Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1335/13.8TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES DO CONTRATO / TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO.
Doutrina:
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2016, Almedina, 165.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, volume I, 808 e 809.
- Joana Simão, «A transmissão de estabelecimento na jurisprudência do trabalho comunitária e nacional», Questões Laborais, Ano IX – 2002, n.º 20, 203-204.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II –Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição- Revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas até setembro de 2016, Almedina, 644 e 645.
- Joana Vasconcelos, “Código do Trabalho”, anotado, 2016, 10.ª edição, Almedina, em co-autoria com Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, em anotação ao art.º 285.º, 669 e 670.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 285.º.
CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO PUBLICADO NO B.T.E. N.º 36 DE 29 DE SETEMBRO DE 1998 E POSTERIORES ALTERAÇÕES E REVISÕES, O QUAL FOI OBJETO DE PORTARIA DE EXTENSÃO PUBLICADA NO B.T.E., 1.ª SÉRIE, N.º 1 DE 8.1.2001.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA 77/187/CE (JO L 61, DE 5-3-77, 26).
DIRETIVA 98/50/CE DO CONSELHO, DE 29 DE JUNHO DE 1998 (JO L 201, DE 17/07/1998, IN HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU ).
DIRETIVA N.º 2001/23/CE, DO CONSELHO, DE 12 DE MARÇO DE 2001 (JO L 82, DE 22-3-2001, IN HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU ).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20-11-2003, PROCESSO N.º 3743/2002, DA 4.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A, N.º 7, DE 9 DE JANEIRO DE 2004, 136.
-DE 16-01-2008, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 3902/07 - 4.ª SECÇÃO.
-DE 9-9-2015, PROCESSO N.º 180/10.7TTVRL.P1.S1, DA 4.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. A sucessão na concessão de exploração de refeitório em Centro Educativo enquadra-se no conceito amplo de transmissão de empresa ou estabelecimento, conforme estipulado na cláusula 127.ª do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável.

II. Os contratos de trabalho que se transmitem para o adquirente da empresa ou estabelecimento são unicamente os existentes à data da transmissão.

III. A declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência a retoma da relação de trabalho pelo trabalhador despedido como se o despedimento nunca tivesse ocorrido, mantendo portanto o trabalhador todos os direitos que a relação de trabalho lhe confere.

IV. O contrato de trabalho de trabalhador que foi ilicitamente despedido pela anterior concessionária de estabelecimento tem de se considerar existente à data da transmissão para a nova concessionária, pelo que se transmitiu para esta.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

1. AA (Autor) instaurou contra BB, S.A. (1.ª Ré), e CC, S.A. (2.ª Ré), a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo:

a) Que se declare a existência de um contrato de trabalho sem termo entre si e a 1ª Ré;

b) Que seja declarado ilícito o seu despedimento promovido pela 1.ª Ré;

c) Que a 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, numa importância que, à data da apresentação da petição inicial, computou em € 755,53;

d) A sua reintegração no estabelecimento onde prestava trabalho no Centro Educativo nº …, de ... (Escolas do Município de ...), tudo sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, nos termos do art.º 389.º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho;

e) Que a 2ª Ré seja condenada a reintegrá-lo no Centro Educativo n.º … de ...;

f) Que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe, a título de férias vencidas e não gozadas nem pagas no ano de 2012, a importância total de € 686,84;

g) Que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe, a título de férias e respetivo subsídio, vencidas a 01/01/2013, uma importância total de € 1.511,06;

h) Que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2013, os quais até à data de 05/07/2013 se cifravam num total de € 1.133,29;

i) Que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe a título de crédito de horas de formação profissional a importância total de € 457,67;

Subsidiariamente:

j) Em caso de improcedência do pedido formulado em e) e a 2ª Ré seja absolvida do pedido de o reintegrar no Centro Educativo n.º .. de ..., deve a 1.ª Ré ser condenada a reintegrá-lo no estabelecimento mais próximo daquele onde prestava serviço, o que nos termos da cláusula 34.ª do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável, não poderá exceder um raio máximo de 25 Km, contados a partir do local da sua residência, devendo ainda a 1.ª R. ser condenada a pagar-lhe as despesas que diretamente tenha de suportar, por força da referida transferência de local de trabalho, designadamente transportes e tempo de deslocação.

k) A condenação da 1.ª Ré a pagar-lhe juros legais desde da data do vencimento de cada um dos pedidos até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou em síntese:

- Foi admitido ao serviço da 2.ª Ré, CC, S.A., em setembro de 2009, para desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de cozinheiro de 1.ª no estabelecimento designado Centro Educativo de ..., tendo permanecido ao serviço da mesma até 15 de junho de 2012;

- A partir de 31 de agosto de 2012, a 1ª Ré, BB, S.A., tornou-se concessionária do referido estabelecimento, pelo que passou a desempenhar as suas funções nesse estabelecimento ao serviço desta, que lhe pagava a retribuição mensal base, no valor de € 755,53;

- Em 03/06/2013, a 1ª Ré comunicou-lhe a “Rescisão do contrato de Trabalho”, invocando a sua caducidade no dia 05/07/2013, por termo do período da época escolar;

- No dia 08/07/2013, o Autor apresentou-se para trabalhar no local de trabalho habitual e foi impedido de o fazer;

- Por concurso público, a partir de 01/09/2013, a 2ª Ré tornou-se concessionária do referido estabelecimento;

- Tratando-se de um contrato sem termo, o despedimento promovido pela 1ª Ré é ilícito.

 

2. A 2.ª Ré, CC, S.A., contestou, por exceção, invocando a prescrição dos créditos laborais, e por impugnação.

3. A 1.ª Ré, BB S.A., contestou, arguindo a exceção perentória do abuso de direito, e por impugnação alegando que desde 01/07/2013 não explora qualquer serviço de refeição nas Escolas de ..., por cessação do contrato de prestação do serviço de refeições, pelo que não se admitindo a vigência do contrato de trabalho a termo incerto, a relação laboral extingue-se por impossibilidade superveniente.

4. Foi proferida sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente, e em consequência:

  a) Declarou ilícito o despedimento do Autor efetuado pela 1ª Ré, BB, S.A., em 05-07-2013, condenando-se a 2ª Ré, CC, S.A., que lhe sucedeu na posição contratual, a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

  b)- Condenar a 2ª Ré, CC, S.A., a pagar ao Autor a quantia mensal de € 755,53 a título de retribuições intercalares desde setembro de 2013 e respetivos proporcionais de subsídio de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 390.º n.os 1 e 2 al b), do Código do Trabalho que até ao presente se computam em € 28.369,94, quantia essa deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao Autor.

  c)- Condenar a 2ª Ré, CC, S.A., no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas em b), à taxa legal, até integral pagamento, desde a data em que as referidas retribuições deveriam ter sido pagas.

  d) Absolver as Rés do demais peticionado.

                                     

  5. Inconformada com a decisão, a 2.ª Ré, CC, S.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação, que decidiu julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, substituindo-a pela seguinte decisão:

  “- Absolve-se a Ré- CC – …, SA, da totalidade do pedido;

  - Declara-se ilícito o despedimento do Autor - AA efetuado pela Ré - BB – …, SA, em 05-07-2013, condenando-se a mesma Ré na reintegração do Autor no estabelecimento/exploração mais próximo daquele onde o Autor prestava trabalho à data do despedimento, que, nos termos da cl.ª 34.ª do CCT aplicável, não poderá exceder um raio máximo de 25 Km contados a partir do local de residência do Autor, e a custear as despesas de transportes ou outros gastos que diretamente passem a existir para o trabalhador por força da referida transferência.

    – Condena-se a Ré/BB a pagar ao Autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), operando-se a dedução a que se refere a al. c), do n.º 2, do art.º 390.º, do Código do Trabalho, cuja liquidação se relega para uma ulterior fase de execução, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste acórdão à Ré/BB e até integral pagamento.”

6. Inconformada com esta decisão, a 1.ª Ré, BB S.A., interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos é manifesta a diversidade de fundamentação entre as decisões em causa, uma vez que a fundamentação da decisão da 1.ª instância que colocou termo ao processo é apresentada em sentido completamente diverso do defendido e proferido no acórdão da relação de Coimbra.

2. A questão a decidir comum entre ambas as decisões prende-se, inevitavelmente, com legalidade e interpretação de a qual das Rés cabe a reintegração do Autor, mormente a interpretação do artigo 318.º do CT de 2003, do artigo 285.º do CT de 2009 e da Diretiva n.º 2001/23/CE, no que respeita ao conceito de transmissão de estabelecimento.

3.Toda a argumentação do acórdão recorrido quanto a esta questão incidiu na doutrina perfilhada pelo acórdão da Relação do Porto, que entende que “1. A transferência de uma empresa ou estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho (...)”, realçando o Tribunal de Justiça quanto a este aspeto que, “a diretiva só pode ser invocada por aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho existe, subsiste no momento da transferência, sendo tarefa do direito nacional dos estados membros decidir, no respeito pelas disposições imperativas da diretiva, quando é que se pode afirmar tal existência ou subsistência”, considerando ainda que, “para determinar se um despedimento era motivado pela transferência (...) se torna necessário tomar em consideração todas as circunstâncias objetivas em que o despedimento ocorreu e, particularmente, como no caso em que o Tribunal teve que se pronunciar, o facto de que o despedimento deveria produzir os seus efeitos numa data muito próxima à data da transferência e os trabalhadores em questão foram, em grande medida, reassumidos pelo transmissário”.

4. Contrariamente, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, vai no sentido de, considerar no caso em apreço, “a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão da posição contratual e a continuidade dessa atividade, são indícios de que o estabelecimento enquanto unidade ou entidade económica, manteve a respetiva identidade e que, o que ocorreu foi mera sucessão da posição contratual (por força das sucessivas transmissões na posição de cessionário da exploração do estabelecimento), tudo a envolver questões contratuais a que o trabalhador é alheio”.

5. Pelo que considerou assente que o A. foi admitido ao serviço da R. CC, S.A. em setembro de 2009 até 15 de junho de 2012, sendo que, a partir da data de 31 de agosto de 2012, a Recorrente passou a ser a entidade empregadora do A. tendo este a partir de tal data, mantido, por via dessa mesma transmissão, a sua qualidade de trabalhador face à Recorrente, até 05-07-2013, data em que a Recorrente considerou cessada a relação laboral. Pelo menos a partir de 01-09-2013 a R. CC, S.A. passou a ser a concessionária do estabelecimento.

6. No que respeita ao objeto do recurso, o mesmo vem no sentido da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra, ter sido declarado ilícito o despedimento do Autor AA efetuado pela Recorrente, em 05-07-2013, condenando-se a Ré “CC, S.A.”, que lhe sucedeu na posição contratual, a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como condenar a mesma a pagar ao Autor a quantia mensal de € 755,53, a título de retribuições intercalares desde setembro de 2013 e respetivos proporcionais de subsidio de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 390.º n.º 1 e 2 al. b), do Código do Trabalho que até ao presente se computam em € 28.369,94, quantia essa deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao A. e ainda, no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas, contados à taxa legal, até integral pagamento desde a data em que as referidas retribuições deveriam ter sido pagas, absolvendo as Rés do demais peticionado.

7. Não se conformando com o teor da decisão supramencionada, veio Ré CC, S.A. apresentar o seu recurso de apelação, tendo a Ré, ora Recorrente apresentado as suas contra-alegações de recurso, as quais foram objeto do acórdão ora recorrido.

8. Não obstante, o tribunal de 1.ª instância fundamente a sua decisão pela aplicação do artigo 285.º do CT, entendendo que à presente ação declarativa de processo comum, deverá ser aplicado o mencionado normativo, uma vez que “para efeitos de sujeição a este regime, a transmissão é qualificada não apenas como a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (isto é, uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento, sem alteração da respetiva titularidade", considerando in casu que, “a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão da posição contratual e a continuidade dessa atividade, são indícios de que o estabelecimento enquanto unidade ou entidade económica, manteve a respetiva identidade e que, o que ocorreu foi mera sucessão da posição contratual”.

9. O acórdão recorrido fundamenta a sua decisão em sentido diverso, entendendo pela inaplicabilidade da mencionada norma, à presente instância, com base nos fundamentos supra expostos e perfilhados pelo Acórdão da Relação do Porto, salientando que, não foi averiguada a causa do despedimento ocorrido, se o mesmo teve alguma coisa a ver com a transmissão, se houve readmissão de trabalhadores pelo cessionário, sendo que, nem sequer algum destes factos foi alegado pelo Autor, como lhe competia nos termos do artigo 341.º, n.º 1 do Código Civil.

10. Não pode a Recorrente, nem deve, à luz das alegações que apresentou perante o Tribunal a quo, conformar-se com tal entendimento, pois o normativo legal aplicável não desresponsabiliza a empresa em questão, uma vez que, em bom rigor, o crédito peticionado na presente ação foi reclamado e reconhecido no âmbito do PER.

11. Ora, o despedimento ilícito ocorreu em 05/07/2013, pelo que os créditos já existentes à data do processo especial de revitalização e cujo pagamento, de forma expressa, ficou regulado no plano de revitalização, da responsabilidade da Recorrente já foram feitos valer naquele processo, sendo que tais créditos se reportam às quantias peticionadas nos artigos 49.º a 60.º da P.I. (até essa data).

12. Deste modo, a Ré CC, S.A. passou a ser concessionária do estabelecimento “Centro Educativo de ...”, pelo menos em 1 de setembro de 2013, pelo que os créditos que nascerem posteriormente e a partir desse momento, serão da responsabilidade daquela.

13. No que respeita à questão a decidir, mormente se existe uma verdadeira transmissão de estabelecimento e sobre qual das Rés recai a obrigação da reintegração do trabalhador, veio a sentença proferida em 1.ª instância, considerar que, no caso em apreço, como supramencionado, que “a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão da posição contratual e a continuidade dessa atividade, são indícios de que o estabelecimento enquanto unidade ou entidade económica, manteve a respetiva identidade e que, o que ocorreu foi mera sucessão da posição contratual (por força das sucessivas transmissões na posição de cessionário da exploração do estabelecimento), tudo a envolver questões contratuais a que o trabalhador é alheio”.

14. Dando como assente que o A. foi admitido ao serviço da R. CC, S.A., em setembro de 2009 até 15 de junho de 2012, sendo que, a partir da data de 31 de agosto de 2012, a Recorrente passou a ser a entidade empregadora do A. tendo este a partir de tal data, mantido, por via dessa mesma transmissão, a sua qualidade de trabalhador face à Recorrente, até 05-07-2013, data em que a Recorrente considerou cessada a relação laboral. Pelo menos a partir de 01-09-2013 a R. CC, S.A. passou a ser a concessionária do estabelecimento.

15. Por sua vez, entende a Ré CC, S.A., bem como o Tribunal quo, que será necessário, para que a Diretiva n.º 2001/23/CE se aplique, que o contrato de trabalho subsista no momento da transferência ou que, não subsistindo, se averigue a verdadeira causa do despedimento anteriormente ocorrido e se demonstre que o mesmo se ficou unicamente a dever ao facto da transmissão, para o que há que ponderar as circunstâncias envolventes, o facto de ter começado a produzir efeitos em data próxima da transferência e de haver readmissão de trabalhadores pelo cessionário.

16.Tal entendimento não pode proceder, pois o despedimento em causa é ilícito e foi declarado enquanto tal, pelo tribunal de 1.ª instância, pois uma vez que, o mesmo é ilícito, pois não foi precedido do competente procedimento, e sendo que foi dado como provado que, entre o A. e a Recorrente não foi celebrado qualquer contrato de trabalho a termo, a denúncia do contrato por caducidade operada pela Recorrente equivale, efetivamente a um despedimento ilícito.

17. Desta feita, tudo corre como se o contrato estivesse em vigor na data da transmissão do estabelecimento.

18. Ademais, se, se entende que a Ré CC, S.A., não deverá ser condenada a receber/reintegrar o A. no "Centro Educativo de ...", muito menos poderá recair tal ónus perante a Recorrente, uma vez que nunca mais lhe fora adjudicada, a concessão do mencionado estabelecimento e muito menos encontra-se a explorar qualquer estabelecimento próximo daquele onde o Autor prestava trabalho à data do despedimento, que não poderá exceder um raio máximo de 25 km contados a partir do local de residência do Autor.

19. Pelo que, o Autor apenas poderá ser reintegrado no mencionado local, ficando adstrito à entidade que detiver a concessão da exploração do referido estabelecimento no presente momento.

20. O contrato de exploração e concessão do estabelecimento em causa foi adjudicado à Ré CC, S.A., pelo menos desde 1 de setembro de 2013.

21. Deste modo, cessando a exploração e concessão do estabelecimento para a ora Recorrente, operou a transmissão do estabelecimento para a mencionada Ré, bem como o seu vínculo jurídico.

22. Pelo que, deveria o acórdão recorrido ter, confirmado a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, atenta ao facto da aplicação do direito ser notoriamente desprovida de fundamentação idónea, o que só confirma que, pretende protelar o desfecho da ação, adiando uma decisão perfeitamente justa.

23. Com a decisão tomada, entende a Recorrente que, o Douto Tribunal recorrido não procedeu à correta interpretação e aplicação do artigo 318.º do CT de 2003, do artigo 285.º do CT de 2009 e da Diretiva n.º 2001/23/CE, no que respeita ao conceito de transmissão de estabelecimento, bem como dos princípios gerais de direito e de boa interpretação jurídica que deverão ser considerados na presente situação.

24. É imperativo salientar as regras sobre a transmissão da empresa ou estabelecimento, que de uma forma ampla, pretendem abranger, todas as situações de transmissão do negócio, nomeadamente a transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica, o trespasse ou a transmissão decorrente da venda judicial e/ou da morte do empregador.

25. Consequentemente, importará ainda ter em consideração o conceito de unidade económica.

26. Pelo que, a determinação em cada momento, se de facto estamos perante uma unidade económica para efeitos da aplicação do artigo 285.º, n.º 5 do CT, implica necessariamente uma análise casuística das circunstâncias concretas de cada situação.

27. Tratando-se de um conceito flexível e que exige uma análise casuística, é imperativo verificar em cada situação se os elementos que se transferem se afiguram suficientes para permitir a prestação dos serviços característicos da atividade económica em causa, podendo o conjunto incluir ou não elementos do ativo, materiais ou imateriais, imobilizados, e ainda se o conjunto transmitido conserva a sua identidade constituindo uma unidade económica.

28. In casu, é notório que os elementos que se transferem afiguram-se suficientes para permitir a prestação dos serviços característicos da atividade económica em causa.

29. Na verdade, as relações entre as concessionárias e trabalhadores e entre as concessionárias e as concedentes nos contratos de prestação de serviços de refeições, na parte respeitante à transferência do quadro de pessoal, regem-se pelo Contrato Coletivo de Trabalho - CCT entre ARESP - Associação de Restauração e Similares de Portugal e a FESHOT - Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicado no BTE n.º 36 de 29/09/1998, com as posteriores alterações e revisões.

30. Pelo CCT entre a ARESP e a FESHOT, respetivamente na cláusula 127.º quando haja transmissão de exploração ou de estabelecimento, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, os contratos de trabalho transmitem à entidade patronal adquirente ou com a entidade concedente da exploração relativamente aos trabalhadores que se encontrem ao serviço da exploração ou estabelecimento.

31. O CCT em causa aplica-se às relações de trabalho e, logo, os trabalhadores podem reivindicar o seu posto de trabalho junto da entidade que assegura a prestação do serviço de refeições, que in casu seria a Ré CC, S.A.

32. Tais normas do CCT entre a ARESP e a FESHOT, bem como do Código do Trabalho são imperativas, desde logo porque decorrem da transposição de uma Diretiva Comunitária, n.º 2001/23/CE, de 12/03/01.

33. A entidade que continua a exploração dos serviços de refeições, seja a concedente seja uma nova concessionária, deve assumir as posições de trabalho já existentes.

34. Pelo que se conclui que, estamos perante uma verdadeira transmissão de estabelecimento.

35. Por conseguinte, existindo uma verdadeira transmissão, transmite-se automaticamente “para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores”.

36. Assim, transfere-se para o transmissário a posição de empregador e com esta a responsabilidade pelos eventuais créditos dos trabalhadores sobre o transmitente.

37. In casu, verifica-se a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão da posição contratual e a continuidade dessa atividade, sendo indícios de que o estabelecimento enquanto unidade ou entidade económica, manteve a respetiva identidade e que, o que ocorreu foi mera sucessão da posição contratual (por força das sucessivas transmissões na posição de cessionário da exploração do estabelecimento), tudo a envolver questões contratuais a que o trabalhador é alheio.

38. Assim, a entrega da exploração à Ré CC, S.A. da cantina que antes era diretamente explorada pela Recorrente (à data de 05-07-2013 entidade empregadora) não constitui motivo de cessação do contrato de trabalho do trabalhador que nela prestava atividade.

39. Mediante atenta análise da cláusula 127.ª do CCT verifica-se que a transmissão ocorre de forma automática, como decorrência direta daquela sucessão, e independentemente de qualquer comunicação à empresa que ganha a concessão (salvo relativamente: 1) a trabalhadores que à data da sucessão exerciam funções na exploração ou estabelecimento há 90 ou menos dias; 2) a trabalhadores que exerciam funções na exploração ou estabelecimento e que, nos 90 dias anteriores à sucessão de empresas viram a sua retribuição ou categoria profissional alteradas por motivos diversos da mera aplicação do CCT; 3) relativamente a trabalhadores que justificadamente se oponham à sua “transferência” para a empresa que “ganhou” a concessão).

41. Ademais vem ainda o tribunal recorrido ponderar e legitimar a dúvida de, que “sendo ilícito o despedimento, e sendo legalmente ficcionado que, nestes casos, tudo se passa como se a relação laboral se mantivesse sempre em vigor, a reintegração do Autor deve ser feita pela Ré Recorrente (CC)", o que vem reforçar a tese da verdadeira transmissão da posição contratual, pelo que Autor deverá ser reintegrado pela Ré CC, ou pela entidade que detiver a concessão da exploração do referido estabelecimento no presente momento.

 

7. A 2.ª Ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência da revista, com a revogação do acórdão recorrido e repristinação da sentença de 1.ª instância.

9. A R. CC respondeu pugnando pela manutenção do acórdão recorrido e pela improcedência do recurso.

10. Nas suas conclusões a recorrente suscita a questão de saber se deverá ser condenada nas obrigações decorrentes da ilicitude do despedimento, atenta a transmissão de estabelecimento ocorrida em 1/9/2013 para a 2.ª Ré.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. A primeira instância deu como provado o seguinte:

1.º- As RR. são sociedades comerciais regularmente constituídas, sob a forma de sociedade anónima que se dedicam à restauração e hotelaria, designadamente ao fornecimento de serviços de alimentação e gestão de refeitórios para o mercado.

2.º- O A. foi admitido ao serviço da 2.ª R, CC S.A., em Setembro de 2009 para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Cozinheiro de 1.ª, no estabelecimento “Centro Educativo de ...” (escolas do município de ...), sito na Rua Dr. … (cfr. Doc. 1).

3.º- O A. permaneceu ao serviço desta sociedade (2.ª R.) até 15 de Junho de 2012 (cfr. Docs. 2 e 3).

4.º- A partir de 31 de agosto de 2012 passou a ser a 1.ª R. a concessionária do estabelecimento “Centro Educativo de ...” sito na Rua ...

5.º- A partir dessa data, o A. passou a desempenhar as suas funções enquanto cozinheiro de 1.ª ao serviço da 1.ª R. no estabelecimento Centro Educativo n.º .. de ..., para as escolas do município de ... (cfr. Docs. 4 a 13).

6.º- Era a 1.ª R. quem organizava e distribuía o trabalho ao Autor.

7.º- Era a 1.ª R. quem liquidava a retribuição ao A. (cfr. Docs. 4 a 13).

8.º- Os instrumentos de trabalho com que o A. laborava pertenciam à 1.ª R. e ao Centro Educativo de ....           

9.º- O local de trabalho do A. foi sempre as instalações/refeitório do Centro Educativo n.º … de ..., onde confecionava para as Escolas do município de ....

10.º- Como contrapartida do trabalho prestado, o A. auferia uma retribuição mensal base de € 755,53 (cfr. Docs. 4 a 13).

11.º- Em comunicação escrita datada de 03 de Junho de 2013, a 1.ª R. comunicou ao A. a “Rescisão do contrato de Trabalho”, nos seguintes termos:

“ Nos termos da alínea 1ª do Contrato de Trabalho a Termo Incerto, que celebrou com esta Empresa em 31.08.2012, vimos pela presente comunicar a V.ª Ex.ª, que o mesmo caducará no próximo dia 05.07.2013, por termo do período da época escolar.” (cfr. Doc. 14).

12.º- Entre A. e a 1.ª R. não foi celebrado qualquer contrato de trabalho a termo.

13.º- No dia 8 de Julho de 2013, o A. apresentou-se para trabalhar apto e disponível para o trabalho no local de trabalho habitual - Centro Educativo n.º …, em ....

14.º- Aí chegado, a 1ª R. entregou em mão, ao A. a comunicação referida em 11.º, impedindo-o de aceder ao local de trabalho com a reiteração de que o alegado contrato de trabalho a termo havia cessado em 5 de Julho de 2013.

15.º- Para impedir o acesso do A. ao local, a 1.ª R. solicitou a intervenção da Guarda Nacional Republicana (cfr. Doc. 15).

16.º- A 2ª R. passou a ser, pelo menos desde 1 de Setembro de 2013 e por concurso público, concessionária do estabelecimento “Centro Educativo de ...” (escolas do município de ...) sito na Rua ….

17.º- Pelo menos, a partir dessa data passou a ser a 2.ª R. a assegurar a confeção e fornecimento de refeições do Centro Educativo n.º … de ... (escolas do município de ...).

18.º- O A. encontra-se inscrito no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro, o qual por sua vez se encontra filiado na FESAHT, Federação que sucedeu à FESHOT (cfr. Doc. 16).

19.º- As RR. são filiadas na ARESP – Associação da Restauração e Similares de Portugal.

20.º- À relação laboral entre A. e RR. aplica-se o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ARESP e a FESHOT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicado no BTE n.º 36 de 29 de Setembro de 1998 e posteriores alterações e revisões, o qual foi objeto de Portaria de Extensão publicada no BTE 1.ª série, n.º 1 de 8.1.2001.

21.º- A título dos créditos peticionados nos artigos 49.º a 60.º da P-I-, a 1ª R. deve ao A. o valor de € 4.544,39 reclamados e reconhecidos no âmbito do Processo Especial de Revitalização nº 435/14.1TYLSB da Instância Central – 1ª secção de Comércio – J 3 da Comarca de Lisboa (cfr. doc. de fls. 144, 145 e 172).

O Tribunal da Relação decidiu acrescentar à factualidade provada o seguinte:

22- Em 02/09/2013, a R. CC enviou um fax à R. BB, S.A. de onde consta além do mais:

“(…) Assunto: Transferência de Quadro de Pessoal Município de ...(…) Em virtude de nos ter sido adjudicada a concessão dos refeitórios do Município acima mencionado, vimos solicitar a V. Exas. que nos informem com a maior brevidade possível o respetivo quadro de pessoal, a transitar para a nossa Empresa, a partir de 02 de Setembro de 2013, com os seguintes elementos (…).” (cfr. doc. de fls. 71).

23- Em 04/09/2013, a R. BB, S.A. enviou um email à R. CC S.A. com o teor seguinte:

“(…) Em resposta ao vosso fax de 02 de Setembro último, relativamente ao quadro de pessoal do Município de ..., e por me ter sido pedido, informo que não existe transferência do quadro de pessoal, uma vez que a BB rescindiu todos os contratos com os seus funcionários nessa unidade.(….)” (cfr. doc. de fls. 72).

2. Os presentes autos respeitam a uma ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, instaurada em 22 de novembro de 2013, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 23 de fevereiro de 2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

3. À relação laboral entre A. e RR. aplica-se o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ARESP e a FESHOT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicado no BTE n.º 36 de 29 de Setembro de 1998 e posteriores alterações e revisões, o qual foi objeto de Portaria de Extensão publicada no BTE 1.ª série, n.º 1 de 8.1.2001.

A Cláusula 127.ª do referido Contrato Coletivo de Trabalho que tem por epígrafe “Trespasse, cessão ou transmissão de exploração do estabelecimento”, tem a seguinte redação:

1- Quando haja transmissão de exploração ou de estabelecimento, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, os contratos de trabalho transmitem à entidade patronal adquirente ou com a entidade concedente da exploração relativamente aos trabalhadores que se encontrem ao serviço da exploração ou estabelecimento há mais de 90 dias, salvo quanto aos trabalhadores que não pretendam a manutenção dos respetivos vínculos contratuais, por motivo grave e devidamente justificado.

 2 - Nos casos de transmissão da exploração em estabelecimentos de ensino, entende-se que os contratos de trabalho se transmitem aos novos adquirentes ou concessionantes, a partir do início da atividade do novo concessionário, mesmo que tenha acorrido uma suspensão da atividade por motivos escolares. Para esse efeito, devem os trabalhadores ter estado ao serviço num período superior a 90 dias imediatamente anteriores à cessação do contrato com a anterior concessionária e, após esse período, não se terem verificado quaisquer alterações à categoria ou retribuição que não resultem de imposição legal ou contratual.

 3- Na hipótese prevista no número anterior, e relativamente aos trabalhadores que prestam serviço na exploração ou estabelecimento há 90 ou menos dias, ou ainda àqueles cuja remuneração e ou categoria foram alteradas dentro do mesmo período, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, será da responsabilidade da entidade patronal que até então detinha a exploração a manutenção dos respetivos vínculos contratuais.

 4 - As regras dos números anteriores aplicam-se a todos os trabalhadores ao serviço da exploração ou estabelecimento, incluindo os que estejam com baixa médica ou acidentados, em cumprimento de tarefas legais ou outras ausências devidamente comprovadas ou justificadas.

 No caso concreto dos autos, a partir de 31 de agosto de 2012, a 1.ª R. (BB) passou a ser a concessionária do estabelecimento referido nos autos, tendo a 2.ª R. (CC) ganho a concessão, por concurso público, em 1 de setembro de 2013.

O Contrato Coletivo de Trabalho, como já se referiu, prevê que quando haja transmissão de exploração ou de estabelecimento, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, os contratos de trabalho transmitem-se à entidade patronal adquirente ou com a entidade concedente da exploração relativamente aos trabalhadores que se encontrem ao serviço da exploração ou estabelecimento há mais de 90 dias, salvo quanto aos trabalhadores que não pretendam a manutenção dos respetivos vínculos contratuais, por motivo grave e devidamente justificado.

Refira-se, neste plano de consideração, que a transmissão de empresa ou estabelecimento está regulada nos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho.

O regime decorrente do art.º 285.º, do Código do Trabalho de 2009, corresponde, sem alterações substanciais, à disciplina que emergia do artigo 318.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, que procurou dar cumprimento às obrigações que oneravam o Estado Português decorrentes da Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001 (JO L 82, de 22-3-2001, in http://eur-lex.europa.eu), relativa à aproximação da legislação dos Estados Membros no que se refere à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, parte de empresas, ou de estabelecimentos.

Refira-se, no entanto, que foi a Diretiva 77/187/CE (JO L 61, de 5-3-77, pág. 26) que tratou pela primeira vez dos direitos dos trabalhadores em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, visando aproximar as legislações dos Estados membros no sentido de “proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos”.

Entretanto, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de alteração motivada, entre outras razões, pela necessidade de “esclarecer o conceito jurídico de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça” e pela “evolução da legislação dos Estados membros no domínio da recuperação de empresas em situação económica difícil”, o que originou a Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO L 201, de 17/07/1998, in http://eur-lex.europa.eu).

A Diretiva 2001/23/CE surgiu por necessidades de codificação, reportando-se apenas “a alguns aspetos formais dos textos”, representando por isso um esforço para consolidar e consagrar os resultados de um longa e laboriosa construção jurisprudencial.[1]

Em suma, as três Diretivas acima citadas visaram uma proteção do trabalhador, conferindo uma transferência automática para o adquirente, dos contratos de trabalho existentes e consequentemente, da manutenção dos direitos existentes na altura da transmissão.

Maria do Rosário Palma Ramalho[2], quanto ao âmbito do fenómeno transmissivo, refere o seguinte:

“ … é qualificada como transmissão para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (i.e., uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respetiva titularidade (i.e., uma transmissão das responsabilidades de gestão a título temporário, embora estável) - art.º 285.º n. os 1 e 3.

Deste modo, o conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa. Por outro lado, os termos amplos do art.º 285.º viabilizam a aplicação deste regime não apenas a transmissões da titularidade ou da exploração de unidades negociais no âmbito do setor privado, mas também a transmissões que envolvam os setores público e privado – assim, caem sob a alçada da norma as concessões de serviços públicos a entes privados ou outras formas de cedência da exploração de atividades públicas a entes privados, bem como a respetiva reversão.

Com a adoção deste conceito de amplo de negócio transmissivo, o Código não só se coloca em linha com o conceito correspondente na Dir. n.º 2001/23 (art.º 1.º) – que resulta, aliás, da interpretação da jurisprudência comunitária – como dissipa as dúvidas anteriormente suscitadas na nossa jurisprudência sobre a sujeição a este regime de algumas situações, com destaque para a reversão da exploração para a cedente e para as concessões da exploração a sucessivos cessionários, pelo facto de não envolverem um negócio translativo da propriedade sobre a empresa ou o estabelecimento.”

Também Júlio Manuel Vieira Gomes[3] dá conta da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no que diz respeito ao caso de sucessão de vários concessionários sem que entre eles medeie qualquer contrato, e em que o referido Tribunal considera poder existir uma transmissão em duas fases.

João Leal Amado[4] sublinha a amplitude de aplicação do regime previsto no art.º 285.º do Código do Trabalho, concretizando que “A previsão legal abrange, portanto, a transmissão, total ou parcial, de empresa ou estabelecimento. E abrange a transmissão da titularidade ou da exploração da unidade económica (trespasse, fusão, cisão, venda judicial, doação, concessão de exploração, etc.)”.

Acrescenta o referido autor que “como se intui, no tocante ao objeto do negócio transmissivo o âmbito de aplicação deste regime é muito vasto, sendo também o conceito de transmissão definido em moldes muito amplos”.

Temos, assim, que a concessão de exploração que teve lugar, em 1 de setembro de 2013, por concurso público, para 2.ª R. (CC), enquadra-se no regime da transmissão de exploração ou de estabelecimento, tal como está estipulado na cláusula 127.ª do Contrato Coletivo de Trabalho.

Neste conspecto, Joana Vasconcelos[5] refere que “As obrigações que, por força do n.º 1 do presente preceito (art.º 285.º), se transmitem para o adquirente da empresa ou estabelecimento são unicamente as emergentes dos contratos de trabalho “existentes” à data da transmissão – é o que resulta do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva, à luz do qual deve o mesmo ser interpretado (TJUE, Ac. Marleasing, de 13 de novembro de 1990, Proc. n.º C-106/89).

Ficam, pois, excluídos desta transmissão, permanecendo na esfera do transmitente, os créditos (v.g., por subsídios de férias ou de Natal ou por trabalho suplementar, não pagos) emergentes de contratos de trabalho que tenham cessado em momento anterior àquela, com uma exceção: os contratos cuja extinção venha a ser judicialmente declarada ilícita. Quando assim suceda, e porque tais vínculos laborais se consideram “existentes” à data da transferência, transitam para a esfera do adquirente da empresa ou estabelecimento as obrigações deles emergentes (caso, v.g. das relativas ao pagamento das retribuições intercalares ou da indemnização substitutiva da reintegração).”

Conforme se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de novembro de 2003, Processo n.º 3743/2002, da 4.ª Secção[6], “a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência a retoma da relação de trabalho pelo trabalhador despedido como se o despedimento nunca tivesse ocorrido, mantendo portanto o trabalhador todos os direitos que a relação de trabalho lhe conferia”.

Na linha deste aresto o Acórdão de 9 de setembro de 2015, proferido no Processo n.º 180/10.7TTVRL.P1.S1 (Revista) – 4.ª Secção[7], sublinhou que "…declarada a ilicitude do despedimento e porque essa declaração tem eficácia retroativa, restabelece-se o vínculo contratual e, bem assim, os efeitos do contrato de trabalho, como se o despedimento não tivesse existido, o que demanda a consequente restauração natural, nos termos dos artigos 389.º e 390.º, devendo a entidade empregadora indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pagar-lhe o valor das retribuições correspondente ao período desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e reintegrá-lo, com a categoria e antiguidade devidas, salvo nos casos aludidos nos artigos 391.º e 392.º, que disciplinam a atribuição de indemnização em substituição da reintegração”.

A propósito do ónus da prova, atento o disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que, numa situação de transmissão de estabelecimento compete ao trabalhador alegar e provar que entre ele e o primitivo empregador existia uma relação de trabalho subordinado, que o estabelecimento onde a sua atividade era prestada tinha sido transmitido para o réu e que, à data dessa transmissão, o seu vínculo laboral com aquele primitivo empregador ainda se mantinha, competindo-lhe ainda provar que tinha sido despedido pelo réu.[8]

No caso concreto dos autos, a 1.ª Ré/BB, S.A., fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor com efeitos a 5 de julho de 2013, em moldes que configuram uma situação de despedimento ilícito.

Ora, a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência a retoma da relação de trabalho pelo trabalhador despedido como se o despedimento nunca tivesse ocorrido, mantendo portanto o trabalhador todos os direitos que a relação de trabalho lhe conferia, devendo pois o contrato de trabalho considerar-se existente à data da transmissão de exploração, pelo que transitou para a esfera do novo concessionário a 1.ª CC, S.A.

A factualidade que consta nos pontos 22 e 23 dos factos provados, nomeadamente a informação da 2.ª ré BB, S.A., à 1.ª ré CC, S.A., a solicitação desta, de que “não existe transferência do quadro de pessoal, uma vez que a BB rescindiu todos os contratos com os funcionários nessa unidade” não tem a virtualidade de afetar a transmissão do contrato de trabalho do autor para a nova concessionária, pois trata-se de matéria que apenas diz respeito às rés, sendo que o trabalhador deve manter todos os direitos que a relação de trabalho lhe confere.

Pelo exposto, decide-se revogar o acórdão recorrido, mantendo na íntegra a sentença da primeira instância.

                                                           III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença da primeira instância.

Custas pela recorrida.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 28/09/2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

_________________________
[1] Neste sentido, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, volume I, pág. 808 e 809 e Joana Simão, “A transmissão de estabelecimento na jurisprudência do trabalho comunitária e nacional”, Questões Laborais, Ano IX – 2002, n.º 20, pág. 203-204.
[2] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II –Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição- Revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas até setembro de 2016, Almedina, pág. 644 e 645.
[3] O conflito entre a jurisprudência nacional e a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão do estabelecimento no direito do trabalho; o art.º 37.º da LCT e a Diretiva 77/187, RDES, 1996,77-194.
[4] Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2016, Almedina, pág. 165.
[5] Em anotação ao art.º 285.º do Código do trabalho, anotado, 2016, 10ª edição, Almedina, em coautoria com Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, pág. 669 e 670.
[6] Publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 7, de 9 de Janeiro de 2004, p. 136.
[7] Publicado na Base de dados do IGFEJ, relatado por Pinto Hespanhol.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-01-2008, proferido no processo  n.º 3902/07 - 4.ª Secção, relatado por Sousa Peixoto.