Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
026855
Nº Convencional: JSTJ00008412
Relator: ROBERTO MARTINS
Descritores: REINCIDENCIA
HOMICIDIO VOLUNTARIO
OFENSAS CORPORAIS VOLUNTARIAS
NATUREZA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194907120268553
Data do Acordão: 07/12/1949
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 26-07-1949; BMJ N14 ANO1949 PAG81
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1949
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 18 ARTIGO 35 PAR2 ARTIGO 37 PARUNICO ARTIGO 100 N3 ARTIGO 104 ARTIGO 350 ARTIGO 361 PARUNICO ARTIGO 362.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1947/04/09.
Sumário :
Para efeito de reincidencia, os crimes dolosos de homicidio e de ofensas corporais não são da mesma natureza.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


A foi condenado na comarca de Vila Real como autor do crime previsto no artigo 350 do Codigo Penal e punido segundo a regra 1 do artigo 104 do mesmo Codigo, e por se verificarem contra ele as agravantes da reincidencia e sucessão de crimes, na pena de 6 anos de prisão maior celular seguida de degredo por 10 com prisão no lugar de degredo por 5 anos, ou em alternativa, na pena de 20 anos de degredo com prisão por 5 anos no lugar de degredo em possessão de 1 classe.


Em virtude de recurso do Ministerio Publico e tambem do reu a Relação do Porto, confirmou a condenação do reu como autor do crime de homicidio frustrado, mas, não dando como provada a agravante da reincidencia alterou a pena em que o reu fora condenado, eliminando a condenação do reu a sofrer a pena de prisão no lugar do degredo que lhe fora imposta nos termos do n. 3 do artigo 100 do Codigo Penal.


O Ministerio Publico junto da Relação do Porto, recorreu para o Supremo Tribunal, pedindo a revogação do acordão na parte em que decidiu não serem da mesma natureza para efeito de reincidencia os crimes dolosos de homicidio e de ofensas corporais.


Pelo douto acordão de folhas 162 foi negado provimento ao recurso, confirmando-se inteiramente o acordão recorrido da Relação do Porto.
Pelo seu requerimento de folhas 168 o digno representante do Ministerio Publico junto da secção criminal declarou pretender recorrer para o Tribunal Pleno por se verificar oposição entre o acordão proferido pelo Supremo Tribunal, em 9 de Abril de 1947 e o agora proferido, recurso que foi admitido.


Pelo acordão de folhas 173 foram mandados seguir os termos do recurso para o Tribunal Pleno, por os dois acordãos terem sido proferidos no dominio da mesma legislação e se verificar a oposição entre eles a qual consiste em no acordão de 1947 se considerarem crimes da mesma natureza para efeito da reincidencia, os de homicidio voluntario e os de ofensas corporais voluntarias e no acordão ora recorrido se decidir que tais crimes não são da mesma natureza para efeito de reincidencia.
Na sua douta alegação de folhas 178, o Magistrado recorrente, procurando demonstrar que os crimes de que o reu era acusado são da mesma natureza, conclui por afirmar:


1 - Que crimes da mesma natureza são os que, com a mesma forma de culpa, revelam a mesma especial propensão criminosa do agente;


2 - Que os crimes de ofensas corporais voluntarias e homicidio voluntario são praticados com a mesma forma de culpa - o dolo;


3 - Que estes crimes revelam a mesma especial propensão do agente porque ambos revelam a sua tendencia em agir violentamente contra as pessoas;
4 - Que no acordão recorrido se violou o artigo 35 do Codigo Penal, na interpretação que fez dos crimes da mesma natureza;


5 - Que deve revogar-se o acordão recorrido e proferir-se assento em que se estabeleça que:


Os crimes de ofensas corporais voluntarias e homicidio voluntario são da mesma natureza para efeito de reincidencia.


Depois dos vistos legais cumpre decidir.
E assim:


O unico ponto que esta sub judice e o decidir-se se os crimes de homicidio voluntario e os crimes de ofensas corporais voluntarias são crimes da mesma natureza para efeito da reincidencia.


Dispõe-se no artigo 35 do Codigo Penal que se da a reincidencia quando o agente, tendo sido condenado por sentença passada em julgado por algum crime, comete outro crime da mesma natureza, antes de terem passado oito anos desde a dita condenação, ainda que a pena do primeiro crime tenha sido prescrita ou perdoada.


Em parte alguma do Codigo se diz o que sejam crimes da mesma natureza.
Esta expressão tem sido diferentemente interpretada quer nas decisões dos tribunais quer em escritos doutrinarios.


Impõe-se fixar-se o seu significado legal.


No artigo 18 do Codigo Penal estabelece-se que não e admissivel a analogia ou indução por paridade ou maioria de razão para qualificar qualquer facto como crime, sendo, sempre, necessario que se verifiquem os elementos essencialmente constitutivos do facto criminoso que a lei penal expressamente declarar.


Partindo deste artigo facil e concluir, como o fez o saudoso professor Marnoco e Sousa, que são crimes da mesma natureza aqueles que tem essencialmente os mesmos elementos constitutivos.


Ora, os elementos constitutivos do crime de homicidio voluntario e do crime de ofensas corporais não são, manifestamente, os mesmos.
No crime de homicidio ha um elemento fundamental: a intenção de matar que não se verifica nos crimes de ofensas corporais voluntarias.
Certo que os crimes de homicidio voluntario consumado, tentado ou frustrado são da mesma natureza porque em todos se verificam os mesmos elementos, e se nos tentados ou frustados se não segue a morte do ofendido, não e por vontade do agente, mas por causa ou motivo independente da sua vontade.


O crime de ofensas corporais voluntarias e, porem, da mesma natureza do crime previsto e punido pelo artigo 361, paragrafo unico, do Codigo Penal, porque, em ambos ha a ofensa corporal e não existe a intenção de matar posto no caso do paragrafo unico da ofensa resulte a morte do ofendido.
Apesar de no caso do paragrafo unico do artigo 361 resultar a morte do ofendido o proprio Codigo mostra que o legislador quis estabelecer uma nitida diferença entre a natureza do crime de homicidio voluntario e o do paragrafo unico do artigo 361.


De mais, quando um homicidio resulte de um acto intencional e outro de uma acto meramente culposo e o proprio paragrafo 2 do artigo 35 do Codigo Penal a declarar que se não da a reincidencia.
Donde resulta claro que o proprio legislador considerou a intenção como elemento basilar do crime para efeito da reincidencia.


Onde ha intenção de matar nasce a figura juridica do homicidio, quer ele seja consumado quer seja frustrado ou tentado.


Onde não se revela essa intenção surge, apenas, a figura juridica da ofensa corporal voluntaria.


Ja escrevia Navarro de Paiva: "assim a natureza do crime de homicidio revela-se pelos seus elementos componentes que são:


1 - Morte de um homem;


2 - A vontade ou intenção de matar. E, para abranger os casos de homicidio voluntario consumado, frustrado e tentado, escreveu: "a natureza do crime e a mesma: o atentado contra a existencia de um ser humano".
E basilar, nos crimes de homicidio a intenção de matar, de extinguir a existencia do ser humano: tal se não verifica nos crimes de ofensas corporais.
Nos crimes de homicidio e nos de ofensa corporal, não existe como se pondera no acordão de folhas a mesma especie do dolo, nem revelam esses crimes a mesma tendencia criminosa.


Como bem se ponderou no acordão recorrido, a intenção dessas duas classes de crimes, tem sentido de orientação completamente diferentes: comanda a acção contra a vida nuns delitos, e contra a integridade corporal nos outros, mesmo nos do paragrafo unico do artigo
361 do Codigo Penal.


Pelo exposto, e como assim, e de manter o acordão recorrido em que se fez justa e exacta aplicação da lei.


E, em cumprimento da lei tiram o seguinte assento:
"Para efeito de reincidencia, os crimes dolosos de homicidio e de ofensas corporais não são da mesma natureza".


Sem imposto por indevido.



Lisboa, 12 de Julho de 1949

Roberto Martins (Relator) - Artur A. Ribeiro - Rocha Ferreira - Pedro de Albuquerque - Campelo de Andrade -
- Jose de Abreu Coutinho - Bordalo e Sa - Antonio de Magalhães Barros - A. Cruz Alvura - (vencido porque a perigosidade das ofensas corporais tem de se aferir pelo artigo 362 do Codigo Penal e a intenção não e indice de diferenciação das duas agravantes porque o paragrafo 2 do artigo 35 tambem e aplicavel a sucessão como prescreve o paragrafo unico do artigo 37 do mesmo Codigo). - Mario de Vasconcelos (vencido; o fim da lei, com a gravante da reincidencia, e punir com maior rigor os criminosos que revelem uma determinada propensão para a pratica de certos crimes, considerados não sob o ponto de vista de tipo descrito no Codigo Penal, mas tendente a um fim identico. A natureza dos crimes para este fim especial, e a mesma, desde que em qualquer deles se atinja o fim na sua generalidade - na hipotese sub judice a integridade fisica da vitima - sem atender ao tipo normativo de certa actuação do agente dentro da especialidade.
A natureza de tais crimes e a mesma sob este aspecto, sem necessidade de atender a maior ou menor violencia do resultado. A tendencia do criminoso revela-se com uma orientação definida. O proprio Codigo Penal Espanhol, dos mais modernos, considera da mesma natureza para efeito de reincidencia o homicidio, infanticidio, aborto e as lesões, tudo subordinado ao titulo - "delitos contra as pessoas"). - Raul Duque (vencido pelos mesmos fundamentos dos doutos votos de vencido precedentes). - Alvaro Ponces (vencido pelos mesmos fundamentos). - Jaime de Almeida Ribeiro (vencido pelos fundamentos doutamente expostos nos dois primeiros votos de vencido) - A. Bartolo (vencido pelos mesmos fundamentos).