Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36/12.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
FACTO-CONDIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INTERPRETAÇÃO DOS FACTOS
INCUMPRIMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ( ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ) / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / RESPONSABILIDADE NO CASO DE MÁ-FÉ - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
– Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, p.159.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pp. 83-84.
- Heinrich Ewald Hörster, Comentário ao Código Civil - Parte Geral, pp. 491, 661.
- J. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pp. 345, 348/349, 352.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1966, 2.º, p.356.
- Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Vol. II, pp.177/178.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 12ª edição, p. 521.
- Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª Edição – 2000 – pp. 221/222.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 270.º, 271.º, N.ºS 1 E 2, 276.º, 334.º, 342.º, N.º1, 405.º, 406.º, N.º 1, 410.º, N.º1, 432.º, 433.º, 434.º, N.º1, 487.º, N.º2, 762.º, N.º2, 790.º, 798.º, 799.º, 801.º, 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, 8.º, 9.º, 542.º, N.ºS 1 E 2, 636º, NºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25.1.1998, IN B.M.J., 477-460.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 29.9.1992, IN C.J., ANO XVII, TOMO IV, P.82.
Sumário :
1. Os negócios jurídicos não são imperativamente puros. As partes podem celebrar contratos sob condição suspensiva ou resolutiva, ou acordar cláusulas acessórias típicas ou atípicas, desde que os negócios por sua natureza, não sejam com elas incompatíveis, o que é corolário do princípio da liberdade contratual – art. 405º do Código Civil.
O art. 271º, nº1, fere de nulidade o negócio jurídico subordinado a condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, sendo ainda que, nos termos do nº2, se a condição for resolutiva, tem-se por não escrita.

2. Se, em contratos promessa de compra e venda, as partes concordaram na aposição de uma cláusula resolutiva segundo a qual se os promitentes compradores não obtivessem financiamento bancário correspondente a 80% do valor da compra e venda, o ónus da prova do facto-condição incumbiria aos promitentes compradores.

3. Tendo os promitentes compradores interpelado admonitoriamente a promitente vendedora para aprazar a data da escritura de compra e venda e não tendo sido marcada data para tal escritura, operava a resolução do contrato.

4. Se, depois desse facto, os promitentes compradores prosseguiram as negociações com a Ré promitente vendedora, visando o cumprimento do contrato prometido, deve considerar-se que abdicaram de invocar os efeitos da resolução contratual, sob pena de conduta abusiva do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

5. Incumbindo aos promitentes compradores a prova da obtenção do financiamento bancário no montante referido em 2., não lhes era exigível que indagassem “da generalidade dos bancos” que operam no mercado em Portugal, se estes lhes concederiam tal financiamento, por essa exigência não se coadunar com o padrão de actuação exigível – nos termos do padrão de actuação diligente – o paradigma da actuação por que se deve pautar o bonus pater famílias.

6. Não deve considerar-se uma “abstracção” que alguém estrangeiro, residente na Irlanda, dirigindo-se a Bancos portugueses, indagando sobre o montante que pretendiam de empréstimo, vissem recusada a sua pretensão porque, na generalidade dos Bancos, o critério para a concessão de financiamentos para a aquisição de propriedade imóvel, especialmente para cidadãos não residentes, em regra, estava fixado abaixo de 80% da avaliação bancária das propriedades.

7. Não são abstracções ou hipóteses trabalhadas pelos AA., promitentes compradores, mas antes dados concretos, factos que resultam da experiência de vida e da prática negocial bancária nas relações com os clientes, no contexto da negociação de empréstimos bancários, pedirem-se informações sobre o montante do crédito, a finalidade, (sobretudo se se trata de mútuos de escopo como é o financiamento para aquisição de imóveis para habitação), assim, como é usual fazerem-se simulações de empréstimos que, naturalmente, lidam com as condições de quem pretende obter esses mútuos.

8. Constitui prática bancária, sobretudo em tempo em que a concessão de financiamento era difícil, dada a conjuntura económica portuguesa, definir procedimentos em função das disponibilidades de liquidez, razão pela qual, o putativo mutuário não poderia contrariar um critério como o usado pelos três bancos que consultaram, no sentido de não emprestarem a cidadãos residentes no estrangeiro mais que 65% a 70% dos valores pretendidos para compra de propriedades em Portugal.

9. Tendo os promitentes compradores demonstrado, perante a promitente vendedora, a impossibilidade de obter o financiamento a que se refere a cláusula resolutiva, verificado está o facto-condição, e, por isso, operou a resolução dos contratos promessa.

10. As partes em juízo, não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias, estão sujeitas aos deveres de cooperação – art. 7º; boa fé processual – art. 8º; e recíproca correcção – art. 9º, todos do Código de Processo Civil, – quer, na sua relação adversarial, quer em relação ao Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à Verdade e ao Direito.

11. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé patenteia-se litigância de má fé.
Decisão Texto Integral:
Proc.36/12.9TVLSB.L1

R-478[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


            1) AA e mulher BB,

CC.

DD.

2) EE e mulher FF.

 GG e mulher HH.

3) II e mulher JJ.

KK.

LL.

4) MM.

Intentaram, em 7.1.2012, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, com distribuição à 3ª Vara, acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:

NN, S.A.

 Alegando, em síntese que:

- Entre os Autores e a Ré foram celebrados os contratos promessa de compra e venda juntos como docs. 2, 3, 6, 8 e 10;

- As partes condicionaram a celebração dos contratos definitivos, em causa nos presentes autos, a uma condição resolutiva que consistia na obtenção de financiamento bancário destinado à aquisição dos imóveis objecto dos contratos promessa;

- Os Autores não conseguiram obter empréstimo bancário nos montantes pretendidos e a que condicionaram a sua decisão de compra das fracções autónomas em causa nos presentes autos;

- A não verificação de tal condição fundamenta a resolução dos contratos promessa em causa nos presentes autos e a obrigação da Ré restituir as quantias recebidas ao abrigo de tais contratos, a título de sinal;

- Existe incumprimento definitivo imputável à Ré, porquanto, nos contratos promessa de compra e venda em causa nos presentes autos, foi previsto um prazo para a conclusão da construção das fracções autónomas até Dezembro de 2009;

- A Ré não cumpriu tal prazo não obstante estarem reunidos todos os circunstancialismos para a construção e conclusão das fracções autónomas em causa nos presentes autos;

- Decorridos 11 meses desde a data prevista para a conclusão das obras de construção das fracções autónomas em causa nos presentes autos, os Autores interpelaram a Ré para que esta procedesse à marcação das respectivas escrituras públicas de compra e venda, dando-lhe um prazo para o efeito, com a cominação da resolução do contrato após o decurso de tal prazo, na sequência de tais interpelações, a Ré não procedeu à marcação das escrituras públicas de compra e venda.

Concluíram pela procedência da acção e, em consequência, declararem-se resolvidos os contratos promessa celebrados entre os Autores e a Ré e a condenação da Ré a restituir aos AA. as quantias recebidas a título de sinal, acrescidas de juros legais desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

Citada, contestou a Ré, alegando, em síntese, que:

- Interpelada para realizar as escrituras, a Ré designou dia para a sua realização — 24.05.2011 — dentro do prazo consignado nas cláusulas dos cpcv outorgados, não obstante devidamente notificados para o efeito, a verdade é que nenhum dos AA. se apresentou no dia, hora e local designados para a outorga da escritura de compra e venda;

- A Ré notificou, de novo, os AA. para outorgar aquela escritura de compra e venda, agora no dia 19 de Julho de 2011, não obstante e embora devidamente notificados, uma vez mais os AA. não compareceram à escritura de compra e venda;

- A condição resolutiva aposta nos contratos promessa é nula, uma vez que contraria o regime legal aplicável ao contrato promessa cujas normas revestem carácter imperativo, não podendo ser afastadas por vontade das partes;

- Tendo os AA. sido convocados para as respectivas escrituras no prazo consignado nos respectivos contratos promessa e não tendo comparecido a outorgar as mesmas, nem a 24 de Maio de 2011, nem a 19 de Julho de 2011, deve considerar-se que incumpriram definitivamente os respectivos contratos promessa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 808° do Código Civil, com as legais consequências, ou seja, com a perda de todas as importâncias entregues à Ré, a título de sinal e seu reforço.

Concluiu que deve a presente acção ser julgada improcedente e não provada, absolvendo-se a R. do pedido.

Replicaram os AA. alegando, em síntese, que:

- A Condição Resolutiva constante da Cláusula Quarta dos Contratos Promessa de Compra e Venda em causa nos presentes autos é válida;

- Quer aquando da primeira marcação para a outorga das escrituras públicas, quer aquando da segunda marcação para o mesmo efeito, os Autores comunicaram à Ré que não tinham obtido financiamento bancário correspondente a 80% do valor para a aquisição das fracções autónomas em causa nos presentes autos;

- Invocar, como faz a Ré, que a condição resolutiva constante da Cláusula Quarta dos contratos promessa de compra e venda em causa nos presentes autos é nula, constitui abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”;

- A Ré outorgou os contratos promessa de compra e venda em causa nos presentes autos, com a Cláusula Quarta, aceitando-a, criando a convicção nos Autores que lhes devolveria as quantias pagas a título de sinal e princípio de pagamento no caso de os Autores não conseguirem financiamento bancário correspondente a 80% do valor da aquisição das fracções autónomas;

- A condição resolutiva constante da Cláusula Quarta dos contratos promessa em causa nos presentes autos constituiu uma condição essencial para a decisão de outorgar tais contratos por parte dos aqui Autores, na qualidade de promitentes-compradores;

- Como muito bem sabe a Ré, sem o texto constante da Cláusula Quarta dos contratos promessa em causa nos presentes autos, nunca os aqui Autores teriam outorgado tais contratos;

- É um descaramento, uma desculpa de mau pagador, vir agora invocar que a Cláusula Quarta dos contratos promessa em causa nos presentes autos seja nula e de nenhum valor;

Concluem como na petição inicial, devendo a Ré ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização, cuja fixação requerem seja fixada pelo Tribunal.

A fls. 369 e segs. foi proferido despacho saneador com fixação dos factos assentes e base instrutória, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de julgamento, tendo o tribunal respondido à base instrutória nos termos do despacho de fls. 434 e segs., sem reclamação.


***

            A final foi proferida sentença – fls. 443 a 459 – que decretou:

            “Pelo exposto julgo a presente acção procedente, por provada, e em consequência, decido:

            l) Declarar resolvidos os contratos promessa, discutidos nos autos, celebrados entre os Autores e a Ré.

            2) Condenar a Ré a restituir aos Autores AA, BB, CC e DD a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 96.000,00 (noventa e seis mil euros), acrescidas de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;

           

3) Condenar a Ré a restituir aos Autores EE, FF, GG, HH a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;

           

4) Condenar a Ré a restituir aos Autores II, JJ, KK e LL a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 49.000,00 (quarenta e nove mil euros), acrescida de juros legais desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

           

5) Condenar a Ré a restituir ao Autor MM a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros legais desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.

           

6) Condenar a Ré em 5 UCs de multa e em indemnização aos AA. nos termos do art.457º, nº3, do Código de Processo Civil, por ter litigado de má fé. […].”


***

            Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 1.7.2014 – fls. 570 a 581 – julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, absolvendo a Ré de todos os pedidos contra ela formulados.


***

            Inconformados, os AA. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

            A) Da condição resolutiva aposta nos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes, da sua verificação e demonstração face à matéria de facto provada e ao regime jurídico adequado e aplicável:

I. Ao concluir que os Recorrentes comunicaram à Recorrida a verificação da condição resolutiva aposta nos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes (impossibilidade de obtenção de empréstimo bancário, correspondente a 80% do valor de aquisição das fracções autónomas objectos dos mencionados contratos-promessa), com base numa suposição assente na generalidade dos bancos, mas não na totalidade dos bancos, e segundo critérios abstractos, o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada aplicação da regulamentação deste elemento acidental típico que é a condição (constante dos artigos 270º e ss. do Código Civil), porquanto não procedeu à prévia delimitação do evento condicionante à luz das regras consagradas nos artigos 236° a 238º do Código Civil.

II. A letra da cláusula quarta dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes, o equilíbrio das prestações e a composição dos interesses vertidos nos mencionados contratos não se compadecem com a interpretação da condição — impossibilidade de obtenção de empréstimo bancário — na totalidade dos bancos (dentro e fora de Portugal), segundo critérios concretos, como perfilha o Tribunal da Relação de Lisboa.

            III. Semelhante interpretação acarretaria para os Recorrentes a imposição de submeterem candidaturas a um crédito em todos os bancos/instituições bancárias do Mundo, demonstrando a impossibilidade de obtenção do empréstimo bancário pretendido, designadamente pela recusa desse empréstimo, na totalidade dos bancos/instituições bancárias do Mundo.

IV. Ora, outra não pode ser a conclusão que tal interpretação seria altamente gravosa e desproporcional para os Recorrentes/promitentes-compradores, pelo que não poderá prevalecer (artigo 237° do Código Civil, até porque, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, atenta a cláusula sexta dos contratos-promessa, os Recorrentes, avisados pela Recorrida com a antecedência mínima de 60 dias da data da celebração da escritura de compra e venda, podiam obter o adiamento, apenas por um mês, dessa data, no caso de necessitarem desse prazo adicional para a concretização do crédito bancário.

V. Entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito, que a cláusula quarta dos contratos-promessa celebrados entre as partes impõe uma interpretação no sentido de pressupor a impossibilidade de obtenção do crédito bancário pretendido junto de bancos/instituições bancárias da sua escolha e não junto da totalidade dos bancos do Mundo.

VI. Restituída a condição resolutiva aposta nos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes ao seu verdadeiro sentido e alcance, à luz das regras contidas nos artigos 236° a 238° do Código Civil, deve entender-se que os Recorrentes demonstraram e provaram a verificação do evento condicionante.

VII. Ao concluir que os Recorrentes não lograram provar, como tinham de provar, visto o disposto no artigo 342º, n°1, do Código Civil, a verificação da condição resolutiva, o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada interpretação da condição resolutiva, visto o disposto nos artigos 270° e seguintes do Código Civil, à luz dos critérios legais de interpretação dos negócios jurídicos consagrados nos artigos 236° a 238° do Código Civil e ainda, uma incorrecta aplicação dos factos provados ao regime jurídico aplicável e adequado.

            VIII. Com efeito, está expressamente provado que a conclusão dos negócios prometidos e outorga das escrituras públicas de compra e venda referentes às fracções autónomas supra identificadas, ficaram sujeitas à condição resolutiva de aos promitentes compradores, ora Recorrentes, serem concedidos financiamentos bancários correspondentes a 80% do valor para a aquisição dos apartamentos objecto dos contratos-promessa — cfr. Cláusula 4ª dos documentos 2, 3, 6, 8 e 10 juntos com a petição inicial (ponto 15 da lista dos factos provados, transcrita pelo Tribunal da Relação de Lisboa).

IX. Está expressamente provado que “Sem que tivesse ocorrido a condição de obtenção de financiamento bancário correspondente a 80% do preço de compra das fracções autónomas em causa nos presentes autos, nos termos da cláusula 4ª dos respectivos contratos promessa de compra e venda”, os Recorrentes “são surpreendidos com o agendamento das escrituras públicas de compra e venda de tais fracções” – cfr. ponto 22 da lista de factos provados, que correspondente à letra X da lista dos factos assentes, ou seja, dos factos que nem sequer foram impugnados pela Recorrida em sede de Contestação.

X. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa descura e desconsidera, por completo, o facto provado supra identificado — “Sem que tivesse ocorrido a condição de obtenção de financiamento bancário correspondente a 80% do preço de compra das fracções autónomas em causa nos presentes autos, nos termos da cláusula dos respectivos contratos promessa de compra e venda”.

XI. Está expressamente provado que os Recorrentes informaram a Recorrida da não obtenção de financiamento bancário, numa reunião que a esta solicitaram após o agendamento das escrituras públicas de compra e venda e que teve lugar no escritório da então Mandatária dos Recorrentes, no dia 2 de Março de 2011 — cfr. ponto 22 e 23 da lista dos factos provados, que corresponde às letras Z e AA dos factos assentes na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, ou seja, dos factos que nem sequer foram impugnados pela Recorrida em sede de Contestação.

XII. Está expressamente provado as diligências que os Recorrentes encetaram, representados pela OO, junto de três bancos que têm actividade em Portugal, mais concretamente PP, QQ e RR, com vista à obtenção do financiamento bancário pretendido e necessário – cfr. pontos 34, 35, 36 e 37 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão da Relação de Lisboa, que correspondem aos factos provados da base instrutória numerados com os números 9, 10, 11, 12 e 13 na sentença proferida pelo Tribunal da primeira instância.

XIII. Estão expressamente provadas as respostas que tais bancos (PP, QQ e RR) deram aos Recorrentes na sequência dos seus pedidos de apreciação do financiamento bancário pretendido e necessário.

Tais respostas são no sentido da recusa de concessão de crédito nos termos pretendidos pelos Recorrentes e contêm os motivos da decisão dos bancos de não contratarem o crédito pretendido com os Recorrentes: porquanto tais bancos não financiavam cidadãos não residentes em Portugal, para a aquisição de imóveis em Portugal, com o LTV (loan to value pretendido pelos Recorrentes (cfr. pontos 34, 35, 36 e 37 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, conjugados com os documentos 41 a 52 juntos com a petição inicial).

XIV. Atento o supra exposto, deve concluir-se, ao invés do que conclui o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que a factualidade provada contém todos os elementos que permitam concluir pela verificação da condição resolutiva aposta nos contratos promessa celebrados entre as partes, por demonstrado o acontecimento da impossibilidade da obtenção de financiamento bancário, designadamente pela recusa desse empréstimo.

XV. Em consequência, devem considerar-se resolvidos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes, por verificação da condição aposta nos mencionados contratos — impossibilidade de obtenção do financiamento bancário pretendido e necessário para capacitar os Recorrentes a emitir a declaração de compra e venda e pagar o remanescente do respectivo preço das fracções autónomas – com a consequente obrigação da Recorrida restituir as quantias recebidas ao abrigo de tais contratos a título de sinal.

B) Da litigância de má fé da Recorrida

XVI. Nos termos e para os efeitos do artigo 456° do Código de Processo Civil, o comportamento da Ré, ora Recorrida, em sede de Contestação, ao contestar nos termos em que o fez, consubstancia um caso de litigância de má-fé que deverá ser sancionado na multa de 5 Uc´s e em indemnização aos Recorrentes a fixar nos termos do artigo 457°, n°3, do Código de Processo Civil, tal como decidido na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

XVII. Na verdade, a invocação da nulidade da cláusula quarta dos contratos-promessa de compra e venda, verificando-se a não obtenção de financiamento bancário por parte dos Recorrentes, consubstancia por parte da Recorrida, uma conduta abusiva e contrária ao princípios da boa fé e confiança.

XVIII. A Recorrida acordou que os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes podiam ser resolvidos no caso de aos Recorrentes não ser concedido o financiamento bancário necessário, criou nos Recorrentes a convicção de que, no futuro, aceitaria a resolução dos mencionados contratos em caso de não obtenção de crédito bancário e, quando tal condição se verifica, veio alegar a nulidade da cláusula quarta dos contratos que assinou e a que se vinculou, alegando que a referida cláusula viola o regime legal aplicável aos contratos-promessa, das normas que revestem carácter imperativo.

XIX. Por outro lado, ao invés do que acordou com os Recorrentes, está expressamente provado que a Recorrida agenda as escrituras públicas de compra e venda “Sem que tivesse ocorrido a condição de obtenção de financiamento bancário correspondente a 80% do preço de compra das fracções autónomas em causa nos presentes autos, nos termos da cláusula 4” dos respectivos contratos promessa de compra e venda” (cfr. ponto 22 e 33 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), bem como vem invocar, em sede de Contestação, a nulidade da cláusula quarta dos contratos-promessa de compra e venda.

XX. Considera-se, assim, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa deverá também nesta matéria ser revogado, condenando-se a Recorrida como litigante de má fé, por violar o disposto no artigo 334° do Código Civil.

            C) Do incumprimento dos contratos-promessa de compra e venda por parte da Ré:

XXI. O incumprimento definitivo pela Recorrida dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes, foi invocado a título subsidiário, com fundamento em que, com o atraso da construção das fracções autónomas prometidas vender e comprar, os Recorrentes perderam o interesse na respectiva aquisição e com o fundamento na inobservância pela Recorrida do prazo marcado pelos Recorrentes nas cartas que constam mencionadas nos pontos 17 a 20 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, correspondentes às letras R, S, T, U dos factos assentes constantes da sentença do Tribunal de primeira instância.

XXII. Sendo certo que foi estipulado que a escritura pública de compra e venda seria “outorgada logo que toda a documentação necessária para tal, nomeadamente a respectiva licença de utilização, estivesse emitida e disponível para ser levantada pela vendedora, ora Recorrida” (cfr. cláusula 6ª, nº 1, dos contratos-promessa de compra e venda), a conclusão da construção das fracções objecto dos contratos-promessa estava prevista para Dezembro de 2009 e a Recorrente tinha na sua posse o alvará de autorização de obras de construção, emitido em 29/2/2008, com um prazo para a conclusão das obras de 24 meses (até 29/2/2010) — cfr. ponto 32 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão da Relação de Lisboa.

XXIII. Ora, consta expressamente da matéria de facto provada que, por cartas datadas de 16 de Junho de 2010, e portanto, já depois de ultrapassado o prazo constante no alvará de autorização de obras de construção (até 29/2/2010), a ré reconheceu que estava em mora para com os Recorrentes, comunicando e aceitando o atraso da construção das fracções autónomas objecto dos contratos promessa.

XXIV. Consta, igualmente, expressamente provado que, em face da mora aceite e reconhecida pela Recorrida, os Recorrentes lhe fixaram um prazo para cumprir (para celebrar as respectivas escrituras públicas), sob pena de, decorrido tal prazo, se considerar não cumprida a obrigação, perdendo os Recorrentes o interesse na aquisição das fracções autónomas objecto dos contratos-promessa — cfr. pontos 17 a 20 da lista de factos provados, transcrita no Acórdão da Relação de Lisboa.

 XXV. Da factualidade provada resulta, assim, que os Recorrentes efectuaram uma interpelação admonitória, que consubstancia uma intimação formal, dirigida à Recorrida morosa, para que cumprisse a sua obrigação dentro de um prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo, legítima e adequada à conversão da mora em incumprimento definitivo por via dos mecanismos previstos no artigo 808° do Código Civil, ou seja, por via da ultrapassagem do prazo suplementar razoável fixado em tal interpelação.

XXVI. Da factualidade provada, bem como dos articulados apresentados pela Ré, ora Recorrida, resulta até que esta nem sequer questionou ou se manifestou contra o prazo determinado pelos Recorrentes para a celebração das escrituras públicas.

XXVII. Acontece que, tal como resulta expressamente da factualidade provada, na sequência de tais interpelações admonitórias dos Recorrentes, a Recorrida não procedeu à marcação das escrituras públicas de compra e venda referentes às fracções autónomas, dentro do prazo que lhe foi fixado — cfr. ponto 22 da lista dos factos provados, transcrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

XXVIII. Consideram os Recorrentes que as apreciações de mérito do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nesta matéria violam, desde logo, e de forma grosseira, o disposto no artigo 799º, nº1, do Código Civil.

XXIX. Era à ré/promitente vendedora, ora Recorrida, que competia ilidir a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento contratual (artigo 799°, nº1, do Código Civil)., cabendo-lhe demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe pode ser pessoalmente censurável o facto de não ter adoptado o comportamento devido — celebração das escrituras públicas no prazo que lhe foi determinado pelos Recorrentes.

XXX. Ao contrário do que preconiza o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aos Recorrentes, na qualidade de credores, não lhes competia alegar factos, nem provar e demonstrar a culpa da Recorrida (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, publicado in www.dgsi.pt, no âmbito do processo 4339/07.6TVLSB.L1. S2).

           XXXI. Aliás, dos articulados apresentados pela Ré, ora Recorrida, bem como da matéria de facto apurada, nada se alega, nada consta que afaste a presumida culpa das Recorrida. Esta não alega, nem demonstra: porque não marcou a escritura no prazo que lhe foi determinado pelos Recorrentes, se estava ou não concluída a obra de construção das fracções autónomas prometidas vender e, não estando, quais eram as razões do atraso, se tinha ou não disponível a documentação necessária para a realização das escrituras, nomeadamente nem provado está se existia ou existe licença de utilização para as fracções autónomas, o que, a não existir, impossibilita a outorga das escrituras públicas de compra e venda. Tal labor de alegação, demonstração e prova competia à Recorrida, que não o fez.

XXXII. Por último, face à factualidade provada, o Supremo Tribunal de Justiça deve apreciar e determinar fundado o direito de resolução dos contratos, por partes dos Recorrentes, por perda de interesse dos promitentes-compradores, ora Recorrentes, por impossibilidade de obtenção do empréstimo bancário pretendido e necessário à conclusão da compra e venda das fracções autónomas, despoletada pelo atraso na obra de conclusão das mencionadas fracções e pela omissão da marcação das escrituras públicas de compra e venda, por parte da Recorrida, no prazo que lhe foi determinado pelos Recorrentes, faltas da Recorrida que se conjugaram com o agravamento da crise económico-financeira nacional e internacional, com influência e reflexo no mercado residencial de imóveis na região do Algarve, nos preços de mercado, no valor das avaliações bancárias e nos critérios para a concessão de financiamentos bancários que se tornaram mais restritos e que inviabilizaram a concessão do crédito bancário pretendido pelos Recorrentes.

XXXIII. Considera-se, assim, com base na prova existente, que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na análise, apreciação e decisão sobre o incumprimento dos contratos-promessa, violou o regime legal aplicável aos contratos-promessa de compra e venda, maxime o disposto nos artigos 406°, 442°, 799°, 801°, 804° e 808°, todos do Código Civil.

           Termos em que deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e substituído por outro que confirme a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, onde:

1) Se declare verificada a condição resolutiva aposta nos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes — impossibilidade de obtenção de financiamento bancário, por parte dos Recorrentes, correspondente a 80% do valor para a aquisição das fracções autónomas objecto dos mencionados contratos —, declarando-se tais contratos resolvidos e, em consequência:

2) Condenar-se a Recorrida a restituir aos Autores AA, BB, CC e DD a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 96.000,00 (noventa e seis mil euros), acrescidas de juros legais desde a data da citação da Recorrida até efectivo e integral pagamento;

3) Condenar-se a Recorrida a restituir aos Autores EE, FF, GG, HH a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros legais desde a data da citação da Recorrida até efectivo e integral pagamento;

4) Condenar-se a Recorrida a restituir aos Autores II, JJ, KK e LL a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 49.000,00 (quarenta e nove mil euros), acrescida de juros legais desde a data de citação da Ré até efectivo e integral pagamento;

5) Condenar-se a Ré a restituir ao Autor MM a quantia recebida a título de sinal, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros legais desde a data de citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

6) Condenar-se a Recorrida em 5 UCs de multa e em indemnização aos Recorrentes, a fixar nos termos do artigo 45 7°, n° 3 do Código de Processo Civil, por ter litigado de má fé;

Ou, subsidiariamente:

7) Declarar resolvidos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre as partes, por incumprimento definitivo imputável à Recorrida, com o fundamento na inobservância pela Recorrida do prazo marcado pelos Recorrentes nas cartas que constam mencionadas nos pontos 17 a 20 da lista dos factos provados transcrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e com fundamento em que, com o atraso da construção das fracções autónomas prometidas vender e comprar, os Recorrentes perderam o interesse na respectiva aquisição.

            A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.


***

           

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo em conta que as instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

Factos Assentes.

A) - A Ré dedica-se às actividades de indústria da construção civil, urbanizações e compra e venda de propriedades.

B) - Entre os Autores e a Ré foram celebrados contratos a que estes deram a designação de “Contrato Promessa de Compra e Venda”.

C) - Por via de tais “Contratos Promessa de Compra e Venda”, os Autores prometeram comprar à Ré e esta prometeu vender aos Autores, livres de ónus ou quaisquer outros encargos e totalmente acabadas, fracções autónomas a construir no empreendimento denominado SS, sito …, freguesia e concelho de ..., no Algarve.

D) - Entre os Autores AA, BB, CC, DD e a Ré, foi celebrado, em 26 de Março de 2008, um “Contrato Promessa de Compra e Venda”, através do qual os Autores prometeram comprar à Ré e esta prometeu vender-lhes, o Apartamento a construir, designado pela letra “…”, no Bloco …, do lote de terreno para construção urbana n.°…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o preço de venda de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros).

E) - Igualmente entre os Autores AA, BB, CC, DD e a Ré, foi também celebrado, em 26 de Março de 2008, um outro “Contrato Promessa de Compra e Venda”, através do qual os Autores prometeram comprar à Ré e esta prometeu vender-lhes, o Apartamento a construir, designado pela letra “…”, no Bloco …, do lote de terreno para construção urbana n.°…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o preço de venda de E 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros).

F) - Do total acordado entre as partes para a compra e venda da fracção …, no Bloco …, os Autores AA, BB, CC e DD efectuaram o pagamento de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) à Ré, a título de sinal — cfr. Cláusula Terceira n.°1 alínea a) do doc. 2 e cfr. doc. 4, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

G) - Do total acordado entre as partes para a compra e venda da fracção F, no Bloco …, os Autores AA, BB, CC e DD efectuaram o pagamento de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) à Ré, a título de sinal — cfr. Cláusula Terceira n.°1 alínea a) do doc. 3 e cfr. doc. 5, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

H) - Entre os autores EE, FF, GG, HH e a Ré, foi celebrado, em 26 de Março de 2008, um “Contrato Promessa de Compra e Venda”, através do qual os Autores prometeram comprar à Ré e esta prometeu vender-lhes, o Apartamento a construir, designado pela letra “…”, no Bloco …, do lote de terreno para construção urbana n.°…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o preço de vencia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) -cfr. doc. 6 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

I) - Do total acordado entre as partes para a compra e venda da fracção O, no Bloco …, os Autores EE, FF, GG e HH efectuaram o pagamento de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) à Ré, a título de sinal — cfr. Cláusula Terceira n.°1 alínea a) do doc. 6 e cfr. doc. 7 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

J) - Entre os Autores II, JJ, KK, LL e a Ré, foi celebrado, em 26 de Março de 2008, um “Contrato Promessa de Compra e Venda”, através do qual os Autores prometeram comprar à Ré e esta prometeu vender-lhes, o Apartamento a construir, designado pela letra “…”, no Bloco 8, do lote de terreno para construção urbana n.° …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o preço de venda de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros) -cfr.doc. 8 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

L) - Do total acordado entre as partes para a compra e venda da fracção …, no Bloco …, os Autores II, JJ, KK e LL efectuaram o pagamento de € 49.000,00 (quarenta e nove mil euros) à Ré, a título de sinal — cfr. Cláusula Terceira n.° 1 alínea a) do doe. 8 e cfr. doe. 9 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

M) - Entre o Autor MM e a Ré, foi celebrado, em 26 de Março de 2008, um “Contrato Promessa de Compra e Venda”, através do qual o Autor prometeu comprar à Ré e esta prometeu vender-lhe, o Apartamento a construir, designado pela letra “H”, no Bloco 7, do lote de terreno para construção urbana n.° …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o preço de venda de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) -cfr. doe. 10 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

N) - Do total acordado entre as partes para a compra e venda da fracção …, do Lote …/Bloco …, o Autor MM efectuou o pagamento de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) à Ré, a título de sinal — cfr. Cláusula Terceira n.° 1 alínea a) do doc. 10 e cfr. doc. 11 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

O) - A restante parte do pagamento das fracções autónomas supra identificadas, correspondente a 80% do preço de venda, seria entregue, pelos Autores à Ré, na data das outorgas das respectivas escrituras públicas de compra e venda prometidas (cfr. Cláusula Terceira n.° 1 alínea b) dos does. 2, 3, 6, 8 e 10).

P) - A conclusão dos negócios prometidos e outorga das escrituras públicas de compra e venda referentes às fracções autónomas supra identificadas, ficaram sujeitas à condição resolutiva de aos promitentes compradores — ora Autores — serem concedidos financiamentos bancários correspondentes a 80% do valor para a aquisição dos Apartamentos supra mencionados — cfr. Cláusula Quarta dos docs. 2, 3, 6, 8 e 10.

Q) - Sendo a escritura pública de compra e venda outorgada logo que toda a documentação necessária para tal, nomeadamente a respectiva licença de utilização, estivesse emitida e disponível para ser levantada pela vendedora — ora Ré — cfr. Cláusula Sexta, número 1 dos docs. 2, 3, 6, 8 e 10.

R) - Por carta datada e enviada em 30 de Novembro de 2010, os Autores AA, BB, CC e DD interpelaram a Ré para proceder à assinatura das respectivas escrituras públicas de compra e venda, dando-lhe um prazo de 15 dias para o efeito e informando-a que após o decurso de tal prazo sem a celebração das escrituras públicas, consideravam por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo o interesse nas aquisições das fracções. Tal carta foi recebida pela Ré em 2 de Dezembro de 2010.

S) - Por carta enviada em 22 de Setembro de 2010, os Autores EE, FF, GG, HH interpelaram a Ré para proceder à assinatura da respectiva escritura pública de compra e venda, dando-lhe um prazo de 30 dias para o efeito e informando-a que após o decurso de tal prazo sem a celebração da escritura pública, consideravam por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo o interesse na aquisição da fracção autónoma. Tal carta foi recebida pela Ré em 23 de Setembro de 2010.

T) - Por carta enviada em 30 de Novembro de 2010, os Autores II, JJ, KK e LL interpelaram a Ré para proceder à assinatura da respectiva escritura pública de compra e venda, dando-lhe um prazo de 15 dias para o efeito e informando-a que após o decurso de tal prazo sem a celebração da escritura pública, consideravam por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo o interesse na aquisição da fracção autónoma. Tal carta foi recebida pela Ré em 2 de Dezembro de 2010.

U) - Por carta enviada em 26 de Novembro de 2010, o Autor MM interpelou a Ré para proceder à assinatura da respectiva escritura pública de compra e venda, dando-lhe um prazo de 15 dias para o efeito e informando-a que após o decurso de tal prazo sem a celebração da escritura pública, considerava por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo o interesse na aquisição da fracção autónoma. Tal carta foi recebida pela Ré em 29 de Novembro de 2010.

V) - Na sequência de tais interpelações dos Autores, a Ré não procedeu à marcação das escrituras públicas de compra e venda referentes às fracções autónomas em causa nos presentes autos, nem devolveu aos Autores as quantias recebidas a título de sinal ao abrigo dos respectivos contratos promessa de compra e venda.

X) - Sem que tivesse ocorrido a condição de obtenção de financiamento bancário equivalente a 80% do preço de compra das fracções autónomas em causa nos presentes autos, nos termos da Cláusula Quarta dos respectivos contratos promessa de compra e venda, estes são surpreendidos com o agendamento das escritura públicas de compra e venda de tais fracções só para 24 de Maio de 2011, por cartas enviadas pela Ré no mês de Fevereiro de 2011.

Z) - Na sequência, os Autores solicitaram uma reunião com a Ré que teve lugar no escritório da então Mandatária dos Autores, no dia 2 de Março de 2011.

            AA) – Nessa reunião foram abordados os temas do atraso da construção das fracções autónomas por parte da Ré, a não obtenção de financiamento bancário por parte dos Autores e as convocatórias para as escrituras públicas de compra e venda relativas às fracções autónomas em causa nos presentes autos, sem estar verificada a condição da Cláusula Quarta dos contratos promessa, maxime, a concessão de empréstimo bancário aos Autores.

BB) – Até à presente data, a Ré não restituiu as quantias pagas a título de sinal aos Autores, apesar de ter sido interpelada para o efeito.

 Da Base Instrutória

1. Por cartas datadas de 16 de Junho de 2010, a Ré informou os Autores que a construção das fracções autónomas prometidas vender se encontrava atrasada, propondo a sua troca por outras fracções autónomas do mesmo tipo, noutros Blocos do mesmo empreendimento SS. - (art. 3°)

2. Essa proposta que não foi aceite pelos Autores. - (art. 4°)

3. A crise económico-financeira nacional e internacional agravou-se a partir de 2010, a qual teve influência no mercado residencial de imóveis na região do Algarve. - (art. 5°)

4. Tal mercado mergulhou em crise a partir de 2010, com reflexos nos preços de mercado, no valor das avaliações bancárias e ria concessão de empréstimos bancários para aquisição de imóveis. - (art. 6°)

5. A generalidade das avaliações bancárias para efeitos de concessão de empréstimos bancários para aquisição de propriedades desceu, designadamente na região do Algarve. - (art.7°)

6. Em 2011 na generalidade dos bancos os critérios para a concessão de financiamentos bancários para a aquisição de propriedades, especialmente para cidadãos não residentes em Portugal, passaram, em abstracto, a fixar-se abaixo dos 80% da avaliação bancária das propriedades. - (art. 8°)

7. A Ré tinha na sua posse o alvará de autorização de loteamento, bem como o alvará de autorização de obras de construção, este último emitido em 29.02.2008, com um prazo para a conclusão das obras de 24 meses (29.02.20 10). - (art. 9°)

            8. A Ré notificou os Autores do agendamento de nova data para a realização das escrituras públicas de compra e venda das fracções autónomas – os 1ºs AA. para o dia 19 de Julho de 2011 e os 2°, 3° e 4° AA. para o dia 18 de Julho de 2011. - (art. 12°)

9. Em 6 de Setembro de 2011 a OO, em nome dos autores, pediu informação para crédito a habitação ao Banco PP, à qual este banco respondeu que não aprovavam crédito à habitação para cidadãos não residentes em Portugal com LTV (Loan - to-value) superior a 75%. - (art. 16°)

10. LTV é a percentagem que os bancos financiam relativamente ao valor da avaliação do imóvel a que se destina o financiamento. - (art. 17°)

11. Feito pedido de informação/simulação ao QQ, em 08.09.2011, este informou que apenas concede financiamento bancário a cidadãos não residentes em Portugal, para a aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 60% do valor da avaliação bancária da propriedade. - (art. 18°)

12. O Banco RR, na sequência de idêntico pedido de informação, efectuado em 22.09.20 11, informou os Autores que apenas concede financiamento bancário a cidadãos não residentes em Portugal, para a aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 70% do valor da avaliação bancária da propriedade. - (art. 19°)

13. Os Autores, por cartas datadas de 15.07.2011, recebidas pela Ré a 18.07.2011, comunicaram à Ré que não obtiveram o financiamento bancário pretendido conforme previsto na Cláusula Quarta dos contratos promessa de compra e venda, cujas cópias estão juntas a fls. 293 a 296, 306 a 308, 312 a 314, 318 a 320, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas. - art. 20º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se os AA. provaram factualidade que permita afirmar que se verificou a condição resolutiva prevista na Cláusula 4ª dos contratos promessa em que intervieram como promitentes compradores e, no caso afirmativo, quais as consequências em relação ao negócio condicionado;

- se houve incumprimento definitivo dos contratos por violação do prazo para a celebração dos contratos prometidos e perda do interesse dos autores em função da interpelação que fizeram à Ré e perda de interesse na prestação desta.

- se tal incumprimento se deve aos AA. por não terem comparecido a celebrar as escrituras de compra e venda nas datas designadas pela Ré.

- se  a Ré deve ser condenada como litigante de má-fé.

Vejamos:

Não questionam as partes que entre elas, os AA., como promitentes compradores  e a Ré como promitente vendedora, foram celebrados contratos promessa de compra e venda tendo por objecto mediato a compra e venda de fracções prediais identificadas no processo, sendo que, ao tempo da celebração, a construção nem sequer tinha sido iniciada pela Ré no empreendimento denominado “SS”, que pretendia erigir em ..., concelho de ....

Todos e cada um dos promitentes compradores entregaram à Ré quantias a  título de sinal.

 

O Código Civil define no art. 410º, nº1, o regime do contrato-promessa nos seguintes termos:


1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
[omissis]”


“Contrato-promessa é um acordo prelimi­nar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se dis­tingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro con­trato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo.
Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular con­sistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um “pactum de contrahendo” – Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6ª edição -83).
 É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula”. (ob. cit., 83-84).

            O contrato-promessa, tem como objecto imediato para os seus outorgantes, uma obrigação de “facere”, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido).

   Aplicam-se ao contrato promessa, pese embora ser um contrato preliminar, as regras dos contratos, mormente a da pontualidade – art. 406º, nº 1 do Código Civil – e o regime legal do contrato definitivo – cfr. arts. 410º, nº1, 790º e ss., designadamente, 798º, 799º, 801º e 808º do citado diploma.

Pomo de insanável discórdia é a interpretação, validade e cumprimento da Cláusula 4,ª comum a todos os contratos promessa celebrados em 26.3.2008

Está assim redigida:

“ (Validade e eficácia do contrato de promessa)

 O presente negócio fica sujeito à condição resolutiva de ao Promitente-comprador ser concedido financiamento bancário no montante de € 196.000,00 (cento e noventa e seis mil euros) que corresponde a 80% do valor para aquisição da fracção autónoma”.

Na Cláusula Quinta (prazo para a conclusão da obra) consta:

“Prevê-se que a conclusão da construção da fracção prometida vender ocorra até ao final do mês de Dezembro de 2009.

a) Com as ligações às redes de Electricidade, Água, Gás e Esgotos em perfeito estado de conservação e funcionamento;

b) Com o apartamento devidamente limpo e pronto para habitação”

Na Cláusula Sexta - (Escritura Pública)

“1. A escritura de compra e venda será outorgada logo que toda a documentação necessária para tal, nomeadamente a respectiva licença de utilização, estiver emitida e disponível para ser levantada pela VENDEDORA, será marcada em dia, hora e cartório notarial sito no Algarve, a marcar por si, para o que deverá avisar os COMPRADORES por carta registada com aviso de recepção, expedida para o domicílio destes com a antecedência mínima de 60 (sessenta)dias da data marcada.

2. O prazo estipulado no número anterior da presente cláusula poderá ser prorrogado por um período não superior a um mês caso os COMPRADORES necessitem desse prazo suplementar para efeitos da concretização das formalidades relacionadas com o crédito bancário a que recorreram”.

Os negócios jurídicos não são imperativamente puros, as partes podem celebrar contratos sob condição suspensiva ou resolutiva ou acordar cláusulas acessórias típicas ou atípicas, desde que os negócios, por sua natureza, não sejam com elas incompatíveis, corolário este do princípio da liberdade contratual – art. 405º do Código Civil – e da previsão do art. 271º, nº1, que fere de nulidade o negócio jurídico subordinado a condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, sendo ainda que, nos termos do nº2, se a condição for resolutiva, tem-se ela por não escrita.

As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva” – art. 270º do Código Civil.

Condição é a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos – condições suspensivas –, ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir – condição resolutiva” – Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1966, 2º, 356.

No ensino de Oliveira Ascensão, “ Direito Civil Teoria Geral”, Vol. II, págs.177/178:

Condição é a cláusula acessória pela qual as partes subordinam a eficácia dos seus negócios a acontecimento futuro e incerto (art. 270º).

Também se chama condição a esse mesmo acontecimento futuro e incerto.

Uma condição não pode referir-se a uma realidade já actual, ainda que as partes desconheçam a sua produção”.

            Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português”, pág. 491, define:

“A condição é, na definição dada pelo nº l do art. 270º do Código Civil, um acontecimento futuro e incerto ao qual as partes subordinam a produção ou a resolução dos efeitos do negócio jurídico.

No primeiro caso (produção dos efeitos), a condição chama-se suspensiva, no segundo caso (resolução dos efeitos), a condição diz-se resolutiva.

 O carácter suspensivo ou resolutivo de uma condição resulta da vontade das partes, a averiguar, se for necessário, por via de interpretação”.

Nos contratos promessa sub judice, tendo sido estipulada uma condição resolutiva, o contrato seria válido até à verificação do facto-condição, ou seja, os contratos só seriam eficazes se os promitentes compradores obtivessem financiamento bancário no montante de € 192 000, 00, que correspondia a 80% do valor para aquisição da fracção autónoma, objecto do contrato.

“O mecanismo condicional caracteriza-se…por estabelecer uma relação de dependência entre a eficácia de um negócio jurídico, perfeito e válido, e um evento dependência entre a eficácia de um negócio jurídico perfeito e válido, e um evento futuro e incerto, originando uma dissociação entre o momento de assunção de um vínculo jurídico-negocial, irrevogável e intangível, e o momento da respectiva eficácia.

A aposição de uma cláusula de condição a um negócio jurídico corresponde ao exercício da autonomia privada, servindo o interesse dos sujeitos do negócio de se precaverem quanto à evolução futura de acontecimentos que não controlam dos quais depende a mais perfeita concretização dos seus interesses negociais”- “Comentário ao Código Civil-Parte Geral” – pág. 661, em nota ao art. 270º do Código Civil.

Estando prevista a conclusão da construção das fracções até ao final de Dezembro de 2009, sobre os promitentes compradores impendia a obrigação de demonstrar o facto-condição, ou seja, devendo diligenciar pela obtenção do financiamento até 80% do valor do imóvel, caso o não conseguissem, deveriam comunicar ao promitente vendedor essa impossibilidade, cessando os contratos os seus efeitos, por verificação da condição resolutiva.

É inquestionável que o ónus da prova de verificação da cláusula recaía sobre os AA. promitentes compradores – art. 342º, nº1, do Código Civil.

A Ré sustenta que a cláusula resolutiva que pactuou nos contratos promessa celebrados com os AA. é nula por o regime jurídico do contrato promessa obedecer a um regime imperativo. Com o devido respeito tal asserção é desprovida de fundamento; como se referiu, o negócio jurídico só não será condicionável nos termos das disposições legais antes citadas, mormente se infringir os conceitos indeterminados de contrariedade à ordem pública ou ofensa dos bons costumes para lá da violação da lei em função da natureza do negócio jurídico a que é aposta a condição.

Por outro lado, tendo a Ré assinado os contratos bilaterais em causa, não deixa de ser incomum que, sem alegar qualquer facto ex ante ou ex post, possa com boa fé sustentar a nulidade da estipulação condicional.

A Cláusula 4ª é pois válida por o negócio jurídico em causa não ser incondicionável, assente a validade da estipulação condicionante.

Questão que dividiu as Instâncias é saber se ficou provado pelos AA., a quem incumbia o respectivo ónus probatório [porque facto constitutivo do exercido direito de resolução dos contratos], a verificação do facto-condição, sendo certo que, nos termos do art. 276º do Código Civil, verificada a condição ela opera, em regra, retroactivamente à data da conclusão do negócio.

Esta questão só com muita dificuldade se pode desligar da do incumprimento definitivo dos contratos de que as partes reciprocamente se acusam, uma vez que, dada a natureza do negócio, as regras da boa fé e do equilíbrio contratual, a aposição da cláusula e a  questão dos prazos de conclusão das fracções foram decisivas para o acordo contratual.

As instâncias começaram por abordar a questão da verificação do facto condicionante da resolução, tendo chegado a julgamentos contrários; só depois apreciaram a questão do incumprimento. A primeira instância, em obiter dictum e a Relação entendendo, quanto a nós bem, que a sentença apelada se tinha pronunciado pelo incumprimento, não deixou de se pronunciar sobre esta questão – que os recorrentes na revista pretendem, agora, que seja apreciada subsidiariamente.

Mas vejamos como se decidiu nas instâncias: a sentença considerou que constituía abuso do direito e violação do princípio da confiança, o ter a Ré invocado a violação da Cláusula 4ª, que considerou válida e, assim, invocando os arts. 432º e 433º do Código Civil, reconheceu terem os AA. o direito à resolução que por ter efeitos equiparados à nulidade ou à anulabilidade implica a restituição pela Ré do sinal recebidos de cada um dos Autores.

Escreveu-se a fls. 457: “Procede, assim, o pedido de resolução dos contratos-promessa, ficando prejudicada a questão do incumprimento dos contratos-promessa, sendo certo que, também o incumprimento sempre seria de imputar à Ré e, tendo em conta o pedido, teria as mesmas consequências.

Com efeito, está demonstrado, alíneas R), S), T), U) e V) dos factos provados, que os Autores interpelaram a Ré para que esta procedesse à marcação das respectivas escrituras públicas de compra e venda, dando-lhe um prazo para o efeito, com a cominação da resolução do contrato após o decurso de tal prazo, mais informaram que após o decurso de tal prazo sem a celebração das escrituras públicas, consideravam por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo o interesse nas aquisições das fracções autónomas em causa nos presentes autos, na sequência de tais interpelações, a Ré não procedeu à marcação das escrituras públicas de compra e venda.”

A sentença, além de ter condenado a Ré a devolver o valor dos sinais entregues, condenou-a como litigante de má-fé.

Por sua vez a Relação, mantendo inalterada a matéria de facto, desatendendo a pretensão da Ré na apreciação da questão da verificação da cláusula resolutiva, escreveu – fls. 578 e 579:

“Assim, visto o disposto no artigo 270° do Código Civil, ficou estabelecido que esses contratos-promessa se resolviam se os autores, se os promitentes-compradores não pudessem obter um empréstimo bancário no montante de € 192.000,00, correspondentes a 80% do valor para aquisição da fracção autónoma, para, naturalmente, munidos desse montante estarem capacitados para emitir a declaração de compra e pagar o remanescente do respectivo preço.

Efectivamente estabelece-se nas cláusulas sextas desses contratos-promessa que os promitentes compradores, avisados pela ré com a antecedência mínima de sessenta dias da data da celebração da escritura de compra e venda, podem obter o adiamento, por um mês, dessa data no caso de necessitarem desse prazo para concretização do crédito bancário.

Mostram estas cláusulas que a condição resolutiva se acha estabelecida de modo

concreto e prático.

A condição deve ter-se por verificada pela demonstração da realidade da impossibilidade da obtenção do empréstimo bancário, no montante de € 192.000,00, designadamente pela recusa desse empréstimo, pelo menos no decurso do prazo que decorrer entre o aviso da data da celebração da escritura e esta data.

Assim a condição funciona perante a demonstração de uma realidade, e não perante uma demonstração hipotética, não perante a demonstração de uma abstracção, e não podia, aliás, ser de outro modo porque, como ínsito no respectivo conceito legal, a condição é um acontecimento, uma ocorrência da vida real.

Na sentença recorrida não se identifica especificadamente qual seja a matéria de facto provada que permitiu concluir pela realidade da impossibilidade dos autores obterem o empréstimo bancário, no montante de € 192.000,00, designadamente pela recusa desse empréstimo pelo banco.

De todo o modo resulta que está provado o seguinte: as escrituras de compra e venda, em execução dos contratos-promessa, foram marcadas, primeiro, para 24 de Maio de 2011 e, depois, para 18 e 19 de Julho de 2011; em 2011, na generalidade dos bancos, os financiamentos bancários para a aquisição de propriedades, especialmente para cidadãos residentes no estrangeiro, passaram, em abstracto, a fixar-se abaixo dos 80% da avaliação bancária das propriedades; os autores comunicaram à ré, por cartas por estas recebidas em 18 de Julho de 2011, que não obtiveram o financiamento bancário/previsto na referida cláusula 4ª dos contratos-promessa; o banco PP, ao pedido de informação dos autores para crédito à habitação, efectuado em 6 de Setembro de 2011, respondeu que não aprovava crédito à habitação, para cidadãos residentes estrangeiro, superior a 75% do valor da avaliação da propriedade a adquirir; o QQ, ao pedido de informação dos autores, efectuado em 8 de Setembro de 2011, respondeu que apenas concedia crédito, a cidadãos residentes no estrangeiro para aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 60% do valor da avaliação da propriedade a adquirir; o banco RR, ao pedido de informação ou de simulação de empréstimo dos Autores, efectuado em 22 de Setembro de 2011, respondeu que apenas concedia crédito, a cidadãos residentes no estrangeiro para aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 70% do valor da avaliação da propriedade a adquirir.

Sendo assim constata-se que os autores comunicaram à ré a verificação da condição, a impossibilidade de obtenção de empréstimo bancário, com base numa simples hipótese, com base numa mera abstracção, e, para mais, não totalmente compreensiva dessa impossibilidade.

Com efeito apenas se apurou que, em 2011, na generalidade dos bancos os critérios, para a concessão de financiamentos bancários para a aquisição de propriedades, especialmente para cidadãos residentes no estrangeiro, passaram, em abstracto, a fixar-se abaixo dos 80% da avaliação bancária das propriedades.

Retrata-se uma suposição assente na generalidade dos bancos, mas não na totalidade dos bancos, e em critérios abstractos, mas não na sua concreta aplicação, na real apreciação de um determinado pedido para um identificado candidato ao crédito.

Com essa matéria de facto, os autores não lograram provar a realidade de um concreto pedido de crédito de € 192.000,00, para ser apreciado pelo banco segundo as suas capacidades económicas e financeiras de pagamento, a realidade desse concreto pedido que não foi deferido até à data da escritura, que a essa data estava indeferido.

Cumpre, aliás, salientar que os autores ainda tentaram fazer essa demonstração, mas não a obtiveram porque não recebeu decisão positiva a matéria dos quesitos 13° e 14° que inquiria sobre se desenvolveram, junto de diversas instituições bancárias, todos os esforços que ao seu alcance para obterem o financiamento bancário para a aquisição das fracções autónomas em causa, que não lograram conseguir financiamento bancário, nos termos e para os efeitos dessa cláusula quarta dos contratos-promessa de compra e venda.

Resto, como também cumpre salientar, as informações pedidas em Setembro de 2011 não passam disso mesmo, de simples informação, não são firmes candidaturas a um crédito de € 192.000,00 e, para mais, são informações pedidas posteriormente à data marcada para a celebração das escritura.

Cumpre, pois, concluir, como se conclui, que os autores não lograram provar, como tinham que provar, visto o disposto no artigo 342°, n.°1, do Código Civil, a verificação da condição resolutiva, desde logo porque não demonstraram o acontecimento da impossibilidade da obtenção do empréstimo bancário, no montante de € 192.000,00, designadamente pela recusa desse empréstimo […].

E sendo assim, claro está, não se justifica a resolução dos contratos-promessa e, consequentemente, não se justifica a obrigação.” (destaque e sublinhado nosso)

 

Os recorrentes insurgem-se contra a subsunção jurídica dos factos ao direito, não aceitando que tudo se tenha passado no domínio de indagações abstractas quanto à possibilidade de financiamento bancário, não aceitando, também, que devessem ter feito abordagens a todo os bancos.

Vejamos:

Como dissemos inicialmente a questão da prova da verificação do facto despoletador da condição resolutiva, o facto-condição, constitui ónus probatório dos AA. – art. 342º, nº1, do Código Civil.

Como se trata, pela aposição da condição de um negócio jurídico subordinado cuja eficácia está umbilicalmente ligada ao negócio jurídico contrato de compra e venda, há que ponderar a utilidade económica dos contratos prometidos, as regras da boa fé, do agir diligente, probo e a actuação que harmonicamente salvaguarde os interesses dos contraentes; não devemos proceder hermeneuticamente como se a cláusula resolutiva tivesse estanquicidade tal, que deva ser interpretada desligadamente do contrato subordinado.

Assim, além das regras do ónus da prova, essencialmente, importa saber se os AA., na concreta particularidade da estipulação negocial e da sua execução, agiram diligentemente segundo o padrão do bonus pater familias. Importa afirmar que se as instâncias tivessem que apreciar do alegado incumprimento pela Ré dos contrato promessa teria de operar com a presunção de culpa que sobre a Ré impende – art. 799º, nº1, do Código Civil – pelo que a questão probatória com a inerente elisão da presunção de culpa se afiguraria de maior melindre para a Ré.

Os contratos promessa foram todos celebrados em 26.3.2008 – factos A) a M) – tendo os promitentes compradores entregado sinal e sido acordado que o preço restante das fracções, correspondente a 80% do valor global, seria obtido por financiamento bancário; caso tal financiamento, para cada um dos promitentes compradores, não fosse concedido, a Cláusula 4ª dos contratos funcionaria e, assim como resolutiva que é, os contratos não teriam eficácia. Não a tendo, o montante do sinal teria de ser devolvido.

Desde logo, olhando as cláusulas do contrato e dele constando que as fracções estavam previstas serem concluídas em Dezembro de 2009, esse prazo foi excedido pela Ré que era titular de alvará de autorização de loteamento, bem como de alvará de autorização de obras de construção, este último emitido em 29.02.2008, com um prazo para a conclusão das obras de 24 meses (29.02.2010).

 Interpelada sobre tal facto, a Ré, por cartas de 16.6.2010, informou que a construção  das fracções estava atrasada, propondo a sua troca por outras fracções autónomas do mesmo tipo noutros  Blocos do mesmo empreendimento, proposta que os AA. não aceitaram – resposta aos arts. 3º e 4º da B.I.

A escritura pública de compra e venda seria outorgada logo que toda a documentação necessária para tal, nomeadamente a respectiva licença de utilização estivesse emitida e disponível para ser levantada pela vendedora — ora Ré — cfr. Cláusula Sexta, nº1,  e documentos 2, 3,6, 8 e 10 juntos com a petição inicial aludidos em Q) dos factos Assentes.

Ora, sucede que, como consta provado, os AA. interpelaram admonitoriamente a Ré, concedendo-lhe um prazo de 15 dias, para celebrar os contratos definitivos por cartas de 30.11.2010, 22.9.2010, 30.10.2010, 20.11.2010 – cfr. factos provados – R), S),T) e U).

 Todas as cartas – juntas as fls. 175 a 193  foram recebidas pela Ré que não respondeu – facto provado X) – não aprazando data para a escritura.

Essas cartas, invocando a Cláusula Sétima dos contratos promessa e o prazo que poderia ser prorrogado por 180 dias na eventualidade de ainda faltar alguma documentação à promitente vendedora, ou seja, até aos fins de Junho de 2010 para proceder à outorga da escritura e o seu nº2 “decorrido esse período, sem que seja possível outorgar a escritura de compra e venda (…) poderão os compradores denunciar este contrato, devendo então a Vendedora devolver-lhe todas as quantias recebidas ao abrigo do mesmo, a título de sinal e seus reforços, acrescidas de juros calculados à taxa Euribor a seis meses, pelo período compreendido entre as datas das suas respectivas entregas e a data da sua restituição”, interpelaram a Ré para, no prazo de 15 dias, proceder à assinatura da escritura sob pena de “os promitentes compradores consideram  por definitivamente não cumprida a obrigação, perdendo os mesmos o interesse na referida aquisição”.

A Ré foi, pois, interpelada admonitoriamente – art. 808º, nº1, do Código Civil.

“A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo” – “Estudos de Direito Civil e Processo Civil”, de Calvão da Silva, pág.159.

A interpelação admonitória, prevista no art. 808º, nº1, do Código Civil, visa converter a mora em incumprimento definitivo.

“O direito de resolução do contrato previsto nos artigos 432º e seguintes do Código Civil é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, que é “o facto do incumprimento ou a situação de inadimplência”. Daí que inexista direito de resolução sem o “juízo de inadimplemento” [...]. – cfr. in multis,  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça , de 25.1.1998, in BMJ, 477-460.

Não tendo a Ré aprazado a data da escritura, findo o prazo admonitório, a consequência jurídica foi a da conversão da mora em incumprimento definitivo com a inerente resolução do contrato.

A resolução pode ser fundada na lei – art.432º, nº1, do Código Civil – ou estabelecida contratualmente. A resolução do contrato implicando, em princípio, – arts. 433º e 434º, nº1, do Código Civil – a destruição retroactiva do vínculo negocial, obriga à restituição de tudo quanto tiver sido prestado.          

            “O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento – tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo.

Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência – J. Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.

Portanto, o direito de resolução fundado na lei está sempre condicionado a uma situação de inadimplência.

 O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:

a) o incumprimento definitivo, propriamente dito;

b) a impossibilidade de cumprimento;

c) a conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº1, do C. Civil;

d) a declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;

e) e, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.

No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit., pg. 345), podem configurar-se as seguintes situações:

 a) de impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor – art. 793º, nº2;

 b) de impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor -art. 801º, nº2; 

 c) de impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor – art. 802º todos do C. Civil.

[...] Para além disso, o inadimplemento só possibilita a resolução do contrato se for suficientemente grave para pôr em crise o programa negocial”.

E é “o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução” – Baptista Machado, ob. cit., pág. 352. – cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 29.9.1992, in CJ. Ano XVII, Tomo IV, pág.82. (sublinhámos).

Não extraindo os efeitos jurídicos da violação do prazo admonitório, os AA. desconsideraram a consequência da sua actuação que seria a “resolução” do contrato, do ponto em que, depois dessa comunicação, pediram uma reunião com a Ré, no dia 2 de Março de 2011, na sequência da marcação por esta das datas,  para outorga das escrituras que agendou para 24.5.2011, por cartas enviadas no fim de Fevereiro desse ano – facto provado X).

Nessa reunião, de 2.3.2011, foram abordados os temas do atraso da construção das fracções autónomas por parte da Ré, a não obtenção de financiamento bancário por parte dos Autores e as convocatórias para as escrituras públicas de compra e venda relativas às fracções autónomas em causa, sem estar verificada a condição da Cláusula Quarta dos contratos promessa, maxime, a concessão de empréstimo bancário aos Autores – cfr. AA) dos Factos provados.

A Ré notificou os Autores do agendamento de nova data para a realização das escrituras públicas de compra e venda das fracções autónomas – os 1ºs AA. para o dia 19 de Julho de 2011  e os 2°,3°e 4°AA. para o dia 18 de Julho de 2011. (art. 12°).

Aquando desta marcação da data das escrituras já a Ré sabia da “não obtenção de financiamento bancário por parte dos Autores não estando verificada a condição da Cláusula Quarta dos contratos promessa, maxime, a concessão de empréstimo bancário aos Autores” – como consta dos factos provados.

Não podendo os AA. prevalecer-se das consequências da interpelação admonitória – sob pena de abuso do direito – art. 334º do Código Civil – “venire contra  factum proprium” – do ponto em que depois da data cominatória assinalada, reataram negociações, sinal inequívoco de que pretenderam negociar a conclusão do negócio, mormente, informando a Ré da não obtenção do financiamento.

Como se acha provado, os Autores, por cartas datadas de 15.07.2011, recebidas pela Ré a 18.07.2011, comunicaram-lhe que não obtiveram o financiamento bancário pretendido conforme previsto na Cláusula Quarta dos contratos promessa de compra e venda.

Nesta envolvente factual não podem os AA. ser acusados de  não terem agido de boa fé. Na realidade, podendo prevalecer-se dos efeitos da interpelação admonitória não o fizeram, revelando, senão expressamente pelo menos tacitamente, vontade de prosseguir com as negociações tendentes à celebração do contrato prometido. Seria eticamente intolerável que esse continuar das negociações não fosse entendido como evidência de que não consideraram, afinal, resolvido o contrato, mantendo, destarte, o interesse objectivo e subjectivo na celebração dos contratos prometidos.

Importa, agora, apreciar a questão nodal da prova do facto-condição para invocação da ineficácia do contrato – qual seja, a não obtenção do financiamento bancário em 80% do remanescente do preço – Clausula 4ª comum a todos os contratos.

Se bem interpretamos o douto Acórdão recorrido, a sua decisão no sentido que os AA. não fizeram a prova desse facto-condição resulta de dois aspectos essenciais: primeiro, porque as diligências dos AA., para obtenção desse financiamento, foram feitas de modo abstracto, aduzindo-se a propósito:

Assim a condição funciona perante a demonstração de uma realidade, e não perante uma demonstração hipotética, não perante a demonstração de uma abstracção, e não podia, aliás, ser de outro modo porque, como ínsito no respectivo conceito legal, a condição é um acontecimento, uma ocorrência da vida real.” ; segundo, porque “Retrata-se uma suposição assente na generalidade dos bancos, mas não na totalidade dos bancos, e em critérios abstractos, mas não na sua concreta aplicação, na real apreciação de um determinado pedido para um identificado candidato ao crédito”. (destaque e sublinhado nosso)

Convocando o que se provou, para saber se estamos perante hipóteses e “demonstrações abstractas” e se era exigível que os AA. consultassem a “generalidade dos bancos” para saberem em que condições as entidades bancárias financiariam o montante a pagar pelos AA., temos o seguinte quadro:

 3. A crise económico-financeira nacional e internacional agravou-se a partir de 2010, a qual teve influência no mercado residencial de imóveis na região do Algarve. (art. 5°)

4. Tal mercado mergulhou em crise a partir de 2010, com reflexos nos preços de mercado, no valor das avaliações bancárias e na concessão de empréstimos bancários para aquisição de imóveis. (art. 6°)

5. A generalidade das avaliações bancárias para efeitos de concessão de empréstimos bancários para aquisição de propriedades desceu, designadamente na região do Algarve. (art.7°)

6. Em 2011 na generalidade dos bancos os critérios para a concessão de financiamentos bancários para a aquisição de propriedades, especialmente para cidadãos não residentes em Portugal, passaram, em abstracto, a fixar-se abaixo dos 80% da avaliação bancária das propriedades. (art. 8°)

7. A Ré tinha na sua posse o alvará de autorização de loteamento, bem como o alvará de autorização de obras de construção, este último emitido em 29.02.2008, com um prazo para a conclusão das obras de 24 meses (29.02.20 10). (art. 9°)

8. A Ré notificou os Autores do agendamento de nova data para a realização das escrituras públicas de compra e venda das fracções autónomas - os 1ªs AA. para o dia 19 de Julho de 2011 e os 2°, 3° e 4° AA. para o dia 18 de Julho de 2011. (art. 12°)

9. Em 6 de Setembro de 2011 a OO, em nome dos autores, pediu informação para crédito a habitação ao Banco PP, à qual este banco respondeu que não aprovavam crédito à habitação para cidadãos não residentes em Portugal com LTV (Loan-to-value) superior a 75%. (art. 16°)

10. LTV é a percentagem que os bancos financiam relativamente ao valor da avaliação do imóvel a que se destina o financiamento. (art. 17°)

11. Feito pedido de informação/simulação ao QQ, em 08.09.2011, este informou que apenas concede financiamento bancário a cidadãos não residentes em Portugal, para a aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 60% do valor da avaliação bancária da propriedade. (art. 18°)

12. O Banco RR, na sequência de idêntico pedido de informação, efectuado em 22.09.20 11, informou os Autores que apenas concede financiamento bancário a cidadãos não residentes em Portugal, para a aquisição de imóveis em Portugal, no montante máximo de 70% do valor da avaliação bancária da propriedade. (art. 19°)

13. Os Autores, por cartas datadas de 15.07.2011, recebidas pela Ré a 18.07.2011, comunicaram à Ré que não obtiveram o financiamento bancário pretendido conforme previsto na Cláusula Quarta dos contratos promessa de compra e venda, cujas cópias estão juntas a fls. 293 a 296, 306 a 308, 312 a 314, 318 a 320, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas. (art. 20º).

Os factos provados em 3) a 5), este quanto à sua primeira parte, podem considerar-se notórios.

 Estamos em 2011, no auge da crise financeira portuguesa com a intervenção da troika, com a economia estagnada, os Bancos com grandes dificuldades de liquidez, o crédito aos particulares e empresas estrangulado, a crise no mercado da construção civil e um clima generalizado de descrença no investimento e na economia em geral.

Os AA. são de nacionalidade estrangeira e  pelo que consta da sua identificação na petição inicial e nos documentos a eles relativos insertos no processo, são de nacionalidade irlandesa e não residentes em Portugal.

Não entendemos que seja uma abstracção que alguém estrangeiro, residente na Irlanda – outro país ao tempo sob intervenção da troika –, dirigindo-se a Bancos portugueses, indagando sobre o montante que pretendiam de empréstimo, vissem recusada a sua pretensão porque, na generalidade dos Bancos, o critério para a concessão de financiamentos para a aquisição de propriedade imóvel, especialmente para cidadãos não residentes, em regra, estava fixado abaixo de 80% da avaliação bancária das propriedades.

Também não é do domínio do abstracto, afirmar-se que, tendo os AA. apresentado a sua pretensão a três Bancos em Portugal: “Banco PP”, “QQ” e “RR”,  todos terem afinado pelo mesmo diapasão, recusando a percentagem de financiamento pretendido pelos AA. (80%); as percentagens de financiamento dos Bancos consultados oscilaram ente valores de 60% e 75% - o que, afinal, revela a existência de um critério, comum.

Como resulta provado nos factos 9) a 12), os Bancos aí referidos objectivaram o seu critério face à simulação pedida pelos AA., afirmando que não aprovavam créditos para cidadãos não residentes em Portugal com LTV (Loan-to-value) superior a 75%.  Loan-to-value é a percentagem que os bancos financiam relativamente ao valor do imóvel a que se destina o financiamento.

Estas diligências não são abstracções ou hipóteses trabalhadas pelos AA., mas antes dados concretos, reais – factos que resultam da experiência de vida e da prática negocial bancária nas relações com os clientes, no contexto da negociação de empréstimos bancários.

É usual na fase inicial das negociações para financiamentos bancários, pedirem-se informações sobre o montante do crédito, a finalidade, (sobretudo se se trata de mútuos de escopo como é o financiamento  para aquisição de imóveis   para  habitação), assim, como é usual  fazerem-se simulações de empréstimos que, naturalmente, lidam com as condições de quem pretende obter esses mútuos.

Também faz parte das boas práticas bancárias, sobretudo em tempo em que a concessão de financiamento era difícil, definir critérios em função das disponibilidades de liquidez, razão pela qual, o putativo mutuário não poderia contrariar um critério como o usado pelos três bancos que consultaram, no sentido de não emprestarem a cidadãos residentes no estrangeiro mais que 65% a 70% dos valores pretendidos – no caso € 192. 000,00 – para compra de propriedades em Portugal.

Finalmente, diremos, ex adverso, do sufragado no Acórdão recorrido, que exigir aos AA. que demonstrassem que tinham consultado a “totalidade dos bancos” não se nos afigura compatível com o grau de diligência exigível ao contraente de boa fé – art. 762º, nº2, do Código Civil – que deve actuar com a diligência que se espera de alguém que é honesto e criterioso, o  critério do bonus pater familias – art. 487º, nº2, do citado diploma – não sendo esse paradigma  compatível com um grau de super exigência, como parece ter sido entendido na decisão recorrida.

Será que os AA. deveriam submeter a sua pretensão a todos os Bancos autorizados e sediados em Portugal? Não se nos afigura que isso fosse razoável e sequer corresponda ao que deve ser exigido, à luz de um actuação de boa fé, quando um consumidor pretende obter empréstimo bancário, sendo essa obtenção de crédito condição da celebração de um contrato e tendo de fazer prova da diligência de obtenção de financiamento perante a parte com quem negociou.

Concluímos, assim, que os AA. fizeram prova da verificação da condição resolutiva prevista na Cláusula 4ª dos Contratos Promessa e, consequentemente, ocorreu a cessação de eficácia do negócio condicionado e a respectiva resolução.

“São condições resolutivas aquelas em que a verificação do facto condicionante determina a cessação da eficácia do negócio ou da parte negócio condicionado. A letra do artigo 270.°, determina a “resolução” do negócio.” – Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 12ª edição, pág. 521.

Pelo exposto o Acórdão recorrido não pode manter-se.

Os Recorrentes, para o caso deste Supremo Tribunal de Justiça considerar que não tinham feito prova da verificação da condição resolutiva, pediram a apreciação, a título subsidiário, do pedido de resolução dos contratos promessa com fundamento no alegado incumprimento definitivo pela Ré.

A pretensão subsidiária na instância recursiva é de admitir, pois significa que os recorrentes consideram ser uma das pretensões a principal, e outra secundária, só requerendo a apreciação desta para a hipótese daqueloutra não proceder, tanto mais que a Ré/recorrida não requereu a ampliação do objecto do recurso – art. 636º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil de 2013.

Neste entendimento, não se aprecia a pretensão recursiva formulada a título subsidiário, por ser dado provimento ao pedido principal dos recorrentes.

Os recorrentes pediram a condenação da Ré como litigante de má fé com os fundamentos por que fora objecto dessa condenação na primeira instância. Tendo a Relação concedido provimento ao recurso da Ré, revogou também a condenação dela como litigante de má fé.

Vejamos se a Ré litigou de má fé.  

A condenação de pleiteante judicial como litigante de má fé tem um forte cariz punitivo do seu comportamento processual, sancionando uma actuação processual, eivada de dolo ou de negligência grave, ficando tal actuação incursa na previsão do art. 542º do NCódigo de Processo Civil.

Este normativo estatui:

“1 – Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 – Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”

As partes em juízo, não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias, estão sujeitas aos deveres de cooperação – art. 7º; boa fé processual – art. 8º; e recíproca correcção – art. 9º - na sua relação adversarial e em relação ao Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à Verdade e ao Direito, sob pena da protecção jurídica que reclamam não ser alcançada, com desprestígio para si mesmas, para a Justiça e  para os Tribunais.

Daí que o legislador, no art. 7º do Código de Processo Civil, imponha aos magistrados, partes e mandatários “o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio”.

O art. 8º do citado diploma – dever de boa fé processual – reafirma tal princípio ao aludir ao dever de actuação de boa-fé inerente ao dever de cooperação.

 

Uma das condutas em que se exprime a litigância de má-fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, intencionalmente um objectivo censurável. Também actua de má-fé, a parte que litiga com propósitos dilatórios, obstando pela sua conduta temerária, que o Tribunal almeje uma rápida decisão, pondo assim em causa o objectivo de realização de uma justiça pronta, que, decidindo o litígio com rapidez, reponha a certeza, a paz social e a segurança jurídica, afrontadas pelo litígio.

 Quando assim procede o pleiteante litiga com má-fé material e instrumental, não só porque sabe que não lhe assiste o direito que ajuizou como faz deliberadamente mau uso dos meios processuais.

 

Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª Edição – 2000 – pág. 221/222 – cuja actualidade é patente:

            “A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.

A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.

 A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A.

Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé.

A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”.

A litigância de má-fé exige a consciência de quem pleiteia de certa forma tem a consciência de que não tem razão.

A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé patenteia-se litigância de má fé.

            Se é certo que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental – art. 20º da Constituição da República – já o mau uso desse direito implica uma conduta abusiva, sancionada nos termos do citado normativo do Código de Processo Civil.

    

Não se nos afigura que a Ré/recorrida tivesse litigado com má fé, seja na vertente de actuação negligente, ou na vertente de culpa grave.

Para que assim se considerasse ter-se-ia que concluir que foram violados os deveres processuais e substantivos incompatíveis com uma proba actuação. É certo que as partes deram aos factos e ao enquadramento jurídico deles interpretação e deles extraíram consequências jurídicas díspares: não é este, sem mais, o critério relevante para qualificar a actuação como litigância de má fé.

Esta pressupõe uma actuação censurável, e /ou indesculpável, querida pela parte que desconsidera aqueles deveres. No caso em apreço, a Ré não infringiu esses deveres de forma intencional ou assumida com grosseira desconsideração, mal grado ter tido, perante os factos e a interpretação do Direito, posições que o Tribunal não sufraga.

Decisão:

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, com a inerente repristinação da sentença apelada, excepção feita à condenação da Ré como litigante de má fé.

Custas pelos AA. e pela Ré, na proporção de 10% para aqueles 90% para esta.

 

                               Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Janeiro 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.