Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1410/05.2TCSNT.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
OBJECTO NEGOCIAL
ESCRITURA PÚBLICA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
VONTADE DOS CONTRAENTES
PROVA TESTEMUNHAL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
ADMISSIBILIDADE
PROVA PLENA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / ARRENDAMENTO URBANO / DIREITO DE PROPRIEDADE / DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 646.º, 712.º, N.º 4, 684.º-A, 729.º, N.º 3 E 730.º, N.ºS 1 E 2; NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) ART. 607.º; CÓDIGO CIVIL: ART. 350.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO STJ DE 07-01-1993, PROC. N.º 079811; 03-02-1999, PROC. N.º 98ª1277; 10-07-2008, PROC. N.º 08B1846; 18-11-2008, PROC. N.º 08B2758; 30-09-2010, PROC. N.º 414/06.2TBPBL.C1.S1; 07-07-2010, PROC. N.º 2273/03.8TBFLG.G1.S1; 21-05-2009, PROC. N.º 08B1466; 01-06-2010, PROC. N.º 3003/04.2TVLSB.L1.S1; 24-05-2012, PROC. N.º 850/07.7TVLSB.L1.S2
Sumário :
I - Constando da escritura pública que formalizou o contrato que o arrendamento incidia sobre «parte do rés-do-chão do prédio (…), composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde», nada obsta a que se prove que a vontade real e inicial das partes foi a de incluir no objecto do contrato o barracão que existia na traseira da fracção.

II - Um contrato de arrendamento celebrado em 1959, como é o caso do dos autos, deve ser interpretado à luz da lei em vigor à data da sua celebração - Código Civil de 1867 - sendo que esta, no seu art. 684.º, dispunha que «a intenção dos contraentes se há de descobrir nos termos, natureza e circunstâncias do contrato» ou ainda no «uso, costume ou lei».

III - É admissível a pretensão da ré de provar que o arrendamento abrangia também o barracão, não consubstanciando tal pretensão a prova de uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo de um documento autêntico, insusceptível por isso, de ser provada por testemunhas e/ou presunções judiciais.

IV - Uma escritura pública, enquanto documento autêntico, apenas prova plenamente que os declarantes emitiram as declarações que dela constam; a sua força probatória não abrange o sentido dessas declarações, só alcançável mediante a respectiva interpretação.

V - Não tendo sido executada a decisão de anulação do anterior acórdão, para que a Relação procedesse à apreciação da impugnação da matéria de facto, no ponto relativo a saber se as partes, quando contrataram, acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão, nos termos previstos no (então) nº 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil, cabe determinar à Relação que proceda ao cumprimento respectivo.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU instauraram uma acção contra VV, Lda., pedindo a sua condenação a reconhecer que “são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a R. indevidamente construiu a cozinha”, a “repor o espaço como se encontrava quando o ocupou”, “a restituir aos AA o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens”, “a remover o toldo da fachada principal, por exceder o espaço arrendado”, “a remover o reclame luminoso junto do 1º andar” e “a indemnizar os AA, caso lhes seja indeferido o pedido de subsídio camarário para obras no prédio, devido às obras efectuadas pela R., no valor que deixarem de receber”, a liquidar “se não for quantificável”.

Para o efeito, e em síntese, os autores alegaram que os réus, arrendatários de uma fracção autónoma de que são proprietários, construíram uma cozinha num barracão não abrangido pelo arrendamento, ocupando terreno de que são proprietários e realizando obras ilegais.

A ré contestou, sustentando que toda a área ocupada faz parte do arrendamento.

Após diversas vicissitudes, a acção foi julgada totalmente improcedente, pela sentença de fls. 339; mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 420, que condenou a ré “a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a Ré construiu a cozinha; a repor esse espaço no estado em que o mesmo se encontrava quando a Ré o ocupou; restituir aos Autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens.”

Este acórdão foi anulado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 534, para que a Relação, através dos mesmos juízes, se possível, apreciasse a impugnação da resposta ao quesito 8º da base instrutória, deduzida pela recorrente VV, Lda, no recurso de apelação, ao abrigo do anterior artigo 684º-A do Código de Processo Civil.  Conforme se disse nesse acórdão, “nos termos previstos no nº 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil, na versão aplicável, essa apreciação deve, mesmo “oficiosamente, atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, o que implica o controlo das presunções extraídas dos factos instrumentais havidos como provados em 1ª Instância, de forma a eliminar eventuais contradições e a proporcionar uma base de facto suficiente para a decisão de direito.”


2. Na sequência dessa anulação, veio a ser aprovado o acórdão de fls. 563, que novamente revogou a sentença recorrida e condenou a ré “a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a Ré construiu a cozinha; a repor esse espaço no estado em que o mesmo se encontrava quando a ré o ocupou; a restituir aos autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens.”

A Relação começou por observar ser incorrecta a afirmação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 534, no sentido de que «A Relação poderia ter interpretado a resposta ao quesito 8º no contexto da sentença e da fundamentação do julgamento de facto, nas quais se explica expressamente que o tribunal respondeu negativamente considerando o apenas as provas directas, das quais entendeu não resultar, nem que o arrendamento abrangia o espaço do barracão, nem que o não abrangia. Essa interpretação, que assim se conjuga com as restantes considerações expendidas na sentença, no sentido de concluir que o espaço do barracão foi “arrendado juntamente com o resto do locado”, poderia (formalmente) chocar com a separação de apreciações atrás referida; mas seria a única que respeita a unidade da fundamentação de facto em que assentou a decisão de improcedência da acção. Ao desconsiderar parte da fundamentação de facto, mantendo a resposta literal de não provado, mas eliminando os resultados das presunções e a respectiva justificação, a Relação acabou por manter um julgamento de facto que não corresponde à convicção formada pelo julgador da 1ª Instância, que manifestamente entendeu que o espaço do barracão integrava o arrendamento.”

Para o efeito, a Relação afirmou o seguinte: “(…) em princípio, nada obstaria – em tese – a que esta Relação interpretasse a resposta ao quesito 8º no contexto da sentença e da fundamentação do julgamento de facto  – nas quais se explica expressamente que o tribunal respondeu negativamente considerando apenas as provas directas, das quais entendeu não resultar, nem que o arrendamento abrangia o espaço do barracão, nem que o não abrangia – interpretação essa que – segundo o STJ – se conjuga com as restantes considerações expendidas na sentença, no sentido de concluir que o espaço do barracão foi ‘arrendado juntamente com o resto do locado’.

Ocorre, porém, que, nos termos do art. 351º do Cód. Civil, ‘as presunções judiciais só são admissíveis nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal’. (…) Ora, o nº 1 do art. 394º do Cód. Civil declara inadmissível a prova por testemunhas ‘se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico …, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas, quer seja posteriores’.

(…) De sorte que, no caso em apreço, estando provado – por documento autêntico (escritura pública) – que aquilo que foi dado de arrendamento à sociedade ora Ré, pelo então proprietário do imóvel (WW) foi, tão só, ‘a parte do rés-do-chão do prédio referido em a), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde’, nunca seria admissível provar-se, por testemunhas, que, afinal, o objecto desse arrendamento era mais amplo, também abrangendo o espaço do barracão”.

A Relação concluiu assim que “não é legalmente possível estabelecer-se, por presunção judicial, que o espaço correspondente ao barracão que a Ré começou a utilizar logo desde 1/3/1959 (…) e onde mais tarde (em 1980) instalou uma cozinha, também lhe foi dado de arrendamento conjuntamente com ‘a parte do rés do chão do prédio referido em a), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde’. E, portanto, a questão em litígio teria de ser resolvida segundo as regras do ónus da prova.


3. No que toca à impugnação da matéria de facto julgada em resposta ao quesito 8º, a Relação, após verificar que tinham sido observados os requisitos formais da impugnação da decisão de facto e que ia dar de barato que o facto ali contido (se, aquando da aludida escritura pública intitulada de ‘arrendamento’, outorgada em 17/2/1959, as partes acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão supra indicado)”, “era, em si mesmo, susceptível de ser provado por testemunhas – o que (como vimos supra) nem é sequer o caso, em vista da proibição estabelecida no cit. artigo 394º, nº 1, do Código Civil, dado tratar-se de uma convenção contrária ou, pelo menos, adicional ao conteúdo da escritura pública outorgada em 27.02.1959”, repetiu as considerações que fizera sobre os depoimentos que analisou, concluindo nada provarem para além do “facto em si mesmo: o barracão foi usado pela sociedade arrendatária desde que abriu o restaurante e sem oposição de ninguém (…). Só em 2003 é que os AA. se opuseram, pela 1ª vez, a essa utilização do espaço correspondente ao barracão/cozinha por parte da Ré, através da acção judicial de despejo julgada improcedente(por erro na forma processual utilizada: despejo em lugar de reivindicação)”.


4. VV, Lda, recorreu novamente para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que o Tribunal da Relação de Lisboa não cumpriu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 534 e, consequentemente, que devia ser anulado, “para que cumpra o determinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/2013”.

. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

“1. Cumpria à Relação, como lhe foi determinado pelo Supremo Tribunal, interpretar a resposta ao quesito 8º da Base Instrutória no contexto da sentença e da fundamentação do julgamento de facto, nas quais se explica expressamente que a resposta a tal quesito considerou apenas as provas directas, recorrendo às presunções naturais, como o fez a sentença, mas modificando tal resposta.

2. o que o acórdão recorrido não fez, alegando que as presunções naturais só são admitidas quando o é a prova testemunhal, sendo que, in casu, esta não o é.

3. Sem razão, porém e salvo o devido respeito, dado tratar-se de interpretar/perceber o alcance e significado de uma cláusula contratual de um contrato de arrendamento titulado por escritura pública – documento autêntico –, não sendo pois proibida a prova testemunhal, para tal fim. Por outro lado,

4. o acórdão recorrido também não respeitou a determinação do Supremo Tribunal, face à impugnação da factualidade do quesito 8º pelo ora Recorrente, dado não ter interpretado e solucionado a contradição entre a resposta ao quesito 8º BI e a fundamentação do julgamento de facto, recorrendo a presunções judiciais, de que fez letra morta.

5. Acresce ainda que, caso o tivesse feito e propendesse para manter inalterada a resposta, cumpria-lhe anular a sentença da 1ª instância, por contradição na fundamentação de facto, o que também não fez. Finalmente,

6. Sempre a pretensão dos Recorridos estaria votada ao insucesso, dado ocorrer um flagrante abuso de direito pela sua parte, na modalidade de venire contra factum proprium.

7. Violou o acórdão recorrido o disposto nos arts. 351 e 194, 1, CC, 712, 2 e 4 CPC (revisto) e 334 CC, por erro de interpretação e aplicação da lei aos factos,

8. sendo o referido o sentido em a devem ser interpretadas as normas jurídicas violadas.”


Os recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do que se decidiu no acórdão recorrido.


5. O acórdão recorrido manteve, portanto, a matéria de facto provada, desconsiderando a conclusão retirada na sentença de que o arrendamento abrangia o barracão em litígio, em termos para os quais se remete.


6. Está pois em causa saber se o acórdão recorrido cumpriu a determinação do Supremo Tribunal de Justiça; e se, em qualquer caso, se verifica ou não abuso de direito, por parte dos autores.

Cabe então, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, observar o seguinte:

No acórdão agora recorrido, a Relação considera que o objecto do contrato do arrendamento foi apenas ‘a parte do rés-do-chão do prédio referido em a), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde’ e que, ao sustentar que o arrendamento abrangia também o barracão, a recorrente está a pretender provar uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo de um documento autêntico; e que tal convenção é insusceptível de ser provada por testemunhas e, portanto, por presunções judiciais, nos termos do disposto nos artigos 394º, nº 1 e 351º do Código Civil.

Trata-se manifestamente de uma fundamentação totalmente ausente do primeiro acórdão, em rigor, incompatível com a que ali foi seguida, no que toca à determinação do objecto do arrendamento. Esta nova fundamentação, aliás, tornaria inútil a análise que se faz no acórdão anulado sobre a “prova” por presunções e sobre o recurso da decisão sobre a matéria de facto, por estarem apenas em causa presunções judiciais e depoimentos de testemunhas; e é igualmente incompatível com a conclusão de que “a dúvida sobre a inclusão (ou não) no objecto do arrendamento em vigor desde 1/3/1959 do aludido espaço físico correspondente a um dos dois barracões (…) não pode senão ser resolvida, nos termos do art. 516º do C.P.C. de 1961, contra a Ré, por ser ela a parte a quem tal facto aproveitaria”, uma vez que, na perspectiva agora adoptada pela Relação, estaria provado que o arrendamento não incluía o barracão, pretendendo os réus demonstrar um acordo contrário ou adicional a esse conteúdo;

Está em causa um contrato celebrado antes da entrada em vigor do Código Civil de 1966. Ainda que aquela qualificação da questão fosse correcta, que não é, haveria que demonstrar que tal exclusão da prova testemunhal (e das presunções judiciais) existia à data do contrato ou, em alternativa, que era possível a aplicação retroactiva daquelas regras do Código Civil de 1966;

Seja como for, não estão em causa convenções contrárias ou adicionais a nenhum contrato. O que se discute, nesta acção, é o conteúdo inicial do contrato de arrendamento: se, desde o início, abrangia ou não o barracão; e só esta definição do litígio é que é compatível com o primeiro acórdão da Relação. O que se discute é a interpretação do contrato de arrendamento celebrado pela escritura pública de 27 de Fevereiro de 1959. Ao entender que se trata de provar uma convenção contrária ou adicional ao respectivo conteúdo, o acórdão recorrido parte do princípio de que o contrato tinha inicialmente um determinado conteúdo não abrangia o barracão, no que agora interessa e que, para que a sua defesa possa proceder, a ré tem que fazer prova de que esse conteúdo foi alterado, convencionando-se que passava a compreender o barracão;

– Esta afirmação, do acórdão recorrido, de que, “no caso em apreço, estando provado – por documento autêntico (escritura pública) – que aquilo que foi dado de arrendamento à sociedade ora Ré, pelo então proprietário do imóvel (WW) foi, tão só, ‘a parte do rés-do-chão do prédio referido em a), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde’, nunca seria admissível provar-se, por testemunhas, que, afinal, o objecto desse arrendamento era mais amplo, também abrangendo o espaço do barracão” tem naturalmente que ser devidamente entendida. Só está “provado – por documento autêntico (escritura pública)” que os declarantes emitiram as declarações que dele constam; a força probatória do documento não abrange o sentido dessas declarações, só alcançável mediante a respectiva interpretação; discutir esse sentido não põe em causa a prova da escritura;

Não resulta da lei actual (nem resultava da lei vigente à data da celebração do contrato) qualquer proibição de utilização de testemunhas e do recurso a presunções judiciais para fazer prova da vontade real das partes de um contrato, ainda que constante de documento autêntico; diferente será saber se um contrato solene poderá valer segundo essa vontade real e se ela tem ou não tradução suficiente na forma legalmente exigida;

O contrato de arrendamento dos autos foi celebrado por escritura pública, de acordo com a lei vigente à data da sua celebração. Para o interpretar, há que recorrer igualmente à lei em vigor nessa mesma altura e nomeadamente à regra constante do artigo 684º do Código Civil de 1867, segundo a qual a “intenção ou vontade dos contraentes”se há-de descobrir dos “termos, natureza e circunstâncias”do contrato, ou do uso, costume ou lei”. Como esclarecia Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.II, Facto jurídico, em especial negócio jurídico, 2ª reimp., Coimbra, 1987, pág. 311, “do artigo 684º tira-se a seguinte norma de interpretação: os contratos devem ser interpretados conforme os seus termos, natureza e circunstâncias’ e ainda conforme o ‘uso, costume ou lei’”, procurando alcançar “aquele sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável” e tendo naturalmente em conta os condicionalismos resultantes de se tratar da interpretação de um negócio formal;

O acórdão recorrido procedeu à reapreciação da decisão de facto, repetindo a conclusão anteriormente alcançada da audição dos depoimentos das testemunhas, assim deixando claro que a concepção restritiva dos poderes de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, exposta no primeiro acórdão e censurada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não tinha qualquer consequência prática diferente da que o Supremo fez prevalecer; mas não confrontou essa conclusão com as presunções judiciais expostas na sentença, como o acórdão anulatório determinara.


7. Tanto basta para que tenha de proceder o recurso, uma vez que a Relação não procedeu à apreciação da impugnação da resposta ao artigo 8º nos termos determinados pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 534. Ou seja, e repetindo o que se recordou já: «essa apreciação deve, mesmo “oficiosamente, atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, o que implica o controlo das presunções extraídas dos factos instrumentais havidos como provados em 1ª Instância, de forma a eliminar eventuais contradições e a proporcionar uma base de facto suficiente para a decisão de direito.»

Mais uma vez, fica por apreciar a alegação de abuso de direito, porque se mantém o obstáculo já presente no acórdão de fls. 534, que se transcreve: “a perspectiva com que poderá ser analisada depende essencialmente da conclusão de facto a que a Relação chegar, quanto ao âmbito do contrato de arrendamento dos autos.”


8. Nestes termos, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que a Relação cumpra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2013, de fls. 534.


Custas pela parte vencida, a final.


Lisboa, 02 de Outubro de 2014


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego