural da Segunda Subscritora, esta sociedade está a proceder à redução de efectivos."

V.   Estranhamente, o douto Acórdão recorrido inverte estes argumentos e transforma-os em extinção de posto de trabalho, afirmando que o motivo da cessação do contrato de trabalho do Recorrido foi precisamente a extinção do seu posto de trabalho.

VI. Ora, não se diga, por não ser verdade, que proceder a uma reestruturação organizativa e estrutural, dela fazendo parte a redução de efectivos, é o mesmo que falar de extinção de posto de trabalho.

VII. Uma entidade empregadora pode realizar uma reestruturação organizativa e estrutural, dela fazendo parte a redução de efectivos, sem pretender efectuar qualquer processo de extinção de posto de trabalho, ou porque não o quer fazer ou porque não tem motivos para o efeito.

VIII. Em momento algum do acordo de revogação de contrato de trabalho celebrado entre as partes se observa a expressão "extinção de posto de trabalho", nem sequer uma breve alusão ao facto de o posto de trabalho do Recorrido ser extinto.

IX. Também não consta da matéria de facto provada qualquer menção ao facto de as partes terem considerado como essencial para a celebração do acordo de revogação do contrato de trabalho a extinção do posto de trabalho do Recorrido.

X.   Não se entende, por isso, como é que o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto pôde considerar que a extinção do posto de trabalho do Recorrido foi motivo determinante da vontade do Recorrido e, muito menos, que as partes reconheceram, por acordo, a essencialidade do mesmo.

XI. A verdade é que, se dos fundamentos para a revogação constantes do acordo junto a fls 67 a 69 dos autos não consta, em momento algum, que a Recorrente ia extinguir o posto de trabalho do Recorrido, se das explicações dadas ao Recorrido pela Recorrente para tal cessação do seu contrato de trabalho, e que constam da matéria de facto dada como provada, não se fez referência à extinção do seu posto de trabalho, e se ficou provado que o Recorrido assinou o acordo de revogação por acreditar nos fundamentos invocados pela Recorrente, facilmente se conclui que o Recorrido se bastou com os fundamentos constantes do acordo e das explicações da Recorrente, os quais não contêm qualquer menção à extinção do seu posto de trabalho.

XII. Não se podia, por isso, concluir, como fizeram os Ilustres Senhores Desembargadores, que a extinção de posto de trabalho do Recorrido foi motivo determinante da vontade deste e que foi reconhecido pelas partes como tal.

XIII. Acresce que, em momento algum a Recorrente alegou ou comunicou ao Recorrido que pretendia efectuar um processo de extinção de posto de trabalho.

XIV. Na verdade, se a Recorrente pretendesse efectuar um processo de extinção de posto de trabalho poderia ter lançado mão do mecanismo previsto nos arts. 402.º e seguintes do Código do Trabalho em vigor à altura dos factos.

XV. No entanto, a Recorrente não pretendia efectuar um processo formal de extinção do posto de trabalho, mas apenas proceder a uma reestruturação organizativa e estrutural, dela fazendo parte a redução de efectivos, o que veio a ocorrer, não se referindo sequer, em momento algum, que a redução de efectivos ocorreria no Departamento em que se integra o Recorrente (!!!).

XVI. No âmbito do mencionado processo de reestruturação, a Recorrente e o Recorrido assinaram um acordo de revogação do contrato de trabalho, não constando da matéria de facto provada que tal reestruturação não ocorreu, ou seja, o Recorrido não logrou demonstrar, como lhe competia, que tal reestruturação não ocorreu.

XVII. Ora, apenas consta da cláusula IV do acordo de revogação do contrato de trabalho que as partes reconhecem que a cessação do contrato tem como fundamentos as alíneas C) e D) dos considerandos.

XVIII. Mas não o reconhecimento pela Recorrente de que a verificação de tais motivos era essencial ao Recorrido.

XIX. Pelo exposto, entendemos que o Recorrido não provou, por que forma fosse, os requisitos do art. 252.º, n.º 1, do Código Civil, impondo-se, por isso, uma decisão diferente daquela que ficou plasmada no douto Acórdão recorrido.

XX. Sem prescindir, dir-se-á que os motivos constantes nas alíneas C) e D) eram verdadeiros e verificaram-se efectivamente, não tendo o Recorrido sido induzido em erro em relação aos mesmos.

XXI. Tal como resulta da matéria provada, o Recorrido tinha a categoria de ‘chefe de departamento’ e o seu departamento era constituído por três trabalhadores: o Recorrido e dois motoristas.

XXII. Não se apurou que após a saída do Recorrido a Recorrente tivesse contratado ou designado outro ‘chefe de departamento’, pelo que é forçoso concluir-se que o departamento do qual o Recorrido se desvinculou foi reestruturado, deixando de ter qualquer chefe de departamento.

XXIII. Apenas se apurou que mais de dois meses após a saída do Recorrido foi contratado a termo um outro trabalhador para desempenhar funções inerentes à categoria profissional de estagiário de 1.º ano, as quais exerceu na área de entregas, planeamento e logística de camiões, da qual o Recorrido era (anteriormente) responsável.

XXIV. Pelo que, logo por aí, é forçoso concluir que a Recorrente reestruturou o departamento.

XXV. Acresce que o Eng.° CC foi contratado a termo, não sendo um quadro efectivo da empresa, pelo que, mesmo que se entendesse, o que não se admite, que o mesmo teria assumido as mesmas funções do Recorrido, sempre a Recorrente, com a cessação do contrato de trabalho do Recorrido, teria procedido a uma redução de efectivos.

XXVI. Refira-se, ainda, que a menção feita no acordo de revogação à redução de efectivos em resultado da reestruturação organizativa e estrutural da Recorrente não se mostra expressamente delimitada ou circunscrita ao sector onde o Recorrido estava inserido.

XXVII. Não se podendo daqui concluir que a reestruturação que a Recorrente estava a encetar só iria ocorrer naquele sector e a redução de efectivos estava limitada ao mesmo.

XXVIII. Ficou, ainda, provado que o Recorrido, antes da sua saída, exercia as funções descritas nos pontos 25 e 28 (1.ª parte) do douto acórdão recorrido e que o Eng. CC, admitido apenas em 11 de Dezembro de 2006, desempenhou as funções constantes no ponto 28 (2.ª parte).

XXIX. Acresce que o Eng. CC desempenhava ainda as funções inerentes à categoria profissional de "estagiário de 1.º ano" e o Recorrido desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de "chefe de departamento".

XXX. Pelo exposto, os únicos factos que foram invocados pelas partes em tal acordo resultam demonstrados na matéria de facto provada, não podendo, por isso, o douto acórdão recorrido ter concluído como o fez.

XXXI. Ainda sem prescindir, sempre se dirá que a Recorrente efectivamente extinguiu o posto de trabalho de chefe de departamento, já que o Eng. CC foi contratado com a categoria de estagiário de 1.º ano, a qual é bem inferior.

XXXII. Sucede que, tal como supra alegado nos pontos 50 e 51, o Eng. CC passou a desempenhar muito menos funções do que aquelas que eram desempenhadas pelo Recorrido e, se atentarmos na descrição das mesmas, constatamos que efectivamente estas constituíam uma ínfima parte da daquelas.

XXXIII. Na verdade, todas as funções que estavam relacionados com questões técnicas de formação e com o mercado nacional e que eram desempenhadas pelo Recorrido, nunca foram exercidas pelo Eng. CC.

XXXIV. Daqui resulta inequivocamente que apenas uma pequena parte das funções do Recorrido, e a menos importante, permitimo-nos dizer, passou a ser desempenhada pelo Eng. CC, pois, só as funções que estavam directamente relacionadas com as entregas, planeamento e logística passaram a ser desempenhadas por este, tudo o que eram especificidades técnicas ou de supervisão não eram desempenhadas pelo mesmo.

XXXV. Ao deixar de exercer todas as funções técnicas que exercia, e a nível nacional, é evidente que o Recorrido ficaria praticamente esvaziado de funções e limitado ao exercício de pequenas tarefas, que um simples estagiário de 1.º ano conseguia fazer.

XXXVI.     Aliás, é um absurdo considerar-se que o Eng. CC, que foi contratado com a categoria profissional de "Estagiário 1.º ano", poderia exercer funções com a complexidade e tecnicidade do cargo de Chefe de Departamento anteriormente ocupado pelo Recorrido.

XXXVII.   Efectivamente o facto de se extinguir um posto de trabalho não implica a necessidade absoluta de se extinguir na empresa totalmente as funções que a pessoa que ocupava esse posto exercia.

XXXVIII. É perfeitamente possível que após a extinção de um posto de trabalho se mantenham na empresa algumas das funções inerentes a tal posto, o que não podem é manter-se todas.

XXXIX. E, isso, o Recorrido sabia, por fazer parte da reestruturação que estava a ser levada a cabo pela Recorrente e que lhe foi comunicada.

XL. É forçoso, por isso, concluir que o posto de trabalho do Recorrido foi efectivamente extinto.

XLI. Nesta conformidade, o acordo dos autos não poderá ser anulado, por não estarem preenchidos os requisitos do erro previstos no art. 252.º, n.º 1, do Código Civil.

XLII. O douto acórdão recorrido, na parte objecto do presente recurso, violou as normas dos arts. 252.º, n.º 1, do Código Civil e 393.º e 394.º do anterior Código do Trabalho.

Termos em que – remata – o douto acórdão impugnado não deverá manter-se.

O recorrido contra-alegou, propugnando no sentido da manutenção do julgado, pois que a cessação do contrato de trabalho do A., ainda que concretizada através de um acordo, não pode produzir efeitos por não se verificar o requisito da extinção do posto de trabalho nem a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, não tendo a R. demonstrado ter operado qualquer reestruturação da sua actividade com redução do número de efectivos, antes admitindo outro trabalhador logo após a celebração do aludido acordo, precisamente para executar as mesmas funções do recorrido.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente Parecer em que propende no sentido da improcedência da impugnação.

Notificado às partes, apenas a R. veio reiterar a posição constante da respectiva motivação, perorando pela procedência do recurso.

Colheram-se os vistos.

Cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                           __

                                           II –

A – Do ‘thema decidendum’.

Em face da síntese das alegações, a questão primordial a dilucidar e resolver prende-se com a verificação ou não dos requisitos da regularidade do celebrado acordo de cessação da relação laboral, com a denominação de “Convenção de Revogação de Contrato de Trabalho por Acordo das Partes”.

BDos Fundamentos.

 B.1 – De Facto.

As Instâncias deram como assente a seguinte factualidade:                                                            

1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho a termo certo celebrado em 02.02.1987 para, sob as suas ordens e direcção, exercer as funções inerentes à categoria profissional de inspector de vendas, mediante o pagamento da remuneração mensal de 70.000$00, conforme documento constante de fls.64 a 66 – al. A) dos factos admitidos por acordo.

2. Em 03.07.1989, Autor e Ré celebraram o contrato intitulado «contrato de trabalho» constante de fls.66 – al. B) dos factos admitidos por acordo.

3. O Autor prestou, ininterruptamente, o seu trabalho para a Ré desde 02.02.1987 até 30.09.2006 – al. C) dos factos admitidos por acordo.

4. Tendo desempenhado como últimas funções ao serviço da Ré as inerentes à categoria de «chefe de departamento» – al. D) dos factos admitidos por acordo.

5. O Autor auferiu, a título de última remuneração, as importâncias de € 1.384,46 de retribuição base, acrescida de € 369,65 de isenção de horário de trabalho, € 33,91, a título de prémio de antiguidade, e € 221,63 de subsídio de função, conforme documento constante de fls.70 – al. E) dos factos admitidos por acordo.

6. Além das quantias referidas em 5, o Autor auferiu, a título de última remuneração, a importância de € 2.289,11 referente ao prémio de desempenho relativo ao período de Junho a Outubro de 2006 – resposta ao quesito 1.

7. O Autor dispunha, ainda, de um veículo automóvel, destinado ao serviço da empresa – al. F) dos factos admitidos por acordo.

8. A Ré suportava todas as despesas inerentes à utilização do referido veículo automóvel – al. G) dos factos admitidos por acordo.

9. O veículo automóvel atribuído ao Autor era destinado também ao seu uso pessoal, o que era do conhecimento da Ré – resposta ao quesito 2.

10. A Ré atribuía, igualmente, ao Autor um plafond de combustível para ser utilizado no veículo automóvel atribuído, correspondente a 60 litros por mês – resposta ao quesito 3.

11. No início do mês de Setembro de 2006, a Ré comunicou ao Autor a necessidade e urgência de proceder à «reestruturação organizativa e estrutural» da actividade da empresa, com vista à revogação do seu contrato de trabalho – resposta ao quesito 4.

12. A Ré justificou perante o Autor a sua decisão com a redução do volume de negócios e da margem de comercialização, motivada pela crise económica que o país atravessa há já alguns anos, tendo igualmente invocado o esvaziamento de algumas das funções anteriormente exercidas pelo Autor – resposta ao quesito 6.

13. Sendo a actividade do Autor desenvolvida no sector dos veículos pesados, alegou então a Ré que a alegada crise se fazia sentir de forma mais evidente neste sector de actividade da empresa – resposta ao quesito 7.

14. A Ré invocou a impossibilidade de transferir o Autor para outro posto de trabalho, ainda que no âmbito do mesmo grupo económico – al. J) dos factos admitidos por acordo.

15. Autor e Ré subscreveram a «Convenção de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes», cujas cópias constam de fls.67 a 69 e 181 a 183 – al. H) dos factos admitidos por acordo.

16. No documento que foi entregue ao Centro Regional da Segurança Social, para justificar a extinção do posto de trabalho do Autor, a Ré invocou como justificação a «reestruturação organizativa e estrutural» da actividade da empresa – al. I) dos factos admitidos por acordo.

17. Nos termos do acordo de ‘revogação’/rescisão do contrato, ficou expresso que a causa de rescisão era inserida num processo de reestruturação organizativa e estrutural que determinava a redução de efectivos, conforme documento constante de fls. 67 a 69 –  al. L) dos factos admitidos por acordo.

18. No referido acordo ficou estipulado que, como contrapartida da revogação do contrato de trabalho, a Ré, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 394.º, nº 4, do C. do Trabalho, paga ao Autor a quantia de € 44.629,45, a título de compensação pecuniária de natureza global, na qual se incluem todos os créditos laborais vencidos ou exigíveis à data da cessação do contrato de trabalho e todos os créditos laborais vencidos ou exigíveis em virtude dessa cessação, nomeadamente salários ou retroactivos em atraso, férias, subsídios de férias ou de natal, trabalho extraordinário ou efectuado em feriados ou dias de descanso semanal e formação profissional, conforme documento constante de fls.67 a 69 e 181 a 183 – al. M) dos factos admitidos por acordo.

19. O Autor recebeu da Ré a quantia referida em 18. – al. N) dos factos admitidos por acordo.

20. Por declaração datada de 30.09.2006, o Autor declarou que: «O declarante expressamente declara que se encontra totalmente pago de todos os montantes que lhe eram devidos no âmbito do mencionado contrato de trabalho, nomeadamente de todos os créditos laborais vencidos ou exigíveis à data da cessação do contrato de trabalho e de todos os créditos laborais vencidos e exigíveis em virtude dessa cessação, nomeadamente salários ou retroactivos em atraso, subsídios de alimentação, férias, subsídios de férias ou de natal, trabalho extraordinário ou efectuado em feriados ou dias de descanso semanal, nada mais tendo a exigir da “BB, Limitada” emergente do mencionado contrato de trabalho, seja a que título for», conforme cópia constante de fls.184 – al. O) dos factos admitidos por acordo.

21. O Autor subscreveu o acordo de revogação do contrato de trabalho, cuja cópia consta de fls.67 a 69, por acreditar serem verdadeiros os fundamentos invocados pela Ré para tal revogação – resposta ao quesito 10.

22. As funções do Autor inicialmente consistiam na visita aos concessionários e carroçadores, prestando formação a estes últimos, dando ainda formação à equipa de vendas, a nível nacional, procedia à análise da concorrência – al. Q) dos factos admitidos por acordo.

23. Em 2003, no âmbito de algumas modificações efectuadas pela Ré, o Autor deixou de efectuar a análise da concorrência, que passou a estar disponibilizada pela fábrica e verificou-se um ajuste das suas funções – al. R) dos factos admitidos por acordo.

24. Pelo menos a partir de 2003, no âmbito das suas funções competia ao Autor a supervisão e acompanhamento dos processos de entregas, planeamento e logística – al. S) dos factos admitidos por acordo.

25. As últimas funções desempenhadas pelo Autor ao serviço da Ré, de supervisão e acompanhamento dos processos de entregas, planeamento e logística, consistiam, nomeadamente: a) na organização, controlo e distribuição de trabalho dos motoristas e a sua formação; b) recepção dos chassis vindos de fábrica e a inerente verificação da sua especificação; c) garantir o fluxo do movimento de chassis de vendas de camiões no Porto, através dos dois motoristas; d) visitava os carroçadores e acompanhava os motoristas nas suas visitas àqueles aquando da preparação para entrega dos chassis; e) articulava com os clientes a entrega dos camiões e acompanhava os motoristas nas entregas – al. T) dos factos admitidos por acordo.

26. Desde o ano de 2003 que o Autor reduziu as deslocações efectuadas a outros países e/ou mesmo em Portugal – al. U) dos factos admitidos por acordo.

27. Antes do Autor ter deixado de prestar trabalho para a Ré o seu departamento era constituído por três trabalhadores, ou seja, o Autor e dois motoristas – al. V) dos factos admitidos por acordo.

28. Além das referidas em 25, o Autor tinha como funções a responsabilidade nacional do desenvolvimento de formação e apoio técnico a todos os carroçadores nacionais que trabalham com a Ré, a responsabilidade nacional da validação e aprovação dum produto denominado como «camião usado garantido», a responsabilidade de coordenação, a nível nacional, de todas as viaturas usadas existentes em stock, a inspecção técnica de todas as super-estruturas colocadas nas viaturas no departamento por «Vendas Porto» e de unidades vendidas por vendas a municípios e concursos, a formação aos carroçadores, a coordenação da área de formação aos motoristas dos clientes, o planeamento e articulação com os clientes a entrega de viaturas e era responsável pela entrega dos produtos, sendo que, em 11.12.2006, a Ré admitiu, mediante contrato a termo, um outro trabalhador – Eng. CC – o qual desempenhou algumas das funções que anteriormente eram desempenhadas pelo Autor ao nível das entregas, planeamento e logística, tais como a organização, controlo e distribuição do trabalho dos motoristas, garantir o fluxo do movimento de chassis de vendas de camiões no Porto, visitar os carroçadores, acompanhar os motoristas aos carroçadores e acompanhar o motorista na entrega dos camiões aos clientes – resposta ao quesito 8.

29.  Após a cessação da actividade pelo Autor, o Eng. CC foi contratado pela Ré, em 11.12.2006, mediante «contrato de trabalho a termo certo», para desempenhar funções inerentes à categoria profissional de estagiário-1.º ano, que exerceu na área de entregas, planeamento e logística de camiões, da qual o Autor era (anteriormente) responsável – resposta ao quesito 12.

30. O Autor iniciou funções para a empresa ‘DD – Fábrica..., S.A.’, sita no lugar de ... – ... – Vila do Conde, a partir de 02.04.2007, mantendo, até à presente data, a sua actividade profissional para aquela empresa, que se dedica à comercialização e fabrico de carroçarias, que é uma actividade complementar à desenvolvida pela Ré, sendo que, pelo menos durante o período em que o Autor prestou funções para a Ré, a ‘DD’ procedeu ao carroçamento de chassis de clientes da ‘BB – al. P) dos factos admitidos por acordo.

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Inexistindo fundamento para intervenção deste Supremo Tribunal no âmbito da previsão do n.º 3 do art. 729.º do C.P.C., é com base no descrito acervo factual que vai resolver-se a problemática equacionada.

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B.2Os Factos e o Direito.

Como acima se delineou, a questão axial decidenda analisa-se em saber se está ou não afectado de nulidade, por vício de vontade, o acordo de cessação da relação juslaboral sujeita, que as partes outorgaram sob a intitulada forma de ‘convenção de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes’.

(A revogação é, na terminologia legal, uma das modalidades de cessação do vínculo juslaboral por acordo das partes – arts. 384.º e 393.º do Código do Trabalho de 2003, aqui aplicável.

Prefigura-se como um negócio formal[1] – o art. 394.º do C.T. postula que o mesmo conste de documento escrito, assinado por ambas as partes, constituindo o respectivo suporte uma exigência/formalidade ad substantiam).

Como lembra P. Furtado Martins[2], em conformidade com a demais doutrina, o acordo revogatório é inteiramente discricionário, no sentido de que não é necessário justificar a extinção da relação contratual para assegurar a plena eficácia do seu efeito típico.

 A justificação relevará para outros efeitos.

Operando contudo no âmbito da liberdade contratual, o acordo em causa está sujeito à disciplina civilista, comum aos demais negócios jurídicos, relativa aos vícios na formação da vontade, sempre no pressuposto da igualdade e equilíbrio entre as partes outorgantes.

 (A especificidade da relação juslaboral demanda uma particular atenção com vista à salvaguarda da genuinidade da formação da vontade extintiva, por banda do trabalhador, apesar de, nesta fase final da relação se mostrarem diluídos já, de algum modo, os factores de potencial perturbação psicológica/subconsciente decorrentes da sua natural inferioridade e dependência económica.

A proposta de acordo deve ser apresentada em condições que permitam ao trabalhador determinar-se livre e conscientemente, de molde a que nada o impeça de ‘realizar uma ponderação serena da sua escolha’, nas avisadas palavras de Júlio Gomes, citado por P. Furtado Martins (ibidem, pg. 134).

 

Não raras vezes, como é sabido, esta modalidade de desvinculação dá cobertura à prática, que se vai vulgarizando, do chamado despedimento negociado ou ‘despedimento pago’, de que fala a generalidade dos autores (vide, v.g., Joana Vasconcelos, ob. cit., pg. 180/ss.), expediente que, não obstante a sua natureza negocial/bilateral, vai primacialmente ao encontro dos interesses do empregador, surgindo a acertada compensação pecuniária como o preço da contrapartida pelo assentimento do trabalhador na promovida cessação do contrato.

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Postas estas breves notas de contexto, voltemos ao caso decidendo.

Como se constata, não vem questionada a regularidade formal do acordo revogatório sujeito.

Vem sim reclamada a sua anulação com fundamento em pretenso vício na formação da vontade, alegando o A. basicamente que aceitou como verdadeiros os argumentos invocados pela R. (que iam desde a invocação da necessidade e urgência de proceder à reestruturação organizativa da actividade da empresa, decorrente de uma difícil situação económica, com diminuição do volume de negócios e margens de comercialização, à circunstância de a sua viabilidade depender da redução do número dos efectivos/trabalhadores) e por isso anuiu à proposta de rescisão amigável do contrato mediante a compensação pecuniária de € 40.000,00, que lhe foi paga.

 Assim, subscreveu a ‘Convenção de revogação do contrato de trabalho por acordo das partes’.

Todavia, assevera, foi enganado.

A R. usou de reserva mental, (fraude, erro sobre os motivos e dolo), pois, pouco depois da subscrição do falado acordo, admitiu outro trabalhador para o lugar e para as (mesmas) funções que eram por si antes desempenhadas, verificando-se agora que a R. não procedeu a qualquer reestruturação organizativa que determinasse a redução do número de trabalhadores.

As Instâncias divergiram na solução do litígio.

- Na sentença do Tribunal do Trabalho de Matosinhos considerou-se – depois da adequada identificação do quadro normativo de significação – que ‘…da facticidade provada não se verificam os pressupostos necessários à anulação do acordo revogatório com fundamento em reserva mental ou de erro sobre os motivos determinantes da vontade’...

E que… ’[n]ão se vislumbra, doutro passo,  que a declaração de aceitação, por parte do autor, da proposta de celebração de acordo de cessação do contrato de trabalho tenha sido emitida sob dolo, nos termos e com os efeitos previstos nos arts. 253.º e 254.º do Cód. Civil’…

 Sendo, por isso, …‘forçoso concluir pela improcedência da pretensão de anulação da revogação do contrato corporizada no acordo intitulado ‘Convenção de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes’, na medida em que, segundo os princípios distributivos do ónus da prova enunciados no art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil, ao autor incumbia fazer a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, concretamente os fundamentos de anulação daquele acordo de revogação, o que não logrou fazer’.

Ajuizou-se consequentemente pela total improcedência da acção.

- No Acórdão ora sob censura, pelo contrário, julgou-se a Apelação procedente e, revogando a sentença aí sindicada, declarou-se a anulação da cessação do contrato de trabalho decorrente do referido acordo, condenando a R., em conformidade, a reintegrar o A. no seu posto de trabalho e nas funções que exercia na data da cessação do contrato e a pagar-lhe os vencimentos que deixou de auferir, devendo este restituir à R. a quantia de € 40.000,00, tudo como discriminado no dispositivo, a fls. 798.

A deliberação estribou-se na argumentação seguinte, cujos passos mais impressivos se transcrevem:

“ O Autor argumenta que os fundamentos que a Ré lhe transmitiu para a extinção do seu posto de trabalho eram falsos, pretendendo ela apenas, com tais argumentos, substituir o Autor por outro trabalhador economicamente “mais barato”, como na verdade aconteceu (a Ré não extinguiu o posto de trabalho e contratou outra pessoa para exercer as funções que o Autor exercia). Que dizer?

   Sob a epígrafe “Erro sobre os motivos”, dispõe o artigo 252º do C. Civil o seguinte:

 “1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

  2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

  O erro previsto no nº 1 do citado artigo é irrelevante, a não ser que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

  O acordo a que o nº 1 do artigo 252º do C. Civil se refere pode ser expresso ou tácito ou até deduzir-se dos termos do negócio jurídico.

   Posto isto passemos ao caso concreto.

   Do acordo de revogação do contrato de trabalho consta uma cláusula (a 4.ª) com o seguinte teor: “Os subscritores reconhecem expressamente que a presente cessação tem como fundamento os factos referidos nas als. C) e D) do preâmbulo da presente convenção de revogação”.

   E nas alíneas C) e D) pode ler-se o seguinte: “A segunda subscritora está a proceder à sua reestruturação organizativa e estrutural”; “No âmbito da reestruturação organizativa e estrutural da segunda subscritora, esta sociedade está a proceder à redução de efectivos” (…).

   Do acabado de transcrever – teor da cl.ª 4.ª e als. C) e D) do referido acordo – podemos afirmar que as partes (Autor e Ré) acordaram em considerar “motivo-causa” do acordo de cessação do contrato de trabalho as circunstâncias referidas nas als. C) e D) do preâmbulo desse acordo. É o resultado a que se chega recorrendo ao disposto no artigo 236.º do C. Civil [“a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”].

 Assim, a questão em apreço será analisada tendo em conta o disposto no artigo 252º, nº 1 do C. Civil.

 Vejamos, então, se o Autor foi induzido em erro por precisamente não se terem verificado os motivos/causas que determinaram a cessação do contrato de trabalho.

 Das referidas alíneas do preâmbulo do acordo de cessação do contrato de trabalho decorre que o Autor aceitou fazer o acordo porque ficou convencido que a Ré estava, à data desse acordo, a proceder a uma reestruturação organizativa e estrutural, dela fazendo parte a redução de efectivos – n.º 21 da matéria de facto provada.

  E resultou provado que essas circunstâncias/motivos – base do acordo – se verificaram?

  É o que vamos analisar.

  Tendo em conta as conclusões do recurso – as quais delimitam o objecto do recurso – o apelante vem dizer que está provado que o seu posto de trabalho não foi extinto [por outras palavras, diz não ter ocorrido qualquer redução de efectivos no âmbito de uma reestruturação da actividade da empresa], sendo certo que é ao Autor que cumpre provar os factos que integram a sua pretensão, qual seja o erro sobre o motivo determinante do negócio [o acordo de cessação do contrato de trabalho] – artigo 342.º, nº 1, do C. Civil.

  Segundo ficou a constar do acordo de cessação do contrato de trabalho, a Ré, na data desse acordo, encontrava-se a proceder à redução de efectivos, sendo que o motivo da cessação foi precisamente a extinção do posto de trabalho do Autor.

  Ora, e em face da matéria de facto dada como assente, podemos concluir que, na data da cessação do contrato de trabalho, se as funções desempenhadas até então pelo Autor tinham sido alvo de algum esvaziamento, certo é que as mesmas não se encontravam totalmente extintas. Se assim não fosse não teria o Eng. CC, em Dezembro de 2006, passado a desempenhar algumas das funções que eram desempenhadas pelo Autor.

 Na verdade, decorre da factualidade assente que em Dezembro de 2006 o Eng. CC foi desempenhar, ao nível de entregas, planeamento e logística, algumas das funções que o Autor desempenhava – n.ºs 25 e 28 da matéria de facto.

  E se tais funções – pelo menos aquelas que o Eng. CC desempenhou – não estavam extintas, então só podemos concluir que a Ré não extinguiu o posto de trabalho do Autor, na medida em que algumas delas ainda subsistiam.

  Mas poderá argumentar-se que o Autor, na data da cessação do contrato de trabalho, já não tinha funções suficientes que justificassem a manutenção do posto de trabalho, o que determinava, por razões estruturais, a «queda» do seu posto de trabalho. No entanto, tal argumento não encontra apoio na matéria de facto dada como provada.

  Com efeito, não podemos esquecer que estamos perante um acordo de cessação do contrato de trabalho com fundamento na redução de efectivos em virtude de uma reestruturação, sendo que essa redução atingiu também o Autor, através da extinção do seu posto de trabalho.

  E quando o Autor acordou na cessação do contrato de trabalho [nos termos e nos pressupostos já referidos] não tinha possibilidade de «controlar» a veracidade dos fundamentos invocados pela Ré, na medida em que o referido controlo só seria possível se ela (a Ré) tivesse optado seguir o formalismo para o despedimento por extinção de posto de trabalho previsto no artigo 423.º e seguintes do Código de Trabalho de 2003 (vigente na data da cessação do contrato de trabalho).

  Por isso, e em face do teor do acordo de cessação, apenas se pode concluir que a Ré não extinguiu o posto de trabalho do Autor, já que algumas funções ainda restavam ao Autor na data da cessação do contrato (parte delas foram exercidas posteriormente pelo Eng. CC). Se essas funções (as que restavam) não justificavam a manutenção do posto de trabalho, tal não se provou.

E apesar de se concordar com a afirmação feita na sentença recorrida de que “a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho não implica a extinção de todas as funções que eram desempenhadas pelo trabalhador, podendo manter-se algumas delas”, certo é que seria necessário provar-se, como já referimos, que essas funções (restantes) são manifestamente insuficientes para justificar a manutenção do posto de trabalho.

Assim sendo, e por tudo o que se deixou referido, podemos afirmar que o Autor provou, como lhe competia, os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 252.º do C. Civil.

 Em face da conclusão a que chegámos ter-se-á de declarar a anulação do acordo de cessação do contrato de trabalho”.

Ter-se-á eleito, aqui, a solução certa?

Vejamos.

Tudo revisto e ponderado:

Os vícios da vontade, nas palavras do Prof. Mota Pinto[3], são perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos.

Nos termos do art. 244.º do Cód. Civil há reserva mental sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.

Todavia, a reserva não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário, caso em que a mesma tem os efeitos da simulação.

Concretamente, o erro-vício – usando a noção adiantada por Manuel de Andrade[4] – é um erro na formação da vontade e consiste na ignorância (falta da representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância, de facto ou de direito, que foi decisiva na formação da sua vontade, de tal modo que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.

O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade – art. 252.º do Cód. Civil – mas que se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

(É, pois, exigível, para que haja causa de anulação, que a essencialidade do motivo tenha sido reconhecida, por acordo, em qualquer das suas duas manifestações, seja expressa ou tacitamente, e que o elemento não considerado ou falsamente representado no processo formativo da vontade respeite naturalmente a uma realidade passada ou presente relativamente ao momento da declaração.

Atente-se no ensinamento do Prof. Mota Pinto[5], de quem são estas palavras: «…o n.º 1 do art. 252.º…permite a anulação, desde que haja uma cláusula, expressa ou tácita, no sentido de a validade do negócio ficar dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro (“se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo”).

Seria irrazoável permitir a anulação, uma vez provado, simplesmente, o conhecimento pela contraparte da essencialidade do motivo que levou o errante ao negócio, pois a contraparte normalmente não daria o seu acordo ao contrato se este ficasse na dependência da circunstância cuja suposição levou o enganado a contratar. Também se compreende que não baste o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, pois, dado o acréscimo enorme de litígios e demandas a que esse regime daria lugar – litígios e demandas destinados a conseguir uma desvinculação arbitrária dos negócios realizados, com fundamento no pretenso conhecimento pela outra parte da falsidade da representação que impeliu ao negócio – a estabilidade dos negócios seria atingida e isso repercutir-se-ia na celeridade e segurança da contratação».

No mesmo sentido vai a lição de Carvalho Fernandes[6], citado no Aresto deste Supremo Tribunal e Secção, de 26.3.2008, Proc. 07S4653, in www.dgsi.pt.).

Mas se recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio – n.º 2 da referida norma – é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.

(Há erro na base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias, pretéritas, presentes ou futuras), em que as partes fundaram a decisão de contratar, ut Pires de Lima e A. Varela, nota 3. ao normativo em referência, ‘Código Civil’, Vol. I, pg. 236.

Trata-se de um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos em que a não verificação da pressuposição releva, como na hipótese clássica do tipo dos coronation cases, exemplificada nas lições de Mota Pinto – ob. loc. cit.).

Das condições gerais da relevância do erro-vício ressalta a sua essencialidade: só é relevante o erro essencial e só é essencial o erro se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou só se celebraria um outro, com diverso objecto, de outro tipo ou com outra pessoa (sic, Prof. Mota Pinto, ibidem).

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No caso:

- Com deflui da factualidade assente, a R. comunicou ao A., no início do mês de Setembro de 2006, a necessidade e urgência em proceder à ‘reestruturação organizativa e estrutural’ da actividade da empresa, com vista à revogação do seu contrato, justificando a sua decisão com a redução do volume de negócios e da margem de comercialização, motivada pela crise económica que o país atravessa há alguns anos, tendo igualmente invocado o esvaziamento de algumas funções anteriormente exercidas pelo A.

- Alegou ainda a R. que, sendo a actividade do A. desenvolvida no sector dos veículos pesados, a invocada crise se fazia sentir de forma mais evidente neste sector de actividade da empresa, mais tendo aduzido, na circunstância, a impossibilidade de transferir o A. para outro posto de trabalho, ainda que no âmbito do mesmo grupo económico – factos alinhados na respectiva fundamentação sob os n.ºs 11 a 14.

- O A., que desempenhava ultimamente as funções correspondentes à categoria de ‘chefe de departamento’, subscreveu, com a R., a proposta ‘Convenção de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes’, documento com cópia nos Autos, a que nos reportamos, por acreditar serem verdadeiros os fundamentos invocados pela R. para tal revogação – factos sob os n.ºs 15 e 21.

- Nos termos do acordo, ficou expresso que a causa da rescisão era inserida num processo de reestruturação organizativa e estrutural que determinava a redução de efectivos, conforme documento constante de fls. 67-69 – facto sob o n.º 17 do respectivo alinhamento.

- Nesta sequência, como se refere no Acórdão revidendo, consta da cláusula 4.ª do falado ‘Acordo de revogação’ que… ‘Os subscritores reconhecem expressamente que a presente cessação tem como fundamento os factos referidos nas als. C) e D) do preâmbulo da presente convenção de revogação’,  alíneas onde pode ler-se, em plena conformidade com o extractado no referido item 17, o seguinte:

‘A segunda subscritora está a proceder à sua reestruturação organizativa e estrutural’; No âmbito da reestruturação organizativa e estrutural da segunda subscritora, esta sociedade está a proceder à redução de efectivos’…

- Após a cessação da actividade do A. (30.9.2006), a R. contratou, em 11.12.2006, o Eng.º CC, mediante ‘contrato de trabalho a termo certo’, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de ‘estagiário do 1.º ano’, actividade que exerceu na área de entregas, planeamento e logística de camiões, da qual o A. era (anteriormente) responsável – item 29.

Ora, acolhendo a argumentação do apelante – em cujos termos, sintetizados no desenvolvimento da fundamentação da deliberação sub judicio, a fls. 795 dos Autos, os fundamentos que a R. lhe transmitiu para a extinção do seu posto de trabalho eram falsos, pretendendo apenas substituir o A. por outro trabalhador economicamente ‘mais barato’, induzindo o impetrante em erro por não se terem verificado os motivos/causas que determinaram a cessação do contrato de trabalho – concluiu-se que o A. provou, como lhe competia, os requisitos previstos no n.º 1 do art. 252.º do Cód. Civil, declarando-se por via disso a anulação do identificado acordo de cessação.

Quid inde?

Revisto e ponderado o quadro de facto sujeito, à luz do dilucidado contexto normativo de subsunção, é diverso o nosso entendimento, não podendo ratificar-se a solução eleita.

Como se deixou referido, para que opere a pretendida anulabilidade a que alude o art. 252.º/1 do Cód. Civil é mister que as partes tenham reconhecido, por acordo, expresso ou tácito, a essencialidade do motivo determinante da vontade de negociar.

E tal incontornável circunstância não se verifica, in casu.

Embora o A. tenha subscrito o acordo de revogação do contrato por acreditar serem verdadeiros os fundamentos invocados pela R. para tal proposto efeito, da posterior evolução dos acontecimentos não pode concluir-se validamente que a sua vontade de fazer extinguir o vínculo laboral, quando se formou o respectivo processo volitivo, se tenha determinado por motivos anómalos e valorados pelo direito como ilegítimos.[7]

Com efeito, sempre de dirá, quando aceitou o proposto acordo de revogação o A. sabia que as suas funções de ‘chefe de departamento’ vinham sendo esvaziadas, com está sobejamente factualizado – cfr., v.g., pontos 22, 23 e 24 – e não teria razão para não acreditar, como acreditou, nos fundamentos aduzidos, todos à volta da redução do volume de negócios e das margens de comercialização do sector dos veículos pesados, em que se desenvolvia a sua actividade, motivada pela alegada crise económica, a demandar a necessidade e urgência da invocada ‘reestruturação organizativa’, com a consequente redução de efectivos.

Do conjunto das últimas funções desempenhadas pelo A. ao serviço da R. – ainda assim numerosas e mais ou menos complexas, como se vê do enunciado nos pontos 25 e 28 do alinhamento de facto constante da fundamentação do Aresto sob censura – algumas delas (…as residuais, desempenhadas ao nível das entregas, planeamento e logística e outras, discriminadas na resposta ao quesito 8.º) foram posteriormente confiadas a um outro trabalhador, o Eng.º CC, admitido algum tempo após a cessação do contrato de trabalho do A., mediante contrato a termo certo, não para chefiar o departamento, (funções que eras as detidas pelo A.), mas apenas como ‘estagiário do 1.º ano’.

Simplesmente dessa circunstância não decorre – e, menos, necessariamente – o dirimente efeito em que assenta a matriz da deliberação, o de que, não estando totalmente extintas as funções que o A. desempenhava, não pode concluir-se que a R. não extinguiu o posto de trabalho do A., pela imediata percepção de que, no contexto, a admissão de um trabalhador estagiário a termo certo, para as ditas funções residuais, não colide com prosseguida redução de efectivos.

Do que não resulta, só por isso e enquanto tal – com o devido respeito – que o A. tenha provado, como lhe competia, os requisitos previstos no n.º 1 do art. 252.º do Cód. Civil.

Em suma:

- Não só não se equacionou alguma vez que o motivo determinante da vontade rescisória do A. fosse a extinção do seu posto de trabalho, como não se demonstrou que as partes tivessem reconhecido, no acordo, que a verificação de tal motivo era essencial à pactuada desvinculação.

- Não se pode concluir, pois, que a R. tivesse induzido o recorrido no referido erro-vício, apenas ponderável à data da declaração/acordo, como se disse e é sabido.

Diremos, pois, a terminar, que – ao contrário do ajuizado – não se mostram verificados, no caso, os pressupostos da pretendida anulação do acordo revogatório com o invocado fundamento.

Procedem, no essencial, as razões que enformam a reacção da recorrente, não podendo subsistir a deliberação sob protesto.

                                           __

                                           III –

                                     DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e, revogando o Acórdão impugnado, repristina-se a sentença da 1.ª Instancia, que absolveu a R. dos identificados pedidos contra si formulados.

Custas pelo recorrido, nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

                                          

Lisboa, 24 de Outubro de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1]  - Para maiores desenvolvimentos sobre a densificação deste negócio formal, vide Joana de Vasconcelos, ‘A revogação do Contrato de Trabalho’, Teses, Almedina, pg. 159/seguintes.
[2]  - Cfr. ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, 3.ª edição, revista e actualizada, pg. 128 e seguintes.
[3] - ‘Teoria Geral do Direito Civil’, 3.ª edição actualizada, Coimbra Editora, pg. 500.
[4]  - In ‘Teoria Geral da Relação Jurídica’, Vol. II, 2.ª reimpressão, pg. 233.
[5]  - ‘Teoria Geral do Direito Civil’, 3.ª edição actualizada, Coimbra Editora, pg. 514.
[6]  - ‘Teoria Geral do Direito Civil’, 2.ª edição, vol. II, 1996, pgs. 123-124.
[7]  - Mota Pinto, ‘Teoria Geral’, 2005, invocado por Joana Vasconcelos, obra citada, pg. 365.