Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
330/04.2JAPTM-B.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHA
DEPOIMENTO
DOCUMENTO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/17/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Sumário :

I - Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença vêm taxativamente enunciados no art. 449.º do CPP, e visam o compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro.
II - O fundamento a que alude o n.º 1, al. d), da citada norma legal exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior, de certos factos ou meios de prova, agora apresentados; a questão que desde o início se coloca quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos.
III -A linha seguida, mais recentemente e praticamente sem discrepância, por este Supremo Tribunal é a de que não é necessário esse desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta, no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.
IV -Orientação esta que deverá ser perfilhada, mas com uma limitação: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal.
V - Há um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito e que resulta da redacção do art. 453.º, n.º 2, do CPP: o legislador revelou claramente, com este preceito, que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. Tal teria, na verdade, por consequência, a transformação do recurso de revisão – que é um recurso extraordinário –, num expediente que se poderia banalizar. Assim se prejudicaria, para além de toda a razoabilidade, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual
VI -Quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas não só.
VII - Na verdade, quanto aos novos meios de prova já conhecidos da parte interessada e ulteriormente invocados (e, necessariamente, quanto aos factos a que tais meios se reportam e de que se pretende convencer o julgador), o art. 453.º, n.º 2, do CPP, explicita que só serão admitidos como novos meios de prova, tratando-se de testemunhas, desde que o requerente justifique que se dera o caso, de as mesmas terem estado impossibilitadas de depor.
VIII - Ora, se assim é em relação a testemunhas nunca ouvidas, por maioria de razão terá que o ser em relação a quem esteve presente no julgamento, testemunha ou não, e pôde prestar todas as declarações que quisesse.
IX -Qualquer outro entendimento levaria a que, caso, por ex., os arguidos, durante o julgamento, se tivessem remetido ao silêncio, ao verem-se condenados, sempre poderiam vir interpor recurso de revisão, alegando que agora já pretendiam pronunciar-se sobre os factos. Ou possibilitaria que testemunhas já ouvidas viessem alterar ou acrescentar o depoimento prestando, servindo isso para fundamentar o pedido de revisão.
X - Muito embora a recorrente tenha fundamentado o seu pedido de revisão, naquilo que pessoas vivas e com paradeiro conhecido têm para dizer, não lançou mão da possibilidade de pedir a respectiva audição, facultada pelo art. 453.º do CPP. Optou, sim, por apresentar como novos elementos de prova “… documentos originais probatórios …”.
XI -É indefensável pensar que, através de uma interpretação do n.º 2 do art. 453.º do CPP, precipitadamente a contrario, se não estiverem em causa testemunhas nunca ouvidas no processo, não haveria limites, para admissão do que quer que fosse, como “prova nova”.
XII - Concretamente, o facto de a suposta prova nova ter sido apresentada sob a forma de declarações escritas, as quais têm que ser encaradas, formalmente, como prova documental, em nada impede que se tenham que estabelecer restrições à sua apresentação, pelo contrário. Porque, indiscutivelmente, com a mediação resultante de uma audição, levada a cabo pela autoridade judiciária, poderá aferir-se, muito melhor, a relevância da nova prova apresentada, e, a partir dela, a eventual injustiça da condenação.
XIII - A simples diferença no suporte formal das declarações ou depoimentos veiculados, não tem qualquer relevância para efeito de restrições à admissibilidade de prova nova. O que está em causa, no caso, é o que as pessoas têm para dizer, e, sobretudo, porque é que o vêm fazer só tardiamente. Não o instrumento que usam para o fazer. A não ser assim, estaria encontrada uma forma muito simples de ser ignorada a razão de ser, e de ser ladeado o próprio comando do n.º 2 do art. 453.º do CPP. Em vez de indicar testemunhas o requerente juntava “um documento” com o respectivo depoimento escrito.
XIV - Assim, não tendo sido apresentados novos factos ou elementos de prova que possam levantar fortes dúvidas sobre a justiça da condenação, nega-se a revisão.
Decisão Texto Integral:

REVISÃO DE SENTENÇA

Em processo comum com o nº 330/04.2 JAPTM, por tribunal de júri, e no 1ª Juízo Criminal da Comarca de Portimão, a 11/11/2005, juntamente com o co-arguido seu irmão, foi condenada AA, na pena conjunta de 20 anos e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes p. e p. respectivamente nos art.ºs 131º e 132º nº 1 e 2 al a) e b) do C. P. [homicídio qualificado] e no art.º 254º nº 1 al. a) [ocultação e profanação de cadáver].
Interposto recurso para este S.T.J., a condenada obteve parcial provimento, sendo-lhe aplicada a pena única de 16 anos e 8 meses de prisão, por decisão de 20/4/2006, entretanto transitada em julgado a 6/7/2006 (Pº 363/06 desta mesma 5ª Secção).
A arguida interpõe agora recurso extraordinário para revisão de sentença, nos termos da al. d) do nº 1 art.º 449º do C.P.P., ou seja, por “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

A - PEDIDO

Transcreve-se o pedido formulado:

“AA, condenada nos autos supra referenciados, vem por este meio interpor Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, com base na alínea d) do n° 1 do artigo 449 do Código de Processo Penal ("Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação"), juntando em anexo para o efeito sete documentos originais probatórios num total de dezoito páginas, e dois documentos exactamente conformes os originais num total de três páginas. E assim procede com base legal no artigo 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 449, n° 1 ai. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 al. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461, 462 e 466, todos do Código de Processo Penal.
Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença para o Supremo Tribunal de Justiça
Excelentíssimos Juízes Conselheiros:
AA, condenada nos autos supra referenciados, vem por este meio apresentar Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, com base na alínea d) do n° 1 do artigo 449 do Código de Processo Penal ("Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação"), juntando em anexo para o efeito sete documentos originais probatórios num total de dezoito páginas, e dois documentos exactamente conformes os originais num total de três páginas. E assim procede com base legal no artigo 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 449, n° 1 ai. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 ai. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461,462 e 466, todos do Código de Processo Penal.
Pelo que passa a motivar em cumprimento dos termos legais.

A) INTRODUÇÃO
AA, doravante designada por Recorrente, foi condenada como co-autora do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132 n°s 1 e 2 alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão, e ainda condenada pelo crime de ocultação e profanação de cadáver, previsto e punido no artigo 254, n° 1, ais. a) e b), do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos de prisão, sendo que em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 16 anos e 8 meses de prisão efectiva. O Tribunal da matéria de facto que condenou por último a Recorrente foi o Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, no âmbito do Processo n° 330/04.2JAPTM do Tribunal de Júri do 1º Juízo Criminal, cujo acórdão foi alvo do Processo n° 363/06-5 no Supremo Tribunal de Justiça, tendo daqui resultado com trânsito em julgado a condenação e penas mencionadas. O homicídio a que a Recorrente foi condenada teria como suposta vítima a sua filha desaparecida BB.

A decisão proferida pelo último Tribunal da matéria de Direito (Supremo Tribunal de Justiça) a apreciar o processo não foi unânime, tendo dois Insignes Juízes Conselheiros, num total de cinco (diferença de apenas um voto), votado expressamente contra a condenação da Recorrente por homicídio da filha BB, por considerarem que o Tribunal de Júri "violou o princípio da presunção de inocência" e que como tal a condenação da Recorrente AA era "ilegal e inconstitucional" e poderia conduzir a um "sério e irreparável erro judiciário", conforme declaração de voto que ambos anexaram.


Pretende o presente Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença provar que os Insignes Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. DD e Dr. EE, tinham razão e que a Recorrente AA devia e deve ser absolvida do crime de homicídio a que foi condenada, pois foram entretanto descobertos novos factos e meios de prova que, de per si e combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam gravíssimas dúvidas sobre a justiça da condenação aplicada à mesma.
«Onde quer que um governo assuma para si a tarefa de livrar-nos do incómodo de pensarmos por nós mesmos, as únicas consequências resultantes são torpor e imbecilidade.» W... G...
B) JURISPRUDÊNCIA
De modo a apoiar a legitimidade, motivação e correspondentes suportes factuais argumentativos e documentais, e ainda a sustentação jurídica do presente Recurso de Revisão, passamos a transcrever diversos importantes excertos de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que nos amparam.
- Acórdão do STJ. Processo 003983. Data 26-04-95. Documento SJ199504260039834:

"Não se afigura que o requerimento a pedir a revisão padeça do deficit formal que lhe assaca o Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, nomeadamente quanto à sua motivação.
O recurso extraordinário de revisão traduz-se, sobretudo, num pedido que se formula mediante um requerimento, nos termos do artigo 451 do Código de Processo Penal. Tal requerimento deve ser sempre motivado, mas esta motivação não tem que obedecer aos termos previstos no artigo 412 do mesmo Código, relativos aos recursos ordinários. Nesta matéria da motivação do requerimento de revisão rege o aludido artigo 451 no seu n. 2.
O preceituado neste n. 2, quanto à motivação, é novo. O artigo 676 do anterior Código de Processo Penal de 1929 não exigia expressamente – mas já então se exigia que o requerimento da revisão devia conter uma exposição circunstanciada, demonstrativa de que o pedido tinha fundamento e se enquadrava em alguns dos números do artigo 673 desse Código de 1929.
Anota Maia Gonçalves ("Código de Processo Penal Anotado", 6. edição, 1994, página 633) que é neste sentido que o preceito do n. 2 do actual artigo 451 deve agora ser entendido, "mutatis mutandis".
Dispensa-se, pois, no requerimento da revisão o formalismo dos recursos ordinários.".

- Acórdão do STJ. Processo 03P1667, Data 09-07-2003. Documento SJ200307090016673:

""Os factos ou provas (novos) devem constituir uma grave presunção da inocência do condenado. Isto é: devem levantar graves suspeitas de inocência. Essas suspeitas podem ser levantadas só por esses factos ou provas ou por eles conjugados com outros elementos que já anteriormente constavam do processo. As suspeitas devem ser da inocência do condenado e não simplesmente da injustiça da condenação" - cfr. Luís Osório em Comentário do CPP 6o. vol. - p. 416 - citado no Ac. STJ de 4.6.05 in Proc. 1503/03-33 que subscrevemos como adjunto. Aí se escreveu também, citando doutrina francesa recente que: "... o pedido de revisão deve ser recebido logo que, após uma condenação se vem a produzir ou a revelar um facto novo ou um elemento desconhecido da jurisdição na data do julgamento, de tal natureza que faça nascer a dúvida acerca de culpabilidade do condenado". O recurso de revisão de sentença, integra-se ainda nas garantias de defesa do cidadão que não pode suportar, - e nem é socialmente tolerável que suporte - a injustiça de uma condenação. E é nestes casos que vem sempre ao de cima a velha autonomia do Direito: - Segurança por um lado e Justiça por outro.
CRP art. 29° n°. 6: "Os cidadãos injustamente condenados têm direito nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos". Significa isto que a intangibilidade do caso julgado não vale, a todo o transe, nem de forma absoluta.
Terá de ceder perante situações (e não são muitas, pois são contados, os casos previstos no artº. 449° CPP) reveladores de condenações injustas.".

- Acórdão do STJ. Processo 03P3471. Data 06-11-2003, Documento SJ200311060034715:

"Como tem sido frequentemente assinalado neste Supremo Tribunal (1), nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado. Daí que se tenha vindo a reconhecer que o caso julgado não tem efeitos substantivos; como caso julgado material, o seu valor em outros processos é um valor puramente processual, impeditivo da renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria. É simples exceptio judicati. (2). 'Porque o caso julgado, cortando cerce a possibilidade de busca da verdade material, restringe o ideal de justiça em razão da necessidade de segurança, faz-se sentir a sua imodificabilidade com mais rigor em processo civil do que em processo penal, por sua natureza vertido para a justiça real, e dificilmente acomodatício às ficções de segurança, obtidas à custa do sacrifício de valores morais essenciais'(3).
Em idêntico sentido pugna Figueiredo Dias (4) ao afirmar que embora a segurança seja um dos fins prosseguidos pelo processo penal, tal 'não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania'. Posto isto, diga-se que o legislador escolheu uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, solução que se revê na consagrada possibilidade limitada de revisão das sentenças penais.
Se a segurança é um fim do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se consubstancia na justiça.
O recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias de defesa, no princípio da revisão que resulta da Constituição ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos (n° 6 do artigo29°). A lei chamada pelo normativo constitucional está plasmada nos artigos 449.° a 466.° do CPP, admitindo a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.
(1) Cfr. o acórdão proferido em 20.03.2003, no processo n° 151/03-5, relatado pelo Conselheiro Simas Santos. (2) Cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, 1957, págs.37. (3) Ibidem, págs. 38. (4) Cfr. Direito Processual Penal, I, págs. 44.".

- Acórdão do STJ. Processo 07P2280, Data 20-09-2007. Documento SJ200709200022805:

"VI -Os factos ou provas são novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
VII - Uma tal novidade dos factos deve existir para o julgador, ainda que o recorrente os conhecesse já; "novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido os não ignorasse no momento do julgamento".".

- Acórdão do STJ. Processo 07P3172, Data 18-10-2007. Documento SJ200710180031725:

"II - No ordenamento português a revisão opera, não uma reapreciação do anterior julgado, antes, uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, mas com base em novos dados de facto. Ou seja, versa sobre a questão de facto.".

- Acórdão do STJ, Processo 08P1417. Data 14-05-2008, Documento SJ200805140014173:

"I - O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.
II - Um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de novos factos (art. 494.°, n.° 1, ai. d), do CPP), isto é, de factos cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal - embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar.".

- Acórdão do STJ, Processo 08P700. Data 14-05-2008, Documento SJ20080514007003:

"I - O fundamento de revisão de sentença previsto na ai. d) do n.° 1 do art. 449.° do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: a descoberta de novos factos ou meios de prova e que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Limitando o campo de aplicação da norma, o n.° 3 prescreve que, com fundamento na ai. d) do n.° 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
II - Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos, são unânimes a doutrina e a jurisprudência na afirmação de que deve entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.".

- Acórdão do STJ, Processo 08P2821. Data 23-10-2008, Documento SJ20081023028215:

"I - O STJ tem considerado, para efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, que os factos serão novos quando não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, mesmo que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar, e que sejam susceptíveis de levantar dúvidas graves sobre a culpabilidade do condenado.".

- Acórdão do STJ, Processo 08P1004. Data 08-05-2008, Documento SJ200805080010055:

"Como é sabido, um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado.
Contudo, tal valor não é absoluto, nem sequer é o mais importante, pois sobreleva o da justiça, particularmente quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana. Esse é o caso das condenações penais, onde são ou podem ser afrontados os direitos à liberdade, à honra e ao bom nome do condenado e onde, portanto, a imutabilidade da sentença que decorre do caso julgado tem de ceder sempre que se torna flagrante que foi contrariado o sentido de justiça. No confronto desses dois valores, a justiça e a segurança, o legislador em matéria penal opta por uma solução de compromisso, possibilitando, embora de forma limitada, o direito de rever as sentenças e os despachos que tenham posto fim ao processo, ainda que transitados em julgado. O Professor Figueiredo Dias (1) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, mas "isto não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania"". Por isso, o art.° 29.°, n.° 6, da Constituição da República prevê, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, sobre a aplicação da lei criminal, que "Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos"". E, na prossecução desse desiderato, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, prevê o de revisão, no art.° 449.° e segs. O recurso extraordinário de revisão "visa, assim, a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado, apoiando-se em vícios ligados à organização do processo que conduziu à decisão posta em crise.

Por via dele, vai operar-se não um reexame ou apreciação de anterior julgado, mas antes tirar-se uma nova derisão assente em novo julgamento do feito, agora com apoio em novos dados de facto. Temos assim que a revisão versa apenas sobre a questão de facto''' (2). Os fundamentos deste recurso extraordinário vêm taxativamente enunciados no art.° 449.° do Código de Processo Penal e são apenas estes: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.°s 1 a 3 do artigo 126.°; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça. É na hipótese prevista na al. d) que o recorrente fundamenta a sua pretensão, apoiando-se no art.° 449.°, n.° 1, ai. d), o qual determina que "A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando...se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" (3). O art.° 453.°, n.° 2, explicita, por sua vez, o que são novos meios de prova para o efeito legal da revisão, ao indicar que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor. E o que vale para as testemunhas vale para outro tipo de prova, pois a razão de ser é, em qualquer caso, a mesma. (1) . (2) ''''Código de Processo Penal Anotado", Simas Santos e Leal Henriques, 2000, II, 1043. (3) «Fundamentos da revisão exclusivamente pró rejo: (...) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados o com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Este fundamento, previsto na alínea d) do n.° 1 do art. 449.°, tem por antecedente o n.° 4 do art. 673.° do CPP/292, mas é mais amplo. Não se exige agora, porém, que os novos factos ou meios de prova, de per si ou combinados com os apreciados no processo, constituam forte presunção da inocência do arguido, mas tão-só que suscitem fortes dúvidas sobre a justiça da condenação. Assim, cabe agora no âmbito desta alínea a anterior previsão do n.° 5 do art. 673.° do CPP/29 (inimputabilidade do arguido anterior à condenação) e a diferente qualificação jurídica dos factos.
A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, INRI, Verbo, 1994, PS. 361 e SS.).".
Efectivamente todos os meios de prova aqui documentados e juntos, e os principais factos neles comprovados, são novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pela Recorrente no momento em que o julgamento teve lugar. Esta novidade dos factos existe para o julgador, ainda que a Recorrente os conhecesse já; "novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido os não ignorasse no momento do julgamento" (conforme Jurisprudência dominante do STJ).
Além do mais, também todos os signatários de todos os sete documentos originais probatórios juntos em anexo são testemunhas que foram ouvidas na altura no processo. E assim também se cumpre o estipulado no n° 2 do art. 453 do CPP. Pelo que passamos a analisar cada um destes documentos.
As leis e as constituições que pela violência governam aos povos são falsas. Não descendem do estudo e do comum ascenso dos homens. São filhas de uma minoria bárbara, que se apoderou da força bruta para satisfazer sua ganância e sua crueldade.»
R.....B.....

C - NOVOS FACTOS E MEIOS DE PROVA
Em 15 de Janeiro de 2009, a Recorrente decidiu relatar - pela primeira vez livre de qualquer forma de coacção - tudo o que sabia sobre o desaparecimento da sua filha BB. Em consequência, deu origem à declaração / confissão junta em anexo em original, a qual datou e assinou em todas as páginas (em número de oito). É o seguinte o teor deste documento:
"Declaração
Eu abaixo assinado AA, reclusa n° 34 do Estabelecimento Prisional de Odemira, no dia de hoje 15 de Janeiro de 2009, confesso e juro ser esta toda a verdade que conheço a respeito do desaparecimento da minha filha BB:
- Que o meu irmão CC convenceu-me no dia em que chegou à minha casa na Figueira (na madrugada do dia 12 de Setembro de 2004) que eu não tinha condições económicas para cuidar de três filhos, que eles iam ser uns miseráveis como eu, sem futuro e sem dinheiro e sem estudos. Que ele conhecia um casal que não podia ter filhos e que ele lembrou-se que podiam ser uma nova família para pelo menos a BB, pois a FFe o GG eram muito pequenos e todos iam desconfiar se algum deles desaparecesse. A BB podia dizer que tinha sido raptada.
Que a BB ficaria bem entregue, a uma família que lhe ia dar tudo, pois tinham dinheiro. Que ele os conhecia e garantia serem de confiança, que nunca fariam mal à BB, que só queriam ter uma filha que não puderam ter. Que a BB seria levada para o estrangeiro, e que eu nunca mais a poderia ver pessoalmente, mas que eles fariam o possível por darem notícias a mim dela e até enviar algumas fotos dela quando fosse mais crescida. Que ele (o CC) era meu irmão e que eu podia confiar nele, pois ele também quereria o melhor para a BB. Que tinham que inventar uma história para o desaparecimento da BB, pois pela lei eu não poderia dar a BB como filha adoptiva a este casal desta maneira, porque a lei de Portugal não o permitia. Mas que eu não me preocupasse, pois a BB ia ser muito bem tratada e seria o melhor para o futuro dela. Ao início eu recusei, mas ele tanto insistiu que me conseguiu fazer acreditar que o que ele dizia era na verdade o melhor para os meus filhos. Que eu ia receber uma ajuda financeira para poder criar bem os meus dois filhos mais novos (FF e GG). Que tudo iria correr bem, ele iria falar com a BB explicando-lhe o que iria acontecer. Estava já tudo combinado. Eu acreditei e confiei no meu irmão CC. Ele chegou no dia 12 já para esse fim. Eu nunca conheci ninguém dessas pessoas que ele me falou que iriam levar a BB para o estrangeiro. Mas sempre me garantiu que eram de confiança e que ele ponha as mãos no fogo por essas pessoas. Combinou tudo para as 20 horas.
Então pediu-me para ir buscar a BB pouco depois das 18 horas à casa da minha sogra HH. Eu fui, levei a BB para casa e à minha frente ele disse-lhe que ela ia ter uma boa surpresa nesse dia, pois iriam fazer uma grande viagem. A BB ficou contente, quis saber mais, mas ele não lhe disse muitos detalhes, que mais tarde ela iria saber. Os meus filhos mais novos estavam brincando mas não ouviram nada, pois embora estivessem na sala estavam afastados. Às 20 horas mandei a BB fazer as tais compras à Pastelaria ...... Mal a BB saiu, o CC guardou várias roupas delas num saco de plástico, não mais voltando nem com o saco, nem com a BB. Eu sabia que ele iria entregar a BB a esse casal assim que ela regressasse a casa das compras, mas sem entrar. O CC disse-lhe que ambos devíamos fazer crer que a BB fora raptada por desconhecidos. Só uma hora e meia depois voltei a ver o CC, mas ele chegou sem dinheiro, o tal dinheiro que ele disse que o casal me iria dar para ajudar os meus filhos mais novos. Perguntei-lhe o que se passara. Ao início ele não me respondeu, dizia apenas que tudo tinha corrido bem. Só depois vi sangue na parte inferior das calças dele. Fiquei alarmada. Perguntei-lhe pela BB.
Então ele disse-me que as coisas não tinham corrido bem. Que os "gajos" (citação) não tinham o dinheiro. Que a BB já sabia de tudo, que ele tinha-lhe dito que ela ia passar umas férias para Espanha com um casal de amigos.
Que ela ouviu depois a discussão que ele (CC) teve com os "gajos" e percebeu que "iria de vez". Que eles não a levaram porque ele não a deu porque não existia o dinheiro. Que mandou os "gajos" embora e então a BB começou a dizer que ia contar tudo. Que ele deu-lhe uma estalada.
Que ela protestou ainda mais. Que ele deu outra, mas ela não se calava. Que descontrolou-se e que a miúda morrera. Que o corpo estava escondido para ele se desfazer dele mais tarde. Entrei em pânico. Mas ele disse-me que já não servia de nada, que se me ouvissem íamos os dois para a cadeia, pois estávamos ambos metidos naquilo. Eu gritei-lhe que não matei a BB, ele respondeu-me que se eu não a matei pelo menos a queria vender. Depois de uma grande discussão, concordei em não dizer nada. Mais tarde, ele disse-me que tinha enterrado o corpo "lá para cima nos montes da Figueira". Tive medo. Chorei muito pela minha filha. Rezei por ela. Sei que não a matei. Mas tive medo que fosse presa por ter tentado vender a BB. Eu só queria o melhor para ela. Mas as pessoas talvez não compreendessem. Decidi desde então que nunca passei por nada disso, e que diria sempre que não sabia de nada, tal como o assassino meu irmão disse que iria fazer. Eu já não podia trazer a BB de volta. Quando fui espancada pela Polícia Judiciária, que é verdade que o fui tal como o disse no Tribunal de Faro, assinei o que eles queriam que eu assinasse, nem sequer li o que era. Eu nunca disse nada, apenas disse o que eles queriam, o que eles escreveram, que só mais tarde vim a saber o que foi. Eu não matei a BB. O Sr. II sabe disso, então porque mandou me espancarem? Porquê? Porquê estou presa pelo assassinato da minha filha BB? Porquê? Eu não a matei! Quem a matou foi o monstro do meu irmão, o CC. A Polícia sabe disso...
Porque me prenderam? Errei, confiei no monstro do CC, arrependo-me do que fiz, mas só queria o melhor para os meus filhos, para a BB. Perdoa-me BB. Minha querida, meu anjo, daí do Céu, minha querida BB, perdoa-me.
Odemira, 15 de Janeiro de 2009
AA'''
O actual Mandatário da Recorrente sabia perfeitamente que esta confissão da sua constituinte não era suficiente para provar os factos nela relatados. Lembremo-nos que a condenação da Recorrente baseou-se não só nas suas falsas confissões arrancadas pela equipa da Polícia Judiciária responsável pelas investigações sob brutal e cruel tortura (de que resultou o processo criminal n° 1503/04.3TAFAR no qual o Tribunal de Júri de Faro já deu por provado por acórdão unânime que a Recorrente foi brutalmente torturada pela mesma Polícia), mas também e sobretudo nas falsas acusações proferidas contra si pelo irmão CC, que até Maio deste ano sempre incriminou a Recorrente por co-autoria do homicídio da menina BB. Sabendo isto, o actual Advogado da Recorrente decidiu se deslocar no dia 18 de Maio deste ano ao Estabelecimento Prisional da Carregueira (em Sintra), onde se encontra preso CC, e confrontá-lo com a livre e verdadeira confissão da Recorrente. Porque o irmão persistia nas falsas acusações contra a irmã AA, o Mandatário da Recorrente decidiu então fazer "bluff': disse a CC que tinha recebido informações que um recluso, condenado a mais de vinte anos de prisão por homicídio, tinha recebido ordens para pedir transferência para o Estabelecimento Prisional da Carregueira com o objectivo de assassiná-lo; que o presente Mandatário da Recorrente havia tomado conhecimento de tal facto por fonte policial, dado que vários telefones públicos de estabelecimentos prisionais - entre os quais esse - encontram-se sob escuta; que na conversa interceptada o interlocutor do recluso parecia bastante preocupado com a possibilidade de CC vir a revelar sob pressão dados importantes sobre aqueles que tentaram comprar BB, na sequência das revelações públicas deste ano da irmã AA, sendo que tanto o (imaginado) recluso como o seu (imaginado) interlocutor fariam parte dessa rede criminosa; que não foi possível à Polícia identificar o mesmo interlocutor, mas que esse recluso já havia dado instruções a familiares para irem viver para a zona de Belas - Sintra, de modo a conseguir o deferimento da sua transferência; que na (imaginada) conversa telefónica o interlocutor prometeu-lhe em troca muito dinheiro a ser entregue aos seus mesmos familiares, e que lhe explicou em poucas palavras que ele só tinha que simular um suicídio para encobrir o assassinato de CC; que nós poderíamos impedir essa transferência se o CC finalmente contasse toda a verdade sobre o desaparecimento da AA, mas que se não o fizesse, nada seria feito por nós e CC seria assassinado dentro de menos de três meses. Ora, na verdade, se a declaração da Recorrente fosse falsa, e como tal se não tivesse existido qualquer tentativa de venda da menina por parte de CC, este não teria nada a temer, e de tal história inventada poderia, no máximo, se rir. Só que não foi essa a reacção de CC. Na verdade, este transpareceu de imediato uma enorme aflição e, após alguns segundos de hesitação, questionou o Mandatário da Recorrente sobre se era mesmo possível impedir a transferência desse recluso. Ao que o Advogado da Recorrente respondeu afirmativamente desde que CC também colaborasse e revelasse toda a verdade sobre o desaparecimento da criança AA. E logo de seguida, CC admite finalmente que "tentou vender a BB". O Mandatário da Recorrente insistiu que era necessário que ele revelasse todos os detalhes, inclusivamente quem eram os tais criminosos que tentaram comprar a BB e que, se a venda não chegou a ser concretizada, onde estava então a menina. CC mostrou-se bastante temeroso quanto à revelação desses criminosos, e negou-se peremptoriamente a fazê-lo enquanto não tivesse provas que seria protegido contra o tal "recluso que o queria assassinar". Recusou-se também a revelar o paradeiro do corpo da menina. Disse que até ter as tais provas de que ia ser protegido, só admitiria que de facto "tentou vender a BB sua sobrinha". Revelando-se inúteis as insistências do Mandatário da Recorrente para que CC contasse todos os pormenores do sucedido, acabou então por pedir a CC que pelo menos confessasse por escrito aquilo que já estava disposto a revelar, sendo que aquele acedeu como condição para obter a tal imaginada protecção da tal imaginada história. E daqui resultou o importantíssimo documento original junto em anexo na presente peça processual, escrito pelo próprio punho de CC, e assinado pelo mesmo no dia 18 de Maio deste ano, novo documento que corrobora toda a essência dos novos factos revelados em Janeiro último pela Recorrente. É o seguinte o teor do respectivo documento:

"Declaração
Eu abaixo assinado CC, recluso n° 470 do Estabelecimento Prisional da Carregueira, confesso que tentei vender a minha sobrinha BB.
Por ser verdade assino a presente confissão.

Sintra 18, Maio 2009
CC".
Como já se explanou no ponto anterior destes articulados, esta confissão de CC é fundamental, pois constitui em si um verdadeiro atestado de inocência da Recorrente AA quanto ao homicídio da filha BB. Isto porque havia sido sempre apenas CC que incriminara AA por co-autoria no homicídio da menina. Sublinhe-se também que CC confessa que "tentou vender" e não que vendeu. Se tivesse afirmado que "vendeu", implicaria nesse caso que a venda teria ocorrido com sucesso, e que BB não teria sido assassinada por ele, o que desmentiria AA. Mas CC não diz que vendeu, mas sim que "tentou vender", o que é muito diferente! De facto, pela primeira vez CC assume que tentou vender a criança, e que a venda não chegou a ser concretizada! Ora, se não chegou a ser concretizada, que destino deu ele à criança pois se ele foi o responsável pela sua "tentativa de venda"? BB está desaparecida há quase cinco anos. Tendo CC "tentado vender" a menina, será lógico e consequente que só ele saiba o fim e paradeiro da BB, corroborando assim a verdadeira confissão de AA de que, fruto do insucesso da "venda" que CC organizou, este veio depois a assassinar a menina e a esconder algures o seu cadáver. Recorde-se que CC era já na altura um cadastrado, tendo sido condenado em 10 de Novembro de 1993, a quatro anos de prisão efectiva por tentativa de homicídio (tentou matar uma pessoa com uma caçadeira, a troco de 20 contos e uma mota, e embora não tenha tido sucesso, o disparo deixou a vítima com uma mão desfeita). Além desta pena, cumpriu ainda outras por diversos crimes, conforme comprova o seu Registo Criminal, constante a folhas 507 a 510 do 2º Volume dos autos. Segundo várias testemunhas, inclusivamente algumas indicadas no presente Recurso de Revisão, CC nunca se arrependeu dos crimes que praticara, e até se vangloriava de já ter dado um tiro numa pessoa. Além do mais, nos longos anos que já havia passado na prisão, CC teve muitas oportunidades para encetar conhecimentos com a mais variada índole de violentos criminosos afins, muito provavelmente também com aqueles que lhe abriram as portas para a confessada "tentativa de venda" da menina BB, muito infelizmente sua sobrinha. Ao contrário da mãe da menina, que nunca antes fora condenada por qualquer crime, e cujos conhecimentos restringiam-se quase unicamente aos seus vizinhos e familiares. E havia de ser logo um destes últimos o assassino da sua filha BB.
10°
Outra nova prova documental que avança com novos factos que confirmam os contornos materiais das confissões acima transcritas, provém exactamente duma testemunha fulcral que conhece perfeitamente ambos os condenados, e que se encontra numa posição segura e fidedigna, precisamente por ser mãe de ambos. Efectivamente JJ é a progenitora tanto da Recorrente AA como do seu irmão CC. E após ter conhecimento das genuínas confissões de ambos os filhos, decidiu avançar com o relato de novos factos que nos ajudam a compreender a veracidade dessas mesmas confissões e as corroboram em diversos importantes aspectos. Residente em Montes Grandes, Concelho de Silves, JJ escreveu e assinou o respectivo documento original junto em anexo, cujo o teor é o seguinte (erros ortográficos corrigidos):

"Declaração
Eu abaixo assinado JJ, portadora do Cartão de Cidadão 0000000, Mãe de AA e de CC , venho por este modo declarar que conheço muito bem ambos estes meus filhos, e que juro que a minha filha AA nunca batia na minha neta BB. Também juro por minha honra que esta minha neta sempre disse o melhor da mãe e que gostava muito de viver com ela. Também juro que conhecendo o meu filho CC como conheço, sei que ele era capaz de fazer tudo para conseguir dinheiro para a droga, pois há muito tempo antes da BB desaparecer que ele não trabalhava e que era consumidor duma droga considerada pesada, não sabendo exactamente se era cocaína ou heroína, mas sendo de certeza uma destas. O CC tornava-se muito violento quando não conseguia a droga e era capaz mesmo de me ameaçar de morte.
Acredito portanto na confissão da AA e do CC, ambos os meus filhos, quando confessaram que a BB minha neta, filha da minha filha AA, foi tentada vender pelo CC. Acredito finalmente que a confissão do CC meu filho, de 18 de Maio deste ano, é verdadeira e é ele o CC o único responsável pelo desaparecimento da minha neta AA de 8 anos. Portanto suplico que seja feita justiça e que a minha filha AA seja libertada e o meu filho CC pague por o que fez à menina.
Montes Grandes Silves
1 de Junho de 2009
JJ".
11°
Mais uma testemunha anteriormente ouvida no processo, avança com novos factos por meio de novo documento que escreveu e assinou, cujo original consta em anexo na presente peça processual. Estes factos mais uma vez corroboram as declarações supra transcritas, e vêm duma pessoa completamente independente que não tem na actualidade qualquer relacionamento com os sujeitos processuais, mas que na altura convivia permanentemente com a Recorrente e sua filha BB, pois quando a menina desapareceu já morava há cerca de 3 meses com ambas na mesma casa (de notar que esta testemunha apresentou igualmente participação criminal contra vários elementos da Polícia Judiciária, inclusivamente contra II, pela tortura de que também foi vítima na altura). De facto, KK residente actualmente na Rua .............l, n° ......,..., Lagoa, declara o seguinte (erros ortográficos corrigidos):

"Declaração

Eu abaixo assinado KK, residente em Lagoa, Rua ........., n° ..., 8400 Lagoa, declaro pela minha honra que vivi com a menina desaparecida BB, na mesma casa com a mãe AA e o padrasto MM, mais ou menos 3 meses e nunca vi a mãe AA a bater em nenhum dos filhos, pois quando queria aplicar um castigo era sempre algum que nunca passasse por agressão.
Também declaro que a mãe AA era uma pessoa calma e incapaz de se tornar violenta seja pelo que fosse. Assim acredito na declaração de inocência da Mãe AA.
Lagoa 5 de Junho 2009
KK".
12°
Mais uma importante testemunha corrobora: a última pessoa que garantidamente esteve com a BB em público, então gerente do Café ......., onde a menina foi fazer as suas últimas compras antes de desaparecer. LL, residente no Bairro ...., Lote ....., Figueira, Portimão, conhecia muito bem a criança e a sua família, não só por estes serem seus clientes habituais, como também por ser vizinha dos mesmos e ainda pela sua filha mais nova, de nome NN ser muito amiga da BB, tendo ambas praticamente a mesma idade e brincando quase todos os dias uma com a outra. Em documento original aqui junto em anexo, LL declara o seguinte:

"Declaração

Eu abaixo assinado LL, residente em Bairro ............., Figueira - Portimão, por este meio declaro que fui eu quem recebeu a menina desaparecida BB no Café "......" ao fim da tarde quando ela desapareceu, no dia 12 de Setembro de 2004. Era também vizinha da menina, e declaro que nunca vi a mãe da BB, AA, a bater na filha. E também posso declarar, por também ser verdade, que a mesma menina BB sempre disse bem da mãe, inclusivamente defendendo-a em todas as circunstâncias.
Figueira 2 Junho 2009
LL".
13°
Chegámos à maior amiga adulta da AA. Na altura proprietária do único supermercado da Figueira ("Alisuper"), foi OO a pessoa de fora da família da BB que mais ajudou esta criança, oferecendo-lhe bens alimentares, roupas, brinquedos, levando-a ao médico, etc, etc, em suma, fazendo o trabalho que incumbia ao Estado: o de ajudar os mais necessitados. Mas como o Estado não socorria a BB nem a sua família, um coração bondoso e altruísta avançou e suprimiu tantas e tantas das dificuldades com que se debatia a família. Perfeitamente conhecedora da criança e de seus familiares mais próximos, OO, residente na Rua ............ Lote n° ..., Figueira, 8500-130 Portimão, avança com novos factos por meio de novo documento que escreveu e assinou, cujo original consta em anexo na presente peça processual, e onde se pode ler:

"Declaração
Eu abaixo assinado OO portadora do B.I. n° 0000000 emitido em 18/05/2005 Lisboa, residente em Rua 00000000 Figueira 8500-130 Portimão, por este meio declaro que conheci bem a menina desaparecida BB, de quem eu era muito amiga, como também conheci bem a sua mãe AA, e por isso posso atestar que a mãe AA nunca bateu na BB sua filha na minha presença nem nunca ouvi falar que o tivesse feito.
Declaro também que a AA sempre disse muito bem da mãe BB e sempre a defendeu em todas as circunstâncias.
Figueira 02-Junho-2009
OO".
14°
Outra testemunha já ouvida no processo revela agora importantíssimos novos factos por meio de novo documento que assinou e cujo original é aqui junto em anexo. Na altura companheiro da Recorrente AA, e padrasto da menina BB, MM, actualmente residente na Rua .............., 14- 1º, Mexilhoeira Grande, 8500 Portimão, faz encaixar correctamente as peças do puzzle que faltavam ao divulgar este seu mais recente testemunho de factos verdadeiros até agora maioritariamente desconhecidos (erros ortográficos corrigidos):
"Declaração
Eu abaixo assinado MM, residente na Rua ................, .... Andar, Mexilhoeira Grande, 8500 Portimão, por este meio declaro e juro pela minha honra ser verdade tudo o que a seguir passo a descrever: Fui companheiro da mãe da menina desaparecida BB, a AA, tendo vivido com as duas durante cerca de seis anos. Portanto conheço-as perfeitamente e sei que a AA era incapaz de bater nos filhos, coisa que nunca fez durante todos estes anos nem acredito que fosse alguma vez capaz de fazê-lo, pois a AA nunca ficou uma vez que fosse violenta ou agressiva, por não ser o temperamento dela. Quando a BB nossa filha fazia alguma coisa que a AA achava que não estava bem feita, a mãe minha companheira esperava que chegasse a casa do trabalho e falava comigo para que eu falasse com a BB e caso fosse necessário lhe desse um castigo como não ver televisão ou ir para o quarto fazer os deveres da escola. A BB gostava muito da mãe, e sempre disse muito bem dela. Não acredito de maneira nenhuma que a AA tivesse batido na BB uma só vez que fosse, e muito menos que a tivesse morto à estalada. Também não acredito de maneira nenhuma que a AA minha companheira tivesse tido relações sexuais com outra pessoa que não eu desde o primeiro momento que nos conhecemos, muito menos com o irmão CC. Posso dizer que acredito a cem por cento na confissão dele no dia 18 de Maio deste ano, quando finalmente admitiu que foi ele o único responsável pelo desaparecimento da BB ao tentar vendê-la. Além de se gabar de ter tentado matar um homem, o CC costumava também apresentar atitudes violentas e agressivas sempre que não tinha dinheiro para a droga e sempre que alguém dizia alguma coisa que ele não gostasse muito. Essa história das relações sexuais e de a AA ter morto a BB com o CC foi inventada pela Polícia Judiciária e os dois foram obrigados a dizerem exactamente a mesma coisa para a Polícia mostrar trabalho a qualquer preço.
Eu fui agredido várias vezes na PJ de Faro pelo Inspector II e por outros que não consigo precisar, que me deram durante vários dias socos e bofetadas para que eu dissesse aquilo que eles queriam, e não fui condenado em Tribunal apenas porque resisti ao espancamento de que fui vítima. Acredito que o CC nunca quis contar a verdade sobre aquilo que ele realmente fez à BB, provavelmente por medo dos compradores, e de que se fosse descoberto o corpo da menina existiriam provas contra ele mas não contra a AA. Posso testemunhar também que ouvi o Coordenador das investigações Inspector II a tentar colocar o CC contra a AA dizendo a este que se ele incriminasse a AA teria uma pena mais baixa porque em vez de ser apenas um culpado a matar seria dois e a pena seria dividida. Dois inspectores da Polícia Judiciária levaram o CC à casa de banho quando eu também lá estava e dizendo-lhe com insistência para falar o que eles tinham falado, chegaram a lhe colocar palavras na boca ao insistirem: «conta aqui ao MM como andaste a foder com a mulher dele», sendo que o CC não dizia nada e só depois de levar um pontapé de um dos inspectores é que disse que era verdade. A polícia sempre se recusou a investigar os muitos rumores que andavam de boca em boca na Figueira de que a menina teria sido tentada comprar por criminosos, invocando um carro preto de alta cilindrada que circulou nesse dia 12 antes da BB desaparecer.
Finalmente posso garantir também que na Segunda-feira dia 13 de Setembro de 2004 o CC começou logo a falar que tinha que se ir embora da Figueira e mostrava-se muito nervoso e ao mesmo tempo desinteressado, mesmo muito desinteressado, pelo que poderia ter acontecido à sobrinha BB. Ao contrário da AA minha companheira e mãe da menina que estava muito triste e perturbada com o desaparecimento da filha, tendo chorado várias vezes. O CC antes de fugir da Figueira chamou-me para falar comigo a sós e disse-me: «Se a tua mulher inventa alguma história eu volto aqui para falar com ela». Na altura quando ele me disse isto eu não entendi como algo suspeito e por isso não dei importância a essa frase. Mas agora, analisando tudo e a confissão da AA e depois a confissão do CC de Maio deste ano, percebo que o CC estava com medo que a AA dissesse o que ele fez realmente à nossa filha BB. Peço por isso Justiça e que a AA seja libertada pois está inocente quanto à morte da nossa BB.

Portimão 5-Junho-2009
PP".

«O primeiro homem que, havendo cercado um pedaço de terra, disse "isso é meu", e encontrou pessoas tolas o suficiente para acreditarem nas suas palavras, este homem foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.
Quantos crimes, guerras e assassínios, de quantos horrores e misérias não teria poupado ao género humano aquele que, arrancando os marcos, ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrem-se de escutar esse impostor; pois estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!»
OO.
D) CORRELAÇÃO ENTRE AS
NOVAS PROVAS E AS PRÉ-EXISTENTES
15°
Perguntamo-nos agora se estes novos factos e provas, em correlação com os factos previamente apurados pelo Tribunal da matéria de facto, são suficientes para gerar dúvidas graves sobre a justiça da condenação da Recorrente (elementos ou meios de prova são "as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência de crime ou seus elementos" - Cavaleiro de Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, cit. por Simas Santos/Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, págs. 214/215.). Ora, a lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, mas apenas dúvidas, embora graves (Ac. do STJ de 03-07-1997, Proc. n.° 485/97). E a dúvida sobre a justiça da condenação abrange todos aqueles casos em que o arguido não terá que cumprir uma pena e em que esta não teria que ser aplicada no momento de decidir, se o tribunal tivesse acesso a tais factos (Ac. do STJ de 30-04-1990, Proc. n.° 41800). O que, face aos novos elementos factuais e probatórios supra detalhados, e em correlação com os pré-existentes, claramente colocam em causa a justiça da condenação da Recorrente por homicídio da filha BB, dúvidas aliás muito graves que na muito douta opinião dos Insignes Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça, Dr. DD e Dr. EE, já existiam mesmo muito antes da apresentação destas novas provas testemunhais, ou seja, já aquando da própria condenação.
16°
Uma outra nova prova determinante, diz respeito a uma queixa apresentada pela esposa do então Coordenador da Polícia Judiciária II contra o próprio marido, de que só tivemos conhecimento este ano. Este documento, corroborado por um outro do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária (que nos foi remetido posteriormente), reveste extrema importância, porquanto comprova a personalidade violenta, criminosa e desumana do responsável máximo no terreno pelas investigações policiais ao "Caso BB", o então Coordenador II. Na verdade, fonte segura e credível ligada à própria Polícia Judiciária (que nos solicitou o anonimato), fez-nos chegar cópia integral e exactamente conforme o original dessa mesma queixa apresentada pela esposa de II, contra o próprio marido, ao Director de Faro da Polícia Judiciária no dia 23 de Dezembro de 2007. Nesta carta destacam-se graves acusações da esposa contra o marido (na altura separados), nomeadamente de "insultos", "ameaças de morte", "condução de viaturas da polícia em visível estado de embriaguez" e "perigo contra a integridade de uma filha do casal de 4 anos de idade". Confirmando a autenticidade deste documento, foi-nos depois remetido pela mesma fonte um outro novo documento, que constitui cópia fiel, integral e exactamente conforme o original, do Relatório do Serviço de Piquete da Directoria de Faro da Polícia Judiciária, do dia 23 de Dezembro de 2007, onde se pode ler na página 2: "Foi entregue uma carta aberta neste piquete pela senhora RR dirigida ao senhor Director-Nacional Adjunto, lie SS.". E está o referido documento do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária devidamente assinado pelo Coordenador de Investigação Criminal responsável, licenciado TT, e ainda pelo Inspector UU. E, como diz o referido documento do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária, tratou-se de uma "carta aberta" da esposa de II, logo está bem fundado o argumento de que não poderá ser alegado de modo nenhum que o conhecimento de tal carta possa constituir "devassa da vida privada" ou que tal carta não tenha relevância para o processo, pois se constitui uma queixa pública da esposa contra o próprio marido, a gravidade dos crimes denunciados é manifestamente evidente e releva para a comprovação da personalidade extremamente violenta e criminosa do então Coordenador da Polícia Judiciária II. Juntam-se pois também em anexo na presente peça processual, ambos estes documentos, que aqui se atesta constituírem cópias fiéis, integrais e exactamente conformes os originais.
17°
Não podemos pois nos admirar dos calamitosos resultados duma investigação criminal entregue a um perigoso e violento alcoólico, ainda mais catastróficos quando estamos perante gravíssimos crimes cometidos contra crianças, e em relação ao qual só existiu o manifestamente tardio bom senso de o afastar das investigações quando o mesmo alcoólatra voltou a repetir os mesmos grosseiros ataques infundados e sem uma única prova contra a mãe de uma outra criança desaparecida no barlavento algarvio (VV.
18°
A título meramente exemplificativo, sublinhemos que é totalmente inverosímil a versão forçada pelos então inquisidores da Polícia Judiciária, quando todos sabemos (e está provado no respectivo processo) que (1º) a Recorrente e o irmão CC tiveram o Domingo quase todo para poderem encetar relações sexuais sem a presença da menina BB, pois esta encontrava-se a passar férias na casa da mãe de PP (HH); (2º ) foram buscar a criança, contra a sua vontade, às 18 horas, quando na casa da sogra de AA decorria uma festa de aniversário de uma outra criança; (3º ) mandaram a menina às compras às 20 horas; (4º) como todos sabiam, o percurso a pé entre a casa da BB e o local das compras (Café .....) demorava cerca de 5 minutos; (5º) apesar de tudo, segundo a versão imposta pelos inquisidores da PJ, a Recorrente e o irmão CC decidiram ter relações sexuais naquele preciso e curtíssimo espaço de tempo, a meio da sala de estar e com todas as portas destrancadas, mesmo sabendo que a menina ia regressar a qualquer instante! Resulta pois absolutamente evidente a total incoerência deste tipo de pseudo investigação criminal e anti-científica, própria de um país de terceiro mundo.
19°
Além do mais, e como podemos constatar pelo estudo dos autos, mesmo já após passados três dias do desaparecimento da criança BB, a Polícia Judiciária, em documento "Relato de diligência externa", datado portanto de 15 de Setembro de 2004, e a folhas 84 do 1º Volume dos autos, conclui que: "Em face do avanço na investigação [da Guarda Nacional Republicana], deve-se aguardar o resultado das diligências efectuadas pela GNR de Portimão, porquanto os indícios até agora recolhidos por aquela Polícia, apontam para desavenças familiares". Ou seja, a própria Polícia Judiciária continua a demonstrar um total desinteresse pela criança desaparecida mesmo após já terem passado as tais 48 horas recomendadas para início das investigações criminais por uma lei criminosa.
Além disto, o então responsável pelas investigações da Polícia competente (Judiciária) II nunca encetou diligências, apropriadas e em tempo útil, de investigação com vista a esclarecer o que verdadeiramente sucedeu à menina BB, tendo negligenciado todas as pistas que apontavam para uma tentativa de venda da criança por parte do tio CC; e tendo desprezado todas as pistas que também apontavam para que o mesmo tivesse, sozinho, assassinado a criança e deitado o seu corpo num dos contentores de lixo da aldeia da Figueira; possibilidade esta que o então Coordenador II sempre negligenciou sem qualquer razão plausível conhecida, tendo apenas ordenado a verificação do aterro sanitário de Porto Lagos duas semanas depois do desaparecimento da menina, quando era já manifestamente impossível proceder a buscas nas milhares de toneladas de lixo entretanto acumuladas, misturadas, compactuadas e enterradas no subsolo (conforme folhas 267, 268 e 269 do 1º Volume dos autos). Como seja não bastasse, o mesmo II, sem quaisquer provas e após apenas dois meses do desaparecimento de BB, envia uma ordem para a Unidade Nacional da Europol, onde manda cessar as buscas internacionais pela criança, conforme se pode ler logo no início do respectivo documento: "O «desaparecimento» da menor BB, de 8 anos de idade, evoluiu para um quadro de homicídio pelo que já não interessa a difusão do seu paradeiro." (folhas 973 do 4º Volume dos autos). Pelos vistos, ou II tirou o curso de investigação criminal na Guiné-Bissau ou país análogo, ou então era movido por interesses para nós ainda desconhecidos no sentido de que a verdade não fosse jamais descoberta. Conforme aliás concluiu um dos mais conceituados Criminologistas portugueses, como vamos a seguir analisar.
«É a democracia, tal como a conhecemos, a melhor possibilidade em matéria de governo? Não é possível dar um passo mais em direcção ao reconhecimento e à organização dos direitos do homem? Nunca poderá haver um Estado realmente livre e iluminado até que não se reconheça ao indivíduo como poder superior independente de quem deriva e a quem lhe cabe sua própria autoridade, e, em consequência, lhe dê o tratamento correspondente.»
XX.
E) A OPINIÃO CIENTÍFICA DO
CRIMINOLOGISTA DR. BBB
20°
ZZ é licenciado em Antropologia, pós-graduado em Ciências Criminais e em Estudos Psicocriminais e mestre em Relações Interculturais. Foi Inspector-Chefe da Polícia Judiciária durante 30 anos, em áreas como assaltos à mão armada, homicídios e terrorismo, intervalando com passagens pelo MAI/SEF (chefe de divisão de refugiados). Foi também Professor no Instituto Superior da Polícia Judiciária e Ciências Criminais (docente de Criminologia). Actualmente é Professor universitário em cursos de Criminologia e Psicologia Criminal, e Formador de Investigação Criminal na Polícia de Segurança Pública e na Guarda Nacional Republicana. Dentre as várias obras científicas da autoria deste conceituado Criminologista, destacamos o livro "Maddie, BB e Investigação criminal - A Verdade Escondida", por constituir um estudo muito bem fundamentado sobre os casos das crianças desaparecidas BB , AAA, concluindo pela comprovação da péssima investigação policial efectuada em ambos estes casos (recordemos que o próprio Dr. BBB foi Inspector-Chefe da Polícia Judiciária durante 30 anos). Passamos pois a transcrever importantes excertos deste livro (negrito nosso):

"(...) Em Setembro de 2004 a mãe começou por apresentar uma queixa na GNR de Portimão sobre o alegado desaparecimento da menina da aldeia onde viviam, Figueira. CC, tio de BB e irmão de AA, confessou à PJ que ele e a irmã tinham espancado a menina até à morte. (...) e existindo uma completa falta de elementos probatórios sobre o facto de AA se ter conformado ou não com o resultado «morte» da filha BB, o tribunal devia ter optado pela solução que lhe fosse mais favorável, atento o princípio in dúbio pro reo.
(...) Crime atroz, esquartejamento e arca frigorífica, cadáver profanado, pocilga ou lixeira, suicídio aos murros, tudo muito bem misturado com indícios infindáveis, montes de convicções, confissões, fé quanto baste, missas e procissões...mas, tudo errado do ponto de vista técnico e
estratégico, ao ponto de ter de se compor à pressa e em livro uma verdade oficial que apenas serviu para consagrar publicamente o estado em que caiu a investigação criminal e a PJ (...)

(...) O director nacional da PJ de então tinha acabado de assumir funções e tornou-se legítima a sua vontade de «mostrar serviço». Pressionado politicamente para apressar resultados, que acabariam mais tarde por produzir o incidente dos «olhos negros», falou que 'a PJ tinha uma «ideia precisa» de como as coisas aconteceram', pelo que não demorou a anunciar que no dia seguinte iria fazer uma comunicação oficial para contar pormenores. Nunca mais houve comunicação. Afinal que validade tinha a comunicação? Porventura, a mesma que motivou três anos depois a composição em livro dessa verdade oficial sobre o processo (...). Toda esta trama serviu para consagrar publicamente o estado em que caíra a investigação criminal no nosso país (...)
(...) O tio de BB, CC, a acreditar em algumas perícias de personalidade, era um sujeito que manifestava desprezo pela vida humana, em resultado de mau ajustamento social e de frieza afectiva, sendo portador de tendências anti-sociais e psicopáticas, manifestando dificuldade para controlar os impulsos, estado que o levava a tentar solucionar os conflitos através da agressividade, razão pela qual não sentia remorsos pelas consequências dos actos que levava a cabo, desprezando os direitos, os desejos e os sentimentos dos outros. (...)
(...) Por muito que doa àqueles investigadores criminais que têm destas coisas uma ideia de mercearia, a verosimilhança, por maior que seja, não significa, jamais, «verdade» ou «certeza» e somente esta autoriza uma sentença condenatória.
Deste modo, pode avaliar-se a enormidade que representou a acusação feita pelo MP (...) Porventura, uma enormidade que se escondeu por detrás da fé dos investigadores que mantiveram até ao fim a dupla «convicção» de que os restos da menina foram para a lixeira ou atirados aos porcos (...). A isto chamamos, aliás, uma má «apreciação da prova», embora «livre». E nem vale a pena falar do à-vontade com que alguém leva a julgamento um caso assente numa condição dupla de «ou porco ou lixeira»! (...) Segundo ensina Figueiredo Dias, a livre apreciação da prova significa, basicamente, uma ausência de critérios legais. E permitimo-nos acrescentar: e uma grande dose de subjectivismo, pois é impossível desligar o julgador da sua experiência pessoal, da sua cultura, das suas ideias de vida, da sua moral, etc. Essas qualidades não as apresentou o acusador. Por isso defendemos que há um erro notório na apreciação da prova, porque este entendimento levou a que o tribunal desse como provado umas vezes e não provado outras determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, num ou noutro caso, por força de uma incongruência lógica e por ofender princípios ou leis formuladas cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas. (...) o MP acabou por levar a sua avante, destacando a realização de inúmeras diligências de prova, entre as quais, a detecção de vestígios e sangue, confissões, inquirição de dezenas de testemunhas (algumas por diversas vezes), o interrogatório dos arguidos e a acareação entre ambos, a deslocação a diversos locais onde poderia estar o corpo da menina, reconstituições, reconhecimentos, exames laboratoriais, etc, tudo com vista ao esclarecimento completo dos factos. Tudo somado: NADA.
(...) E que até o médico legista que assistiu à reconstituição do esquartejamento declarou que o corpo de uma miúda magra, de 8 anos, caberia naquela arca. Mas, 'no limite'! Faltou referir, no entanto, que na reconstituição foi usado um manequim macio de uma conhecida marca comercial, da exacta medida e peso da BB. E que o CC explicou muito bem como tinha cortado o corpo da BB. E como o tinha posto dentro da arca. Só que o corpo não cabia lá! Ou, melhor, lá caber cabia... mas desde que a porta da arca fosse atada com um cordel! Ainda assim, o MP sustentou que o corpo da menina foi retalhado, sendo os pedaços do cadáver metidos em sacos de plástico que ficaram por uns dias guardados na arca congeladora. Correndo o risco, arriscamos nós, de o padrasto da menina abrir a arca, do tamanho de um frigorífico de quarto de hotel - e não com as medidas a que estamos habituados quando falamos de «arca» - e se admirar com tanta fartura numa casa de miséria! Depois, nem os relatórios da PJ nem a acusação do MP referem com certeza o local para onde esses sacos com o corpo terão sido levados. Quanto ao citado sangue na pequena arca frigorífica (de que não restou substância original para possibilitar uma comparação com o ADN inicial); mais as manchas de esperma recolhidas e provenientes de várias pessoas (quinze mil euros gastos só em reagentes para o efeito); e os cabelos encontrados na bandelette da BB (de várias pessoas); para além das informações genéticas retiradas da escova de dentes da BB (provam que a escova da menina era utilizada por várias pessoas), diga-se em abono da verdade que estes e outros vestígios não permitiriam extrair conclusões devido às más condições de conservação no local; e que não foi possível estabelecer uma relação de identidade e pertença entre esses dados e a BB, (...).
(...)Talvez por isso o MP, apoiado na pressão da comunicação social, pediu 25 anos para AA e CC, considerando que se verificavam indícios da prática, em co-autoria, do crime de homicídio qualificado. O julgamento demorou 20 horas, tempo suficiente para ouvir depoimentos de 45 testemunhas de acusação: vizinhos, familiares, inspectores da PJ e especialistas de Polícia Científica. Nenhuma testemunha de defesa. Mais o «desprezo do público» para com os acusados. A tese do MP, constituída por 139 pontos, é tão simples como brutal: CC e AA, irmãos, foram surpreendidos por BB (que ninguém viu a entrar em casa) quando mantinham relações sexuais. Tal não fazia sentido, atendendo à hora em que os factos ocorreram, ainda por cima com mais duas crianças a dormir dentro de casa, com MM (marido de AA) na aldeia, e a porta destrancada. Depois, quando a defesa apontou a ausência de testemunhos directos, o MP contrapôs à dúvida legítima uma fé inabalável nos vestígios recolhidos (contaminados pelo petróleo e lixívia com que a casa terá sido limpa depois do crime), bem como as referidas marcas de sangue da cara e das mãos nas paredes, dentro e fora de casa, deixadas por alguém com a estatura da BB. Sobre o sangue encontrado na parede nunca se soube a quem pertence, nem há quanto tempo lá estava.
(...) A PJ fez um vídeo, durante as investigações, para reconstituir o crime.
Neste filme, CC descreveu o crime com detalhes brutais. O vídeo foi exibido no último dia de julgamento. Mas as palavras de CC não tinham qualquer valor, já que ele e AA tinham optado por não prestar declarações em julgamento. Presumindo-se em Direito os arguidos inocentes e determinando o CPP as regras da produção de prova em audiência de discussão e julgamento, jamais poderia ter sido exibido durante essa audiência o filme gravado durante o inquérito.
O art.° 357° do CPP apenas permite a leitura em julgamento de declarações anteriormente feitas pelo arguido, quando ele também prestar declarações em audiência. Portanto, não é lícita a leitura em audiência das declarações que o arguido presta no processo. Só que estas «declarações» do CC nem sequer faziam parte do processo! Mas, mesmo que não valesse como prova, o filme foi visionado, os jurados viram-no, e a sua ausência de formação jurídica poderá tê-los levado a ignorar as regras que, aliás, desconheciam, e a concluir por uma culpa quando era completa a ausência de prova.
Curiosamente, os outros vídeos e as respectivas imagens que foram produzidos pela PJ durante a investigação do «caso BB» não serviram para manipular os jurados. E o Tribunal de Júri acabou por valorizar a reconstituição dos factos, em que só colaborou o arguido CC como sendo prova suficiente para incriminar AA pela co-autoria das agressões de que resultou a morte (!) de BB, apesar de não haver uma só prova que corroborasse essa versão (...)
(...) quando foi limpa a casa com petróleo. E se essa limpeza foi feita antes ou depois da chegada do padrasto. E se tiveram tempo para esquartejar a BB e limpar tudo nos 30 minutos seguintes à sua eventual agressão, de maneira a que o padrasto ao chegar não percebesse os sinais do crime. Porque se o padrasto viu é cúmplice! E nem se pode de facto afirmar que o corpo foi esquartejado no dia seguinte, porque, a confiar na acusação do MP, esteve lá "uns dias". E estava o marido de AA, bem como os outros filhos, proibidos de ir à arca? E não seria natural recear uma eventual acção da Polícia na residência e a consequente descoberta do corpo?
Um dos factos provados é que o CC se manteve em casa da AA até dia 14, espaço de tempo durante o qual os dois arguidos, de forma que não foi possível apurar, transportaram os restos mortais de BB para local desconhecido. Fica por explicar o facto de o CC ter ido almoçar a casa da irmã, em Silves, no dia seguinte ao desaparecimento da BB. E se foi apenas almoçar...

Mas o mais importante em termos de prova ficou de fora: o esfregão e o petróleo. Afinal, como foi? Já estavam na casa de AA na noite do esquartejamento, para poderem ser usados na limpeza do chão da sala? Ou foram comprados depois, como defende a acusação?

Foi o próprio tribunal que deu como provado que no dia 18 de Setembro de 2004 AA adquiriu petróleo e um esfregão de aço, com os quais lavou a casa, aproveitando assim para apagar quase todos os indícios do que ali havia ocorrido, restando no final apenas vestígios de sangue humano no interior da casa, embora contaminados pelos produtos utilizados. Mas dia 18 é uma semana depois do desaparecimento! Afinal, no dia da eventual morte de BB, o seu padrasto e marido de AA viu o chão da sala sujo de sangue ou o chão já estaria lavado? Como podia estar lavado se
os produtos, de acordo com a factura, só foram comprados na semana seguinte ao desaparecimento da menor? (...)
(...) o julgamento de AA e CC não teve testemunhas presenciais, os arguidos remeteram-se ao silêncio, logo, as suas declarações no inquérito não podiam ser valoradas pelo Tribunal e, finalmente, não foi possível o exame directo ao cadáver, que nunca foi encontrado.
As reconstituições dos factos só contaram com a colaboração de CC e nunca com a presença da arguida AA. E a validação das reconstituições sem a presença da arguida, como aconteceu - o que é ilegal e inconstitucional - só poderia levar à absolvição de AA pelo crime de homicídio.
Em casos desta natureza nem a presença do defensor é garante da legalidade, validade ou veracidade do que daquelas "reconstituições" resulta. Como se sabe, a lei, o costume e a jurisprudência tenderam ao longo dos tempos a fixar os meios pelos quais o juiz deve alcançar a verdade. Logo, os meios de prova e os meios de obtenção de prova encontram-se hoje taxativamente regulamentados, restando aos tribunais uma margem de apreciação subjectiva, muito reduzida. Deste modo e do ponto de vista probatório, no caso concreto, sujeito a julgamento, competia ao juiz aplicar, com base em critérios de cumulação aritmética, apenas as competentes disposições legais.
(...) O Tribunal a quo violou, assim, o princípio da presunção da inocência consagrado constitucionalmente no artigo 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), não aplicando as circunstâncias cominadas na lei.

O ilustre conselheiro DD, um dos mestres que se bateu no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) por esta tese, perguntou abertamente:
"Como apurou o Tribunal de júri que a menor foi espancada pelos dois arguidos? Como soube que embateu com a cabeça na esquina da parede? E que era visível que sangrava da boca, nariz e têmpora, mercê dos embates na parede? E que tais embates e queda causaram a morte da menor? E que os dois arguidos se asseguraram da morte da menor? E que depois esquartejaram o cadáver e o meteram em sacos de plástico nas gavetas da arca frigorífica?" (...)
(...) Não havia matéria de facto na investigação do desaparecimento da menina de Figueira, onde o que estava em causa era provar que CC e AA tinham feito isto ou aquilo. O que havia era indícios relativamente à prática dos crimes imputados, decorrentes do conjunto da prova produzida, designadamente as declarações e depoimentos prestados, os exames médicos e periciais, e demais diligências. Mas esses indícios não passavam disso mesmo, não sendo suficientes para condenar em julgamento. Isto é, a propalada e infeliz convicção devia ter sido fundada em «alguma coisa», e não bastaria que o Tribunal tivesse criado convicções, designadamente, de que a BB estava morta, de que AA e CC fizeram desaparecer o corpo
de BB e de que foram estes irmãos que praticaram os factos. Nem uma ínfima dúvida razoável terá percorrido a consciência do Tribunal de Júri, pois se isso tivesse sucedido não teria condenado. Mas eu tenho dúvidas. Tratou-se de um julgamento que negou os mais elementares princípios do Estado de Direito. Porque uma condenação deve assentar em provas e no «caso BB» não há provas. E a projecção simbólica deste caso é real quando revisitamos o caso da menina inglesa desaparecida na Praia da Luz (...).
(...) a investigação criminal pretende demonstrar a verdade material de factos penalmente relevantes, quer tenham ocorrido na Praia da Luz ou em Figueira. Ora, sendo esta demonstração, pela sua própria natureza, ilimitada e imprevisível, facilmente se compreende que a lei não permita aos investigadores a utilização de determinados meios de prova e de obtenção de prova. Bem pelo contrário, permite-lhes a livre escolha e utilização de todos os meios de prova tecnicamente adequados que não sejam proibidos por lei. É que, vigorando no nosso ordenamento jurídico o sistema da admissibilidade geral de quaisquer meios de prova, desde que sejam legais e legítimos, são permitidos todos os que não façam parte dos métodos proibidos, tais como os obtidos mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física ou moral, designadamente, maus-tratos, ofensas corporais, hipnose e outros meios cruéis ou enganosos que perturbem a liberdade de vontade e de decisão, agressão à capacidade de memória ou de avaliação, utilização da força, ameaça com medida legalmente inadmissível (...).

(...) Foi por isso que AA, mãe de BB, "caiu nas escadas" e CCC, mãe de ....., saiu de cabeça erguida das instalações da PJ
(...).".

Nota: comprova-se pois a brutalmente negligente (para não dizer pior) investigação policial quando se sabe, como já explanado no ponto 19 destes articulados, que o então responsável pelas investigações da Polícia Judiciária, II, nunca encetou diligências, apropriadas e em tempo útil, de investigação com vista a esclarecer o que verdadeiramente sucedeu à menina BB, tendo inclusivamente desprezado todas as pistas que também apontavam para que CC tivesse, ele e apenas ele, assassinado a criança e deitado o seu corpo num dos contentores de lixo da aldeia da Figueira; possibilidade esta que o então Coordenador II sempre negligenciou sem qualquer razão plausível conhecida, tendo apenas ordenado a verificação do aterro sanitário de Porto Lagos duas semanas depois do desaparecimento da menina, quando era já manifestamente impossível proceder a buscas nas milhares e milhares de toneladas de lixo entretanto acumuladas, misturadas, compactuadas e enterradas no subsolo (conforme folhas 267, 268 e 269 do 1º Volume dos autos).

«A única alternativa é a utopia ou o caos. (...) os sintomas do desmoronar da civilização podem ser vistos por todas as partes e são bem mais agudos que aqueles percebidos nos últimos anos do império romano. No entanto, nem todos estes sintomas são necessariamente patológicos. O mundo contemporâneo se vê afectado por duas tendências opostas: uma que tende à sua destruição social, a outra que anuncia o nascimento de uma nova sociedade
DDD.
F) CONCLUSÃO
21°
O presente Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença visa, nos termos dos artigos 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e 449, n° 1 al. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 ai. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461, 462 e 466, todos do Código de Processo Penal, apresentar novos factos e novos meios de prova desses factos que por si são manifestamente suficientes para abalar séria e gravemente a justiça da condenação da Recorrente AA relativamente ao crime de homicídio da filha BB, condenação proferida pelo último Tribunal da matéria de facto que julgou o Processo n° 330/04.2JAPTM (Tribunal Judicial da Comarca de Portimão), cujo acórdão foi alvo do Processo n° 363/06-5 no Supremo Tribunal de Justiça, tendo daqui resultado com trânsito em julgado a aplicação à Recorrente, em cúmulo jurídico, da pena única de 16 anos e 8 meses de prisão efectiva.
22°
É de sublinhar ainda que, a mencionada condenação era já por si de grande fragilidade e duvidosa do ponto de vista factual e jurídico, sendo que as novas provas e factos ora apresentados, combinados com os que foram apreciados no processo, desmascaram por completo a total incoerência, falta de lógica e ausência de verdade material e formal dos factos dados como provados no mesmo processo sem sustentação numa única prova válida, e em violação absoluta do princípio da presunção de inocência consagrado no n° 2 do artigo 32 da Constituição da República Portuguesa, e caracterizado com força jurídica de vinculação absoluta e aplicabilidade directa nos termos do n° 1 do art. 18, e ainda com limitação material de revisão nos termos da alínea d) do artigo 288, ambos também da Constituição da República Portuguesa. É igualmente de salientar que, uma vez que nunca foi encontrado sangue da BB em sua casa (e mesmo que o fosse, poderia resultar de uma infinidade de situações sem nenhuma relação directa ou indirecta com um cenário de homicídio), só podemos concluir que o Tribunal da matéria de facto apenas se baseou - inconscientemente – nos falsos indícios do inquérito, nomeadamente na falsa confissão da Recorrente (obtida sob tortura) e, acima de tudo e principalmente, nas sistemáticas mentiras de CC que apontavam falsamente a co-autoria do homicídio para a Recorrente, de que até resultou uma reconstituição fotográfica e em vídeo que foi exibida, contra todas as normas legais, em sede de audiência de julgamento, influenciando assim decisivamente o subconsciente do Tribunal de Júri (constituído maioritariamente por pessoas do povo que já tinham o "cérebro lavado" pelas outras inúmeras mentiras divulgadas por grande parte da comunicação social que publicava as propositadas e embusteiras fugas de informação perpetradas em manifesta violação do segredo de justiça por "fontes policiais").
23°
Quer assim a Recorrente provar que os Insignes Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. DD e Dr. EE, que votaram vencidos em sede do recurso ordinário, tinham absoluta razão ao afirmarem peremptoriamente que a condenação da Recorrente por homicídio da filha BB violava flagrantemente o princípio da presunção de inocência, era "ilegal e inconstitucional" e poderia conduzir a um "sério e irreparável erro judiciário".
24°
Os sete documentos originais juntos em anexo na presente peça processual, constituem fundamentais e decisivas novas provas que constituem em maior parte novos importantes factos e secundariamente o reforço de outros factos que já tinham sido apreciados no processo mas declarados não provados pelo Tribunal da matéria de facto. Temos assim que:
(1º) A Recorrente AA confessa a 15 de Janeiro deste ano o que verdadeiramente sucedeu à filha, negando qualquer envolvimento na sua morte;
(2º) O tio da menina, CC, confessa finalmente a 18 de Maio do corrente ano que mentiu em todo o processo, ao declarar agora que na verdade "tentou vender a sobrinha BB", sendo que só ele poderá então responder pelo consequente desaparecimento da criança logo após a frustração do macabro negócio por si organizado e levado a cabo;
(3º) Preste-se atenção para o facto de que CC nada tem a ganhar juridicamente com esta confissão, muito pelo contrário, só tem a perder pois dado o que confessa, para além da autoria do homicídio da menina, deverá também responder pelo crime de tráfico de pessoas, previsto e punido em concreto nos termos do artigo 160, n°s 2 e 3, do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 12 anos;
(4º) A mãe da Recorrente e de CC (JJ), depois de confrontada com as últimas e verdadeiras confissões de ambos, declara expressamente (em 1 de Junho deste ano) que nelas acredita totalmente, dado conhecer muito bem os seus filhos e saber que AA era incapaz de bater nas crianças, e que CC era, ao contrário, uma pessoa muito violenta que inclusivamente já a ameaçou de morte, e era ainda o mesmo filho um consumidor de substâncias estupefacientes pesadas que "era capaz de fazer tudo para conseguir dinheiro para a droga"; termina sublinhando a sua firme certeza com perfeito conhecimento de causa (quanto à personalidade de ambos estes seus filhos) que é apenas o CC seu filho "o único responsável" pelo desaparecimento da neta BB;
(5º) KK, tendo vivido cerca de três meses na casa da e com a Recorrente, onde também residia BB, em 5 de Junho do corrente ano testemunha também que "AA era uma pessoa calma e incapaz de se tornar violenta seja pelo que fosse" e ainda que a Recorrente nunca batia em nenhum nos filhos; acrescenta ainda que só pode crer na inocência de AA relativamente ao homicídio da filha BB:
(6º) LL, então proprietária do famigerado "Café....a Figueira e vizinha da Recorrente, e mãe de uma das grandes amigas da menina desaparecida BB (a NN actualmente com 12 anos de idade), corrobora todos os testemunhos anteriores aqui apresentados, ao afirmar, em 2 de Junho deste ano, que não só nunca viu a Recorrente a bater na filha BB, como esta sempre disse bem da mãe, "defendendo-a em todas as circunstâncias" (o que seria extremamente inverosímil caso BB fosse mal tratada pela Recorrente);

(7º) A grande amiga adulta da BB, OO, proprietária na altura do "Alisuper" da Figueira (único supermercado da localidade), também em 2 de Junho do corrente ano, corrobora os testemunhos supra descritos, acrescentando mesmo que nunca sequer ouviu falar que alguma fez a Recorrente tivesse batido na BB (depreende-se logicamente que esta testemunha está a colocar de lado, e muito bem, as mentiras propagadas pelos inspectores da PJ, considerando-as implicitamente como invenções e falsidades);

(8º) Finalmente, o então companheiro da Recorrente e padrasto de BB, PP, presta, em testemunho datado de 5 de Junho deste ano, as seguintes importantíssimas declarações probatórias:

- "Fui companheiro da mãe da menina desaparecida BB, a AA, tendo vivido com as duas durante cerca de seis anos";

- "Conheço-as perfeitamente e sei que a AA era incapaz de bater nos filhos, coisa que nunca fez durante todos estes anos nem acredito que fosse alguma vez capaz de fazê-lo, pois a AA nunca ficou uma vez que fosse violenta ou agressiva, por não ser o temperamento dela";

- "A BB gostava muito da mãe, e sempre disse muito bem dela. Não acredito de maneira nenhuma que a AA tivesse batido na BB uma só vez que fosse, e muito menos que a tivesse morto à estalada";

- "Também não acredito de maneira nenhuma que a AA minha companheira tivesse tido relações sexuais com outra pessoa que não eu desde o primeiro momento que nos conhecemos, muito menos com o irmão CC";

- "acredito a cem por cento na confissão dele [CC] no dia 18 de Maio deste ano, quando finalmente admitiu que foi ele o único responsável pelo desaparecimento da BB ao tentar vendê-la";

- "Além de se gabar de ter tentado matar um homem, o CC costumava também apresentar atitudes violentas e agressivas sempre que não tinha dinheiro para a droga e sempre que alguém dizia alguma coisa que ele não gostasse muito";

- "Ouvi o Coordenador das investigações Inspector II a tentar colocar o CC contra a AA dizendo a este que se ele incriminasse a AA teria uma pena mais baixa porque em vez de ser apenas um culpado a matar seria dois e a pena seria dividida";

- "Dois inspectores da Polícia Judiciária levaram o CC à casa de banho quando eu também lá estava e dizendo-lhe com insistência para falar o que eles tinham falado, chegaram a lhe colocar palavras na boca aos insistirem:
«Conta aqui ao MM como andaste a foder com a mulher dele», sendo que o CC não dizia nada e só depois de levar um pontapé de um dos inspectores é que disse que era verdade";
- "A polícia sempre se recusou a investigar os muito rumores que andavam de boca em boca na Figueira de que a menina teria sido tentada comprar por criminosos, invocando um carro preto de alta cilindrada que circulou nesse dia 12 antes da BB desaparecer";
- "Finalmente posso garantir também que na Segunda-feira dia 13 de Setembro de 2004 o CC começou logo a falar que tinha que se ir embora da Figueira e mostrava-se muito nervoso e ao mesmo tempo desinteressado, mesmo muito desinteressado, pelo que poderia ter acontecido à sobrinha BB";
- "O CC antes de fugir da Figueira chamou-me para falar comigo a sós e disse-me: «Se a tua mulher inventa alguma história eu volto aqui para falar com ela». Na altura quando ele me disse isto eu não entendi como algo suspeito e por isso não dei importância a essa frase. Mas agora, analisando tudo e a confissão da AA e depois a confissão do CC de Maio deste ano, percebo que o CC estava com medo que a AA dissesse o que ele fez realmente à nossa filha BB".
De salientar ainda que PP não tem qualquer interesse em defender a Recorrente para além do interesse da verdade, pois desde que esta foi presa há quase cinco anos, teve já várias outras companheiras, com as quais viveu também em regime de união de facto.
25°
Todos estes novos factos e provas, em correlação com os factos previamente apurados pelo Tribunal da matéria de facto, são suficientes para gerar dúvidas graves sobre a justiça da condenação da Recorrente (elementos ou meios de prova são "as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência de crime ou seus elementos" - Cavaleiro de Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, cit. por Simas Santos/Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, págs. 214/215.). Ora, a lei não exige certezas acerca da injustiça da
condenação, mas apenas dúvidas, embora graves (Ac. do STJ de 03-07-1997, Proc. n.° 485/97). E a dúvida sobre a justiça da condenação abrange todos aqueles casos em que o arguido não terá que cumprir uma pena e em que esta não teria que ser aplicada no momento de decidir, se o tribunal
tivesse acesso a tais factos (Ac. do STJ de 30-04-1990, Proc. n.° 41800). O que, face aos novos elementos factuais e probatórios supra detalhados, e em correlação com os pré-existentes, claramente colocam em causa a justiça da condenação da Recorrente por homicídio da filha BB, dúvidas aliás tão graves que só podem absolver a Recorrente AA da prática (em co-autoria) do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e l32 n°s1 e 2 alíneas a) e b), do Código Penal, daqui resultando a exigência legal de não aplicação de nenhuma pena à Recorrente.
26°
Reforçando toda a prova documental original aqui oferecida, uma outra nova prova determinante diz respeito à já mencionada queixa apresentada pela esposa do então Coordenador da Polícia Judiciária II contra o próprio marido, de que só tivemos conhecimento este ano. Este documento, corroborado por um outro do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária, reveste extrema importância, porquanto comprova a personalidade violenta, criminosa e desumana do responsável máximo no terreno pelas investigações policiais ao "Caso BB", o então Coordenador II. Fonte segura e credível ligada à própria Polícia Judiciária (que nos solicitou o anonimato), fez-nos chegar cópia integral e exactamente conforme o original dessa mesma queixa apresentada pela esposa de II, contra o próprio marido, ao Director de Faro da Polícia Judiciária no dia 23 de Dezembro de 2007. Nesta carta destacam-se graves acusações da esposa contra o marido (na altura separados), nomeadamente de "insultos", "ameaças de morte", "condução de viaturas da polícia em visível estado de embriaguez" e "perigo contra a integridade de uma filha do casal de 4 anos de idade". Confirmando a autenticidade deste documento, foi-nos remetido pela mesma fonte um outro novo documento, que constitui cópia fiel, integral e exactamente conforme o original, do Relatório do Serviço de Piquete da Directoria de Faro da Polícia Judiciária, do dia 23 de Dezembro de 2007, onde se pode ler na página 2:
"Foi entregue uma carta aberta neste piquete pela senhora RR dirigida ao senhor Director-Nacional Adjunto, lic. SS.". E está o referido documento do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária devidamente assinado pelo Coordenador de Investigação Criminal responsável, licenciado EEE, e ainda pelo Inspector UU. E, como diz o referido documento do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária, trata-se de uma "carta aberta" da esposa de II, logo está bem fundado o argumento de que não poderá ser alegado de modo nenhum que o conhecimento de tal
carta possa constituir "devassa da vida privada" ou que tal carta não tenha relevância para o processo, pois constituindo, como constitui, uma queixa pública da esposa contra o próprio marido, a gravidade dos crimes denunciados é manifestamente evidente e releva para a comprovação da personalidade extremamente violenta e criminosa do então Coordenador da Polícia Judiciária II. Juntam-se pois também em anexo na presente peça processual, ambos estes documentos, que aqui se atesta constituírem cópias fiéis, integrais e exactamente conformes os originais.
27°
Sabendo pois que II era o coordenador e dirigente máximo no terreno das investigações da Polícia Judiciária ao "Caso BB", como bem comprovam os autos, nos quais se constata ser este quem assina todos os documentos que consubstanciam ordens na investigação policial, e a quem os inspectores se dirigem nos seus documentos internos (aliás como o próprio II declarou no âmbito de um auto de inquirição levado a cabo pelo Departamento Disciplinar e de Inspecção da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, inquirição esta presidida pelo Dr. FFF, Director do Departamento referido, no dia 15 de Novembro de 2004, onde o mesmo II afirma que "tem a seu cargo e sob a sua orientação a investigação referente ao inquérito crime, com o NUIPC 330/04.02JAPTM, assumindo directamente a sua titularidade, por razões de estratégia investigatória."), não podemos pois deixar de compreender porque razão a verdade não foi apurada no "Caso BB", e ainda porque razão resulta a absolutamente injusta condenação da Recorrente, quando aferimos que efectivamente a investigação da Polícia Judiciária estava entregue a um perigoso e violento alcoólico.
«Os escravos do século XXI não precisam ser caçados, transportados e leiloados através de complexas e problemáticas redes comerciais de corpos humanos. Existe um monte deles formando filas e implorando por uma oportunidade de trocar suas vidas por um salário de miséria. O "desenvolvimento" capitalista alcançou um tal nível de sofisticação e crueldade que a maioria das pessoas no mundo tem de competir para serem exploradas, prostituídas ou escravizadas.»
GGG
G) RESUMO DO PEDIDO
28°
Nos termos dos artigos 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e 449, n° 1 ai. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 ai. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461, 462 e 466, estes do Código de Processo Penal, e de acordo com todas as motivações supra explanadas, e face a todos os documentos indicados e juntos em anexo, deve o muito digo Supremo Tribunal de Justiça conceder deferimento ao presente Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, pela descoberta de novos factos e meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação da Recorrente AA pelo crime de homicídio da filha BB, em termos que justificam a sua inocência e absolvição.
«Uma ideia nova nunca pode caminhar dentro da lei. Pouco importa se esta ideia diz respeito às mudanças políticas ou sociais, ou a qualquer outro domínio de pensamento e expressão humana - a ciência, literatura, música; na realidade, tudo aquilo que se direcciona à liberdade, regozijo e à beleza, tem que se negar a caminhar dentro da lei. Como poderia ser diferente? A lei é estacionária, fixa, mecânica, 'uma roda de biga' que esmaga tudo pela frente, sem levar em conta ahora, lugar e condições, sem levar em conta causa e efeito, sem nunca entrar nas minúcias da alma humana.»
HHH”

A recorrente juntou sete “documentos originais”, e mais dois documentos, “cópias integrais exactamente conformes os originais”.

B – RESPOSTAS

O MºPº respondeu, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“ A.

1. A ora recorrente AA foi condenada - por decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.4.2006 -, em co-autoria com o seu irmão, CC, pela prática do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e b), (alínea b) apenas, no que se refere ao co-arguido CC), na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, bem assim como pela prática de um crime de ocultação e profanação de cadáver, previsto e punido no art.° 254.°, n.° 1, ais. a) e b), do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão;

2. Em cúmulo jurídico destas penas, foram ambos os arguidos condenados na pena única de 16 anos e 8 (oito) meses de prisão;

3. A vítima destes crimes foi a menor BB, filha da recorrente e sobrinha do co-arguido CC.

4. Vem agora a recorrente interpor recurso de revisão da decisão, com fundamento na previsão da alínea d) do art° 449°, n°l, do Código de Processo Penal, ou seja, por entender que se descobriram novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

5. O Ministério Público entende que deverá ser denegada a revisão por esse STJ (art°s. 455°, n°3 e 456°, do Código de Processo Penal), não havendo sequer que proceder a quaisquer diligências de prova (que, aliás, nem são requeridas).

II. Questão prévia:
II.A.
1. Visto o texto do recurso, verifica-se clara tentativa de denegrir a imagem da Polícia Judiciária, especialmente de um ex-elemento daquela Polícia que participou na investigação do caso que levou à condenação.

2. Ora, para além desta animosidade não poder servir para fundamentar o pedido de revisão da decisão, muito menos se pode aceitar que neste pedido de revisão constem afirmações como, entre outras: "Não podemos pois nos admirar dos calamitosos resultados duma investigação criminal entregue a um perigoso e violento alcoólico"; ou "Pelos vistos, ou II tirou o curso de investigação criminal na Guiné-Bissau ou país análogo, ou então era movido por interesses para nós ainda desconhecidos no sentido de que a verdade não fosse jamais descoberta".

3. Ora, afirmações deste género em nada contribuem para a serenidade que é necessária à apreciação do caso, sendo completamente estranhas ao mesmo.

4. Basta pensar que o presente recurso não versa sobre a investigação levada a cabo no processo, mas sim sobre a sua decisão final, proferida pelos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça.

II.B.
1. Mas, para além disto, e ainda no mesmo âmbito, não pode deixar ainda o Ministério Público de levantar a questão da legitimidade de junção aos autos de uma carta particular, referida como se tratando de carta enviada pela mulher de um elemento da PJ ao chefe hierárquico deste, bem como de um relatório de serviço de piquete da PJ, documentos que o Ilustre subscritor da peça processual refere terem-lhe chegado às mãos por «portas travessas», mas que não se inibiu de juntar ao processo.

2. Ora, para além das questões que se levantam quanto à admissibilidade de divulgação de tal carta particular (incluindo matéria criminal), não se vislumbra utilidade na junção dessa carta - o recurso de revisão visa uma decisão judicial transitada em julgado, não a actividade dos polícias que realizaram as investigações.

3. Pelo que tudo o que é mencionado quanto à actividade policial se deverá ter por não escrita.

III.
Vista a motivação do recurso, o pedido de revisão visa alterar a decisão condenatória, no sentido da absolvição da recorrente AA, fazendo o co-arguido CC «arcar com a responsabilidade» relativa à morte da malograda BB, depois de uma «tentativa de venda da menor».

III.A.
1. Ora, invocada que é a existência de factos novos para fundamentar o pedido, há que saber se os mesmos são, efectivamente, novos.

2. O Ministério Público entende pela negativa, pois que os 'novos' elementos são «declarações» escritas pela recorrente (em que esta imputa o crime pelo qual foi condenada, bem assim como outro, ao co-arguido, seu irmão), pelo co-arguido CC (em que o mesmo assume a prática de um facto qualificado como crime, diferente daquele pelo qual foi condenado), por diversas testemunhas (pessoas inquiridas no processo, que vêm declarar basicamente factos alheios aos que estão em causa nos autos, ou em que dizem acreditar na inocência da recorrente, ou ainda que descrevem passos da investigação), bem assim como apreciação da recorrente quanto à forma como se desenvolveu a investigação do caso, em fase de inquérito, e ainda a opinião, dita científica, expressa num livro publicado acerca deste e doutro
caso.

3. Ora, se ao iniciar a sua motivação de recurso com longas transcrições de acórdãos desse Supremo Tribunal de Justiça, a própria recorrente mostrou a necessidade de justificar o seu pedido por, no fundo, com o «factos novos» ter apenas as tais «declarações» dos arguidos e nada mais.

4. Daí que a recorrente, no ponto 5º do seu recurso, refira "Efectivamente, todos os meios de prova aqui documentados e juntos, e os principais factos neles comprovados, são novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pela Recorrente no momento em que o julgamento teve lugar".

5. Sucede que, se certo é que algumas decisões do STJ - nomeadamente algumas das transcritas no recurso - admitem esta amplitude para o recurso de revisão, já muitas outras vão no entendimento contrário.

6. Ou seja, que num caso como o presente, não se está perante a existência de 'factos novos' para efeitos da admissibilidade da revisão ao abrigo do disposto na atrás transcrita alínea d) do art° 449°, n°l, do CPP.

7. Assim, e a título de exemplo, os acórdãos de 29.4.2009 (proferido no processo n° 15189/02.6DLSB.S1), de 18.2.2009 (proferido no processo n° 09P1019), de 20.11.2008 (proferido no processo n° 08P1311), de 20.11.2008 (proferido no processo n° 08P3543), de 10.9.2008 (proferido no processo n° 08P1617), de 17.4.2008 (proferido no processo n° 07P4840) e de 3.4.2008 (proferido no processo n° 08P422).

8. Em todas estas decisões se entendeu em sentido inverso ao pretendido pela recorrente - em todos se entendeu que não pode fundamentar um pedido de revisão a existência de factos que, à data da condenação, eram já do conhecimento dos arguidos.

9. Como se refere numa destas decisões, «O recurso extraordinário de revisão impõe a quebra de caso julgado e é permitido nos art.°s 29.° n.° 6 da CRP e 4.° n.° 2 , da CEDH , supondo a ocorrência de factos novos que são aqueles que eram desconhecidos do recorrente na data da decisão revidenda ou só posteriormente vieram ao seu conhecimento; são circunstâncias "substantivas e imperiosas" que devem permitir essa quebra de modo a não transformar-se o recurso numa apelação disfarçada, "appeal in disguise", no entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1210».

10. Obviamente sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos que este entendimento é o que está mais de acordo com a filosofia do recurso de revisão, o único que assegura a excepcionalidade desse recurso.

11. Com efeito, admitir-se o recurso apenas com base em factos já conhecidos pelo arguido à data da condenação - factos, por exemplo, que o mesmo não pretendeu então revelar -, abre a possibilidade à revisão de qualquer decisão transitada em julgado.

12. Basta pensar nos casos em que o arguido não pretendeu prestar declarações à data do julgamento inicial. Acabaria por ter que se admitir sempre a revisão desde que o arguido pretendesse prestar agora declarações... Ou, mesmo tendo-as prestado no julgamento: Bastaria pretender prestar novas declarações, diferentes das anteriores, para se ter que admitir a revisão...

13. Daqui que se entenda que num caso como o presente, em que os factos "novos" não o são (no sentido de que, à data do julgamento, eram já do conhecimento da recorrente - como a própria expressamente admite), não deverá ser admitida a revisão.

III.B.

III.B.l.

1. Mas, mesmo se se admitisse a possibilidade de revisão com base em factos alegados que já eram conhecidos pela recorrente/arguida à data do julgamento, certo é que o concretamente alegado nunca justificaria a revisão da decisão, por se basear em várias «declarações» juntas ao requerimento do pedido de revisão sem qualquer valor.

2. Obtidas de forma que, no mínimo, se terá de entender como estranha.

3. Obviamente sem duvidar do alegado pelo Ilustre Advogado subscritor da motivação de recurso quanto à veracidade de ter colhido tais declarações das pessoas que as assinaram, tendo essas assinaturas correspondido ao que verdadeiramente desejavam declarar, desde logo se estranha que um advogado aborde, quer um arguido que não representa (CC), quer pessoas que têm a qualidade de testemunhas.

4. E, no que se refere ao co-arguido CC, então, entende-se que a actividade do Ilustre Advogado vai para além de todas as regras legais e deontológicas a que deve obediência.

5. A descrição que o próprio Ilustre Advogado descreve da forma como obteve a «declaração» assinada por um arguido representado por outro advogado, é quase assustadora, configurando método absolutamente proibido de obtenção de prova.

6. Na verdade, e desde logo estando-se perante arguido, se o mesmo nem em tribunal é obrigado a prestar declarações, muito menos se pode entender como admissível que se obtenha do mesmo uma declaração incriminatória com base no que, eufemísticamente, o Ilustre Advogado apelida de 'bluff'.

7. A ter sido um elemento policial a «obter» uma tal «confissão», nem imaginamos o que seria por aquele mesmo causídico dito.

8. É que, pelo menos, verificou-se no caso uma total perturbação da liberdade de vontade do co-arguido CC, através de meios confessadamente enganosos, tendo em conta a forma como é descrita a obtenção da «declaração» (o Ilustre Advogado foi ter com o arguido inventando uma história quanto a ter sabido por fonte policial que um recluso condenado por homicídio pretenderia matar CC, simulando um suicídio, recebendo dinheiro em troca de um mandante de tal homicídio, conseguindo assim que CC assinasse a «declaração» em causa...).

9. À qual, assim, não pode ser dado valor algum.

III.B.2.

1. Mas, ultrapassando esta matéria, veja-se qual a relevância das «declarações», em termos de saber quais os eventuais «factos novos» que trazem ao processo:

2. Começando pelas testemunhas LL e OO, verifica-se que nada adiantam ao que já haviam dito em sede de julgamento quanto aos factos, limitando-se a que - nas respectivas presenças - AA nunca agrediu a filha... e que a menor defendia a mãe em todas as circunstâncias...

3. A testemunha JJ, limita-se, na sua qualidade de mãe de ambos os arguidos, a defender a recorrente e a acusar o co-arguido CC, com base na sua convicção acerca das «confissões» dos filhos.

4. A testemunha KK limita-se, na sua «declaração», a dizer ser AA uma pessoa calma, não agredindo a filha.

5. A testemunha PP, que é companheiro da recorrente e, como tal, tem interesse directo nos factos, limita-se, na sua «declaração» a maioritariamente criticar a Polícia Judiciária e, concretamente, um elemento desta à data dos factos. De resto, fala do amor que a AA sentiria pela filha, de como a tratava bem, e de que não acredita que a mulher mantivesse relações sexuais com o irmão (matéria irrelevante, por não constar da matéria provada) e de factos que alegadamente se terão passado nas instalações da Polícia Judiciária (maioritariamente relacionadas com as alegadas relações sexuais e, como tal, também irrelevantes para o caso), bem assim como de «rumores» que existiriam quanto à compra da malograda BB.

6. No mais, diz acreditar na «confissão» de CC e da sua companheira, aqui recorrente, entendendo que esta está inocente. É a sua convicção, pelos vistos.

7. Nada de «factos novos» trazem todas estas declarações, muito menos factos de que não tivesse já conhecimento à data da audiência de julgamento.

8. Quanto à «confissão» constante na «declaração» assinada pelo co-arguido CC, para além do que já se disse quanto à sua validade (nenhuma), contém apenas a menção de que terá tentado vender a sobrinha. A quem? Quando? Nada mais é referido...

9. Daqui que, mesmo a aceitar-se a sua validade e relação com os factos em causa nos autos, não é declaração relevante.
10. Não constituirá senão mais uma versão dos factos apresentados por este arguido - já anteriormente havia falado na venda da menor, mas imputando-a à recorrente AA.

11. Finalmente, quanto à «declaração» da recorrente (elaborada pelo seu advogado, ao que tudo indica) - ao que se lê de tal «declaração» a arguida AA diz-se inocente, contando uma longa 'história' de a ter o irmão previamente convencido a "vender" a BB a terceiras pessoas (que nunca identifica ou possibilita a identificação), em troca de benefícios económicos.

12. Que, no dia dos factos, mandou a filha às compras, saindo o CC atrás dela (munindo-se de roupas da menor), com vista a tal «venda»; Que passada hora e meia, o CC teria voltado, com sangue nas calças, confessando-lhe ter morto a BB e, mais tarde, que teria enterrado o corpo. Face a isso, a ora recorrente teria ficado muito perturbada, mas não denunciando a situação, por receio de ficar presa por ter tentado vender a filha. Acrescenta ter sido agredida na PJ, estando inocente, não compreendendo porque está presa quando foi o "monstro" do seu irmão que matou a BB...

13. Sempre salvo o devido respeito, o que resulta daqui é uma tentativa desesperada da arguida/recorrente para se eximir à responsabilidade pelos factos por si praticados e pelos quais se encontra a cumprir pena.

14. Caindo até numa descrição dos factos que de lógica nada tem - por exemplo, ter mandado a menor às compras, quando nem estaria dentro do seu conhecimento quando seria a menor vendida.

15. Mas, o que nunca consegue explicar - face a esta alegada «confissão» - é o motivo porque nunca referiu estes factos, nem à data dos factos, nem aquando da investigação, nem em sede de Instrução, nem em julgamento...

16. É patética a justificação que dá - só ter revelado agora os factos por ter medo de ser presa por ter tentado vender a filha.

17. Pelos vistos, esquece-se que está presa por a ter matado...

18. Daí não ter qualquer credibilidade esta «verdadeira confissão».

III.C.

1. Mas, mesmo se se desse de barato que as «declarações» eram válidas, restaria então saber se as declarações em causa poderiam justificar a revisão da decisão.

2. Ora, como já se viu, as das testemunhas nada adiantaram ao que anteriormente referiram, nada de «novo» trazendo (são, como se disse atrás, referentes a aspectos secundários ao caso), «novas» sendo apenas as «declarações» escritas pelos arguidos.

3. Mesmo se se ultrapassassem todos os problemas atrás mencionados, essas «declarações» escritas nunca justificariam a revisão da decisão, pois que - e nisso não existe divergência de opinião jurisprudencial - a revisão de decisão transitada em julgado tem que ser entendida como situação excepcional, assentando num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigência da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um "remédio" a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.

4. E daí que o êxito do recurso fica dependente de «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per se ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação». O que significa, desde logo, que a estabilidade do julgado se sobrepõe à existência de uma mera dúvida sobre a justiça da condenação:
pode existir dúvida sem que se imponha a revisão da sentença. A dúvida sobre determinado ponto pode, assim, coexistir, e coexistirá muitas vezes com o julgado, por imperativo de respeito pelos valores de certeza e de estabilidade.

5. A dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste. E, se assim é, não será uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada.

6. Tomando como base estes entendimentos, clara é a conclusão de que no caso em análise, mesmo a admitirem-se como válidas as «declarações» dos arguidos, as mesmas nunca poderão conduzir à pretendida revisão.

7. Isto porque as «declarações» escritas não atingem, sequer, a validade de algo que coloque em dúvida a justeza da condenação. Muito menos sendo aptas a levantar dúvida qualificada quanto à condenação.

8. Admitir-se a revisão seria superficial, precipitado e insensato, tanto mais quando - ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente - a sua condenação (bem como a do co-arguido, seu irmão) não se baseou em quaisquer declarações, nomeadamente confessorias, que tenham prestado nos autos, mas sim no conjunto de outras provas existentes nos autos.

9. A admitir-se a revisão com base neste tipo de «declarações», para mais quando não corroboradas (antes contrariadas) por outros elementos probatórios, estaria aberta a porta à admissão da revisão de toda e qualquer decisão em que os arguidos houvessem optado por não prestar declarações em sede de audiência (o que sucede em grande número de casos).

III.D.

1. Finalmente, quanto à alegada opinião científica do criminologista Dr. BBB, limita-se a recorrente a transcrever longos excertos de um livro que este terá escrito e no qual - ao que é alegado - terá "comprovado a péssima investigação criminal" que terá sido efectuada neste e noutro processo mediático.

2. Ora, sempre salvo o devido respeito, por mais científica que seja a opinião daquele autor, tudo o que o mesmo refere é totalmente irrelevante para o caso aqui em questão, não passando de opiniões pessoais de pessoa que nem teve intervenção no processo e que se limita a criticar a actuação de todos, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça.

3. Por mais louvável que tenha sido a intenção do seu autor (intenção que terá certamente sido recompensada pelas vendas do livro) nada tem de «novo» em termos de fundamentar o pedido aqui em causa, reportando-se a situações de inquérito e de julgamento e não a quaisquer «factos novos» posteriores a estes momentos.

4. Totalmente inconsequente, assim tudo o que é daquele livro transcrito em sede de recurso.
Recurso de revisão que, pelo exposto, deverá ser negado por:
- Não ser admissível, dada a não invocação de factos «novos», por já conhecidos dos arguidos à data da condenação;
- A admitir-se a possibilidade de revisão com tais factos, certo é que as «declarações» juntas não são válidas;
- Mesmo a aceitar-se essa validade, não contêm elementos credíveis;
- E, se mesmo assim se entendessem, nem suficientes seriam para levantar dúvida suficiente para a revisão da decisão transitada, por desacompanhadas de outros elementos de prova, antes contrárias a estes.”

O co-arguido CC também respondeu, ao abrigo do artº 774º do CPC e declarou que:
“De factos novos, ao ora recorrido apenas ressalta à vista o declarado por PP quando relata ter presenciado o modo como foi maltratado o aqui recorrente por parte de inspectores da PJ designadamente uma agressão física (“pontapé”), factos que, a terem ocorrido, são passíveis de responsabilizar criminalmente os respectivos agentes. Termos em que, desde já, se requer a instauração do competente inquérito e a realização das diligências necessárias ao apuramento da verdade”.
Tece depois considerações, que pretendem acentuar, mais uma vez, a injustiça da condenação pelo tribunal de júri, em primeira instância, de que não foi possível recorrer de facto.

C - INFORMAÇÃO SOBRE O MÉRITO DO PEDIDO (artº 454º do C.P.P.)

A informação prestada foi:

“A condenada AA veio apresentar o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão, transitado em julgado, que a condenou pela prática, em concurso efectivo e como co-autora, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 131.º e 132.9, n.9 2, ai. a) e b) do C. Penal, e de um crime de ocultação de cadáver, p e p. pelo art.9 254.2, n.2 1, ai. a) do C. Penal, na pena única de 16 anos e 8 meses de prisão.
Para tanto, fundamenta a sua pretensão na existência de novos factos e de novos meios de prova, os quais suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No que concerne à factualidade defende agora a condenada que a sua filha BB foi assassinada pelo seu irmão, o também condenado CC, facto a que aquela foi totalmente alheia.
Concretiza tal versão, alegando, em síntese, que o seu irmão, na madrugada do dia 12.09.2004, a teria convencido a entregar a sua filha a um casal que não podia ter filhos e que a mesma seria levada para o estrangeiro onde teria melhores condições de vida que aquelas que a condenada lhe poderia dar.
Em troca, a condenada receberia uma ajuda financeira. Para justificar o desaparecimento de BB, o irmão da condenada sugeriu que fizessem crer que a BB fora raptada por desconhecidos. Uma vez que o irmão da condenada já teria tudo combinado para esse mesmo dia, pelas 20h00, tendo chegado aquela hora, a condenada mandou a sua filha fazer umas compras à Pastelaria "...." enquanto o seu irmão guardava várias roupas da criança. Foi então que, tendo o irmão da condenada saído para concretizar o "negócio", o mesmo regressou a casa, cerca de uma hora e meia depois, sem dinheiro, sem a BB e com uma mancha de sangue na parte inferior das suas calças. Confrontado com tais factos o irmão da condenada contou-lhe o que se havia passado, que não lhe teriam levado o dinheiro e que a BB ter-se-ia apercebido das suas intenções e ameaçado que iria contar tudo; que o mesmo lhe teria dado estaladas em face dos protestos da mesma mas que teria acabado por se descontrolar e a BB acabara por morrer, tendo depois escondido o corpo para se desfazer do mesmo mais tarde. CC avisou-a de que estavam ambos envolvidos nos factos, e a condenada, receando ser presa por ter tentado vender a sua filha, concordou em não dizer nada e manter a versão combinada com o seu irmão.

Para comprovar a versão aduzida pela condenada, junta a mesma os seguintes meios de prova:
1) Declaração escrita pela própria, datada de 15.01.2009, onde a mesma narra pormenorizadamente os acontecimentos em causa;
2) Declaração escrita do condenado CC, datada de 18.05.2009, onde o mesmo declara ter tentado vender a sua sobrinha;
3) Declaração escrita de JJ (mãe dos condenados), datada de 01.06.2009, onde a mesma declara acreditar na inocência da sua filha e na culpa exclusiva do seu filho;
4) Declaração escrita assinada por KK (que co-habitou com a condenada e a filha durante cerca de três meses), datada de 05.06.2009, onde o mesmo declara nunca ter visto a condenada bater em BB, considerando-a uma pessoa calma e incapaz de actos de violência.
5) Declaração escrita assinada por LL (gerente do Café....., local onde BB foi fazer compras momentos antes do seu desaparecimento), datada de 02.06.2009, onde a mesma declara nunca ter visto a condenada bater na filha, a qual, por sua vez sempre disse bem da mãe.
6) Declaração escrita assinada por OO (proprietária de um supermercado sito na Figueira e que ajudou frequentemente a família dos autos), datada de 02.06.2009, onde a mesma declara nunca ter visto a condenada bater na filha ou ouvido comentar que tal tivesse sucedido, sendo que a BB sempre disse bem da mãe.
7) Declaração escrita assinada por PP (companheiro da condenada à data dos factos), datada de 05.06.2009, onde o mesmo declara conhecer o seu temperamento, considerando-a incapaz de ser agressiva, nunca a tendo visto bater em BB ou em qualquer dos seus filhos, pelo que não acredita que a mesma tivesse matado a filha.
8) Cópia de uma carta dirigida ao Director Nacional Adjunto da Polícia Judicial, Directoria de Faro, por RR relatando factos pessoais referentes ao Coordenador de Investigação Criminal, II.
9) Cópia do relatório do serviço de piquete da Polícia Judiciária, datado de 23.12.2007, onde conta a referência à entrega, por RR, de uma carta aberta dirigida ao Director Nacional Adjunto da PJ.
Não foi requerida a produção de outros meios de prova e, em face da matéria alegada, não houve lugar à realização de quaisquer diligências probatórias, por não se verificar o circunstancialismo a que alude o art.ºs 453.º, n.º 1 do CPP.
Mostram-se juntas aos autos as respostas do Ministério Público e do condenado CC, as quais foram tempestivamente apresentadas.

Cumpre agora analisar o mérito do pedido.

Nos termos estatuídos pelo art.s 449.º, n.º 1, al. d) do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, (com s.n.)
A revisão de uma decisão criminal transitada em julgado configura a última via legal de correcção de um qualquer erro judiciário, apelando à prevalência da verdade material sobre o caso julgado, em homenagem à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos afectados por uma condenação, afinal, injusta.
Um dos fundamentos legais de revisão é, justamente, a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova que possuam a virtualidade de gerar dúvidas - sérias e graves - sobre a bondade da decisão da questão de facto que fundamentou a condenação pela prática de um crime.
Quanto à factualidade relevante para este efeito, não se limita a mesma aos factos constitutivos do tipo criminal, antes abrangendo também os factos meramente instrumentais, uma vez que a prova destes sustentará a comprovação dos factos essenciais através de processos lógicos de indução. Assim, a revisão poderá reportar-se apenas aos referidos factos indiciantes (nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques, in "Recursos em Processo Penal", 2002, pág. 215), desde que, naturalmente, tais factos sejam novos e colidam com os factos dados como provados na decisão revidenda por implicarem uma conclusão diversa da ali consignada (totalmente oposta ou geradora de sérias dúvidas sobre a sua verificação).
No que concerne aos meios de prova, serão todos aqueles permitidos por lei, que se destinem a demonstrar a verdade dos factos (sejam os constitutivos do tipo penal ou os meramente instrumentais).
Essencial é que tais factos ou meios de prova sejam novos, ou seja, que «sobrevenham ou se revelem posteriormente à condenação» (cfr. Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados na obra e pelos autores supra citados, na referida pág. 215), razão pela qual não terão sido apreciados ou valorados pelo tribunal. Nesta conformidade, concluem estes autores, não será novo «o meio de prova ao qual, havendo figurado no processo, o tribunal, no uso da sua livre apreciação, não concedeu valor».
Todavia, não basta a novidade dos factos ou dos meios de prova para abalar a força do caso julgado e a inerente segurança jurídica de uma decisão final. Com efeito, a descoberta posterior dos aludidos factos e/ou meios de prova apenas merecerá relevância no caso de a mesma evidenciar que os factos dados como provados na decisão revidenda não ocorreram sequer ou ocorreram de modo diverso, gerando, assim, sérias (fortes, intensas, graves) dúvidas sobre a sua verificação e, por conseguinte, sobre a justiça da condenação pela prática de um crime.
A finalidade da revisão com este fundamento reside assim, na obtenção de uma nova decisão, desta feita absolutória (através da prova de factos que demonstram a inocência do condenado ou da prova de factos que criam na convicção do julgador dúvidas razoáveis sobre a realidade dos factos, tal como haviam sido dados como provados).
Ora, no caso dos presentes autos a condenada escuda-se na invocação de novos factos, relatando uma versão segundo a qual a mesma apenas teria tomado parte na tentativa de venda da sua filha BB, não tendo matado a sua filha nem jamais agredido ou maltratado a mesma.
Mas será efectivamente um facto novo, um facto que não foi ponderado pelo tribunal que proferiu a decisão ora posta em crise? Não parece.
Com efeito, tal como resulta da motivação sobre a matéria de facto consignada na referida decisão, várias testemunhas disseram terem ficado preocupadas com o desaparecimento de BB, o que revela que, para as mesmas, o desaparecimento da menor seria necessariamente involuntário (por conhecerem a BB, foi logo descartada a possibilidade de tal desaparecimento resultar de uma fuga da mesma, aliás, fuga para onde? E como?). Ora, tal desaparecimento convoca uma possibilidade, ainda que meramente implícita, de rapto, sem se excluir terem os então arguidos pelo menos participado nesse rapto. Ou seja, esta tese foi necessariamente aventada em sede de investigação e seguramente ponderada (nem que fosse para ser a mesma afastada) pelo Colectivo de Juízes.
Assim, devidamente esclarecedora é a referência ao depoimento da testemunha III, tia dos ora condenados (constante de fls 93 da certidão junta ao presente apenso) onde expressamente se consignou que a testemunha referiu em audiência de julgamento que os condenados apareceram em sua casa no dia 13 de Setembro e que a condenada lhe disse que tinham ambos ido à Polícia «dizer que "tinham roubado a BB"».
Tal como expressiva é a referência ao depoimento de II, coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária (constante de fls 93 da certidão junta ao presente apenso), onde se enuncia que o caso começou por ser classificado como crime de sequestro/rapto e que a testemunha chegou a seguir «o pista de um cidadão marroquino que podia ter levado a BB, segundo indicações da arguida AA, mas veio a apurar que na altura do desaparecimento da BB esse indivíduo estava em França». (com s.n.).
Donde, esta versão, pese embora não tenha sido então expressamente articulada pela condenada, foi, de algum modo, veiculada em audiência de julgamento, tendo sido necessariamente ponderada pelo Colectivo de Juízes a tese do rapto (quer por desconhecidos, quer pelos próprios arguidos para obtenção de recompensa). Porém, em face de todas as provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respectivo exame crítico, esta versão não chegou a apresentar um mínimo de sustentabilidade atento o sentido do conjunto da prova produzida, tendo sido excluída (ainda que implicitamente) tal hipótese.
E mesmo no que concerne a eventuais agressões anteriores da condenada à sua filha, sempre se dirá que a mesma não foi acusada/pronunciada ou condenada pela prática de crime de ofensa à integridade física ou de violência doméstica, sendo certo que, ainda aqui o tribunal não deixou de ponderar tal factualidade, como resulta do teor de fls 109 da certidão junta ao presente apenso, onde se pode ler que «A matéria considerada não provada resultou da circunstância de quanto a ela não ter sido apresentada prova ou por ser a mesma insuficiente para fundamentar a convicção do tribunal de acordo com as regras da experiência comum. Repare-se, por exemplo, quanto ao alegado facto de a arguida AA maltratar os filhos, que nenhuma testemunha disse algo de onde se pudesse inferir tal facto, e nenhuma outra prova foi apresentada nesse sentido.» Reporta-se a decisão aos factos elencados sob os n.ºs 1, 3, 4 e 6 dos factos dados como não provados.
Para este efeito foi valorado o depoimento, entre outros, das testemunhas LL(cfr. fls. 87 da certidão junta ao presente apenso) e OO (cfr. fls 91 da certidão junta ao presente apenso), que esclareceram, então, nunca terem visto a condenada bater ou maltratar a filha.

Nesta conformidade, entende-se que a factualidade enunciada pela condenada não consubstancia qualquer novidade para os presentes autos, razão pela qual se pugna pela improcedência da sua pretensão.
Todavia, ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que a tese anunciada pela arguida não se apresenta credível, atento o sentido da prova produzida nos autos principais, pelo que não é sequer adequada a gerar dúvidas sobre a verificação dos factos tal como vieram a ser dados como provados.
Mas importa ainda valorar a "prova" apresentada pela condenada para demonstrar a viabilidade da sua versão.
Com efeito, a condenada junta agora (quando nada fez em sua defesa no âmbito do julgamento dos autos principais...) os seguintes meios de prova, já acima elencados: declarações escritas assinadas pela própria, pelo outro condenado, pela mãe de ambos e por testemunhas que foram inquiridas em sede de audiência de julgamento.
Ora, que acrescentam estes meios de prova (e dando-se desde já de barato que se tratam efectivamente das pessoas em causa e que as mesmas subscreveram os documentos livres de constrangimentos - porque do que resulta dos autos, quanto à actuação do Exmo. Senhor titular da Cédula de Advogado n.º 427M, até isso se põe em causa) em termos de conferir veracidade à versão aduzida pela condenada? Rigorosamente nada.
Senão, vejamos:
a) Desde logo a condenada junta aos autos uma declaração escrita assinada pela sua mãe. Ora, JJ não foi inquirida na qualidade de testemunha no âmbito dos autos principais e não foi alegada qualquer impossibilidade de prestação de depoimento nessa sede. Assim, ao abrigo do disposto no art.s 453.2, n.e 2 não seria nunca de valorar tal declaração. Em todo o caso, sempre se dirá que o que a mãe dos condenados vem dizer é apenas isto: que conhece bem os filhos que tem (mau era se não conhecesse), que a sua filha nunca batia na neta (mas o Colectivo de Juízes não concluiu pelo cometimento do crime de homicídio porque a condenada costumasse maltratar BB nem na decisão revidenda se deu como provado tal facto), que o filho era pessoa para cometer os factos pelos quais veio a ser condenado, que acredita na versão escrita da condenada e, bem assim, que acredita no teor da declaração escrita pelo condenado CC (desde logo não se pode deixar de registar o "zelo" com que o Exmo. Senhor titular da Cédula de Advogado n.s 427M se prestou a exibir e a confrontar as testemunhas com as declarações de uns e de outros). Ora, trata-se de uma mera opinião marcadamente subjectiva de uma pessoa que até tem uma relação de proximidade familiar com os condenados, não sendo minimamente isenta. Acresce que, como é óbvio, não é o facto de uma pessoa dizer que acredita na versão da arguida que essa versão ganha uma autoridade de facto provado, sendo certo que os "factos" que refere a mãe dos condenados não afronta as conclusões extraídas pelo Colectivo de Juízes quanto à globalidade da prova produzida nos autos principais.
b) A condenada junta ainda aos autos as declarações constantes de fls 55 a 63 dos autos, subscritas pelas testemunhas KK, LL, OO e PP. Tratam-se, efectivamente, de testemunhas já inquiridas nos autos principais. Todavia, que acrescentam de novidade aos autos? Ainda aqui, nada. Limitam-se a reduzir a escrito o que já em audiência de julgamento haviam dito.
I. É o que sucede com LLe OO, que vêm esclarecer não terem visto nunca a condenada bater na sua filha BB, a qual sempre disse bem da mãe, quando resulta do teor de fls 87 e 91 da certidão junta ao presente apenso, que as mesmas já em audiência de julgamento haviam esclarecido não terem visto quaisquer sinais de maus tratos na menor. Para além de se tratar de uma repetição do que já fora apreciado em julgamento pelo Colectivo, insiste-se que o mesmo não condenou a aqui recorrente pela prática de um crime de homicídio pelo facto de a mesma já antes maltratar a filha, pois que nem sequer deu tal facto como provado.
II. Ainda no que concerne ao "depoimento" escrito da testemunha KK, ainda aqui se verifica que o mesmo se limita a referir que nunca viu a condenada bater nos filhos, que a mesma era incapaz de violência e que acredita na sua declaração de inocência (também apelidada nos autos como “confissão"...). Será porventura repetitivo e desgastante referir a razão pela qual tais declarações não merecem qualquer relevância, visto que as razões são as mesmas já acima enunciadas.
III. Finalmente, no que respeita às declarações subscritas por PP, não se descortina onde estão os "importantíssimos novos factos por meio de novo documento" a que alude a condenada na sua motivação de recurso. É que de novo só tem o facto da data da assinatura desse documento ser posterior à data do julgamento dos autos principais. Novamente se faz aqui referência ao facto de a condenada ser incapaz de ser violenta e nunca ter batido nos filhos, mais declara a testemunha estar crente na inocência de AA quanto à morte de BB e acreditar no teor do documento subscrito pelo condenado CC, que seguramente lhe foi exibido (ao que parece só faltou à condenada publicar os depoimentos no jornal da região...). Menciona ainda factos referentes ao alegado relacionamento sexual entre os condenados na noite dos factos (algo que o Colectivo de Juízes deu como não provado). E termina formulando acusações contra o responsável pela investigação criminal da altura. Ora, mesmo quanto à invocada tentativa de venda da menor por parte do condenado CC, a testemunha nada revelou saber, limitando-se a dizer que acredita que tal tenha sucedido e que havia «rumores» que a BB teria sido alvo da tentativa de compra por criminosos. Deverá tal declaração ser considerada relevante e suficiente para infirmar as conclusões sobre a prova vertidas na decisão posta em crise? Meros rumores e a opinião de alguém que até foi companheiro da condenada?
Seguramente que não.
c) Mas a condenada junta ainda aos autos uma declaração subscrita pelo seu irmão, o também condenado CC. E aqui importa deter-nos um pouco mais. É que, sem qualquer pudor (aliás, denota-se mesmo uns laivos de heroísmo), o Exmo. Senhor titular da Cédula de Advogado n.s 427M - que até mostrou conhecer o art.s 126.2 do CPP, pois que ao mesmo faz tão eloquente referência na pág. 33 da motivação de recurso - descreve minuciosamente a forma, que o mesmo seguramente reputa como brilhante, pela qual obteve tal declaração do condenado. A declaração em causa é apenas esta «Eu abaixo assinado CC, recluso n.º 470 do Estabelecimento Prisional da Carregueira, confesso que tentei vender a minha sobrinha BB. Por ser verdade assino a presente confissão. Sintra, 18 Maio 2009». Não refere quando, não refere a quem, não refere absolutamente mais nada. É claro que a intenção de juntar esta declaração aos autos é bem evidente. Pretende-se, de alguma forma, ainda que ténue, corroborar a versão narrada pela condenada. Todavia, não só tal declaração não põe em causa a factualidade dada como provada no acórdão proferido nos autos principais, como é de tal modo vaga e imprecisa que, ao contrário do pugnado pela defesa, não consubstancia um meio de prova suficiente para a finalidade pretendida. Porém, vaga e imprecisa que seja, tal declaração não poderá ser, em caso algum, valorada, atentas as circunstâncias em que a mesma foi obtida. Com efeito, é o próprio Mandatário da condenada que consigna na motivação em apreço que, por sua iniciativa, decidiu deslocar-se no passado dia 18 de Maio ao Estabelecimento Prisional da Carregueira, onde se encontra preso o condenado CC em cumprimento da pena aplicada nos autos principais, para o confrontar com a ali denominada "livre e verdadeira confissão" da condenada AA. E eis que, perante a persistência do condenado em "acusar falsamente" a sua irmã, o Exmo. Senhor titular da Cédula de Advogado n.º 427M se lembra do inacreditável para qualquer sistema judicial de um Estado de Direito Democrático:
Resolve criar um cenário e fazer "bluff" com o condenado. Como? Dizendo ao condenado que seria transferido para aquele estabelecimento prisional um recluso, que teria sido condenado por homicídio, numa pena de mais de vinte anos de prisão, com o objectivo de o assassinar (!).
Isto porque estando as comunicações telefónicas do estabelecimento sob escuta, teria sido interceptada uma conversa em que um dos interlocutores se teria mostrado preocupado com a possibilidade do condenado CC vir a revelar sob pressão dados importantes sobre aqueles que tentaram comprar BB e que, a troco de muito dinheiro, o outro deveria assassinar CC, simulando depois um suicídio. Se o condenado dissesse o que era esperado, seria ainda possível impedir a transferência, caso contrário nada seria feito para evitar a referida transferência e o condenado seria assassinado «dentro de menos de três meses» 11). E foi perante este cenário de ficção que o condenado acabou por assinar a declaração depois junta aos autos. Acaso espera o Exmo. Senhor Mandatário ser louvado pelo seu engenho? Engenho este que atropela os mais elementares direitos e garantias de defesa de um arguido/condenado? Ou tais direitos e garantias valerão apenas para a sua constituinte? É que é por demais flagrante que o meio de prova junto aos autos pela condenada foi obtido através de perturbação da liberdade de vontade e de decisão através da utilização de meios enganosos, cfr. art.º 126.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do CPP. A consequência não poderá deixar de ser a da nulidade dessa prova e a impossibilidade de a mesma ser utilizada.

A condenada junta ainda as suas próprias declarações reduzidas a escrito, onde a mesma explica qual o plano gizado pelo condenado CC (entregar a BB a um casal estrangeiro e endinheirado, em troca de ajuda financeira), o modo como o mesmo o tentou por em prática e, tendo-se gorado tal plano, que a sua filha teria acabado por ser morta pelo seu irmão, a tudo sendo a condenada alheia. Mais esclarece que nada terá dito antes por recear justamente ser presa pelo facto de ter tentado vender a sua filha. Ora, o meio de prova em causa traduz-se, afinal, em declarações da condenada (declarações de arguido) as quais foram exaradas num documento. Tais declarações consubstanciam uma mera versão da condenada, versão esta que, afinal, não encontra suporte em qualquer outro meio de prova (dado que, como acima se explicou, os depoimentos escritos das testemunhas não encerram factualidade nova ou sequer relevante para os presentes autos e as declarações do condenado CC não poderão ser valoradas). Ainda assim, sempre se dirá que muito se estranha que a arguida se tenha sempre remetido ao silêncio e pretenda agora apresentar tal versão dos factos. Em todo o caso, o certo é que esta versão não merece qualquer credibilidade, apresenta ilogicidades várias e não é nem suficiente nem adequada a prejudicar toda a prova que foi produzida em audiência de julgamento nos autos principais e todas as conclusões extraídas de tal prova pelo Colectivo de Juízes.

A pretexto de sindicar a credibilidade da testemunha II, Coordenador da Investigação Criminal dos autos principais, veio ainda a condenada invocar factos pessoais da referida testemunha com o manifesto objectivo de denegrir a sua imagem pessoal e profissional, tecendo considerações lamentáveis, pela forma como são feitas, a seu respeito. E para tanto, junta uma carta, alegadamente escrita e entregue a um responsável na Polícia Judiciária, pela mulher da testemunha. Tal carta até data de 2007. Que relevância tem esta carta para o caso dos presentes autos? Para além do total achincalhamento processual, nenhuma. Em primeiro lugar, não contém qualquer facto novo contido no tema da prova, em segundo lugar, reporta-se a acontecimentos alegadamente datados de 2007, sendo os factos que deram origem aos presentes autos datados de 2004 e o acórdão condenatório datado de Novembro de 2005. Isto é, a audiência de julgamento onde a testemunha em causa depôs e onde foi valorado o seu depoimento ocorreram muito antes. O comportamento pessoal da testemunha não teve qualquer reflexo na condução da investigação - que é bem anterior - e, note-se, nem sequer foi esta a única testemunha por parte da Polícia Judiciária a depor no processo. Ora, do que flui da decisão sindicada, nenhum facto foi dado como provado apenas e só com fundamento no depoimento desta testemunha. Nestes termos, ainda que por hipótese académica se desconsiderasse o depoimento da mesma, existiram sempre os demais meios de prova que continuariam a sustentar as mesmíssimas conclusões a que chegou o Colectivo de Juízes.

f) Finalmente, invoca ainda a condenada uma espécie de parecer de BBB, licenciado em Antropologia, citando diversos excertos de um verdadeiro "tratado jurídico", o livro "Maddie, BB e Investigação Criminal - A verdade escondida". Oito páginas de citações de uma mera opinião de alguém que, por muito prestigiado que seja, não é nem Juiz nem sequer licenciado em Direito. Como não li o livro fiquei a conhecer a referida opinião, sendo que, para o que interessava - invocação de novos factos ou de novos meios de prova – a transcrição em causa tem um relevo nulo.
Examinados e avaliados todos os aludidos meios de prova, nos termos que acima ficaram exarados, resulta a firme convicção de que o pedido em evidência está votado ao insucesso.
Com efeito, não só os factos aportados aos autos não são novos no sentido de não terem sido sequer objecto de ponderação por parte do Colectivo de Juízes que decidiu condenar AA nos termos em que o fez, como os meios de prova indicados pela condenada não convocam qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto dada como provada nos autos principais (isto porque nada de novo acrescentam, e alguns deles nem sequer apresentam o grau de isenção necessário para sequer serem valorados).
Por conseguinte, não se verificando os pressupostos a que alude o art.º 449.ºdo CPP, falecerá, à saciedade, a existência de quaisquer dúvidas (e muito menos graves) sobre a justiça da condenação.
Nestes termos, em face de tudo quanto acima se consignou e salvo a sempre melhor e avisada opinião dos Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, considero que o pedido em evidência deverá improceder e, em consequência, deverá denegar-se a revisão da decisão condenatória proferida nos autos principais.
Esta é, pois, a informação sobre o mérito do pedido que, ao abrigo do disposto no art.º 453.º do CPP me incumbia consignar.
Notifique os sujeitos processuais da informação supra prestada.
Após, remeta os presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça (não se remetendo, por ora, os autos principais por se encontrar em curso a execução da pena).”

E, já neste S. T. J., o Mº Pº produziu douto parecer do teor seguinte:

“Questão Prévia - nos termos do disposto no art. 452° do C.P.P. a revisão é processada por apenso nos autos onde é proferida a decisão a rever e só não promovemos neste sentido porque nos parece que o pedido, devido aos seus fundamentos, poderá/deverá levar ao indeferimento do recurso, embora a arguida/recorrente diga que é ao abrigo do art.° 449°, n.° 1 al. d) do C.P.P. que instaura o recurso de revisão.

A arguida AA, vem interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão transitado em que foi condenado por autoria de um crime de homicídio qualificado (art.º 131°, 132° n.°s 1 e 2 a) e b), do CP.), na pena de 16 anos de prisão e de um crime de ocultação e profanação de cadáver (art. 254°, n° 1, als. a) e b) do CP) na pena de 2 anos de prisão, em cúmulo na pena única de 16 anos e 6 meses.
O recurso extraordinário de revisão, direito também reconhecido constitucionalmente no n° 6 do art. 29° da Constituição, apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (In Recursos em Processo Penal, Simas Santos e Leal Henriques, 163), visando "averiguar em que medida é que, no caso, os novos factos ou as novas provas apresentadas são susceptíveis de abalar a convicção do tribunal, em matéria de facto, sem perder de vista, obviamente, os factos já dados por provados na decisão condenatória e a prova em que se basearam (ac. do STJ de 27.11.2008, p. 1131/08)".
Os fundamentos do recurso de revisão p. no art.° 449°, n.° 1, mesmo depois das alterações, sofridas com a entrada em vigor da Lei 48/2007 continuam a abranger a descoberta de novos factos ou meios de prova que per si ou combinados com os que constam na decisão, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al. d))".
Apesar da recorrente invocar o fundamento p. na al. d) do art. 449°, e todas as disposições seguintes até ao disposto no art. 462° do CPP, não consegue demonstrar que os factos são novos, pois apenas junta documentos originais e dois "conformes aos originais", sem requerer qualquer diligência quando tais documentos são declarações assinadas pelo co-arguido, pela arguida ou outras pessoas quase todas testemunhas ouvidas em julgamento e o último é uma fotocópia de uma carta cuja autora e conteúdo nada têm a haver com a decisão condenatória.
A arguida/recorrente não indica expressamente o que resulta de tais documento no sentido de suscitar dúvidas sobre a sua condenação, mesmo quando conjugado o seu conteúdo com as suas declarações em que atribuiu a autoria do crime de homicídio ao seu irmão CC e não admite a sua autoria.
1. - Os factos para serem considerados novos tinham que ter sido descobertos depois de a arguida/recorrente ter sido condenada, mas a mesma confunde os factos novos com "histórias" novas onde o irmão e co-arguido, desempenha o papel principal.
Mas para isso o "actor" teria de assumir tal papel e pela descrição do próprio "novo" advogado constituído da arguida AA, o mesmo teve de lhe contar uma outra "história" também completamente inventada, mas com a qual só conseguiu que ele "declarasse/confessasse que... tentou vender a sua sobrinha BB... ......."
1.2. - Mesmo que o arguido CC não viesse, na sua resposta, considerar a obtenção da sua declaração inqualificável devido aos meios proibidos utilizados o "documento" da arguida AA não passaria a ter mais valor ou passar a ser credível com tal fundamento.
1.3. - Todas as outras "declarações" essencialmente limitam-se a transmitir que a arguida AA não era violenta com a filha, que nunca a viram bater/BB e que a própria BB defendia a mãe (?? mas a mãe era atacada ??).
Não se percebe que dúvidas podem suscitar estes factos que, não sendo novos, não alteram em nada os factos dados como provados quanto à personalidade da arguida AA, nomeadamente o "desinteresse pelos filhos mais velhos ", a "menor BB por vezes estar triste" a menor BB ajudava a mãe ... "às vezes ajudava a limpar a casa, "tratava dos irmãos mais novos e fazia compras" quando a "BB em Setembro de 2004, tinha 8 anos ...", "a arguida AA não exercia qualquer actividade profissional" e ainda "no primeiro dia de aulas da menor BB ... 2003/2004, a arguida AA não acompanhou a menor à Escola, tendo a BB chegado com uma vizinha, a quem pediu auxílio ...".

Este último facto até tem como fundamento as declarações não só da professora como da própria vizinha OO, pois apesar de não ter visto a mãe AA bater na BB, além de a ter levado à Escola também a levou ao hospital porque andava com muita tosse e a mãe não tinha vagar para a levar!!.
1.4 - E por ausência total de qualquer indício que suscite dúvidas sobre a justiça da condenação nem iremos fazer considerações quer sobre transcrições de um livro de um autor que também será licenciado em "Antropologia, pós-graduado em Ciências Criminais e em Estudos Psicocriminais" e até "Inspector-Chefe das PJ durante 30 anos .. etc. quer sobre transcrições do(s) voto de vencido de dois Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça proferido no próprio acórdão condenatório agora em recurso extraordinário de revisão!!.
Só podemos dizer que na Ia instância o acórdão condenatório dos arguidos AA e CC, teve 8 (oito) votos e no Supremo Tribunal de Justiça o acórdão teve a aprovação de 3 (três) Exm°s Conselheiros e só dois dos Exm°s Conselheiros é que não concordaram.
Daqui se conclui que das 13 pessoas (juízes, jurados, conselheiros) que tiveram intervenção nas decisões finais condenatórias só dois Exm°s Conselheiros é que discordaram e 11 não tiveram quaisquer dúvidas quanto à co-autoria do crime de homicídio da menor BB pelos arguidos AA e CC.
2. - Só como mera hipótese, não deixaremos de considerar que, se aqueles documentos pudessem suscitar dúvidas ainda que muito ténues e longínquas, então, ter-se-iam de submeter as várias pessoas a inquirição testemunhal na Ia instância, pois, tal como estão apresentadas não são meios de prova.
No entanto também realçaremos que a arguida/recorrente AA nem ousa colocar a hipótese da sua filha BB não estar morta, tal como não fez nas alegações do recurso ordinário interposto do acórdão condenatório.
3. - A arguida/recorrente AA neste recurso extraordinário de revisão só continua a tentar demonstrar que haverá dúvidas sobre a autoria do crime de homicídio da sua filha BB e que a sua intervenção nos factos ocorridos e que originaram ou tiveram como consequência a sua morte, teriam sido colaterais, pois só o seu irmão CC é que foi o seu autor.
Por tudo isto, não tendo sido apresentados novos factos que combinados com os que constam na decisão condenatória, suscitem graves ou quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação da arguida AA não haverá fundamento para que o recurso de revisão possa prosseguir para obter provimento.

Assim e sem mais considerações, somos do parecer que deverá/poderá ser rejeitado e negado provimento ao recurso extraordinário de revisão interposto pela arguida AA, do acórdão que a condenou como autoria do crime de homicídio de que foi vítima a menor, sua filha BB.”

D - PRODUÇÃO DE PROVA NOS TERMOS DO ARTº 455º Nº 4 DO C P P.

1) Foi entendido que deveria ser determinada, no caso, a produção de prova, tal como prevê o art.º 455º nº 4 do C P P. Assim, deliberou-se em conferência proceder à audição da recorrente AA e do seu irmão CC, com o fundamento e nos termos que se transcrevem, do acórdão de fls. 391 e seg. destes autos, de 12 de Novembro de 2009:
“Independentemente de se avaliar a natureza destas declarações como “prova nova” (documental), e antes também de se tomar posição sobre se se estará perante “factos novos”, surge como um dado pouco comum que a recorrente não tenha requerido a produção de prova, solicitando a audição de si e do irmão, aqui em sede de recurso de revisão.
Já que “a prova nova” é constituída por declarações, a audição dos seus subscritores seria o meio de, designadamente a requerente e o seu irmão poderem corroborar o que está escrito, circunstanciando-o, esclarecendo porque é que as declarações só surgem agora, e até acrescentando novos elementos que lhes dessem credibilidade.
Não foi o caso, e no entanto considera-se útil que essa audição seja feita.
Aquilo que é apresentado como facto novo tem que estar assente em meios de prova. E a prova oral será, na conjuntura, um suporte útil dos documentos apresentados. Melhor dizendo, um suporte útil para prova dos factos a que se reportam os documentos apresentados.
Quanto às restantes declarações, é desde já patente que a sua importância relativa não reclama a audição dos respectivos subscritores.

O artº 455º nº 4 do C P P prevê que este STJ possa, por sua iniciativa, determinar a produção de prova: “Se o tribunal entender que é necessário proceder a qualquer diligência, ordena-a, indicando o juiz que a ela deve presidir”.
Assim sendo, decide-se proceder à audição, em declarações, da recorrente AA, a qual, para além de tudo o que entenda dever dizer que se relacione com o pedido de revisão, esclarecerá:
· Quem escreveu o texto da sua declaração?
· Se não foi a recorrente ditou-o, ou outrem o redigiu? Quem?
· Se não o redigiu inteirou-se bem do seu conteúdo?
· Foi informada de que com a declaração estava a confessar a prática de um crime (do artº 160º nº 4 do C P, “Tráfico de pessoas”), para além daqueles por que foi condenada?
· Porque é que só agora resolveu fazer estas revelações? Sabido que não poderia com isso evitar ficar presa porque já o estava, nem o medo de ser condenada por esse crime justificaria ficar calada, porque, apesar de tudo, é um crime com uma pena muito mais leve, do que a correspondente ao crime de homicídio.

Também se deverá proceder à audição do co- arguido CC, que deverá esclarecer as mesmas questões, e ainda:
· Em que condições aceitou fazer a declaração? Fê-la de completa e livre vontade? Ou por medo de que lhe acontecesse algum mal, não a fazendo?
· Porque é que, na declaração que subscreveu, aparece mencionado o nome da vítima como CC não BB, certo que a declaração está assinada por si, e o próprio escreve o seu nome CC?
· Foi verdade que tentou vender a sobrinha? Como? A quem? Por quanto? Chegou a vendê-la? Na negativa porque não?
· A seu ver, a recorrente AA não tem nenhuma responsabilidade na morte da filha?”

2) As declarações da recorrente foram tomadas a 9/12/2009. O Ilustre Advogado constituído foi notificado para estar presente, não compareceu e nada disse, pelo que foi nomeada à recorrente defensora oficiosa. Foi remetido suporte áudio das ditas declarações, e, após audição, constatou-se serem, resumidamente, do seguinte teor:
2.1. - A recorrente identificou-se, e foi informada pela M.ma Juiz sobre a razão da audição a que se estava a proceder, a declaração por si subscrita, de 15/1/2009.
2.2. - No tocante à questão de se saber se a declaração em foco fora escrita pelo punho da recorrente, e se o respectivo conteúdo era da sua autoria, ou lhe fora ditado, as respostas da AA começaram por não ser muito claras, a declarante entrou em contradição, mas é possível, assim mesmo, retirar delas o seguinte:
Num primeiro momento, referiu que escreveu o texto da declaração e que o advogado é que disse o texto da dita. Instada, reafirmou que foi ela que escreveu no papel (sendo perceptível alguma hesitação) e o advogado ditara. Acrescentou que o advogado leu primeiro e ditou depois.
A seguir, a instâncias da Mer.ª Juiz, produziria afirmações segundo as quais, só depois de estar escrito é que se apercebera do que estava escrito, e perguntada sobre se percebera o significado do que estava escrito respondeu espontaneamente “mais ou menos”.
Passaria então, aparentemente, a entrar em contradição com o alegado antes, porque, ainda quanto a este ponto, viria a afirmar que “ele é que disse o que eu ia dizer”, ou então, usando as palavras do advogado, “eu vou dizer o que tu vais dizer, e ele ia escrevendo”. Mais adiante disse “contei-lhe e ele depois passou ao papel”.
Confrontada com o próprio texto da declaração que lhe era exibida pela Mer.ª Juiz, a recorrente disse que a letra não era dela que não sabia de quem era, mas que só podia ser do advogado. Mas, quanto ao seu nome, disse que aí assinara, a letra era dela.
2.3. - Quanto à iniciativa de escrever a declaração, disse que fora do advogado, e que ela concordara. Que se não apercebera de que com a declaração revelava um comportamento que poderia ser considerado um novo crime por si praticado. Mais uma vez instada, queixou-se de que estava mal da cabeça, referiu a medicação que estava a tomar na prisão, e disse que o advogado é que devia estar lá [durante a prestação de declarações] para ele falar.
2.4. - A propósito do facto de só a 15/1/2009 se ter lembrado de produzir a declaração, respondeu que o advogado falara consigo para ela dizer o que lá ficou escrito. Que combinaram o que é que haviam de dizer.
Aquando do julgamento não tinha dito nada, porque na altura não estava com cabeça, e porque não tinha este advogado.
2.5. - Já a instâncias do Digno Procurador da República afirmou que lera o constante da declaração, que o advogado perguntara se estava bem assim e que ela concordara com as palavras que lá estavam. Sabia que o teor da declaração era no sentido de que dera a filha ao irmão para ele a vender e que ele a tinha morto. Que na altura do julgamento o advogado não a deixara falar, nunca a deixara falar, que lhe dissera “Você vai ficar calada” e que então ela ficara calada. Nunca tinha estado num tribunal, não tivera nunca nada com a justiça.
2.6. - A recorrente voltou a dizer que subscreveu a declaração por iniciativa do seu advogado, que ele dissera para ela dizer o que ali estava nos papeis.
Perguntada sobre o que é que pretendia com a declaração respondeu “pois eu não sei”, “pois eu não sei”. Se o advogado não tivesse conversado consigo e não tivesse dito para dizerem o que ficou na declaração tinha ficado calada. Instada mais uma vez a explicar porque é que só tão tardiamente revelara o constante da declaração, repetiu que o advogado da altura é que a não deixava falar.

3) As declarações de CCconstam de fls.500 dos autos e durante as mesmas esteve assistido por uma defensora oficiosa.
3.1. - Resulta dessas declarações, entre o mais, que o arguido nega ter escrito, nega ter assinado, e não se lembra de ter ditado, a alguém, o teor da declaração, apresentada como sendo da sua autoria. Confirma a visita do Sr. Dr. JJJ a 18/5/2009, que lhe pediu para falar sobre o caso da sobrinha, acrescentando que se não dissesse a verdade “viria um recluso de outra cadeia para assassinar o declarante”. Que esse Senhor não era seu advogado, que nada lhe disse e ele também não pediu para o declarante escrever qualquer declaração.
3.2. - O declarante conta depois uma versão dos acontecimentos que assenta basicamente no seguinte: CC nunca tentou vender a sobrinha a ninguém, mas na noite em que ela desapareceu, a irmã disse-lhe para ir à porta porque junto da igreja estava um carro para levar a filha, que ela tinha vendido a um casal de estrangeiros. Diz que viu o carro (preto, de tamanho médio e de marca que desconhece), viu a sobrinha a entrar para a viatura e que a mesma arrancou. Nunca mais viu a sobrinha e a irmã nunca mais lhe falou nela.

Sem necessidade de novos vistos, ao abrigo do nº 5 do artº 455º do C P P, foram os autos à conferência.

C – APRECIAÇÃO

1) O RECURSO DE REVISÃO

Como é sabido, um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado.

Contudo, tal valor não é absoluto, e nem sequer é o mais importante, pois sobreleva o da justiça, particularmente quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana. Esse é o caso das condenações penais, onde são, ou podem ser afrontados os direitos à liberdade, à honra e bom nome do condenado, e onde, portanto, a imutabilidade da sentença que decorre do caso julgado tem de ceder, sempre que se torna flagrante que foi contrariado o sentido da justiça.

No confronto desses dois valores, a justiça e a segurança, o legislador em matéria penal optou por uma solução de compromisso, possibilitando, embora de forma limitada, o direito de serem revistas as sentenças e os despachos que tenham posto fim ao processo, ainda que transitados em julgado.

Figueiredo Dias Direito Processual Penal, 44, citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.ª edição, págs. 795 afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, mas que “isto não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”.

Por isso, o art.º 29.º, n.º 6, da Constituição da República prevê, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, sobre a aplicação da lei criminal, que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

E, na prossecução desse desiderato, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, prevê de facto o de revisão, no art.º 449.º e segs.

Os fundamentos deste recurso extraordinário vêm taxativamente enunciados no art.º 449.º do Código de Processo Penal, e visam o aludido compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro.

Tais fundamentos são apenas estes:

“a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”

Como se viu, a recorrente fundamenta o seu pedido na al. d) do artº 449º referido. Ora, assim sendo, a primeira coisa que importa apurar é a de se saber se estamos perante “novos factos ou meios de prova”, como pressuposto necessário para ser interposto um recurso de revisão, à luz da dita al. d). Depois, face a uma eventual resposta positiva, será preciso ver se o preenchimento daquele pressuposto é suficiente, no sentido de ter potencialidade para que se “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

2) A DESCOBERTA DE NOVOS FACTOS OU MEIOS DE PROVA

A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior, de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se coloca quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos.

Na doutrina, acolheram-se ambas as posições.

Começaremos por citar, por exemplo, Luís Osório, que a seu tempo defendeu que os factos ou meios de prova deveriam ser ignorados pela pessoa a quem competia apresentá-los em julgamento. Eduardo Correia, pelo contrário, entendia que não era necessário esse desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tivessem sido tidos em conta, no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.

Foi esta a linha seguida, mais recentemente, praticamente sem discrepância, por este S.T.J..

No entanto, trata-se de uma orientação que deverá ser perfilhada com uma limitação: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Esta a posição que ainda recentemente se perfilhou, no acórdão deste S T J, e 5ª Secção, do passado dia 12 de Novembro de 2009 (Pº 228/07.2 GAACB-A.S1).

Há um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Sendo essas testemunhas “prova nova”, já que nunca ouvidas em julgamento, mesmo assim terá que ser explicado porque é que não foram apresentadas antes.

Isto é, o legislador revelou claramente, com este preceito, que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. Tal teria, na verdade, por consequência, a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. Assim se prejudicaria, para além de toda a razoabilidade, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 [Pº 3875/07, 5ª Secção], de 24/9/2009 [Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção], ou de 28/10/2009 [Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção], entre vários outros).

Quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas não só.

Na verdade, quanto aos novos meios de prova já conhecidos da parte interessada e ulteriormente invocados (e, necessariamente, quanto aos factos a que tais meios se reportam e de que se pretende convencer o julgador), o art.º 453.º, n.º 2, do CPP, explicita que só serão admitidos como novos meios de prova, tratando-se de testemunhas, desde que o requerente justifique que se dera o caso, de as mesmas terem estado impossibilitadas de depor.

Ora, se assim é em relação a testemunhas nunca ouvidas, por maioria de razão terá que o ser em relação a quem esteve presente no julgamento, testemunha ou não, e pôde prestar todas as declarações que quisesse.

Qualquer outro entendimento levaria a que, caso, por exemplo, os arguidos, durante o julgamento, se tivessem remetido ao silêncio, ao verem-se condenados, sempre poderiam vir interpor recurso de revisão, alegando que agora já pretendiam pronunciar-se sobre os factos. Ou possibilitaria que testemunhas já ouvidas viessem alterar ou acrescentar o depoimento prestando, servindo isso para fundamentar o pedido de revisão.

2.1.) Muito embora a recorrente tenha fundamentado o seu pedido de revisão, naquilo que pessoas vivas e com paradeiro conhecido têm para dizer, não lançou mão da possibilidade de pedir a respectiva audição, facultada pelo artº 453º do C P P. Optou, sim, por apresentar como novos elementos de prova “sete documentos originais probatórios num total de dezoito páginas, e dois documentos exactamente conformes os originais num total de três páginas”.

Na sua motivação, a recorrente começou por aludir à “decisão proferida pelo último Tribunal da matéria de Direito (Supremo Tribunal de Justiça)” para afirmar que o propósito do presente recurso extraordinário é provar que os subscritores do acórdão que votaram vencidos, tinham razão, e que os novos factos e meios de prova entretanto descobertos, “de per si e combinados com os que foram apreciados no processo suscitam gravíssimas dúvidas sobre a justiça da condenação aplicada”. Importa adiantar já, a este propósito, que o presente recurso se não destina a sindicar a decisão condenatória, antes se deve fundamentar em elementos que não estavam disponíveis aquando de tal decisão.

Depois, entre fls. 4 a 11, são transcritos “excertos de Jurisprudência deste S T J”, alegadamente, em apoio das considerações e pretensões que a recorrente passa, a seguir, a enunciar. Mas da análise destes excertos não resulta nada que contrarie as posições que nós atrás defendemos.

Parece que a decorrente pretende com as ditas transcrições, fundamentar a tese de que os “novos factos e meios de prova”, como tal terão que ser forçosamente considerados, nada impedindo que já fossem do conhecimento, à data do julgamento que originou a decisão a rever, de quem os apresenta. Mais, a requerente acrescenta que “todos os signatários de todos os sete documentos originais probatórios juntos em anexo são testemunhas que foram ouvidas na altura no processo. E assim também se cumpre o estipulado no nº 2 do artº 453 do C P P.”

Ora, por um lado, a requerente e o irmão não são testemunhas, e ouvidas no processo, desde logo porque aí eram arguidos, e depois porque optaram então por não prestar declarações (cf. fls. 84).

Por outro lado, e como já se viu, é indefensável pensar que, através de uma interpretação do nº 2 do artº 453 do C P P, precipitadamente a contrario, se não estiverem em causa testemunhas nunca ouvidas no processo, não haveria limites, para admissão do que quer que fosse, como “prova nova”.

Concretamente, o facto de a suposta prova nova ter sido apresentada sob a forma de declarações escritas, as quais têm que ser encaradas, formalmente, como prova documental, em nada impede que se tenham que estabelecer restrições à sua apresentação, pelo contrário. Porque, indiscutivelmente, com a mediação resultante de uma audição, levada a cabo pela autoridade judiciária, poderá aferir-se, muito melhor, a relevância da nova prova apresentada, e, a partir dela, a eventual injustiça da condenação.

A simples diferença no suporte formal das declarações ou depoimentos veiculados, não tem qualquer relevância para efeito de restrições à admissibilidade de prova nova. O que está em causa, no caso, é o que as pessoas têm para dizer, e, sobretudo, porque é que o vêm fazer só tardiamente. Não o instrumento que usam para o fazer. A não ser assim, estaria encontrada uma forma muito simples de ser ignorada a razão de ser, e de ser ladeado o próprio comando do nº 2 do artº 453º do C P P. Em vez de indicar testemunhas o requerente juntava “um documento” com o respectivo depoimento escrito.

Mas vejamos então, à luz destas posições, em que é que consistem esses documentos.

2.1.1.) O primeiro documento respeita a uma declaração de 15/1/2009 que a recorrente assume como tendo datado e assinado em todas as páginas, e consta de fls. 46 a 53. Está transcrita atrás, e, muito resumidamente, revela-nos uma versão do acontecido, segundo a qual, o co-arguido CC convenceu a AA a entregar a filha BB, a um casal de estrangeiros a troco de dinheiro, e que foi o irmão, e só ele, que matou esta última.
Em complemento desta declaração, a recorrente foi ouvida nestes autos de recurso por iniciativa do Tribunal (fls. 552 e 553), e, das suas declarações pode extrair-se, entre o mais, que não partiu de si a iniciativa de relatar a 15/1/2009 o que sabia sobre o desaparecimento da filha.
Seja como for, a requerente não prestou declarações no julgamento, podendo fazê-lo, pois esteve presente na audiência, e foi-lhe perguntado se queria falar sobre a acusação. AA não devia ignorar, na altura, que lhe assistia o direito de se defender com a sua versão dos factos. E, repete-se, do recurso extraordinário de revisão não poderá lançar-se mão, só porque uma arguida resolve nada dizer no julgamento, e vem mais tarde a arrepender-se, quando já está em cumprimento de pena, pretendendo apresentar o relato dos factos.

Assim sendo, as suas actuais declarações não constituem um “novo” meio de prova para o efeito de revisão de sentença.

2.1.2.) A segunda declaração escrita, do co-arguido CC, limita-se à revelação, por este feita, de que tentou vender a sobrinha BB. Porém, esta declaração viria a ser negada pelo CC quando ouvido em auto: diz ele que não escreveu, não assinou, não se lembra de ter ditado a ninguém o que lá se encontra escrito, nem o actual advogado da requerente lhe pediu para escrever qualquer declaração (fls. 500 e 501).

Curiosamente, é o actual mandatário da recorrente, ele mesmo, que vem confessar, na motivação de recurso, que fez “bluff” para obter a declaração em questão (o que, não só o pode fazer incorrer em responsabilidades penal e disciplinar, como fere de nulidade a declaração que se pretende apresentar).

Revela então, o ilustre causídico, que inventou uma história para levar o CC a assinar a declaração. Essa história consistiu em dizer-lhe que, se contasse toda a verdade sobre o desaparecimento da BB, seria conseguida para seu bem, a respectiva transferência do estabelecimento prisional da Carregueira, onde se encontrava, mas que, se o não fizesse, iria morrer em menos de três meses, ás mãos de um recluso que iria ser transferido para aí, e que o mataria por conta das pessoas que tinham querido comprar a BB.

Também o arguido CC poderia ter falado no julgamento e nada disse. Agora, vem negar que tenha afirmado o constante da declaração que é apresentada como novo elemento de prova.

Independentemente do valor probatório que possa dar-se à declaração escrita, à luz do artº 126º do C P P, ou conjugada com as declarações orais complementares constantes destes autos de recurso, o que é certo é que, pelas mesmas razões já apontadas a propósito das declarações da irmã, nunca elas poderiam ser consideradas novos elementos de prova, para efeito de ser desencadeado o processo de revisão da sentença que condenou a requerente.

2.1.3.) No terceiro documento, a mãe dos condenados AA e CC, de nome JJ, tece considerações pouco abonatórias à cerca deste, que diz ser consumidor de drogas pesadas, e, por outro lado, faz vários elogios à filha AA. Afirma acreditar na veracidade do que a filha agora vem dizer.

Da análise da certidão de fls. 74 e seg., relativa à sentença de primeira instância, não resulta que esta testemunha tenha sido ouvida no processo (foi ouvida a irmã e tia dos arguidos de nome III, pelo que, à luz do nº 2 do artº 453º do C P P, a sua admissão dependeria da justificação de que se ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estivera impossibilitada de depor. Essa justificação não foi feita.

No entanto, porque o seu depoimento se destina a dar credibilidade à versão que a filha apresenta, só agora, admite-se que não interessasse apresentá-la no julgamento. Daí que se condescenda em considerá-la prova nova, independentemente do valor que possa ter.

2.1.4.) A testemunha KK que viveu com a recorrente, filhos desta e com o actual companheiro, na mesma casa, também acredita na nova versão de AA, e diz que esta era pessoa calma e incapaz de se tornar violenta seja pelo que fosse. Nunca a viu bater em nenhum dos filhos e não aplicava aos mesmos castigos corporais. Foi ouvida no julgamento (cf. fls. 89). O seu depoimento escrito não é de considerar prova nova.

2.1.5.) A testemunha LL, do café “....”, próximo da residência da requerente, conhecia bem esta, e a vítima BB, e veio dizer que nunca vira a AA bater na filha e que a BB dizia bem e defendia sempre a mãe. Foi ouvida no julgamento (fls.87). O seu depoimento escrito não é de considerar prova nova.

2.1.6.) OO, do supermercado “Alisuper”, próximo da casa da recorrente, também nos vem dizer, na sua declaração, que a AA nunca batera na BB na sua presença, nem nunca ouvira dizer que o tivesse feito. Que a BB dizia sempre muito bem da mãe e sempre a defendeu em todas as circunstâncias. Foi ouvida no julgamento (fls.92). O seu depoimento escrito não é de considerar prova nova.

2.1.7) Finalmente, o companheiro, à data, da recorrente, a testemunha do processo PP, descreve, na sua declaração, a relação positiva entre a AA e a filha, dizendo inclusive que nunca vira aquela bater nesta, opina negativamente sobre o irmão daquela, o co-arguido CC, e passa depois a referir-se ao comportamento que observou, de elementos da Polícia Judiciária, na investigação destes autos, e que se cifraram, entre o mais, em agressões e coacções várias. Refere inclusive que o Inspector II, e outros, lhe bateram, para que ele dissesse o que eles queriam.

A testemunha depôs em julgamento, e, entre o mais, disse a certo passo “(…) numa altura em que se encontrou com a arguida AA nas instalações da Polícia Judiciária, a pedido daquela Polícia, mas numa altura em que se encontravam só os dois, a testemunha perguntou à AA o que tinha acontecido e ela então contou-lhe que tinha dado uma chapada na BB e que o irmão acabou de a matar, tudo porque ela os tinha visto a ter relações e também contou que tinham posto o corpo numa casa velha e que tinha sido o CC a levá-la às costas.” (fls. 89). Este episódio de os irmãos terem sido surpreendidos a ter relações pela BB também é relatado no depoimento da testemunha KK, como lhe tendo sido revelado pelo CC (fls. 86).

No entanto, importa acentuar que se trata de matéria que o colectivo não deu por provada (cf. fls.76 ponto ab) da matéria de facto dada por provada, e fls. 82 ponto 7 e 8 da matéria de facto não considerada provada).

O seu depoimento escrito não é de considerar prova nova.

2.1.8.) O outro documento apresentado pela recorrente respeita a uma carta endereçada pela esposa do Sr. Inspector II, de quem se encontrava separada, ao Sr. Director Nacional Adjunto da Directoria de Faro da Polícia Judiciária, queixando-se deste. Está datada de 23/12/2007. A recorrente diz que só agora teve conhecimento da dita. É de admitir como prova nova.

2.1.9.) Finalmente, o derradeiro documento apresentado respeita a um Relatório do Serviço de Piquete da Polícia Judiciária, da directoria de Faro, que atesta a entrega da carta em questão a 24 /12/2007 (fls. 66). Refere-se ali que a carta foi entregue aberta. Também é de admitir como novo elemento de nova.

Resta aludir, ainda nesta sede, àquilo que a recorrente apelida de “Opinião científica do criminologista Dr. BBB”. Trata-se de um conjunto de excertos, do livro publicado por aquele autor com o título "Maddie, BB e Investigação criminal - A Verdade Escondida" (fls. 28 a 35 destes autos).

Aí são tecidas duras críticas à forma como decorreu a investigação do caso, e, bem assim, ao julgamento. Retira-se do texto transcrito uma opinião, que é só a do autor, segundo a qual a recorrente foi injustamente condenada, aludindo-se inclusive a erro notório na apreciação da prova, e à violação do princípio da presunção de inocência.

Não se está, evidentemente, perante qualquer prova, nova ou já produzida, e, sobretudo, são considerações que se reportam apenas ao julgamento efectuado. Como já se deixou assinalado, o presente recurso de revisão não sindica a decisão produzida, à luz dos elementos probatórios de que ela dispôs. Daí que a utilidade das transcrições em foco, na medida em que nelas a recorrente se revê, será, ao que cremos, a de ilustrar o melhor possível a injustiça da condenação, resultante agora da combinação das novas provas com as já produzidas. Transitamos portanto para o segundo aspecto a analisar, e que é

3) A POTENCIALIDADE DAS NOVAS PROVAS SUSCITAREM GRAVES DÚVIDAS SOBRE A JUSTIÇA DA CONDENAÇÃO

3.1.) Para além de os novos factos ou elementos de prova terem que ser admitidos como tais, enquanto fundamento do recurso de revisão, importa que esses novos factos ou meios de prova, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Como vem sendo pacificamente exigido, graves dúvidas, e não simplesmente dúvidas razoáveis.

Depois, a pretensão da recorrente só será de atender, se da sua procedência resultar a forte probabilidade de, em segundo julgamento, vir a ser absolvida do crime de homicídio e/ou do crime de ocultação de cadáver pelos quais foi condenada. No dizer do artº 449º nº 3 do C. P. P., “não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada”.

3.2.) Durante o julgamento foram ouvidas 42 testemunhas:

KKK, sogra da recorrente e avó da filha desta LLL (a recorrente tinha seis filhos com cinco pais diferentes); MMM que viveu com a recorrente e é o pai do filho desta NNN; OOO , pai da LLL; PPP, tia do filho da recorrente QQQ, que tomou conta deste; RRR, pai da BB; SSS, professora da BB; TTT da Comissão de Protecção de Menores de Portimão; UUU; VVV; KK, padrasto do então companheiro da recorrente; XXX; ZZZ; LL da “Pastelaria ....”; AAAA; BBBB; PP, à data companheiro da recorrente; KK que na ocasião vivia em casa da recorrente e seu companheiro; HH, mãe do companheiro da recorrente; CCCC e DDDD, ambos soldados da G.N.R.; EEEE; FFFF; GGGG, companheira da testemunha seguinte; HHHH, meio irmão do companheiro à data da recorrente; OO do supermercado “Alisuper”; IIII, JJJJ; KKKK; LLLL companheira de um irmão da recorrente; MMMM irmã do companheiro da recorrente; III, tia da recorrente; NNNN, sogra de uma irmã da recorrente; OOOO, irmã da recorrente; PPPP médica veterinária; II, QQQQ, RRRR, SSSS, TTTT, e UUUU, todos da Polícia Judiciária; UUUU, médico legista, e, por último, VVVV.

O tribunal de júri refere não ter disposto de prova directa dos factos, porque ninguém vira o crime a ser cometido, nem de prova directa do homicídio, porque o cadáver da menor BB não aparecera. No entanto, baseou a sua convicção na prova indirecta que, fundamentalmente, para além dos testemunhos das pessoas ouvidas, contou com autos de busca e apreensão, prova pericial subsequente, autos de reconstituição dos factos, e relatórios periciais à personalidade. Tudo nos termos explicitados na sentença condenatória, a fls. 96 a 109 destes autos, que nos escusamos de reproduzir, e que levou a serem dados por provados os factos que no início do presente acórdão se transcreveram.

3.3.) Percorramos então a prova apresentada.

· Em relação à declaração escrita e declarações orais colhidas, da requerente, mesmo que aquela fosse de considerar prova nova e portanto atendível, o que se não concede, sempre diria respeito à apresentação de uma versão dos factos, por parte de uma arguida, condenada e a cumprir pena. Versão escrita por outrem, e anos depois desses factos. Acresce que a condenação que a recorrente sofreu não se baseou em qualquer confissão que tivesse feito em julgamento (ou fora dele).
A declaração em apreço sempre teria, portanto, um valor muito limitado.

· Também as declarações do co-arguido seu irmão, mesmo que a elas se pudesse atender, como novos elementos de prova, de nada serviriam. O CC reduz a sua declaração escrita ao facto de que tentou vender a BB sua sobrinha. Não diz se a vendeu ou não. Não diz se alguém a matou e muito menos quem. Mas quando é ouvido oralmente, nestes autos, já nega que tenha feito essa declaração, e aquilo que acrescenta, depois, aponta para uma efectiva venda da BB, só que da responsabilidade da recorrente. O valor deste elemento de prova sempre seria portanto reduzidíssimo.
· O terceiro documento é a declaração da mãe dos condenados AA e CC. Vem dizer, essencialmente, que aquela é óptima e este é péssimo, e que acredita na veracidade do que a filha agora declarou por escrito. Como é evidente, não está aqui em causa aquilo em que esta testemunha acredita ou não acredita, e sim aquilo em que este tribunal deve acreditar.
· Os quatro documentos seguintes compreendem as declarações de KK que viveu com a recorrente, bem como do companheiro desta, à data, PP, e ambos também acreditam na nova versão de AA.
As declarações destes e de LL, do café “....”, tal como de OO, do supermercado “Alisuper”, abonam a personalidade não violenta da AA e o bom tratamento que esta reservava à BB. Nada de concreto quanto ao desenrolar dos factos que estão por detrás do desaparecimento da BB, para além daquilo, em que a testemunha PP diz em que acredita, e que é a versão apresentada pela recorrente. E quanto ás declarações deste sobre o que se terá passado nas instalações da P.J., importa relembrar, que a condenação da requerente não se socorreu de confissões dela ou do irmão.

Viu-se que estas testemunhas, todas elas, depuseram em julgamento, e que as respectivas declarações não constituem, pois, prova nova. Não fora esse o caso, também o valor dessa prova, por tudo o que se referiu, seria reduzidíssimo.

· Quanto aos documentos relativos à carta da esposa do Sr. Inspector II, e ao relatório do piquete da Polícia Judiciária, destinam-se exclusivamente a diminuir a imagem deste elemento da Polícia, o qual investigou os factos, aliás mais de três anos antes da data da dita carta. A propósito dos factos dos autos, os ditos documentos nada dizem. O valor destes documentos é praticamente nulo para o efeito que a recorrente pretende.
Por tudo o que dito fica, será de concluir que a recorrente não apresenta novos factos ou elementos de prova que possam levantar fortes dúvidas sobre a justiça da condenação a que foi sujeita.

Por uma última vez se repete que não é escopo deste recurso extraordinário de revisão sindicar a decisão condenatória, tendo em conta a prova produzida na ocasião. É só em face dos novos elementos de prova, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, que se tem que aferir da justiça daquela condenação. Dos nove documentos apresentados como novos elementos de prova, seis deles não poderão ser aceites como tal. Mesmo que o fossem, não seria o seu conteúdo a levantar as graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Quanto aos novos elementos de prova, aceites como tal, o seu valor é praticamente nulo para o fim que a recorrente pretende.

D) DELIBERAÇÃO

Termos em que, nesta 5ª Secção do S T J, e em conferência, se delibera negar a revisão solicitada pela recorrente, considerando-se o pedido infundado.

Taxa de Justiça: 6 UC.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2009
Souto Moura (Relator)
Soares Ramos
Carmona da Mota, (Declaração de voto) com a declaração de que, sem prejuízo de se poder estar, no estrito âmbito do processo original, perante um erro judiciário – como poderá decorrer da posição nele tomada, sob argumentação que cativou o signatário, dos juízes vencidos no acórdão que julgou o recurso – a verdade é que, neste processo de revisão, se não aduziram «factos» efectivamente «novos» nem, deles, «provas» que, sendo mesmo «novas», se mostrassem deveras relevantes no quadro das exigências legais de uma «revisão de sentença»)
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(1) Direito Processual Penal, 44, citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.ª edição, págs. 795