Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5674/21.6T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 4.º SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

I- Há contradição entre dois acórdãos da Relação, para efeitos do disposto no art. 672º, n.º 1, c), do CPC, quando, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva, tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) um dos acórdãos da Relação atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

II- O facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

Decisão Texto Integral:


Processo 5674/21.6T8LSB.L1.S2

Revista Excepcional 

59/22

Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção declarativa comum contra BANCO BPI, S.A,  peticionando que se condene a Ré:

a) a pagar ao Autor todas as prestações de reforma em dívida, vencidas e vincendas, com efeitos a 14 de março de 2016 e cujo valor já vencido ascende a 21.874,34 €;

b) a pagar ao Autor os juros de mora vincendos e vencidos, à taxa legal, por cada prestação em dívida e até integral pagamento;

c) a abster-se de reter percentagem superior a 22,2% da pensão atribuída, a cada momento, pela segurança social; ou, a título de pedido subsidiário,

d) a abster-se de reter, da pensão paga, a cada momento, pela segurança social, valor superior ao efetivamente por si suportado de acordo com as regras do ACT e pago a título de pensão de reforma, pelos 4 anos de tempo sobreposto entre os dois regimes de proteção social: banca e segurança social, com efeitos à data da atribuição da pensão pela segurança social, em 14 de março de 2016 e cujo valor, indevidamente retido e já vencido, ascende a 26.821,25 €;

e) a pagar os juros de mora vencidos e vincendos, por cada prestação em dívida e até integral pagamento;

A Ré contestou.

Por saneador- sentença, o Tribunal de 1ª instância decidiu o seguinte, condenando a Ré a:

“a) Pagar ao A. a percentagem das prestações de reforma em dívida, indevidamente retidas na medida em que excedem a percentagem de 22,22% da pensão, vencidas e vincendas, com efeitos a 14 de março de 2016 e cujo valor já vencido ascende a 21.877,12 €;

b) Pagar ao A. os juros de mora vincendos e vencidos, à taxa supletiva legal, por cada prestação em dívida e até integral pagamento;

c) Abster-se de reter percentagem superior a 22,22% da pensão atribuída, a cada momento, pela segurança social”.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 06.04.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida.
A Ré interpôs recurso de revista excepcional, invocando a sua admissibilidade com base na seguinte argumentação:

No que se refere ao valor da causa, o douto Acórdão recorrido, que, nesta parte, não teve decisão unânime (atenta a declaração de vota da Exma Senhora Juíza Desembargadora Doutora Francisca Mendes) está em contradição com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de23 deMarço de2022, proferido no processo n.º 13456/20.6T8LSB.L1, nestaparte játransitado em julgado, e que se junta como DOC. 1, protestando juntar a respectiva certidão.
Em face da dupla conforme verificada nestes autos, o presente recurso de Revista Excepcional éinterposto por,porum lado, estaremcontradiçãocom odoutoAcórdãodo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, conforme certidão que se junta como DOC. 2.
De facto,

Verifica-se a contradição dos julgados.

No que respeita à decisão sobre o valor da causa:

· Trata-se da mesma questão de direito com os mesmos pressuposto de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como determinar o valor da causa em acção com o pedido de apuramento do benefício pago regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na Cláusulas 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011), quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva anterior;

· Trata-se de decisões expressas e opostas, pois no Acórdão recorrido decidiu-se confirmando, ainda que com voto de vencido, a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, fixar o valor da causa de acordo com o disposto no artigo 297.º, n.º 2 do CPC, atendendo-se somente aos interesses vencidos, enquanto no Acórdão fundamento, proferido no processo n.º 13456/20.6T8LSB.L1, nesta parte já transitado em julgado, se decidiu, revogando a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, fixar o valor da causa de acordo com o disposto no artigo 300.º, n.º 1 do CPC;

· A oposição dos julgados reflete-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido fixou-se o valor da causa em 271.887,22 €, por corresponder aos interesses já vencidos, e no Acórdão proferido no processo n.º 13456/20.6T8LSB.L1, nesta parte já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, fixar o valor da causa em 30.000,01 €, atendendo a que estão em causa prestações periódicas.
E no que respeita à decisão sobre a repartição da pensão paga pelo CNP:

· Trata-se também da mesma questão de direito com os mesmos pressuposto de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como apurar o benefício pago regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na Cláusulas 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011), quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva anterior;

· Trata-se de decisões expressas e opostas, pois no Acórdão recorrido decidiu-se confirmando a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, reconhecer ao Autor o direito a pensão completa do CNP, deduzindo do valor a liquidar correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária, a calcular por aplicação de uma “regra de três simples pura”, enquanto no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, se decidiu, confirmando igualmente a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, julgar totalmente improcedente a ação e absolver a Ré do pedido, o qual correspondia, entre o mais, a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido o valor correspondente à percentagem de 13%, correspondente aos 2 anos e 7 meses de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, numa “regra de três simples pura”;

· A oposição dos julgados reflete-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido seguiu-se no sentido da aplicação da “regra de três simples pura”, condenando-se o Réu nesses termos e no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, absolver o Réu do pedido de condenação a aplicar uma “regra de três simples pura”.

É certo que este segundo tema foi já objecto de douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que o douto Acórdão recorrido segue de perto.

Todavia, persiste – e bem, permita-se – a divergência Jurisprudencial, como bem se pode verificar pelas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, respetivamente de 01/10/2020, 20/02/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas aos autos”.

Ou seja, a interposição do recurso de revista excepcional foi-o quanto a duas questões: i) a interpretação da cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o sector bancário; ii) e o valor da ação, sustentando que o mesmo deve fixar-se em  € 111.003,94 ou, assim não se entendendo, em € 30.000,01 (com voto de vencido, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª Instância também na parte em que fixou o valor da ação em € 21.877,22).

O Recorrido respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista excepcional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.

O recurso sobre o valor da acção foi admitido nos termos gerais e não como revista excepcional, uma vez que está em causa a impugnação de uma decisão respeitante ao valor da causa, com fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre, ou seja uma decisão que admite sempre recurso - artigo 629º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

Por acórdão deste STJ, foi concedida a revista nos termos gerais, revogando-se nessa parte o acórdão recorrido, e fixando-se o valor da ação em € 30.000,01.

x

Cumpre apreciar e decidir:

Está em causa a questão de saber se há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (transitado em julgado), os quais, no domínio da mesma legislação, incidem sobre a mesma questão fundamental de direito: saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário, publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011.

É manifesto que in casu se verifica a contradição invocada pela Recorrente, bem como os demais requisitos estabelecidos pelo artº 672º, nº 1, c), do CPC.

Com efeito, fundamentalmente, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva e tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) o acórdão recorrido atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

No sentido da verificação da assinalada contradição, v.g., os Acs. desta Secção Social do STJ de 13.01.2022, Proc. 598/20.7T8MTS.P1.S2, de 13.01.2022, Proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S2, de 23.11.2021, Proc. 831/20.5T8VLG.P1.S1, de 08.06.2021, Proc. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e de 27.01.2021, Proc. 74/19.0T8MTS.P1.S1 e, mais recentemente, de 01/06/2002, proc. 842/21.3T8VFX.L1.S1, e de 01/06/022, proc. 2791/20.3T8VFX.L1.S1.

E o facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em admitir o recurso de revista excepcional em apreço.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 29/11/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes

                       

Sumacorda-se em admitir o pelo artºadeário (elaborado pelo Relator).