Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
206/14.5T8OLH-U.E1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RECURSO DE REVISTA
REGIME APLICÁVEL
ADMISSÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A reclamação (quer nos termos actualmente previstos no art. 643.º do CPC vigente, quer no anterior art. 688.º) constitui expediente jurídico de reacção contra a não admissão de recurso e tem como única pretensão a alteração do despacho de indeferimento.
II - Não é admissível a revista do acórdão (confirmativo da decisão de 1.ª instância) proferido em procedimento cautelar (art. 370.º, n.º 2, do CPC) se o caso não assumir cabimento em nenhumas das situações previstas no n.º 2 do art. 629.º do CPC.
Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I - AA, invocando os artigos 643.º, nº 4 e 652.º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC), veio requerer que recaia acórdão sobre a matéria do despacho da relatora (proferido ao abrigo do n.º1 do artigo 643.º do CPC) que manteve a decisão reclamada de não admissão da revista.

O Requerente considera-se prejudicado com o despacho reclamado por não ter sido apreciada a má aplicação da lei que se verificou na 1ª e 2ª instância, o que, em seu entender, constitui inconstitucionalidade com fundamento para recurso ao Tribunal Constitucional.

II – No procedimento cautelar comum o aqui Requerente apresentou reclamação do despacho de não admissão do recurso de revista interposto do acórdão da Relação ... [(de 14-07-2020) que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão de 1ª instância que julgou verificada a excepção de ilegitimidade do Requerido, absolvendo-o da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e), do CPC].

O Reclamante sustentou a admissibilidade do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O Reclamante interpôs recurso para o STJ por evidente má aplicação da lei, o que se traduz em inconstitucionalidade.

2. Atendendo a esse fundamento, o recurso deveria ter sido admitido.

3. Perante a não admissão o Reclamante ficou prejudicado pela decisão e utilizou o mecanismo legal previsto para a situação em apreço: que sobre a decisão recaia um acórdão.

4. Veio a Veneranda Relatora decidir que a forma correta de reagir à não admissão do recurso será a Reclamação.

5. O Reclamante considera que tal decisão fere o texto legal e aumenta a dimensão da anteriormente invocada inconstitucionalidade.

6. Não existe impedimento para que o Reclamante possa requerer que seja proferido Acórdão.

7. O Reclamante aguarda que toda esta matéria seja aclarada previamente à subida da questão ao Tribunal Constitucional, com fundamento na evidência de má aplicação da lei e, consequentemente, inconstitucionalidade.”.

Insurge-se ainda invocando a “ilegalidade” decorrente do tribunal a quo ter indeferido a sua pretensão em ver o despacho de não admissão de recurso submetido à apreciação da conferência nos termos do artigo 652.º, nº 3, do CPC

 

III - A decisão de não admissão do recurso pelo tribunal a quo assentou nos seguintes fundamentos:

- existência de dupla conformidade decisória impeditiva da revista normal (artigo 673.º, n.º3, do CPC), não tendo o Recorrente estruturado o recurso em termos de revista excepcional;

- por a decisão recorrida se reportar ao âmbito dos procedimentos cautelares em que a lei não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (artigo 370.º, n.º2, do CPC);

- por o recurso não assumir enquadramento em nenhuma das situações em que seria sempre admissível nos termos do artigo 629.º, n.º2, do CPC.

IV - Em face dos elementos disponíveis no processo, importa reter:

a) Nos autos de procedimento cautelar não especificado, que o Requerente, aqui Recorrente, moveu contra BB (Liquidatário Judicial no processo principal de falência de Multitur – Turismo Internacional, SA) e onde requereu (imediata suspensão de todas as diligências em curso nos autos principais tendentes ao pagamento dos credores; previamente aos pagamentos dos credores devem ser apuradas todas as situações irregulares, esclarecendo todas as questões criminais e civis; obter-se prévia decisão final no apenso S; que todos os atos subsequentes aos despachos que ordenaram tais diligências em curso devem ser anulados), foi proferida decisão final, que julgou verificada a exceção de ilegitimidade do Requerido, absolvendo-o da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º n.º 1 alínea e), 576.º n.º 2 e 577.º alínea e), do CPC;  

b) O Requerente apelou desta decisão, tendo o tribunal da Relação ... proferido acórdão, que julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida;

c) Deste acórdão o Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (ainda que, certamente por lapso, apelide de apelação), concluindo nas respectivas alegações:

1. O presente recurso vem interposto do Acórdão (Refª ...24).
2. Quanto à nulidade do despacho proferido em 15/04/2020 por falta de fundamentação, considerou o Acórdão recorrido que o despacho em questão não cons?tui decisão sujeita ao dever de fundamentação.
3. Mas o Recorrente apenas pode pronunciar-se cabalmente se conhecer os fundamentos que conduziram à invocação de ilegitimidade.

4. Como tal, deve ser considerado nulo o despacho em causa.
5. Quanto à nulidade da decisão final, o Recorrente considera que a sentença final é ambígua.
6. No que se refere à legitimidade do Requerido, considerou o Acórdão recorrido que o Requerido, Liquidatário Judicial, não é parte no processo e, como tal, é parte ilegítima.
7. Mas o facto do Liquidatário Judicial não ser parte no processo de falência não lhe retira responsabilidades, nem obsta a que seja demandado caso se verifique fundamento para tal.
8. O Liquidatário Judicial tem as suas competências e obrigações definidas na lei.
9. Ora, o Liquidatário Judicial não necessita ser parte para ser confrontado e responsabilizado no caso de não cumprir os deveres e competências que lhe são impostos.
10. Ao considerar que o requerido teria que ser parte para ser demandado relativamente a matérias respeitantes ao seu desempenho enquanto Liquidatário Judicial, o Acórdão recorrido faz uma má aplicação da lei.
11. A lei deve ser interpretada num sentido mais conforme à Constituição da República Portuguesa.
12. O artigo 30º do CPC invocado no Acórdão recorrido a fim de fundamentar a alegada ilegitimidade do Requerido não está a ser cumprido conforme a Constituição.
13. E também não pode o Recorrente conformar-se pelo facto de ter sido considerado no Acórdão recorrido que o próprio Recorrente é parte ilegítima neste procedimento,
14. A qualidade de interveniente não retira ao Recorrente a faculdade de fazer valer os seus direitos.”.

d) A Exma. Desembargadora-Relatora não admitiu o recurso de revista ao abrigo dos artigos 673.º, n.º3, 370.º, n.º4, ambos do CPC, considerando que a situação não se mostrava subsumível nas hipóteses em que o recurso se mostrava sempre admissível.

e) O Requerente veio aos autos apresentar requerimento no qual pretendeia ao abrigo do artigo 652º nº 3 do CPC, que sobre o despacho de não admissão da revista recaísse um acórdão.

f) O tribunal a quo indeferiu tal pretensão nos seguintes termos: “(…) O art. 653.º/2 do CPC estatui que salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. Donde, nos casos previsto no n.º 6 do art. 641.º não há lugar a reclamação para a conferência conforme previsto no art. 652.º n.º 3 do CPC.

O n.º 6 do art. 641.º do CPC, por sua vez, estatui que a decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643.º.

A reclamação prevista no art.º 643.º do CPC é a reclamação contra o indeferimento do requerimento de interposição do recurso. Nos termos do n.º 1 de tal disposição legal, do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão.

Decorre, assim, do disposto nas citadas disposições legais que do despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o STJ não pode o recorrente requerer que sobre tal matéria recaia um acórdão.”

V - Estando em causa o mecanismo previsto no artigo 643.º, do CPC, a questão a apreciar reporta-se à admissibilidade do recurso de revista, conforme passaremos a justificar.

1. Importa antes de mais delimitar o objecto de conhecimento que se impõe a este tribunal atento o equívoco do Reclamante evidenciado da pretensão que quer retirar do presente expediente processual quanto à decisão do tribunal a quo de indeferimento de submeter à conferência o despacho de não admissão da revista.

Em causa está o recurso do acórdão que julgou inadmissível a revista com fundamento no disposto nos artigos 671.º, n.º3, 370.º, n.º2, do CPC, e por não estar em causa qualquer situação em que o recurso seja sempre admissível.

A reclamação (quer nos termos actualmente previstos no artigo 643.º, do Código Processo Civil vigente; quer no anterior artigo 688.º) constitui expediente jurídico de reacção contra a não admissão de recurso e tem como única pretensão a alteração do despacho de indeferimento. Assim, a decisão do tribunal a quo que não admite o recurso apenas pode ser impugnada através de reclamação (os artigos 641.º, n.º 6 e 652.º, n.º3, ambos do CPC, mostram-se, aliás, inequívocos).

Por conseguinte, in casu, impõe-se unicamente apreciar a não admissão do recurso de revista interposto do acórdão da Relação proferida pelo tribunal a quo.

2. A decisão de indeferimento do recurso de revista assenta no facto de estar em causa recurso de acórdão (confirmativo da decisão de 1ª instância) proferido no âmbito de um procedimento cautelar em que a lei, expressamente, afasta a possibilidade de recurso para o STJ (artigo 370.º, n.º2, do CPC), excepcionando as situações em que o recurso é sempre admissível e que se mostram configuradas nas várias alíneas do n.º2 do artigo 629.º do CPC.

Tendo em conta o fundamento da pretendida revista, uma vez que a mesma não assume cabimento em nenhuma das situações em que o recurso é sempre admissível, afastada que se encontra a aplicação do n.º2 do artigo 629.º do CPC, não se mostra, pois, o recurso passível de ser admitido.

VI - Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em manter a decisão reclamada de não admissão de recurso.

Custas do incidente pelo Reclamante, fixando-se em 3 Uc´s a taxa de justiça.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2020

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).