Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
046740
Nº Convencional: JSTJ00029355
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: BURLA
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
OMISSÃO
PREVARICAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
ILAÇÕES
INDICAÇÃO DE PROVA
MOTIVAÇÃO
SENTENÇA
Nº do Documento: SJ199602290467403
Data do Acordão: 02/29/1996
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO / CRIM C/ESTADO.
DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional:
Legislação Estrangeira: CP ART528 ESPANHA.
CP ART313 N1 ART405 FRANÇA.
CP ART148 SUIÇA.
Referências Internacionais: CONV EUR DOS DIREITOS DO HOMEM ART13.
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz.
II - A inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se a todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito
à inteligência do juiz.
III - Quando não resulta evidente do texto da decisão recorrida alguma "inferência" que notoriamente infrinja as regras da experiência, não pode falar-se em erro notório na apreciação da prova ou assacar-se violação do artigo 127 do C.Penal.
IV - A lei não exige uma indicação dos meios de prova em relação a cada um dos factos que o tribunal tenha considerado provados, nem mesmo que o tribunal indique e fundamente as razões pelas quais considerou ou não considerou como verdadeiros determinados depoimentos ou declarações.
V - A indicação dos meios de prova é feita pelo relator, por referência às provas que lhe são indicadas por cada membro do tribunal no seu voto; não pode substituir-se a cada um desses membros, plasmando apenas a sua visão do valor de cada um desses meios de prova.
VI - Uma motivação de recurso por remissão para a de outro recorrente frusta os objectivos que a lei pretende alcançar com a minuciosa regulamentação dos artigos 411 e
412 do C.P.Penal, não satisfaz o ónus imposto por este último normativo e não constitui, por isso, verdadeira motivação, pelo que deve ser rejeitada.
VII - Se (primeiro momento) com a intenção de enriquecimento ilegítimo (e é ilegítimo aquele que não corresponde a qualquer direito), o agente convence o sujeito passivo de uma falsa representação da realidade (e o erro ou engano nisso consistem), mediante manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até aos mais elaborados artificíos) adrede realizadas, e com isso consegue (segundo momento) que esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízos patrimoniais, está perfeito o crime de burla, sendo que o enriquecimento ilegítimo é em regra concomitante (como duas faces da mesma moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir numa relação de causa-efeito entre o primeiro e o segundo momentos.
VIII - Há situações em que o silêncio doloso sobre um erro preexistente deve ser assimilado à indução em erro para efeitos criminais; assim acontece quando a vítima desconhece a realidade, o agente se apercebe desta circunstância e causa a persistência do erro, prolongando-o, ao impedir, com a sua astuciosa conduta omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele; é a burla por omissão ou aproveitamento astucioso.
IX - A palavra "processo", está utilizada em sentido amplo, no artigo 11 da Lei 34/87 a definir o crime de prevaricação, tanto se referindo a processo contencioso como gracioso; por isso, não está excluído o processo administrativo gracioso.