Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7473/21.6T8PRT.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICAL
INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :
I- Não é admissível o recurso de revista excecional se se encontram manifestamente inverificados os pressupostos básicos com base nos quais o recorrente fundamentou a sua necessidade.

II- Ao contrário da exceção dilatória de caso julgado, cuja procedência implica a absolvição da instância [arts. 278.º, n.º 1, e), e 576.º, n.º 2, do CPC], a exceção de autoridade do caso julgado é uma exceção perentória, importando, por isso, a absolvição do pedido, nos termos do art. 576º, nº 3, do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 7473/21.6T8PRT.P1.S1 (revista excecional)
MBM/JG/RP



Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça



I.

1. AA intentou ação declarativa com a forma de processo comum contra REN PORTGÁS DISTRIBUIÇÃO, S.A., pedindo:

a) A anulação do “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho” celebrado entre o A. e a R., por erro-vício;

b) Em consequência, a condenação da R. a reintegrar o A., com as demais consequências legais.

Alega, em síntese: o A. apenas acedeu em outorgar a cessação do seu contrato de trabalho no pressuposto de que se encontrava fundamentado em motivos estruturais determinantes de uma restruturação interna e que estes tiveram como efeito a extinção do seu posto de trabalho; o A. teve posteriormente conhecimento de documentos que demonstram que essa realidade não é verdadeira.

2. A R. contestou, invocando a exceção de caso julgado.

Para tanto, invocou que correu termos, sob o n.º 15/10...., na ... Secção do então Juízo Único do Tribunal do Trabalho ..., uma ação interposta pelo A. contra a R., na qual aquele invocou que foi vítima de assédio por parte desta, o que o levou a aceitar pôr termo ao contrato de trabalho, bem como, para além disso, que a sua vontade foi viciada por estar convencido, induzido pela R., da extinção do seu posto de trabalho, tendo essa ação sido julgada improcedente, por decisão já transitada em julgado.

3. Na 1ª instância, foi proferido despacho saneador, considerando procedente a invocada exceção de caso julgado e, assim, a absolver a R. da instância.

4. Interposto recurso de apelação pelo A., foi o mesmo julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.

5. Novamente inconformado, veio o A. interpor recurso de revista excecional, com base no art. 672º, nº 1, a) e b), do CPC[1], invocando, em síntese, o seguinte:

«[…]
Após a apresentação da contestação foi proferida sentença em primeira instância, confirmada pelo acórdão recorrido no qual julgou verificada a exceção de caso julgado, sustentado, em suma, que [ambos] os pedidos […] “visam o mesmo efeito jurídico: a reposição da relação laboral entre as partes por anulação/resolução do acordo de cessação do contrato de trabalho. Em ambas as ações o fundamento é o erro determinante da vontade. E, apesar de na presente ação o Autor indicar que o erro incidiu na ocorrência de motivos estruturais que provocaram a necessidade de uma restruturação interna da organização da Ré e na ação anterior indicar que o erro incidiu na verificação da extinção do posto de trabalho, tal não configura pedidos diferentes”.

O acórdão recorrido, ao julgar improcedente o recurso, concluindo pela procedência da exceção de caso julgado acaba por entender que se aplica tal exceção dilatória nas ações com identidade de sujeitos, mas com causa de pedir e pedidos que diferem, mas em que se “pretende o mesmo efeito jurídico”.

Tal decisão […] é desconforme com a lei.
[…]
A questão que se pretende submeter […] é a seguinte: saber se nas situações em que existe a identidade de sujeitos, mas em que a causa de pedir não é coincidente, o mesmo se passando também quanto ao que se encontra peticionado, ainda que o efeito jurídico seja idêntico, pode ocorrer a exceção de caso julgado, tal como se encontra regulado no art. 581º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil[2]

6. A recorrida contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade da revista excecional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.

7. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, pelo que foi determinada a distribuição do processo à formação de apreciação preliminar.

Decidindo.
II.


8. Lê-se na sentença da 1ª instância:

«[…]
Analisada a petição inicial apresentada nestes autos e a apresentada nessa outra ação é indubitável que há identidade de causa de pedir já que a pretensão que o autor deduz nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, ou seja, da invalidade do acordo de Cessação do contrato de Trabalho outorgado entre autor e ré com data de 29 de fevereiro de 2008.

Nessa outra ação o autor alegou, entre outras coisas, que “a assinatura pelo A. do acordo através do qual foi posto termo à sua relação laboral com a Portgás foi determinada, quanto a ele, para além da pressão psicológica e assédio de que foi vítima por parte da ré, (…) pela ideia que lhe foi transmitida, como circunstância inevitável e irreversível, da extinção do seu posto de trabalho;

(…) o A. apenas acedeu a contratar a cessação do seu contrato de trabalho porque foi fortemente induzido no sentido de que o seu posto de trabalho ia ser extinto; (…) a realidade contraria de forma inequívoca tudo o que tinha sido dito ao A. para o levar a extinguir por mútuo acordo o seu contrato de trabalho com a ré, factos que foram criados para o conduzir a emitir, em erro que lhe foi criado por esta e por ele desconhecido, a declaração que emitiu (…).a vontade expressa pelo A. de pôr termo ao contrato de trabalho que o vinculava à ré foi viciada pelo erro em que foi induzido, quer da extinção das funções por ele desempenhadas, quer da área de recursos humanos da sua entidade patronal, com a deslocação desta, em termos estruturais, para ...”.

Nesta ação o autor vem alegar que “(…) apenas acedeu em outorgar a cessação do seu contrato de trabalho no pressuposto de que se encontrava fundamentado nos motivos estruturais que provocaram uma restruturação interna e que estes tiveram como efeito a extinção do seu posto de trabalho; A PORTGÁS, empregadora do Autor, para o convencer a celebrar o acordo de cessação de contrato de trabalho, criou, assim, no Autor a convicção de que ocorreu uma restruturação interna na empresa, motivada por motivos estruturais, que levou à extinção do seu posto de trabalho. (…) constata agora que a extinção do seu posto de trabalho não ocorreu em consequência de uma reestruturação interna e muito menos sustentada em motivos estruturais;

(…) o Autor assina o referido documento, sendo certo que se soubesse que não se encontravam reunidos tais pressupostos para a extinção do seu posto de trabalho, como de facto não ocorreram, jamais o teria assinado, como a empregadora bem sabia e não poderia ignorar; a Ré, empregadora do Autor, conhecia e não devia ignorar a essencialidade da convicção do Autor de que ao assinar o documento em causa, apenas o fazia por lhe ter sido transmitido a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, suportada em motivos estruturais que determinavam a necessidade da Ré proceder a uma restruturação interna da sua organização.”

A causa de pedir, nas duas ações, procede inquestionavelmente do mesmo facto jurídico: o alegado erro em que laborava o autor ao subscrever o acordo de revogação do contrato de trabalho pelo facto de estar convencido que havia razões estruturais e teriam como efeito a extinção do seu posto de trabalho.

O erro invocado nas duas ações é o mesmo: diz o autor que laborou em erro, induzido pela ré, sendo certo que esse erro terá, de acordo com a sua versão, afetado a sua vontade. Assim, distinguir o “erro na declaração da vontade” ou “erro no motivo determinante da vontade” não significa que a causa se pedir seja distinta.

É certo que na anterior ação o autor pediu a resolução do acordo de revogação e, nesta ação, pede que acordo seja anulado.

Poderá entender-se que não se verifica qualquer exceção de caso julgado por haver diferentes pedidos?

Salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, a resposta a essa questão deve ser negativa.

Com efeito, tal como é mencionado no acórdão do STJ de 5/12/2017, processo 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 “A identidade de pedido (…) é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos.

Ocorre identidade de pedidos – que a par da identidade da causa de pedir e das partes, constitui fundamento da exceção de caso julgado – se o autor, numa e noutra ação, pretende obter o mesmo efeito útil”.

Ora, o efeito útil pretendido em ambas as ações pelo autor é inquestionavelmente coincidente.

Embora o autor, na ação anterior, peça a resolução do acordo, fá-lo, também, invocando implicitamente a sua invalidade pela existência de um erro na formação da sua vontade.

Assim, o autor, quer na referida ação que correu termos sob o n.º 15/10...., quer na presente ação, pretende atacar a validade do acordo de revogação do contrato de trabalho.
[…]
Na decisão proferida no mencionado processo que correu termos sob o n.º 15/10.... verificamos que o tribunal de 1.ª instância nela referiu que “alegou o autor que foi induzido em erro pois fizeram que acreditasse que o seu posto de trabalho ia ser extinto e que a área de recursos Humanos onde desempenhava funções seria deslocalizada para ..., o que levou a que temesse pela sua situação laboral”.

Resulta, pois, claro dessa sentença que o invocado erro que o autor invoca nesta ação foi já invocado nesse processo e a verdade é que, esse tribunal, analisou essa questão e concluiu que o autor não foi induzido em erro e que a situação que, na altura, lhe foi transmitida era verdadeira e concretizou-se.

E acrescenta-se na mesma que “o autor não logrou demonstrar minimamente ter sido alvo de qualquer vício de vontade suscetível de conduzir à anulabilidade do acordo de cessação do contrato de trabalho”.

O tribunal da Relação do Porto que apreciou o recurso interposto dessa sentença pelo autor referiu, igualmente, nesse acórdão que “O autor ancorou o seu pedido de anulação, ou resolução, do acordo de revogação do contrato de trabalho na existência de assédio por parte da ré com vista à cessação desse contrato de trabalho, e ainda na circunstância de ter sido induzido em erro com vista à celebração desse acordo, tendo-lhe sido dito que, designadamente, o seu posto de trabalho iria ser extinto”.
[…]
Mais: no acórdão do Tribunal da Relação do Porto é dito, claramente, que “em finais de 2017, houve lugar a uma reestruturação da ré.
No âmbito da mesma, o departamento de recursos humanos, de que o autor era até então responsável, perdeu funções relevantes (…)
Essa reestruturação envolveu também, naturalmente, mudança de espaços/gabinetes ocupados por alguns trabalhadores:”.

Daqui resulta, claramente, que o tribunal da Relação do Porto concluiu que houve uma reestruturação interna da organização da ré, o que o autor quer ver novamente discutido nesta ação.
[…]
Cremos, por isso, que se verifica uma exceção de caso julgado visto que este se deve impor por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação, mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir.

Na ação anterior o erro da vontade alegado pelo autor foi já apreciado tendo o tribunal concluído que o autor não incorreu em qualquer erro quando subscreveu o acordo de revogação do contrato de Trabalho com a ré.

O tribunal concluiu, sim, que “todo o processo negocial tendente à revogação do contrato foi objeto de propostas e contrapropostas de ambas as partes, com ponderação dos respetivos interesses, até chegarem a um consenso, o que significa (…) que as partes se encontravam esclarecidas e livres a negociar.”.

E concluiu que “dentro dos princípios da boa-fé, não se apresenta razoável a anulação do negócio quando – realce-se também – cerca de um ano após a cessação do contrato o próprio Autor solicita a um administrador da ... “um lugar de Trabalho” na empresa, lugar esse que não lhe foi concedido, o que significa que não pretendia anular o referido acordo de revogação do contrato de Trabalho”.

Assim sendo, é inquestionável que o efeito jurídico que o autor pretende obter através dessa ação é o mesmo que o efeito jurídico que pretende obter através da presente ação – a invalidade do acordo de revogação do contrato de trabalho – sendo certo que nessa outra ação a ré foi absolvida por não se ter feito qualquer prova de que o autor subscreveu essa declaração por estar em erro quanto à sua declaração de vontade ou quanto ao motivo determinante da sua vontade.
[…]»

9. Por seu turno, corroborando no essencial a fundamentação desta decisão, ponderou o Tribunal da Relação do Porto (TRP):

«[…]
[O] que se verifica é que, apesar de os pedidos, na presente ação e na ação anterior, não serem coincidentes, certo é que ambos visam o mesmo efeito jurídico: a reposição da relação laboral entre as partes por anulação/resolução do acordo de cessação do contrato de trabalho.

Em ambas as ações o fundamento é o erro no motivo determinante da vontade. E apesar de na presente ação o Autor indicar que o erro incidiu na “ocorrência de motivos estruturais que provocaram a necessidade de uma reestruturação interna da organização da Ré” e na ação anterior indicar que o erro incidiu na verificação da extinção do posto de trabalho do Autor”, tal não configura causas de pedir diferentes.

O que “ressalta” no acordo de cessação do contrato de trabalho é a indicação de que a Ré “iria” extinguir o posto de trabalho do Autor (e eventualmente despedi-lo com tal fundamento) devido a motivos estruturais – art.s 367º e 359º, nº2, al. b), ambos do CT. E, perante essa extinção, o Autor preferiu acordar a cessação do seu contrato de trabalho nos termos em que o fez.

Ora, quando na ação anterior o Autor diz que ocorreu erro da sua parte no que respeita à extinção do seu posto de trabalho, acaba por “atacar” a causa, a razão do “negócio”, não relevando para o caso os motivos que conduziram a essa extinção. Ou seja, o “negócio” ocorreu porque o Autor convenceu-se que o seu posto de trabalho ia desaparecer, independentemente das razões desse desaparecimento (o que não veio a acontecer, segundo ele).

O que o Autor veio alegar na presente ação – (falsa) ocorrência de motivos estruturais que provocaram a necessidade de uma reestruturação interna da organização da Ré – só poderia ser analisada em sede de ação de impugnação de despedimento com fundamento na extinção do posto de trabalho e não na presente na medida em que a “base” do negócio celebrado entre as partes (e objeto da presente ação) teve por fundamento, tão só, a extinção do posto de trabalho do Autor.

Significa isto que, tendo-se conhecido, na ação anterior, da inexistência de erro no que respeita à invocada extinção do posto de trabalho do Autor formou-se caso julgado quanto à inexistência de qualquer vício que ferisse o dito “negócio”.

Concluímos, assim, que a decisão proferida na anterior ação (quer da 1ª instância quer do Tribunal da Relação do Porto, que a confirmou) tem autoridade de caso julgado – art. 621º do CPC

10. Pese embora o recorrente enuncie o objeto de recurso em termos de se decidir se está verificada a exceção de caso julgado nas situações em que os sujeitos e o efeito jurídico pretendido são idênticos, mas a causa de pedir é distinta, a verdade é que as instâncias consideraram que a causa de pedir também é idêntica (como se alcança do antes exposto).

Vale por dizer que, desde logo por esta razão, a questão enunciada pelo recorrente para justificar a revista excecional não revela ter correspondência com a realidade do caso concreto.

11. Por outro lado, ao circunscrever a “questão que pretende submeter” no recurso de revista excecional à verificação dos requisitos da exceção de caso julgado, o recorrente olvida que, as instâncias consideraram no caso sub judice a autoridade de caso julgado (cfr. art. 621º), realidades que, como se sabe, são distintas.

Como cristalinamente refere Rui Pinto[3]:

“[…]
A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado.

O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.

O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.

Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
[…]
Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior.

O efeito negativo tem por destinatário os tribunais e apresenta natureza processual. Traduz-se na exceção dilatória de caso julgado.

O efeito positivo tem por destinatário as partes e os tribunais e apresenta diversa natureza, em razão do objeto da decisão. Assim, nas decisões que têm por objeto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; já nas
decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material – a sentença é título bastante de efeitos materiais.
[…]
A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1.
[…]
O efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos.
[…]
A possibilidade de um efeito positivo externo do caso julgado apresenta duas condições objetivas, negativa e positiva.

Assim, como condição objetiva negativa, a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado.
[…]
[A] a condição objetiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor.
[…]
Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (exceção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.

Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão.
[…]”.

Sobre esta matéria, cfr. ainda José Lebre de Freitas, Um polvo chamado autoridade do caso julgado, in Revista da Ordem dos Advogados, Jul - Dez 2019, p.691 - 722.[4]

12. Manifestamente inverificados os pressupostos básicos com base nos quais o recorrente fundamentou a necessidade da revista excecional, improcede, pois, o peticionado.

Acresce não oferecer qualquer dúvida que a exceção dilatória de caso julgado pressupõe a propositura de uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, como expressamente estipula o art. 581º, nº 1, não suscitando neste âmbito o caso dos autos qualquer imperativo de clarificação jurídica, sendo certo que o art. 672.º, n.º 1, a), pressupõe que a intervenção do STJ seja necessária para contribuir para a segurança e certeza do direito em casos futuros, sendo irrelevante, só por si, o eventual desacerto da decisão recorrida.

Não é isenta de dúvidas a decisão das instâncias no tocante à qualificação e consequências jurídicas da exceção em causa [ao contrário da exceção dilatória de caso julgado, cuja procedência implica a absolvição da instância (arts. 278.º, n.º 1, e), e 576.º, n.º 2), a exceção de autoridade do caso julgado é uma exceção perentória[5], importando, por isso, a absolvição do pedido, nos termos do art. 576º, nº 3], mas esta questão não foi invocada pelo recorrente, tal como não tem causado  divergências na doutrina e na jurisprudência carecidas de clarificação.

Quanto aos invocados interesses de particular relevância social, que não se descortinam minimamente, não se vê que estejam em causa “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2) ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).
III.

13. Nestes termos, acorda-se em não admitir o recurso de revista excecional em apreço.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 10 de Maio de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto



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[1] Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário.
[2] Todos os sublinhados e destaques são nossos.
[3] Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/

[4] Disponível em http://portal.oa.Dt
[5] V.g. José Lebre de Freitas, loc. cit., p. 701.