Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2302/17.8T8BRR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
Doutrina:
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho Parte II, Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, Almedina, 2014, p. 1092 e 1093;
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, 2009, p. 644.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 394.º, N.ºS 1 E 4 E 351.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-05-2011, PROCESSO N.º 273/06.5TTABT.S1;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 244/14.8TTALM.L1.S1.
Sumário :

I - A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da atuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.

II – Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses fatores.

III – Não integra justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador o não pagamento do valor corresponde a trabalho suplementar prestado em dias de descanso obrigatório e complementar e feriado, ao longo de um ano, no montante de € 442,90 (quatrocentos e quarenta e dois euros e noventa cêntimos).

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

AA intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra a BB, pedindo a sua condenação no pagamento de:

• € 42.236,16, a título de indemnização de antiguidade;

• € 6.806,00, a título de trabalho suplementar;

• € 957,94, por conta do não gozo do descanso compensatório;

• € 139,42, pelo não gozo de 2 dias de férias no ano 2016;

• € 2.607,70, por conta da retribuição das férias vencidas a 01/01/2017 e respetivo subsídio de férias;

• € 613,68, por conta de diferenças no subsídio de Natal;

• € 2.015,62, por conta da retribuição de férias e subsídios de férias e natal proporcionalmente vencidos com a cessação do contrato de trabalho, e por fim

• € 5.000,00, a título de indemnização por danos morais, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Invocou como fundamento das suas pretensões, em síntese, que:

• foi admitido ao serviço da ré no dia 02/01/1995 para exercer as funções de contínuo sob a sua autoridade, direção e fiscalização, mediante o pagamento último de € 1.510,40 mensais, € 1.036,00, a título de retribuição base, € 163,60, a título de diuturnidades e € 310,80, a título de isenção de horário de trabalho, entre as 09h00 e as 17h30, com pausa para almoço das 13h00 às 14h30, funções que cumulou com as de motorista a partir de data que não recorda, trabalho que a ré remunerava em função das horas extraordinárias.

• a atual chefe da delegação iniciou funções em 01/2015; que tal determinou o exercício diário das funções de motorista; que a ré, em junho de 2015, deixou de lhe pagar as horas extraordinárias, sendo que chegou a trabalhar 11/14 horas seguidas, em dia útil, ao fim de semana e em dia feriado, o que sucedeu nos dias identificados nos artigos 55º, 56º, 58º e 59º da petição inicial; que não lhe foi dado a gozar dia de descanso nem pago o trabalho extraordinário, por, segundo lhe explicou o responsável pela contabilidade, receber subsídio de isenção de horário de trabalho, no que não anuiu; que houve dias em que foi impedido de almoçar por a chefe de delegação necessitar de ser transportada, o que ocorreu nos dias que identifica no artigo 54º da petição inicial; que a chefe de delegação sempre recusou falar sobre o tema, tendo-lhe dito que “caso estivesse mal que se despedisse”; que para além das funções de motorista também confecionava e servia refeições quando havia convidados na delegação de Macau; que preparava a sala para os convidados, nela colocando mesas, cadeiras, pratos e talheres; que desempenhava funções de técnico de audiovisual quando havia conferências na delegação; que dava apoio informático, elaborando mapas de contabilidade geral e resolvendo problemas com o funcionamento de programas utilizados pelos funcionários; e ainda, que nunca teve formação para tais funções nem deu o seu acordo, cumprindo-as com oposição.

• no último ano deixou de conseguir suportar as exigências da ré por interferirem na sua vida familiar, nomeadamente no acompanhamento do filho menor que tem à sua guarda, sendo que é um pai em luto, tendo visto a filha morrer com poucos meses de vida, sendo os pais e amigos que o auxiliavam sempre que trabalhava para além do horário normal de trabalho; que chegou a dormir no interior do veículo em que transportava a chefe de delegação por à hora de regresso já não dispor de transportes públicos e a ré não lhe pagar o dispêndio em táxi; que chegou a ponderar o suicídio por a ré não compreender as suas pretensões, pois que sabia que não tinha anuído a outras funções que não as de contínuo e que precisava do salário para sobreviver, sendo que se sentia desgostoso por a ré não considerar as suas exigências e desmotivado e triste por não conseguir acompanhar o filho menor nos termos que devia, o que o levou a, no dia 22/05/2017, remeter carta a resolver o contrato de trabalho mediante justa causa.

• em junho de 2016 a ré não lhe pagou o subsídio de isenção de horário de trabalho; que o subsídio não foi incluído nos subsídios de férias e Natal relativos aos anos de 2015, 2016 e 2017, reclamando diferenças no valor de € 51,79 + € 20,79 + € 200,88 + € 210,82 + € 310,56 + € 129,40, respetivamente; que em 10/2014 a ré lhe pagou € 1.127,70 quando devia ter pago € 1.328,70; que em 07/2015 lhe pagou € 1.309,40 quando devia ter pago € 1.369,60; que em 06/2016 pagou € 1.199,60 quando devia ter pago € 1.510,40; e ainda, que não gozou 2 dias de férias, retribuição que a ré também não lhe pagou.

Citada a Ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual estas as não se conciliaram e foi notificada a Ré para contestar, o que fez.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença que decidiu:

• condenar BB a pagar a AA:

1. a quantia ilíquida de € 442,90 por conta do trabalho suplementar prestado ao fim de semana e em dia feriado, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

2. a quantia ilíquida de € 479,84 por conta de descansos compensatórios não gozados, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

3. a quantia ilíquida de € 3.401,64 por conta de créditos salariais vencidos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

4. a quantia de € 26.966,62 a título de indemnização de antiguidade, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

• absolvê-la do demais por ele peticionado.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que veio a conhecer do recurso por acórdão de 5 de dezembro de 2018, que integrou o seguinte dispositivo:

«Termos em que se acorda nesta Relação de Lisboa:

i. no que concerne à impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto, conceder parcial provimento e, em consequência, apenas alterar o julgamento proferido acerca do facto 33, que ficará com a seguinte redação: "33. O autor gozou descansos compensatórios";

ii. quanto às questões jurídicas:

a) manter a sentença na parte em que condenou a apelante a pagar ao apelado as quantias ilíquidas de:

• € 442,90 (quatrocentos e quarenta e dois euros e noventa cêntimos) por conta do trabalho suplementar prestado ao fim de semana e em dia feriado;

• € 102,98 (cento e dois euros e noventa e oito cêntimos) por conta da retribuição devida por 1,5 de férias não gozado;

• € 591,74 (quinhentos e noventa e um euros e setenta e quatro cêntimos) por conta da retribuição de férias e outro tanto de subsídio de férias proporcionalmente vencidos com a cessação do contrato de trabalho;

• € 469,98 (quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) por conta do subsídio de Natal vencido com a cessação do contrato de trabalho;

• juros de mora sobre essas quantias, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral e efetivo pagamento;

b) absolver e/ou confirmar a absolvição da apelante do mais que contra ela foi pedido pelo apelado.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).»

Irresignado com esta decisão, o Autor recorreu de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Deve ser provimento ao recurso porquanto:

2. O, aliás douto, Acórdão recorrido ofendeu preceitos de direito substantivo, como sejam as disposições 127º, 213º, 277º, 278º, 394º nº 1 e nº 2 als. a) e b) e nº 5, e 396º todos o CT. Vejamos,

3. O Tribunal da Relação no seu Acórdão considerou que com relevância para apreciação dos fundamentos para resolução do contrato de trabalho por parte do Trabalhador com invocação de justa causa, o comportamento da entidade patronal se resumia a:

- não pagamento do trabalho suplementar de 42 horas e 40 minutos em doze dias durante um ano consecutivo de descanso obrigatório, suplementar ou feriado:

- em datas e momentos não concretamente apurados almoçou mais cedo ou mais tarde em virtude de ter de transportar a chefe da delegação no período da pausa para almoço e em função do tempo despendido nessa deslocação.

4. Que aquelas condutas são ilícitas e se presumem culposas (artigo 799º do CC.).

5. Não restam dúvidas que da violação do direito a receber a remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, ainda, que em dia de descanso obrigatório e feriado resulta um prejuízo para o trabalhador, agora recorrente- artigos 128º nº 1 al. b); 276º, 277º todos do CT.

6. Esse, prejuízo, apesar do recorrente ter intentado a presente ação ainda não foi reparado.

7. E muito menos o direito aos períodos de descanso que o recorrente viu ser-lhe negado, por ter de transportar a Chefe da Delegação na sua hora de almoço – artigos 127º nº 1 al. c) e 213º do CT.

8. Entendeu o Tribunal da Relação que aqueles comportamentos não assumiram suficiente gravidade e consequências para conduzir à resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador com invocação de justa causa.

9. Contrariamente o recorrente entende que se verificam todos os requisitos necessários à apresentação da resolução do contrato de trabalho com justa causa. Porque,

10. Os comportamentos da entidade patronal e recorrida violaram direito contratuais e legais do recorrido.

11. Essa violação para além de intencional perdurou no tempo.

12. Relativamente àqueles comportamentos a recorrida não ilidiu a sua culpa.

13. Aliás a própria recorrida reconhece que em 7/2015 deixou de pagar o trabalho prestado em dia de descanso obrigatório e feriado.

14. Bem sabia a recorrida que não o podia fazer.

15. Bem sabia a recorrida que tinha de cumprir o horário de trabalho constante do contrato o qual que nunca foi alterado, mas, mesmo assim, exigia ao recorrente que executasse tarefas de motoristas naquele período, por isso umas vezes este almoçava mais cedo outras mais tarde.

16. Atenta a matéria dada como provada e que acima se transcreve, não poderia o Tribunal da Relação deixar de entender que no caso se verifica justa causa para resolução do contrato de trabalho tendo em conta os direitos do trabalhador que a conduta ilícita da entidade patronal violou, de forma dolosa e reiterada.

17. A recorrida e entidade patronal não é uma qualquer sociedade comercial é tão só uma representação diplomática, anteriormente do Governo de Macau, agora da Região Administrativa Especial de Macau.

18. Atenta a sua qualificação jurídica enquanto pessoa coletiva impende sobre a mesma uma especial obrigação do conhecimento da lei e de a cumprir escrupulosamente.

19. Bem sabendo que a tal estava obrigada, e mesmo assim, a recorrida agiu conforme descrito.

20. Entende o recorrente que os factos provados pela sua gravidade e consequências são mais do que suficientes para que a relação laboral se torne imediata e praticamente impossível não sendo por isso exigível ao trabalhador a sua manutenção.

21. As partes em confronto, entidade patronal e recorrente, à data trabalhador, apresentam-se num patamar de desigualdade.

22. A entidade patronal dispõe de sanções intermédias para reagir a determinada infração ou a determinado incumprimento por parte do trabalhador, este quando lesado nos seus direitos, por qualquer incumprimento do empregador, não tem formas de reação alternativas á rescisão (ou executa o contrato ou rescinde).

 23. Não é exigível ao trabalhador e recorrido que mantenha uma relação laboral quando a entidade patronal decide, deixar de pagar o trabalho suplementar prestado em dia de descanso obrigatório durante um ano.

24. Não é exigível ao trabalhador e recorrido manter uma relação laboral em que a entidade patronal lhe exige que não usufrua do período de tempo de pausa para almoço.

25.Qualquer uma destas condutas, pela sua gravidade tiveram consequências que tornaram imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

26. O recorrido não tinha outro meio para impedir a entidade patronal de continuar a violar as suas garantias legais e contratuais, e o princípio constitucional consagrado no artigo 59º nº 1 al. a) e al. d) da C.R. Portuguesa, que não fosse o recurso à resolução do seu contrato de trabalho com invocação de justa causa. (artºs. 340º al. g), 394º nº 1 e 2 al. a) e b) e 5 do contrato de trabalho.

27. Entende o recorrente suficientemente provada a conduta ilícita e dolosa da recorrida, bem como a gravidade e consequências da mesma, o que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da manutenção da relação laboral por parte do recorrente pelo que não pode deixar de concluir-se ver-lhe reconhecimento o direito a resolver o seu contrato de trabalho com justa causa e a receber a indemnização por antiguidade.

28. Integram, assim, os factos provados, os requisitos objetivos e subsecutivos necessários para invocação de justa causa para resolução do seu contrato de trabalho por parte do recorrido e consequente direito à indemnização por antiguidade.

29. Decidindo como decidiu, o Tribunal da Relação incorreu num erro de interpretação dos artigos 127º, 213º, 277º, 278º, 394º nº 1 e nº 2 al. a) e b) e nº 5, e 396º todos o CT, ao entender que a conduta da recorrida não assumiu gravidade nem teve consequências que por si tornassem imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral entre as partes.»

Termina referindo que «deve ser concedida Revista e mantida a decisão proferida pelo tribunal de Primeira Instância no que se refere à condenação da recorrida no pagamento ao recorrente da quantia de € 26.966,62 a título de indemnização por antiguidade, assim, se fazendo JUSTIÇA.»

A recorrida respondeu ao recurso interposto, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Neste Tribunal o Exm.º Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o Autor tem o direito à resolução do contrato de trabalho com justa causa.

II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 01/01/1995 para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer as funções de contínuo nas instalações da delegação de Macau, das 09h00 às 17h30 com pausa para almoço das 13h00 às 14h30, mediante o pagamento mensal de 93.900$00.

2. O autor desempenhava as seguintes tarefas:

a) deslocava-se ao exterior a fim de entregar/levantar objetos e/ou efetuar pagamentos;

b) tirava fotocópias;

c) dava apoio no auditório quando havia eventos (exposições, conferências, receções, etc.) no interior da delegação de Macau mediante a preparação do sistema de som, imagem, luzes e dava apoio aos convidados;

d) fazia compras para o economato e para os beberetes;

e) preparava a sala onde se realizava o beberete, colocando as mesas, as cadeiras, as toalhas, os copos, chávenas, carregando as bebidas e dando apoio à satisfação do catering por terceiros, etc.

3. A partir de data não concretamente apurada, situada pelo menos a partir do ano 2000, o autor passou a assegurar as férias dos motoristas em funções na ré, tripulando a viatura que a ré tinha afeta à realização do serviço externo.

4. A ré, em 2000, tinha dois motoristas, um afeto ao serviço externo e outro ao serviço oficial, estando este último adstrito ao transporte do chefe da delegação e/ou individualidades do governo de Macau.

5. O motorista afeto ao serviço externo reformou-se cerca de 2003.

6. O motorista afeto ao serviço oficial reformou-se há cerca de 4 anos.

7. O autor assumiu o serviço oficial, tripulando a viatura destinada ao transporte do chefe da delegação de Macau desde pelo menos a reforma daquele motorista, CC, funções que desempenhava cumulativamente com as descritas em 2) e em 3).

8. No ano 2014 o autor auferiu € 985,00 a título de retribuição base, aumentado para € 1.005,00 a partir de Julho, € 122,70 a título de diuturnidade e € 197,00 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, aumentado para € 201,00 a partir de Julho.

9. No dia 31/12/2013, o responsável pelo pessoal da ré, DD, propôs ao chefe de delegação, depois de obter a concordância do autor, para que a ré pagasse a este último: '20% de isenção de horário com início a 1 de Janeiro de 2014'.

10. Apresentou, para o efeito, os seguintes fundamentos: “O funcionário que executa o serviço de motorista na BB, em Lisboa, é muitas vezes obrigado a permanecer ao serviço para além do seu horário normal, com o consequente recurso a trabalho extraordinário.

No entanto, dada a situação jurídica de emprego em que se encontra, integra-se no regime de Contrato Individual de Trabalho, abrangido pela Segurança Social, o limite das horas extraordinárias permitidas por lei é de 150 horas anuais.

Este limite é largamente ultrapassado, tornando-se, assim, necessário encontrar uma solução que permita o pagamento do trabalho extraordinário realizado e ao mesmo tempo enquadrá-lo dentro dos preceitos legais.

Analisada a situação, chegamos à conclusão que o Sr. AA ultrapassa largamente o limite das 150 horas anuais, sendo a média mensal das horas extraordinárias realizadas de 42 horas.

Assim, poderia ser concedida ao funcionário atrás referido, isenção de horário por percentagem equivalente à média mensal realizada durante o ano 2013.

Caso o valor das horas extraordinárias ultrapasse o montante de isenção de horário proposto, seriam remuneradas até ao limite das 150 horas anuais”.

11. O chefe da delegação autorizou o pagamento por despacho datado de 31/12/2013.

12. De 01/2014 a 06/2015, a ré pagou ao autor, para além de subsídio de isenção de horário de trabalho, trabalho suplementar que levou aos recibos de vencimento de fls. 67-verso a 72-verso dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra, sob a designação 'HORAS SUPLEM'.

13. No dia 22/06/2015, o responsável pelo pessoal da ré, DD, propôs ao chefe de delegação o aumento para: '30% de isenção de horário, cujo valor será de € 310,80, com início a 1 de Julho de 2015'.

14. Apresentou, para o efeito, os seguintes fundamentos: 'Por despacho do senhor Chefe de Delegação em 31/12/2013, foi autorizado o pagamento de uma Isenção de Horário de Trabalho ao funcionário que executa o serviço de motorista na BB, em Lisboa.

Sendo às vezes obrigado a permanecer ao serviço para além do horário coberto pelo pagamento da IHT, torna-se frequente o recurso ao trabalho extraordinário.

Analisada a situação, pensamos ser oportuno rever o montante atual de 20% para 30% percentagem esta, que permitiria assim, anular o pagamento de horas extras até agora frequentemente realizadas'.

15. O chefe da delegação autorizou o aumento do subsídio para € 310,80[1] a partir de 01/07/2015, por despacho datado de 22/06/2015.

16. A partir de 07/2015 a ré deixou de pagar ao autor o trabalho que o mesmo prestou, por ordem e determinação da ré, ao fim de semana, em dia feriado e em dia útil após as 17h30.

17. Para o efeito, e sempre que era necessário, o autor era informado pela chefe de delegação ou pela secretária daquela de que não podia ausentar-se do local de trabalho às 17h30 ou fazer a pausa para almoço das 13h00 às 14h30 por ter que transportar a chefe de delegação e/ou outras individualidades, no que o autor anuía.

18. De 02/2016 a 05/2017, o autor tripulou a viatura afeta ao serviço oficial transportando a chefe de delegação O EE, por sua ordem e determinação, nos dias e períodos temporais identificados nos boletins diários de fls. 22 verso a 34 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.

19. O autor assinava o livro de ponto.

20. Em 10/2014 a ré pagou ao autor € 1.005,00 a título de retribuição base, € 122,70 a título de diuturnidade, horas suplementares e duodécimos de subsídios de férias e natal, não tendo pago subsídio de isenção de horário de trabalho.

21. No ano 2015 o autor auferia € 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidade e subsídio de isenção de horário de trabalho.

22. Em 07/2015 a ré pagou ao autor € 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidade e € 109,80 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.

23. No ano 2015 a ré pagou ao autor € 1.168,60 por conta do subsídio de férias e € 1.199,60 por conta do subsídio de Natal.

24. Em junho de 2016 o autor auferia € 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidade e € 310,80 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.

25. Em 06/2016 a ré pagou ao autor 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidade e duodécimos dos subsídios de férias e natal, não tendo pago subsídio de isenção de horário de trabalho.

26. No ano 2016 a ré pagou ao autor € 1.199,68 por conta do subsídio de férias e € 1.199,60 por conta do subsídio de natal.

27. O autor não gozou pelo menos 1,5 dia das férias vencidas no ano 2016.

28. Em maio de 2017, o autor auferia € 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidades, € 310,80 a título, de subsídio de isenção de horário de trabalho.

29. No ano 2017 a ré pagou ao autor € 249,95 por conta do subsídio de férias e € 249,95 por conta do subsídio de natal.

30. A partir de 07/2015 o valor do subsídio de isenção de horário de trabalho aumentou para € 310,80.

31. Em maio de 2017 a ré pagou ao autor € 1.036,00 por conta da retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidades, € 310,80 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho e os duodécimos dos subsídios de férias e natal.

32. A atual chefe da BB iniciou funções a 20/12/2015.

33. O autor gozou descansos compensatórios.[2]

34. Por carta datada de 22/05/2017, rececionada pela ré no dia 23/05/2017, o autor comunicou à ré o seguinte:

'(…)

Acontece que têm V. Ex.ªs vindo a exigir-me que para além das funções de contínuo preste as funções de motorista; preparar e servir jantares e lanches, fazer café e chá, montar e desmontar mesas, colocar pratos, copos e talheres nas mesas, servir refeições e ainda desempenhar funções de técnico de audiovisual no auditório e apoio informático. Inicialmente sempre me foi pago, para além do subsídio de isenção de horário de trabalho de contínuo, todas as horas de trabalho suplementares que trabalhava. As horas suplementares deixaram de ser pagas em meados do ano 2015. No entanto, sob a ameaça velada de possível despedimento, nunca consegui que V. Ex.as atendessem ao meu pedido de pagamento daquelas horas. Como V. Ex.as muito bem sabem, foi-me fixado um horário de trabalho que tenho que respeitar, com assinatura de livro de ponto diariamente. A isenção de horário de trabalho não consta de qualquer documento escrito nem foi comunicada à ACT, como decorre da lei. Estou obrigado a cumprir um horário de entrada às 9 horas e saída às 17 horas e 30 min. No entanto, a solicitação da responsável pela BB, sistematicamente, prolongo o meu dia de trabalho para exercer funções de motorista, bem como qualquer uma das outras acima referidas. Desde Janeiro de 2016 que, frequentemente, trabalho ao Sábado, Domingo e feriados, exercendo essencialmente as funções de motorista da chefe da BB, bem como de outras entidades do Governo de Macau que se deslocam a Portugal. Não me é pago o valor correspondente ao trabalho prestado naqueles dias, nem me é permitido gozar o dia de descanso a que por lei tenho direito a gozar.

Frequentemente por imposição da Sr.ª Dr.ª O EE, Chefe da BB, não me é facultado a possibilidade de tomar a refeição do almoço.

Assim, não me foi permitido tomar a refeição do almoço quando no exercício das funções de motorista acompanhei a Sr.ª Dr.ª O EE, Chefe da BB, nos seguintes dias: 5 de Fevereiro de 2016; 24 de Fevereiro de 2016; 25 de Fevereiro de 2016; 9 de Março de 2016; 16 de Março de 2016; 18 de Março de 2016; 23 de Junho de 2016; 12 de Julho de 2016; 18 de Julho de 2016; 29 de Julho de 2016; 1 de Agosto de 2016; 2 de Agosto de 2016; 3 de Agosto de 2016; 4 de Agosto de 2016; 5 de Agosto de 2016; 8 de Agosto de 2016; 9 de Agosto de 2016; 10 de Agosto de 2016; 20 de Setembro de 2016; 21 de Setembro de 2016; 6 de Outubro de 2016; 18 de Outubro de 2016; 25 de Outubro de 2016; 2 de Novembro de 2016; 3 de Novembro de 2016; 4 de Novembro de 2016; 18 de Novembro de 2016; 19 de Novembro de 2016; 6 de Dezembro de 2016; 7 de Dezembro de 2016; 12 de Dezembro de 2016; 19 de Dezembro de 2016; 1 de Fevereiro de 2017; 2 de Fevereiro de 2017; 3 de Fevereiro de 2017; 6 de Fevereiro de 2017; 14 de Fevereiro de 2017; 22 de Fevereiro de 2017; 24 de Fevereiro de 2017; 9 de Março de 2017; 13 de Março de 2017; 14 de Março de 2017; 15 de Março de 2017; 6 de Abril de 2017; 7 de Abril de 2017; 10 de Abril de 2017; 11 de Abril de 2017; 26 de Abril de 2017; 2 de Maio de 2017.

Como já referido trabalhei nos seguintes dias os quais correspondem a sábados:

- 1 de Março de 2016; 14 de Maio de 2016; 25 de Junho de 2016; 31 de Julho de 2016; 1 de Outubro de 2016; 11 de Fevereiro de 2017.

E, ainda, nos seguintes dias que correspondem a Domingos: 10 de Abril de 2016; 12 de Junho de 2016; 17 de Julho de 2016; 31 de Julho de 2016; 11 de Setembro de 2016; 28 de Setembro de 2016; 5 de Março de 2017.

Bem como no seguinte dia feriado:

- 25 de Abril de 2017.

Foi-me recusado o pagamento do trabalho nos dias de descanso obrigatório, bem como nos dias de descanso complementar.

Desde Janeiro de 2016 que sou obrigado a exercer funções sem acréscimo de remuneração, sendo-me apresentado como justificação que já recebo uma compensação por isenção de horário de trabalho como contínuo. Desde Janeiro de 2016, que para além de cumprir o horário de trabalho com entrada às 9 horas e saída às 17 horas e 30 min., com uma hora e 30 minutos para almoço, tive que prolongar o meu dia de trabalho, nos seguintes dias e pelos períodos que a seguir se indicam:

Mês de Fevereiro de 2016:

Dia 5: 4 horas e 30 min. Suplementares.

Dia 10: 0,30 min. de horas suplementares.

Dia 22: 2 horas suplementares.

Dia 24: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 25: 1 hora e 30 min. suplementares.

Mês de Março de 2016:

Dia 9: 5 horas e 20 min. suplementares.

Dia 16: 5 horas e 15 min. suplementares.

Dia 18: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 31: 5 horas e 15 min. suplementares.

Mês de Abril de 2016:

Dia 6: 5 horas e 30 min. suplementares.

Dia 18: 4 horas e 3º min. suplementares.

Mês de Maio de 2016:

Dia 3: 2 horas e 30 min. suplementares.

Dia 4: 6 horas suplementares.

Dia 5: 3 horas suplementares.

Mês de Junho de 2016:

Dia 20: 4 horas suplementares.

Dia 21: 5 horas e 20 min. suplementares.

Dia 23: 1 hora e 30 min. suplementares.

Mês de Julho de 2016:

Dia 11: 1 hora suplementares.

Dia 12: 4 horas suplementares.

Dia 18: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 20: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 21: 0,30 min. suplementares.

Dia 25: 0,30 min. suplementares.

Dia 29: 2 horas suplementares.

Mês de Agosto de 2016:

Dia 1: 6 horas e 30 min. suplementares.

Dia 2: 5 horas e 30 min. suplementares.

Dia 3: 5 horas e 30 min. suplementares.

Dia 4: 5 horas e 30 min. suplementares.

Dia 5: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 8: 3 horas e 30 min. suplementares.

Dia 9: 4 horas e 45 min. suplementares.

Dia 10: 3 horas e 45 min. suplementares.

Mês de Setembro de 2016:

Dia 5: 3 horas suplementares.

Dia 6: 6 horas suplementares.

Dia 12: 4 horas e 30 min. suplementares.

Dia 13: 8 horas suplementares.

Dia 16: 2 horas e 30 min. suplementares.

Dia 20: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 21: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 23: 2 horas e 24 min. suplementares.

Dia 29: 3 horas e 45 min. suplementares.

Dia 30: 2 horas suplementares.

Mês de Outubro de 2016:

Dia 4: 3 horas suplementares

Dia 6: 5 horas e 20 min. suplementares.

Dia 18: 4 horas e 10 min. suplementares.

Dia 24: 3 horas e 10 min. suplementares.

Dia 25: 7 horas suplementares.

Mês de Novembro de 2016:

Dia 2: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 3: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 4: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 7: 0,30 m. suplementares.

Dia 10: 2 horas suplementares.

Dia 11: 1 hora suplementares.

Dia 12: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 14: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 15: 1 hora suplementares.

Dia 16: 6 horas e 30 min. suplementares.

Dia 17: 0,30 min. suplementares.

Dia 18: 5 horas e 30 min. suplementares.

Dia 19: 2 horas. Suplementares.

Dia 21: 2 horas e 45 min. suplementares.

Dia 22: 3 horas e 15 min. suplementares.

Mês de Dezembro de 2016:

Dia 5: 5 horas suplementares.

Dia 7: 7 horas e 30 min. suplementares.

Dia 9: 5 horas suplementares.

Dia 12: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 13: 3 horas e 45 min. suplementares.

Dia 19: 6 horas e 15 min. suplementares.

Dia 28: 4 horas e 45 min. suplementares.

Dia 30: 6 horas suplementares.

Mês de Janeiro de 2017:

Dia 2: 1 hora e 15 min. suplementares.

Dia 18: 2 horas e 30 min. suplementares.

Dia 20: 4 horas e 30 min. suplementares.

Dia 23: 4 horas e 30 min. suplementares.

Dia 24: 2 horas e 30 min. suplementares.

Dia 25: 4 horas e 15 min. suplementares.

Dia 29: 4 horas suplementares.

Dia 31: 1 hora e 30 min. suplementares.

Mês de Fevereiro de 2017:

Dia 1: 4 horas suplementares.

Dia 2: 6 horas e 30 min. suplementares.

Dia 3: 4 horas e 30 min. suplementares.

Dia 14: 5 horas suplementares.

Dia 16: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 20: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 21: 3 horas suplementares.

Dia 22: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 24: 1 hora e 30 min. suplementares.

Mês de Março de 2017:

Dia 2: 3 horas e 30 min. suplementares.

Dia 9: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 10: 2 horas suplementares.

Dia 13: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 14: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 15: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 20: 2 horas suplementares.

Mês de Abril de 2017:

Dia 6: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 7: 4 horas e 7 min. suplementares.

Dia 10: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 11: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 17: 2 horas e 15 min. suplementares.

Dia 26: 3 horas e 45 min. suplementares.

Dia 27: 1 hora suplementares.

Dia 31: 1 hora e 15 min. suplementares.

Mês de Maio de 2017:

Dia 2: 8 horas e 45 min. suplementares.

Dia 3: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 5: 7 horas e 45 min. suplementares.

Dia 9: 1 hora e 30 min. suplementares.

Dia 10: 2 horas e 30 min. suplementares.

Dia 11:7 horas suplementares.

Para além de todos os valores correspondentes às horas acima referidas que não me são pagas sem qualquer justificação, todos os anos no mês de Junho não me é pago o valor referente à isenção de horário de trabalho, esteja a trabalhar ou em gozo de período de férias.

(…)

Esta conduta adotada por V. Ex.ªs é intencional e reiterada, apesar das minhas reclamações verbais. Com esta V/conduta têm vindo a obter uma vantagem patrimonial á custa do meu trabalho não remunerado. A V/conduta para além do prejuízo patrimonial que me tem causado, também é geradora de prejuízo pessoal e familiar uma vez que me retira a possibilidade de recuperar fisicamente entre jornadas de trabalho e impede de prestar assistência à minha família.

A V/ conduta que é intencional e culposa, e pela sua gravidade e consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho vigente.

Assim, (…), venho pela presente notificar V.ª Ex.ªs, da imediata resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado em 2/1/1995 com os fundamentos de facto acima referidos, a presente resolução do contrato de trabalho com justa causa produz efeitos jurídicos a partir do dia 23 de Maio de 2017 inclusive'.

35. A ré respondeu ao autor por carta datada de 02/06/2017, nos termos constantes de fls. 122 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra, negando o reconhecimento da justa causa invocada e informando que as verbas que lhe fossem devidas seriam pagas no dia 20/06/2017, aquando do processamento mensal das retribuições.

36. No dia 19/06/2017 a ré pagou ao autor, por meio de transferência bancária, a quantia líquida de € 184,75, montante a que chegou nos termos constantes da missiva de fls. 66 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra, tendo emitido o recibo de vencimento de fls. 65 dos autos.

37. A presente ação foi proposta no dia 14/06/2017.

38. A ré pagou ao autor o valor que o mesmo despendeu em refeições tidas aquando do transporte da chefe da delegação para fora da grande Lisboa.

39. A ré pagou ao autor despesas de táxi que o mesmo suportou para regressar a casa em dias em que, chegado às instalações da ré, já não tinha transporte público.

40. A secretária do chefe de delegação, em datas e momentos não concretamente apurados, informou o autor de que teria que almoçar mais cedo ou mais tarde em virtude de ter que transportar a chefe de delegação no período da pausa para almoço e em função do tempo despendido nessa deslocação.

41. O autor foi visto triste e choroso nas instalações da ré.

42. No dia 30/05/2017 a ré remeteu ao autor a declaração de situação de desemprego de fls. 163 dos autos, apondo um x na quadrícula respeitante à 'Denúncia do contrato de trabalho/demissão'.

43. Também remeteu o certificado de trabalho de fls. 106 verso dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra".»

II

As instâncias divergiram relativamente ao sentido da resposta à questão da existência do direito à resolução do contrato por iniciativa do trabalhador.

A decisão recorrida respondeu negativamente a essa questão com os seguintes fundamentos:

«4.2.4. É tempo agora de apreciarmos se, face ao atrás referido, ao apelado assistia direito a resolver o contrato.

Deve no entanto notar-se que para este efeito apenas relevam os créditos vencidos que têm por causa o trabalho suplementar prestado ao fim de semana e em dia feriado e o 1,5 de férias não gozado no ano de 2016, uma vez que os demais foram consequência e não causa da resolução do contrato.

O direito do trabalhador resolver o contrato vem adequadamente explicitado na sentença em crise.

Constitui justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho a falta culposa de pagamento pontual da retribuição devida (é culposa caso se prolongue por período de 60 dias) ou a violação culposa das suas garantias legais ou convencionais (art.ºs 340.º, alínea g) e 394.º, n.ºs 1, 2, alíneas a) e b) e 5 do Código do Trabalho; sendo certo que na responsabilidade contratual se presume a culpa do devedor, nos termos do art.º 799.º do Código Civil).

No entanto, apenas "constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do [empregador] que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho" (art.os 351.º, n.º 1 e 394.º, n.os 1 e 4 do Código do Trabalho).

No caso sub iudicio, temos que dos factos convocados na sentença em dissídio para considerar fundamentada a resolução do contrato de trabalho efectuada pelo trabalhador (apelado) perante a empregadora (apelante) subsistem apenas os seguintes:

• não pagamento do trabalho suplementar de 42 horas e 40 minutos em 12 dias durante um ano de descanso obrigatório, suplementar ou feriado (factos 16 e 18)

• em datas e momentos não concretamente apurados almoçou mais cedo ou mais tarde em virtude de ter que transportar a chefe de delegação no período da pausa para almoço e em função do tempo despendido nessa deslocação (factos 1, 17 e 40).

Consubstanciam actos ilícitos da empregadora a circunstância desta não pagar pontualmente a retribuição devida ao trabalhador e não lhe proporcionar intervalos de descanso / pausas para refeição a que está obrigada, legal (art.os 213.º do Código do Trabalho) e contratualmente (facto provado n.º 1) e, ainda, (presumidamente) culposos.

Porém, não cremos que se possa dizer que os mesmos assumiram uma gravidade nem tiveram consequências de tal monta que por si tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes, a qual, é bom recordar, se manteve durante cerca de 22 anos e meio (de 01-01-1995 até 23-05-2017). Aliás, deve realçar-se que de certo e seguro temos apenas o não pagamento dos doze dias de trabalho suplementar prestado pelo apelado em dias de descanso obrigatório e complementar e feriado, pois que quanto ao mais se nem se conhece o número de dias em que o apelado almoçou "mais cedo ou mais tarde em virtude de ter que transportar a chefe de delegação no período da pausa para almoço e em função do tempo despendido nessa deslocação" (facto 40).

Resta, portanto, decidir a apelação em conformidade com tudo o que atrás ficou dito.»

Estas considerações merecem, no essencial, a nossa adesão.

2 - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa encontra-se disciplinada nos artigos 394.º e ss. do Código do Trabalho.

Resulta do disposto no n.º 1 daquele artigo que «ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato», consagrando o n.º 2 do mesmo dispositivo um conjunto de situações que são consideradas justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante».

Preveem-se neste n.º 2 situações de justa causa imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala, relativamente a estas situações, de «justa causa subjetiva de resolução».

O n.º 3 do mesmo dispositivo consagra outro conjunto de situações que integram justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, mas estas já não são imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala em «justa causa objetiva» de resolução.

Estão previstas nesse dispositivo: - «a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição».

A resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, tal como refere MONTEIRO FERNANDES, «respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é pelo período fixado para o aviso prévio. Assim, a resolução opera imediatamente o seu efeito extintivo»[3].

De acordo com o disposto no n.º 4 deste artigo, a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, tomando em consideração «no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes, ou entre o empregador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».

Embora o Código do Trabalho não consagre uma noção de justa causa de resolução que possa funcionar como cláusula geral relativamente à aferição dos pressupostos daquela forma de extinção da relação de trabalho, na linha da solução consagrada no n.º 1 do artigo 351.º daquele diploma, impõe que na ponderação da mesma sejam tomadas em consideração, devidamente adaptadas, as circunstâncias discriminadas no n.º 3 daquele artigo.

A preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes motivam exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador.

Aquela preocupação de salvaguarda da relação trabalho tem-se projetado na ponderação do preenchimento daquele conceito.

Conforme se referiu no acórdão desta secção de 11 de maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1, aplicando o Código de Trabalho de 2003, «[c]omo é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada atuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade».

Debruçando-se sobre a aferição em concreto da justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO que a «jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato: i) Um requisito objetivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos ou garantias do trabalhador, ii) Um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (…); iii) Um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo (…)»[4].

Destaca, contudo, aquela Autora, a necessidade de «não apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao terceiro elemento», o que resultará da «fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador»[5]

A resolução do contrato fundamentada em justa causa, nos termos do n.º 2 do artigo 394.º, confere ao trabalhador o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do mesmo diploma, a determinar «entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades».

De acordo com este dispositivo a indemnização é fixada em dias, entre 15 e 45, por cada ano completo de antiguidade, de «retribuição base e antiguidade».

Na fixação do número de dias são tomados em consideração o valor da retribuição base, que é um dado objetivo, e o grau de ilicitude da conduta do empregador, a ponderar no momento da decisão em função dos elementos que a permitem valorar.

A ilicitude exprime a desconformidade com os valores protegidos revelando a maior ou menor intensidade da lesão desses valores manifestada pela conduta do empregador.

3 – Tal como se considerou na decisão recorrida, à luz da matéria de facto dada como provada, está em causa, no essencial, o «não pagamento do trabalho suplementar de 42 horas e 40 minutos, em 12 dias durante um ano, de descanso obrigatório, suplementar ou feriado (factos 16 e 18)» o que perfaz o valor de € 442,90 (quatrocentos e quarenta e dois euros e noventa cêntimos).

Com efeito, como também se referiu na decisão recorrida, relativamente à privação do direito ao descanso decorrente do facto 40, «nem se conhece o número de dias em que  o apelado almoçou “mais cedo ou mais tarde em virtude de ter que transportar a chefe da delegação no período de pausa para almoço ou mais tarde em virtude de ter que transportar a chefe da delegação no período da pausa para almoço em função do tempo despendido nessa deslocação”».

Ainda de acordo com a matéria de facto dada como provada, «Em Maio de 2017, o autor auferia € 1.036,00 a título de retribuição base, € 163,60 a título de diuturnidades, € 310,80 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho».

É pacífico que houve um incumprimento contratual por parte da empregadora do autor ao deixar de lhe pagar pontualmente quantias que lhe eram devidas e ao pôr em causa o direito deste ao repouso e à pausa para almoço.

A questão é a de saber se esse incumprimento, no caso concreto, justifica a resolução do contrato pelo recorrente, dado que para que exista justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, é necessário, como já dissemos supra, que o comportamento da empregadora, em razão da sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.

Com efeito, o n.º 4 do artigo 394.º, do Código do Trabalho dispõe que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º com as necessárias adaptações”.

Por seu turno, o n.º 3 do artigo 351.º estabelece que “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso concreto sejam relevantes”.

Como decorre da parte final do n.º 4 do artigo 394.º (“com as necessárias adaptações”) a aplicação no contexto da justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador de uma norma legal atinente à justa causa para o despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem que fazer-se com cautela.

É que, como se sumariou no acórdão desta Secção de 16-03-2017, proferido no processo n.º 244/14.8TTALM.L1.S1,

«I. Em sede de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, apesar de reconduzidos ao núcleo essencial da noção de justa causa, tal como se encontra definida no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, para o despedimento promovido pelo empregador, temos de considerar a particularidade, derivada da ponderação dos diferentes valores e interesses em causa, de que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador.»

Neste cenário, pode considerar-se que comportamento da ré não assumiu gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes.

Na verdade, não é significativo o montante que se veio a apurar estar em dívida ao autor pelo trabalho suplementar não pago, prestado em dias de descanso e feriados, não esquecendo que a recusa da ré em proceder ao seu pagamento se manteve durante um razoável período de tempo.

O quantitativo não pago, atento o seu valor, constitui uma parte não relevante da retribuição global do Autor, pelo que o seu não pagamento não afetou de forma significativa o direito à retribuição e as condições de vida que a mesma potencia.

Acresce que se deve igualmente ter em conta que o Autor auferia mensalmente um quantitativo pago a título de isenção de horário de trabalho e que a relação de trabalho se manteve ao longo de 21 anos.

Não pode, assim, considerar-se que o não pagamento daquela componente retributiva e a privação do direito ao descanso e à pausa de almoço, tal como apurados, no contexto dos autos, tenha tornado impossível a manutenção da relação de trabalho e confira ao Autor o direito à resolução do contrato de trabalho com justa causa, nos termos do artigo 394.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código do Trabalho.

IV

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 11 de setembro de 2019

António Leones Dantas (relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

__________________
[1] Valor constante da sentença proferida na 1.ª instância.
[2] Redação resultante da decisão recorrida. A versão original era do seguinte teor: «33. O autor não gozou descansos compensatórios.»
[3] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 644.
[4] Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, Almedina, 2014, p. 1092.
[5]  Ibidem, p. 1093.