Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
151/21.8YRPRT.S1-A
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ESCRITURA PÚBLICA
CASO JULGADO
DECISÃO
LEI ESTRANGEIRA
Data do Acordão: 10/19/2022
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Referência de Publicação: - PUBLICADO NO DR Nº 227/2022, SÉRIE I DE 2022-11-24, PÁGINAS 42 - 59 (ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 10/2022)
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO PLENO DAS SECÇÕES CÍVEIS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. — RELATÓRIO

1. AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., Brasil, instauraram a presente acção de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja “revista e confirmada a escritura pública de união de facto em questão, com todas as consequências legais, designadamente, as de confirmar a união de facto de mais de 30 anos existente entre os requerentes, para que a mesma passe a produzir todos os seus efeitos em Portugal.”

2. Cumprido o disposto no art. 982.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Digno Agente do Ministério Público não deduziu oposição ao requerido.

3. O Tribunal da Relação do Porto julgou a acção improcedente.

4. Inconformados, os Requerentes AA e BB, interpuseram recurso de revista.

5. O Digno Agente do Ministério Público apresentou resposta às alegações pugnando pela revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

6. O Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso, negando a revista.

7. O Digno Agente do Ministério Público interpôs recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, para uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 688.º ss. do Código de Processo Civil.

8. Invocou a contradição do acórdão recorrido com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 8 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1.

9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. — Os acórdãos citados neste requerimento como recorrido e fundamento são completamente contraditórios entre si.

2. — Foram proferidos no domínio da mesma legislação – Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.

3. — Versando sobre a mesma questão de direito: saber se uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é, ou não, susceptível de ser revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do citado CPC.

4. — A orientação perfilhada no acórdão recorrido não está de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

5. — Atenta a data do trânsito do acórdão recorrido, a interposição do presente recurso extraordinário é tempestiva, tendo em conta o disposto no artigo 689.º, n.º 1, do CPC.

6. — O Ministério Público tem legitimidade para interpor o presente recurso, apesar de não ser parte na causa.

7. — Sobre esta temática, a Jurisprudência dos nossos Tribunais encontra-se completamente dividida.

8. — Por isso, impõe-se admitir o presente recurso.

9. — Lavrando-se acórdão de uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:

“Uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é susceptível de ser revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do atual Código de Processo Civil”.

10. Os Requerentes AA e BB pronunciaram-se, pedindo que fosse proferido acórdão com a seguinte resposta uniformizadora:

“Uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é susceptível de ser revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do atual Código de Processo Civil”.

11. O recurso para uniformização de jurisprudência foi liminarmente admitido em 24 de Março de 2022.

12. Estando em causa um recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelo Ministério Público de acordo com o art. 691.º do Código de Processo Civil, é desnecessário que o processo vá com vista ao Ministério Público, para emissão de parecer sobre a questão [1].

II. — FUNDAMENTAÇÃO

II.1. — DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O Ministério Público tem legitimidade para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência ainda que não seja parte, de acordo com o art. 691.º do Código de Processo Civil:

O recurso de uniformização de jurisprudência deve ser interposto pelo Ministério Público, mesmo quando não seja parte na causa, mas, neste caso, não tem qualquer influência na decisão desta, destinando-se unicamente à emissão de acórdão de uniformização sobre o conflito de jurisprudência [2].

O art. 691.º do Código de Processo Civil derroga os princípios e as regras gerais [3], atribuindo ao Ministério Público uma legitimidade extraordinária [4] para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência no interesse da lei [5], no “puro interesse da lei” [6], ou seja: — “no interesse exclusivo da clarificação na interpretação e aplicação da lei para futuro[7].

2. Esclarecida a questão da legitimidade do Ministério Público para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, deve averiguar-se se há uma contradição entre o acórdão de 20 de Janeiro de 2022, agora recorrido, e o acórdão de 8 de Setembro de 2020 — processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1 —, deduzido como acórdão-fundamento.

2.1. O art. 688.º do Código de Processo Civil determina:

1. — As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

2. — Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.

3. — O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça [8].

e o art. 692.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe apreciação liminar, esclarece que

Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar, sendo o recurso rejeitado, além dos casos previstos no n.º 2 do artigo 641.º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690.º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no n.º 3 do artigo 688.º.

2.2. O texto do art. 688.º deve analisar-se, distinguindo os três requisitos essenciais do recurso para uniformização de jurisprudência: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito [9].

Em concreto, os três requisitos encontram-se preenchidos.

Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2020 — processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1 — e de 20 de Janeiro de 2022 — processo n.º 151/21.8YRPRT.S1 —, agora recorrido, deram respostas contraditórias a uma questão fundamental de direito: — se a declaração exarada em escritura pública perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que os contratantes vivem em união estável, desde determinada data, é susceptível de ser revista e confirmada nos termos dos arts. 978.º ss. do Código de Processo Civil.

Enquanto o acórdão de 8 de Setembro de 2020 deu à questão uma resposta afirmativa [10], o acórdão de 20 de Janeiro de 2022, agora recorrido, deu-lhe uma resposta negativa, decidindo que

“A declaração exarada numa ‘Escritura Pública de Declaração de União Estável’, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião), limita-se a confirmar as declarações prestadas pelos outorgantes, sem que o Tabelião tenha sobre elas feito incidir qualquer juízo vinculativo, com força de caso julgado, e que, enquanto tal, tivesse competência para emitir, daí que, não se poderá reconhecer que aquele documento, conquanto apelidado de “escritura pública” esteja compreendida, enquanto “decisão”, pelo normativo adjetivo civil decorrente do citado art.º 978º n.º1, do Código de Processo Civil, devendo apenas ser valorado como meio probatório, sujeito à livre apreciação do julgador, não possuindo, por, isso, força de caso julgado, não tendo virtualidade para poder ser confirmada / revista pelos Tribunais portugueses”

Embora fosse de admitir que o Ministério Público interpusesse o recurso com a caracterização do conflito, sem se pronunciar sobre a legalidade ou ilegalidade da decisão [11] [12], o teor das conclusões afirma, explícita ou, ainda que implícita, inequivocamente, a ilegalidade da decisão contida no acórdão recorrido, por violação do art. 978.º do Código de Processo Civil.

3. Entre os corolários do facto de o recurso para uniformização de jurisprudência ter sido interposto pelo Ministério Público, no puro interesse da lei, está o de que deve desaplicar-se o regime de substituição [13] do art. 695.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

O presente recurso não tem qualquer influência na decisão da causa [14]; em consequência, não poderá pôr-se o problema da revogação ou da substituição do acórdão recorrido [15].

II.2. — DO MÉRITO DO RECURSO

1. O art. 226.º, parágrafo 3.º, da Constituição Federal brasileira, de 1988, na redacção da Emenda Constitucional n.º 66, de 2010, diz expressamente que, “[p]ara efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Em consonância com o 226.º da Constituição [16], a união estável começou a ser reconhecida como uma situação jurídica familiar antes do Código Civil de 2002 [17] e continuou a sê-lo depois.

Os arts. 1723.º a 1727.º do Código Civil brasileiro de 2002 são do seguinte teor:

Artigo 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1.o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2.o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Artigo 1724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Artigo 1725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Artigo 1726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Artigo 1727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato [18] [19].

Face ao art. 1723.º do Código Civil brasileiro, a união estável decorre de um simples acto jurídico, ou de um conjunto de simples actos jurídicos [20].

Em lugar de um simples acto jurídico, os autores brasileiros falam de um acto-facto jurídico [21]: ainda que na sua génese esteja a vontade de um sujeito, ou de dois sujeitos, , “o direito […] desconsidera[-a] e apenas atribui juridicidade ao facto [daí] resultante” [22] .

Ora a união estável é apresentada como o caso exemplar, paradigmático, de acto-facto jurídico: ainda que na sua génese esteja a vontade de dois sujeitos, dos dois companheiros, o direito desconsidera-a e apenas atribui juridicidade ao facto, ou à situação daí resultante — ao facto, ou à situação, de convivência pública [23], contínua [24] e duradora [25] [26].

2. A qualificação da união estável como simples acto jurídico, ou como conjunto de simples actos jurídicos, tem como corolário que deva esclarecer-se duas coisas:

2.1. Em primeiro lugar, deve esclarecer-se que a escritura pública não é necessária para que se constitua a situação jurídica familiar designada da união estável [27].

Entre os factos que demonstram que a escritura pública não é necessária está, p. ex., o de o art. 4.º da Instrução Normativa n.º 14, de 7 de Janeiro de 2013, do Conselho Nacional de Justiça brasileiro [28], dizer de forma explícita que a ausência de uma escritura pública declaratória de união estável pode ser suprida por qualquer “elemento que […] se revele hábil para firmar convicção quanto à existência de união de facto e sua estabilidade” [29].

2.2. Em segundo lugar, deve esclarecer-se que a escritura pública não é suficiente para que se constitua a situação jurídica familiar designada da união estável [30] [31].

Entre os factos que demonstram que a escritura pública não é suficiente está, p. ex., o de o art. 1723.º do Código Civil brasileiro dizer de forma explícita que a convivência entre os companheiros deve ser contínua e duradoura e dizer de forma implícita, mas inequívoca, que a convivência contínua e duradoura deve ser uma convivência efectiva [32].

Em texto constantemente citado, ainda que a propósito do art. 1.º da Lei n.º 9278/96, correspondente ao art. 1723 do Código Civil brasileiro de 2002, explica-se que “[a] união estável não se constitui por contrato; estabelece-se ex vi legis, pela reunião presente dos elementos fáticos previstos [no art. 1723.º do Código Civil brasileiro de 2002]. Pode-se dizer que a união estável não é acto, porém facto; não é contrato, porém situação de facto; mesmo [que] exista contrato escrito, se não ocorrer situação de facto na moldura da lei, não há união estável” [33] [34].

2.3. O raciocínio desenvolvido para a parte da escritura pública em que os companheiros declaram viver em união estável, procede a pari para a parte da escritura pública em que os companheiros disciplinam as suas relações, designadamente as suas relações patrimoniais, através do chamado contrato de convivência — com a caracterização da união estável como “convivência pública, contínua e duradoura[,] estabelecida com o objetivo de constituição de família”, distingue-se a convivência ou união estável do contrato de convivência previsto no art. 1725.º do Código Civil brasileiro (“… salvo contrato escrito entre os companheiros”).

A convivência ou união estável é um simples facto jurídico, ou um conjunto de simples factos jurídicos; é, na terminologia dos autores brasileiros, um acto-facto jurídico; o contrato de convivência é um negócio jurídico [35], através do qual os companheiros “promovem a autorregulamentação do seu relacionamento” [36]. Entre a convivência ou união estável e o contrato de convivência há uma relação de acessoriedade, análoga a um condicionamento: “o documento escrito pelos conviventes está condicionado à correspondência fática da entidade familiar e dos pressupostos de reconhecimento [da união estável como entidade familiar]” [37].

Em diferentes palavras, ainda que insistindo em igual pensamento: o contrato de convivência é acessório da união estável — a validade e a eficácia do contrato de convivência dependem da existência da união estável. A convivência, ou a união estável, entre os companheiros é necessária para que haja um contrato de convivência (válido e eficaz) — se não há convivência, se não há união estável, não há, não pode haver, um contrato de convivência válido e eficaz. Embora a convivência, ou a união estável, seja necessária para que haja um contrato de convivência, o contrato de convivência não é necessário para que haja uma união estável.

O facto de a declaração de união estável constar ou não de documento por que os alegados companheiros concluem um contrato de convivência é algo que deve considerar-se de todo em todo irrelevante. Se o contrato de convivência é ou não um acto susceptível de revisão ou confirmação, nos termos dos arts. 978.º ss. do Código de Processo Civil, é algo que deverá decidir-se de acordo com os princípios e as regras aplicáveis ao comum dos contratos, designadamente familiares.

3. Esclarecido o que é a união estável e o que é a escritura pública declaratória de união estável, o problema está em concretizar o conceito de decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, do art. 978.º do Código de Processo Civil, para averiguar se o caso da escritura pública declaratória de união estável deve ou não coordenar-se-lhe.

3.1. O art. 978.º do Código Civil é do seguinte teor:

1. — Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.

2. — Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa [38].

3.2. O conceito de decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, deve interpretar-se no sentido de designar “tão somente a decisão revestida de força de ‘caso julgado’ que recaia sobre ‘direitos privados’, isto é, sobre matéria civil e comercial[39] [40].

Face ao conceito de decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, do art. 978.º do Código de Processo Civil, deverá averiguar-se:

I. — se a escritura pública declaratória de união estável contém uma decisão;

II. — se a escritura pública declaratória de união estável contém uma decisão revestida de força de caso julgado.

4. Em primeiro lugar, deverá averiguar-se se a escritura pública declaratória de união estável contém uma decisão.

4.1. Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2013 e de 25 de Junho de 2013 — processos n.º 687/12.1YRLSB.S1 e n.º 623/12.5YRLSB.S1, respectivamente — declararam que a aplicação dos arts. 978.º do Código de Processo Civil a uma escritura dependia de que contivesse uma decisão, ainda que homologatória, de uma autoridade administrativa.

Entre os elementos relevantes para averiguar se a escritura continha uma decisão estava a circunstância de os interessados dirigirem um pedido à autoridade administrativa — p. ex., a um tabelião — e a circunstância de a autoridade administrativa deferir ou indeferir o pedido formulado, constituindo, modificando ou extinguindo relações jurídicas privadas.

a) Os casos apreciados e decididos nos acórdãos de 22 de Maio e de 25 de Junho de 2013 relacionavam-se com as escrituras pública de conversão da separação consensual dos cônjuges em divórcio, prevista no art. 1580.º do Código Civil brasileiro de 2002.

Os dois acórdãos concordaram em decidir que “[a]s escrituras públicas previstas no art. 1124.º-A do [antigo] Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n.º 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1580.º do Código Civil Brasileiro, através da qual passado um ano da separação se poderá converter o mesmo em divórcio, têm força igual à das sentenças que decretam a separação consensual ou a conversão da separação judicial dos cônjuges em divórcio”, deduzindo dois argumentos para o explicar.

Em primeiro lugar, deduzindo o argumento. de que “[o]s outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal”; pedem-na, e, em segundo lugar, o argumento de que “o tabelião — notário — não se limita a atestar as […] declarações [dos outorgantes], declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”. Em consequência, “[estaríamos] perante uma decisão homologatória, logo constitutiva do divórcio”.

b) Ora, entre as escrituras públicas constitutivas da conversão da separação consensual dos cônjuges em divórcio e as escrituras públicas declaratórias de união estável há duas diferenças.

Enquanto nas escrituras públicas de conversão da separação consensual dos cônjuges em divórcio os interessados pedem a uma autoridade pública a dissolução do vínculo conjugal, nas escrituras públicas declaratórias de união estável os interessados declaram perante uma autoridade pública (perante um tabelião) constituição de um vínculo análogo ao vínculo conjugal.

Enquanto nas escrituras públicas de conversão da separação consensual dos cônjuges em divórcio o tabelião decide a dissolução, “depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”, nas escrituras públicas declaratórias de união estável o tabelião nada decide — simplesmente, atesta, constata ou certifica as declarações emitidas pelos interessados [41] [42].

“O caso dos presentes autos é diferente” — diz-se, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Dezembro de 2019. — “Os requerentes não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte da tabeliã que possa servir de base à presente revisão. Apenas declararam que “mantêm, sob o mesmo tecto, convivência pública, contínua e duradoura com o objectivo de constituição de família, desde o mês de Julho do ano de dois mil e treze (…)” [43].

4.2. Em resposta ao argumento de que as escrituras públicas declaratórias de união estável não contêm uma decisão sobre direitos privados no sentido dos arts. 978.º ss. do Código de Processo Civil, deduz-se de quando em quando dois contra-argumentos:

— A declaração de união estável entre os companheiros seria caucionada pela autoridade administrativa (pelo tabelião), através da verificação da sua regularidade formal ou extrínseca [44];

— Em consequência, a escritura pública declaratória de união estável seria em tudo semelhante a uma escritura pública de dissolução do casamento, através do divórcio.

O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que a escritura pública de divórcio deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do Código de Processo Civil [45] [46] — e o critério deverá aplicar-se, a pari, às escrituras públicas de dissolução consensual ou de extinção consensual de união estável.

Existindo uma relação de semelhança entre a escritura pública declaratória de união estável e as escrituras públicas de divórcio, de dissolução ou de extinção consensual de união estável, deveria equiparar-se a escritura pública declaratória de união estável a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do Código de Processo Civil [47].

“[O] papel do tabelião brasileiro que lavra uma escritura declaratória de divórcio [seria] exactamente o mesmo daquele que lavra uma escritura declaratória da união de facto” [48] — com a consequência de que, “[s]e não se aceita[sse] a possibilidade de revisão da escritura declaratória da união de facto, também não se poder[ia] aceitar a escritura declaratória do divórcio” [49] [50],

4.3. O contra-argumento não procede, porém, pela razão de que, entre a constituição da situação jurídica familiar designada de união estável e a extinção das situações jurídicas familiares, designadamente através do divórcio ou da dissolução, existe uma diferença fundamental.

O art. 1723.º do Código Civil brasileiro é claro no sentido de que a declaração dos interessados contida em escritura pública não pode nunca ser o facto constitutivo da união estável.

Exigindo, p. ex., uma convivência contínua e duradoura entre os companheiros, o art. 1723.º determina que, em caso de divergência entre a declaração e o facto real da convivência deve dar-se prevalência ao segundo — i.e, ao facto real da convivência “com natureza familiar” [51].

Em contraste com o art. 1723.º do Código Civil, o art. 733.º do Código de Processo Civil brasileiro é claro no sentido de que a declaração dos interessados, desde que seja uma declaração de vontade, contida em escritura pública pode ser facto extintivo da situação jurídica:

O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 .

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Em consequência, da afirmação de que as escrituras públicas de divórcio, de dissolução consensual ou de extinção consensual de união estável são susceptíveis e de revisão e de confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º ss. do Código de Processo Civil, não decorre que as escrituras públicas declaratórias de união estável sejam susceptíveis de revisão [52].

Existindo, como existe, uma diferença fundamental entre a constituição e a extinção da situação jurídica familiar, a regra de que as escrituras públicas declaratórias de união estável não são susceptíveis de revisão e de confirmação concilia-se ou harmoniza-se, sem dificuldade, com a regra de que as escrituras públicas extintivas da relação jurídica familiar da união estável sejam susceptíveis de revisão e de confirmação pelos tribunais portugueses.

5. Em segundo lugar, ainda que se afirmasse que a decisão da autoridade administrativa sobre direitos privados não tinha de ser uma autêntica decisão [53], sempre deveria averiguar-se se a escritura pública declaratória de união estável está revestida de força de caso julgado.

O critério consensualmente adoptado na interpretação do art. 978.º do Código de Processo Civil é o de que “[a] sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes a situação jurídica” [54]. Estando em causa uma escritura pública, deverá, por isso, averiguar-se duas coisas: — se a escritura pública declaratória de união estável define a situação jurídica e se a escritura pública declaratória de união estável define a situação jurídica em termos comparáveis a uma sentença declaratória de união estável transitada em julgado.

5.1. O art. 215.º do Código Civil brasileiro, em que se diz que “[a] escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena”, deve coordenar-se com o art. 219.ª:

As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.

Parágrafo único. Não tendo relação directa, porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.

O corpo do art. 219.º do Código Civil brasileiro contrapõe as declarações dispositivas e as declarações enunciativas: as declarações dispositivas, designadas de disposições principais, dizem respeito ao conteúdo ou aos elementos essenciais do negócio jurídico (p. ex., no contrato de compra e venda, à designação da coisa comprada e vendida e ao preço); as declarações enunciativas dizem respeito a factos ou a situações. O parágrafo único do art. 219.º, esse, distingue as declarações enunciativas com e sem relação directa com as disposições principais [55].

Embora sejam declarações dispositivas ou declarações enunciativas com relação directa com as disposições principais, a declaração dos companheiros de que vivem em união estável só se presume verdadeira, e só se presume verdadeira em relação aos signatários: a escritura pública declaratória de união estável faz prova plena de que os companheiros declararam uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família; embora faça prova plena do que os companheiros declararam, não faz prova plena de uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

O ponto é consensual na doutrina e na jurisprudência brasileiras: Francisco José Cahali, em obra de referência, diz que “o reconhecimento recíproco da convivência, influenciando, sobremaneira, na aceitação pública da situação pessoal das partes […] é uma prova iuris tantum, admitindo, por qualquer meio, a demonstração contrária à situação de fato nela retratada” [56], e, concordando com Cahali, Rolf Madaleno escreve que “o contrato de convivência […] representa[] apenas um início de prova, mas não uma prova absoluta, inquestionável e incontroversa” [57] e que “a verdade colhida em contrato privado de convivência, mesmo quando produzido sob a chancela de notário, não se reveste apenas por esses detalhes, como documento cercado de verdade absoluta, ou como prova contundente da existência da união estável” [58]. O efeito da declaração é tão-só o de dar um indício, porventura um forte indício [59] da existência da união estável [60].

A fragilidade da prova resultante das declarações dos companheiros é especialmente sensível desde que estejam em causa declarações sobre a data de início da união, “sendo bastante comum conviventes consignarem falsamente relacionamentos de maior duração” [61].

5.2. Esclarecendo qualquer dúvida, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro de 25 de Fevereiro de 2014 — proferido no recurso especial 1299866 DF 2011/0312256-8 [62] — contém a passagem seguinte:

“De resto, a celebração de escritura pública entre os consortes não afasta essa conclusão, porquanto não é ela própria o ato constitutivo da união estável. Presta-se apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina” (sublinhado nosso).

O facto de a escritura pública se prestar apenas como prova relativa da união estável tem como corolário que não define a situação jurídica ou, em todo o caso, não define a situação jurídica em termos comparáveis a uma sentença declaratória de união estável transitada em julgado.

Em relação às sentenças, há algum consenso em que “a sentença pode ter um efeito declarativo (reconhece ou nega um direito) ou constitutivo (constitui, modifica ou extingue situações jurídicas)” [63]. Em relação aos actos equiparados a sentenças, deverá haver algum consenso em que devem ter um efeito declarativo ou um efeito constitutivo, modificativo ou extintivo de situações jurídicas, para que sejam susceptíveis de revisão e de confirmação.

A escritura pública declaratória não tem, seguramente, nenhum efeito constitutivo da união estável: “não é ela própria o ato constitutivo da união estável” [64]. Excluído o efeito constitutivo, o problema põe-se, tão-só para o efeito declarativo da escritura pública — para o efeito de reconhecer um direito, ou de reconhecer um conjunto de direitos, aos interessados.

Ora a escritura pública não reconhece nenhum direito. Se a união estável existe, nos termos do art. 1723.º do Código Civil brasileiro, os direitos dos companheiros resultam da união estável — a escritura pública não lhes dá nada, não lhes reconhece nenhum direito que a união estável não lhes desse —; se a união estável não existe, nos termos do art. 1723.º, os direitos dos companheiros não resultam da escritura — a escritura pública não lhes dá, não lhes reconhece nenhum direito.

Em consequência, a escritura pública declaratória de união estável não contém nenhuma definição da situação jurídica dos declarantes; ainda que contivesse uma definição da situação jurídica dos declarantes, nunca conteria uma definição imodificável, em termos comparáveis aos de uma sentença declaratória de união estável transitada em julgado [65] [66].

5.3. Excluída a qualificação da escritura como “decisão revestida de força de ‘caso julgado’”, está em causa, tão-só, um meio de prova, sujeito a livre apreciação pelo tribunal.

O art. 978.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que

“Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa”.

Explicando-o, Ferrer Correia diz:

“Sendo a sentença invocada em juízo tão-somente como meio de prova — prova de um acto ou de um facto que nele se constata —, nada obsta certamente a que o tribunal atribua a essa constatação o relevo que em sua consciência entender conceder-lhe. Não existe aqui qualquer necessidade de homologação da sentença, por isso que o seu valor probatório vai ser livremente apreciado pelo julgador” [67].

O critério deve aplicar-se, a pari ou a fortiori, aos actos que se pretende que sejam equiparados a sentenças — designadamente, às escrituras públicas declaratórias de união estável celebradas no Brasil [68].

III. — DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil.

Sem custas — art. 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique e, oportunamente, publique-se na 1.ª série do Diário da República.

Lisboa, 19 de Outubro de 2022

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Rijo Ferreira

José Maria Ferreira Lopes

João Cura Mariano

Manuel José Capelo

Tibério Nunes da Silva

António Barateiro Martins

Fernando Baptista

José Manuel Cabrita Vieira e Cunha

António Isaías Pádua

Nuno Ataíde das Neves

Ana Paula Lobo

Afonso Henrique

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Maria da Graça Trigo

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

Oliveira Abreu

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães (vencido, pelos motivos que constam da declaração da Conselheira Clara Sottomayor)

Ricardo Alberto Santos Costa – Votei vencido, subscrevendo as declarações de voto dos Senhores Conselheiros Ana Paula Boularot, Maria Clara Sottomayor e Luís Espírito Santo.

Fernando Jorge Dias (vencido com os fundamentos do acórdão fundamento acrescidos com os argumentos do voto de vencido da Exmª Conselheira Maria Clara Sottomayor).

Jorge Arcanjo Rodrigues (vencido nos termos da declaração de voto da Senhora Conselheira Mª Clara Sottomayor)

Luís Espírito Santo (vencido conforme voto que junto)

Ana Resende (vencida conforme declaração de voto)

Manuel José Aguiar Pereira (vencido nos termos da declaração de voto da Sra. Juíza Conselheira Clara Sottomayor)

Ana Paula Boularot (vencida conforme declaração junta acompanhando igualmente a declaração da Conselheira Clara Sottomayor)

Maria Clara Sottomayor - Vencida de acordo com a declaração de voto que junto.

Pedro de Lima Gonçalves (vencido, aderindo à declaração de voto do Senhor Conselheiro Espírito Santo)

Maria de Fátima Morais Gomes - vencida, de acordo com declaração de voto de Dr. Espírito Santo


***


Voto de vencido.
Discordo da fundamentação e solução do projecto de acórdão uniformizador pelas razões que sintecticamente enuncio:
I - A escritura pública declaratória da união estável é uma das formas adequadas à publicitação da formalização da situação de facto de cariz familiar em causa, com expressa e directa cobertura jurídica no sistema legal brasileiro, consolidando o requisito da observância de forma escrita, salvaguardando ainda os conviventes perante terceiros a quem é dada, desse modo, a conhecer.
II - Os membros da união estável têm ao seu dispor dois meios de fazer valer os seus direitos próprios decorrentes da sua vida em comum: judicialmente através de acção, nos termos gerais dos artigos 19º e 20º do Código de Processo Civil Brasileiro; extrajudicialmente, formalizando-a através de documento escrito assinado por ambos os conviventes, ou através da escritura pública de união estável, lavrada e arquivada junta da entidade oficial própria e competente.
III - A intervenção do oficial público na escritura pública em causa não tem a ver apenas com a força probatória acrescida do documento; é esta entidade, com os poderes que o Estado brasileiro lhe confere, que fiscaliza a realização do documento, o qual proporciona aos conviventes o uso e fruição de um conjunto dos direitos jurídicos próprios que lhe estão diretamente associados.
IV - A actuação do Tabelião, intervindo em documento público, garante a inexistência de regras impeditivas previstas no artigo 1521º do Código Civil Brasileiro, comuns ao regime aplicável ao casamento, e preside à regulação de todos os aspectos jurídicos pertinentes inerentes à formalização da união estável (cfr. artigo 1723º, parágrafos 1º e 2º, do Código Civil brasileiro).
V - Basicamente, o que está em causa é a oficialização deste instituto (união estável), consubstanciado no solene reconhecimento jurídico por uma entidade administrativa competente, atestando determinada situação de facto duradoura que constitui um verdadeiro modelo de família, em que existe entre os conviventes uma relação contínua, pública e análoga ao relacionamento próprio entre os cônjuges, com reflexos no plano do regime de bens vigente entre eles (com a aplicação do regime de comunhão parcial de bens) e a atribuição de outros benefícios no domínio da saúde e da proteção social (cfr artigos 1723º a 1727º, 1790º, 1562º, 1584º, 1595º, 1631º, 1632º e 1636º, 1708º todos o Código Civil brasileiro).
VI - A escritura pública declaratória da união estável consubstancia indiscutivelmente a prática de um acto administrativo, presidido por oficial dotado de fé pública, onde se procede ao caucionamento e formalização do reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes que, nessa medida e a partir daí, podem ser opostos a terceiros.
VII - Não faz sentido, portanto, a sua desvalorização ou desconsideração pelas autoridades judiciárias portuguesas, no âmbito do processo especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira, quando se trata de um acto jurídico formal e solene, praticado em plena conformidade com o ordenamento jurídico estrangeiro que o rege, presidido por uma entidade oficial desse país munida de competência para tal, que o autoriza e certifica, dotando-o de fé pública e força probatória plena, destinando-se a publicitar perante terceiros relevantes direitos privados dos conviventes, no plano geral das relações familiares e mesmo do estatuto sucessório, previstos nas disposições legais que se referenciaram supra.
VIII - Note-se ainda que, tal como salientou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2011 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 214/09.8YREVR.S1, publicado in www.dgsi.pt, “sendo a revisão de sentença estrangeira uma revisão formal, o Tribunal com competência para a revisão e confirmação apenas tem de adquirir documentalmente a certeza do acto postulado na decisão revidenda, mesmo que não seja plasmado em sentença na acepção prátria do conceito”.
Constitui aliás entendimento uniforme nos tribunais portugueses que uma decisão de uma entidade administrativa estrangeira, competente no país onde foi proferida a decisão a rever, não assumindo embora a natureza de entidade jurisdicional e não sendo a peça por ela produzida qualificável como “sentença”, é, não obstante, passível de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação (vide o caso das escrituras públicas de divórcio consensual, admitidas à luz do ordenamento jurídico brasileiro, e que são comummente revistas e confirmadas em Portugal, sem suscitar qualquer  objecção ou rebuço, e em que não existe igualmente uma verdadeira e própria decisão (jurisdicional ou administrativa) decretando os efeitos de dissolução do vínculo matrimonial entre os outorgantes, e ainda as próprias escrituras públicas declaratórias da cessação da união estável).
Conforme se expressou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013 (relator Granja da Fonseca): “Exige-se apenas a “emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório”, e casos em que não há exactamente uma emissão formal de vontade — em que há, tão-só, “um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” (vide também, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2005 (relator Moitinho de Almeida), proferido no processo nº 05B1880, publicado in www.dgsi.pt).      
IX – Não se compreende, assim, que um cidadão brasileiro que se dá ao trabalho – perfeitamente legítimo - de promover a celebração dessa escritura pública, com autorização e inscrição público do seu novo modelo de família, e pretendendo, legitimamente, retirar dela as utilidades próprias e objectivas que lhe estão juridicamente associadas, não possa fazer valer em Portugal – onde não há que aferir do conteúdo de direito estrangeiro - os efeitos próprios e correspondente à formalização de um acto típico praticado no Brasil, perante uma autoridade pública, que demonstra a sua efectiva titularidade de diversos direitos de natureza familiar que lhe são reconhecidos à luz do seu ordenamento jurídico nacional e que poderão validamente ser opostos a terceiros.
X – Deve assim a acção especial de revisão de sentença estrangeira que tem por base a escritura pública declaratória de união estável outorgada no Brasil, em conformidade com as regras exigidas pelo direito civil brasileiro, e não se verificando qualquer dos óbices formais previstos no artigo 980º, alíneas a) e f) do Código de Processo Civil, ser objecto de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação competente, produzindo os seus efeitos perante o ordenamento jurídico português.

                                                         Luís Espírito Santo.

***

Declaração de voto

Não acompanho o entendimento que mereceu vencimento, pois na sequência do que vinha considerando, a expressão “decisão sobre direitos privados”, constante do art.º 978, do CPC deve ser interpretada por forma a abranger decisões proferidas seja por autoridades judiciárias, seja por autoridades administrativas, pelo que a escritura declaratória de união estável corresponde a um ato administrativo em que a intervenção notarial tem natureza de caucionamento, por forma a serem desencadeados efeitos, como no caso de uma declaração judicial em sentido estrito, sendo tal escritura, assim, suscetível de ser objeto de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses.

                                                                                                        19.10.2022

Ana Resende


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DECLARAÇÃO DE VOTO

Não acompanho nem a fundamentação, nem o teor uniformizador, plasmados no projecto.

Se não.

A ratio essendi em discussão consiste em saber se a declaração exarada numa “Escritura Pública de Declaração de União Estável”, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião brasileiro) no sentido de que os outorgantes declaram viver em união de facto, se encontra  abrangida pela previsão do art.º 978º n.º 1 do CPCivil, por forma a poder ser objeto de revista e confirmação para produzir efeitos em Portugal.

A tese do projecto entende que não, uma vez que, em apertada síntese, no que à economia desta tomada de posição diz respeito, uma escritura pública não contém a se qualquer efeito de caso julgado, não integrando assim a noção de sentença a que se alude no normativo inserto no artigo 978º, nº1 do CPCivil.

Mas, o nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras é, em regra, de revisão meramente formal, limitando-se o Tribunal nacional competente a verificar se o documento apresentado como sentença estrangeira revidenda satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa, como deflui do disposto no artigo 980º do CPCivil.

Se é certo que uma escritura não é uma sentença, não menos certo será que uma interpretação actualista e universal da lei, impõe que no processo especial de revisão de sentença estrangeira se deva atribuir um sentido amplo ao termo decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, considerando abrangidos quer as decisões dos tribunais, quer as decisões de entidades administrativas, caso a lei do país de origem atribua relevância jurídica à referida entidade e considere admissível essa forma de dissolução do casamento, desde que essa decisão se mostre conforme aos requisitos formais previstos pelo artigo 980.º do CPCivil, sendo este o sentido maioritário da jurisprudência mais recente produzida por este Supremo Tribunal de Justiça, cfr inter alia os Ac de 25 de Junho de 2013 (Relator Granja da Fonseca), 29 de Janeiro de 2019 (Relator Alexandre Reis), 8 de Setembro de 2020 (Relator Jorge Dias, Acórdão fundamento), 29 de Setembro de 2020 (Relator António Magalhães), 13 de Outubro de 2020 (Relatora Clara Sotto Mayor), 9 de Março de 2021 (Relator António Magalhães), 7 de Junho de 2022 (Relator Pedro Lima Gonçalves) e 7 de Julho de 2022 (Relator Ferreira Lopes).

Acresce ainda a circunstância que quer em termos de regulamentos da União Europeia (2201/2003, de 27 de Novembro, alterado pelo 2116/2004, de 2 de Dezembro), quer em termos mais amplos, máxime a Convenção de Haia sobre Reconhecimento de Divórcios e Separações de Pessoas, de 4 de Outubro de 1984 , sendo que nesta o Brasil é parte contratante, tal como Portugal, referirem a sua aplicação ao reconhecimento num Estado contratante de divórcios e separações de pessoas obtidas num outro Estado contratante na sequência de um processo judicial ou outro oficialmente reconhecidos neste último Estado e aí produzam efeitos, de onde poder sempre haver o recurso, quanto mais não seja, aos casos análogos que merecem tratamento uniforme a nível global, de harmonia com o disposto no artigo 8º, nº3 do CCivil.

Aliás, a este propósito, veja-se que se se tratasse do reconhecimento de um divórcio e/ou de separação de pessoas, nenhum problema existiria uma vez que o Brasil é parte contratante da Convenção de Haia, aplicando-se o seu artigo 1º, cfr neste sentido num caso paralelo o Ac STJ de 12 de Julho de 2005 (Relator Moitinho de Almeida), in www.dgsi.pt.

Ex abundanti e sempre s.d.r.o.c, os argumentos aventados no projecto, tresleem a Lei brasileira, ao fazer derivar do artigo 94º-A introduzido pela LEI 14382 de 27 de Junho de 2022, que alterou a redacção primitiva da Lei 6015 de 31 de Dezembro de 1973, que predispõe apenas e tão só sobre os registos públicos e outras providências, nada dispondo sobre a substância, validade e eficácia dos actos objecto de registo, muito menos sobre o seu valor intrínseco e significado, pois este a ser questionado e valorado, terá de ser em sede diversa, como é óbvio.

O que aqui se cura é saber qual o alcance do vocábulo decisão aludido no artigo 978º, nº1 do CPCivil e se o mesmo alberga ou não as decisões provindas de autoridades administrativas e, na espécie, a análise recai sobre uma escritura pública de «declaração de união estável» havida pelos Requerentes, aqui Recorrentes, perante uma autoridade administrativa brasileira – tabelião – sendo certo que a Lei civil brasileira prevê no seu artigo 733º que a dissolução dessa união possa ser efectuada nesses termos, logo, não obstante não diga que a sua efectivação também possa ser realizada da mesma forma, é óbvio que dela resulta: a lei que permite o mais, permite o menos.

O argumento utilizado no projecto de que na escritura declarativa de união estável nada se decide, porquanto o tabelião se limita  a atestar, constatar e/ou certificar as declarações emitidas pelos interessados, é uma falácia, porque ao que se sabe, em variadas escrituras, vg de compra e venda, doação, permuta, empréstimo, os notários/tabeliões, nada decidem, limitam-se igualmente a atestar as declarações das partes e, também ao que se sabe, tais escrituras têm como objecto uma decisão intrínseca  de compra e venda, doação, permuta, empréstimo etc…

Revogaria, assim, o Acórdão recorrido e faria extrair como segmento uniformizador:

A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil é susceptível de ser revista e confirmada como sentença pelos Tribunais Portugueses nos termos do artigo 978º do CPCivil uma vez que contém uma decisão sobre direitos privados emanada de uma entidade administrativa, à qual a lei do país de origem atribui relevância jurídica.


(Ana Paula Boularot)

***

Processo n.º 151/21.8YRPRT.S1-A

(Recurso para uniformização de jurisprudência)


Declaração de voto

Voto vencida por remissão para o acórdão por mim relatado, de 13 de outubro de 2020, proferido no processo n.º Processo nº 47/20.0YRGMR.S1, cuja posição mantenho, pelas seguintes razões:

1. Em primeiro lugar, a metodologia do projeto de AUJ não me parece a mais adequada, por fazer decorrer a solução do caso de uma premissa incorreta – a qualificação da união de facto como simples ato jurídico.

A questão da natureza jurídica da união de facto conhece várias posições na doutrina brasileira, não sendo a posição apresentada no projeto a única (p. ex., em sentido contrário ao dos autores citados no projeto, cfr. Marcos Bernardes de Mello, “Sobre a classificação do fato jurídico da união estável”. In: Albuquerque, F.; Ehrhardt, M.; Oliveira, C., Famílias no direito contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2010; Xavier, M., Contrato de namoro, 2. ed. Belo Horizonte: Forum, 2020).

2. Todavia, para os juízes esses debates doutrinais são secundários. Devemos olhar apenas para a lei.

A Constituição brasileira, no artigo 226.º §3 reconhece a união estável como entidade familiar: «§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento».

O artigo 1723.º do código civil brasileiro dispõe o seguinte:

«É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1.º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2.º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável».

Ora, da leitura do artigo 1723.º do Código Civil brasileiro de 2002, em conjugação com o artigo 226.º, n.º 3, da Constituição brasileira, decorre que a união estável não é um simples ato jurídico, mas que exige um elemento volitivo traduzido no objetivo de constituir família, que se apresenta como um requisito indispensável para a configuração da união estável como entidade familiar. Nem se concebe que não fosse assim, num contexto jurídico-cultural em que os modelos de família se centram na realização e desenvolvimento dos seus membros, e em que as relações familiares entre adultos tendem a ser contratualizadas e mais dependentes da vontade dos seus titulares do que da autoridade do Estado. Penso, pois, não ser possível afirmar, como se faz no projeto, que o direito desconsidera a vontade e apenas atribui juridicidade ao facto.

Nos termos da lei brasileira, os pressupostos para a configuração da união estável são os seguintes: a) o elemento subjetivo, formado por duas pessoas não impedidas de casar; b) elementos objetivos: estabilidade, durabilidade e publicidade da relação; e c) elemento volitivo consubstanciado no intuito de constituir família.

 

3. Não importa que os efeitos jurídicos da união de facto sejam efeitos legais (como aliás os do casamento – cfr. artigo 1618.º do Código Civil português), o que é decisivo é que o tabelião terá de verificar o mútuo consentimento dos candidatos à união estável e a sua capacidade para o ato (ausência de impedimentos), sob pena de, nos termos da posição defendida no AUJ, que reduz a função do tabelião a uma mera certificação da emissão das declarações (ou uma mera recolha), o tabelião ter de aceitar, sem mais, a declaração dos sujeitos de uniões estáveis forçadas (sem consentimento livre) ou em que uma das partes é menor ou incapaz de prestar consentimento. Não me parece, pois, correto afirmar que o tabelião não decide, pois sempre terá de desempenhar a sua função de oficial público ao serviço da legalidade, podendo efetivamente recusar a celebração do ato.

4. A escritura pública de união estável, não só pela relevância da vontade dos sujeitos no ato de constituição, cuja formação livre o tabelião deve controlar, a par da ausência de impedimentos, mas também pelos seus efeitos jurídicos, em tudo semelhantes aos do casamento (cfr. artigos 1724.º e 1725.º do código civil brasileiro), inclusive nos efeitos sucessórios (cfr. decisão do STF, de 10-05-2017), não pode deixar de conter uma decisão de uma entidade pública sobre direitos privados suscetível de ser objeto de um processo de reconhecimento e de revisão de sentença estrangeira.

5. A preocupação da doutrina e da jurisprudência brasileiras com a proteção das meras situações de facto (não sendo por isso condição necessária a escritura pública para se receber a proteção legal) está relacionada com a circunstância de no Brasil haver situações de união estável, sem que os companheiros outorguem escritura pública, por desconhecimento, e que precisam de medidas de solidariedade familiar e de apoio social.

6. Ademais, tudo o que no projeto se afirma sobre a escritura de união estável não ser condição suficiente para a constituição da união de facto prende-se afinal com a circunstância de uma escritura de união estável, como qualquer outra escritura pública, poder ser impugnada judicialmente por falsidade, sem que isso lhe retire a força probatória plena na falta (ou na improcedência) da impugnação.

7. Julgo também ser incoerente a posição do projeto de admitir, por um lado, que, nas separações consensuais ou divórcios por mútuo consentimento (mesmo na separação de facto das pessoas ligadas por uma união estável) existe uma decisão do tabelião sobre direitos privados equiparada a sentença, e, por outro, na escritura de união estável não há qualquer decisão sobre direitos privados. O movimento de desjurisdicionalização das relações familiares, ao tornar possível que as separações e os divórcios consensuais fossem homologados por entidades administrativas, também tornou possível a mesma opção legislativa para a constituição da união de facto, não havendo razões objetivas para admitir uma analogia, no primeiro caso, com uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro, e no segundo, recusar essa equiparação. Em minha opinião, com todo o respeito, a única diferença está nos requisitos das figuras (separação/divórcio consensual e união estável), porque uma modifica ou extingue uma relação familiar, sendo maior a intervenção do Estado (p. ex. pode haver património comum a dividir e obrigações de alimentos) e outra constitui uma relação familiar, havendo que averiguar a liberdade do consentimento e a ausência de impedimentos. Mas não se configura qualquer motivo objetivo para diferenciar o regime jurídico das duas figuras no que diz respeito à sua suscetibilidade de um processo de revisão de sentença estrangeira.

Entendo, portanto, que se verifica, em ambos os casos, uma decisão homologatória sobre direitos privados equiparável a uma sentença. 

8. Pelo exposto, subscreveria o seguinte segmento uniformizador:

“Uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é suscetível de ser revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e seguintes do Código de Processo Civil, pois contém uma decisão sobre direitos privados emanada de uma entidade administrativa, à qual a lei do país de origem atribui relevância jurídica constitutiva de uma entidade familiar.”.

Maria Clara Sottomayor

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[1] Cf. designadamente António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 695.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 494-495; ou António dos Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 691.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 629: “… o processo vai com vista ao Ministério Público para emissão de parecer, a não ser que este tenha tido intervenção como recorrente ou como recorrido” (sublinhado nosso)

[2] Sobre a interpretação do art. 691.º do Código de Processo Civil, vide por todos Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, cit., págs. 189-190; António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 691.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 486-487; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 691.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 827; ou Luís Filipe Espírito Santo, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, cit., pág. 341.

[3] Cf. designadamente Luís Filipe Espírito Santo, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, cit., pág. 341.

[4] Expressão de António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 688.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 486; ou de António dos Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 691.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 827.

[5] Expressão de Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, cit., pág. 186. [6] Expressão de António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 688.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 486; ou de António dos Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 691.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 827.

[7] Expressão de Luís Filipe Espírito Santo, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, cit., pág. 341.

[8] Sobre a interpretação dos arts. 688.º ss. do Código de Processo Civil, vide por todos José Alberto dos Reis, anotação ao art. 763.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. VI — Artigos 721.º a 800.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1985 (reimpressão), págs. 233-286; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 183-194; Maria dos Prazeres Beleza, “Os meios de uniformização de jurisprudência previsto no Código de Processo Civil de 2013”, in: Jurismat, n.º 14 — 2021, págs. 223-243; António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 688.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 469-491; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 825-826; ou Luís Filipe Espírito Santo, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS / NOVA School of Law, Lisboa, 2020, págs. 333-344.

[9] Concretizando-os, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que, “[p]ara que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito” e que “[o] preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito: [I. —] correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica — não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados; [II.] — têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto; [III.] — a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica”.

[10] Como decorre do respectivo sumário: “Uma ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, outorgada no TABELIÃO DE NOTAS que refere ‘Os contratantes reconhecem expressamente, o fato de estarem vivendo como se casados fossem, desde janeiro de 2005’ e que, ‘Assim o disseram, dou fé, pediram-me e lhes lavrei este instrumento, o qual feito e lido em voz alta, foi achado conforme, aceitaram, outorgam e assinam, juntamente com as testemunhas, a todo ato presentes’, é suscetível de ser revista e confirmada, nos termos dos arts. 978.º e ss. do CPC”.

[11] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, cit., pág. 186: “… afigura-se que o Ministério Público pode interpor o recurso com vista a uniformização de jurisprudência limitando-se a caracterizar o conflito de jurisprudência, não tendo de afirmar que o acórdão recorrido acolhe uma solução ilegal”.

[12] Em sentido contrário, vide António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 691.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, pág. 486 — dizendo que Ministério Público deve alegar a violação da lei que imputa ao acórdão recorrido.

[13] Expressão de Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, cit., pág. 194.

[14] Cf. art. 691.º do Código de Processo Civil.

[15] Cf. art. 695.º, n.º 2, do Código de Processo Civil: “Sem prejuízo do disposto no artigo 691.º”.

[16] Sobre as consequências do art. 228.º da Constituição Federal brasileira para o direito da família, vide, p. ex., Paulo Luiz Netto Lôbo, “Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus”, disponível in: WWW: < https://ibdfam.org.br/artigos/128/Entidades+familiares+constitucionalizadas:+para+além+do+numerus+clausus >.

[17] Cf. designadamente Álvaro Villaça Azevedo, “União estável”, in: Revista do advogado, ano 20.º (2000), págs. 14-28, ou Semy Glanz, “União estável”, in: Revista brasileira de direito comparado, 1991, págs. 71-101.

[18] Sobre a interpretação dos arts. 1723.º a 1727.º do Código Civil brasileiro, vide, por todos, Ricardo Fiúza / Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.), Código Civil comentado, 8.ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2012; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, 17.ª ed., Saraiva, São Paulo, 2014; Álvaro Villaça Azevedo, Curso de direito civil, vol. VI — Direito de família, 2.ª ed., Saraiva, São Paulo, 2019; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, vol. V — Direito de família, 25.ª ed., Saraiva, São Paulo, 2010; Rolf Madaleno, Direito de família, 8.ª ed., Editora Forense / GEN, Rio de Janeiro, 2018; ou Flávio Tartuce, Direito civil, vol. V — Direito de família, Editora Forense / GEN, Rio de Janeiro, 2017.

[19] Como se diz. p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 — processo n.º 47/20.0YRGMR.S1 —, “[o] Código Civil brasileiro de 2002 reconheceu como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família […], conceito que a jurisprudência, através da analogia ou da interpretação extensiva, alargou às uniões entre pessoas do mesmo sexo […]”.

[20] Sobre a definição de simples actos jurídico, vide, por todos, Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1964, pág. 8: “Os simples actos jurídicos são acções humanas lícitas, cujos efeitos jurídicos, embora eventualmente — ou até normalmente — concordantes com a vontade dos seus autores, não são todavia determinados pelo conteúdo desta vontade, mas directa e imperativamente pela lei, independentemente daquela eventual ou normal concordância”.

[21] Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, “A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais”, disponível in: WWW: < https://ibdfam.org.br/artigos/953/A+concepção+da+união+estável+como+ato-fato+jur%C3%ADdico+e+suas+repercussões+processuais >.

[22] Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, “A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais”, cit., n.º 2.

[23] Explicando-se que “a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, junto aos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem” (Álvaro Villaça Azevedo, Curso de direito civil, vol. VI — Direito de família, cit., pág. 240).

[24] Explicando-se que “[e]ssa convivência, como no casamento, existe com continuidade; os companheiros não só se visitam, mas vivem juntos, participam um da vida do outro, sem termo marcado para se separarem” (Álvaro Villaça Azevedo, Curso de direito civil, vol. VI — Direito de família, cit., pág. 240).

[25] Evitando, em todo o caso, fixar-se um prazo mínimo para que a união estável produza efeitos jurídicos (cf. designadamente Álvaro Villaça Azevedo, Curso de direito civil, vol. VI — Direito de família, cit., pág. 240).

[26] Concordando com a qualificação da união estável como acto-facto jurídico, vide p. ex. o acórdão do Superior Tribunal de Justiça de 6 de Agosto de 2019, proferido no recurso especial n.º 1781887 — consultado in: WWW: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859489554/recurso-especial-resp-1761887-ms-2018-0118417-0/inteiro-teor-859489564 >.

[27] Cf. designadamente Flávio Tartuce, Direito civil, vol. V — Direito de família, cit., n.º 5.2 — em que expressamente se diz que “não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste configurada, como a necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento”.

[28] Consultada em WWW: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1660 >.

[29] O art. 4.º da Instrução Normativa n.º 14, de 7 de Janeiro de 2013, é do seguinte teor: “O reconhecimento da união estável está condicionado à comprovação da sua existência mediante: I – declaração firmada pelo requerente, em formulário próprio; II – entrega de, no mínimo, três dos seguintes instrumentos probantes: a) escritura pública declaratória de união estável, feita perante tabelião; b) cópia do imposto de renda acompanhada de recibo de entrega à Receita Federal do Brasil, em que conste o companheiro como dependente; c) disposições testamentárias em favor do(a) companheiro(a); d) certidão de nascimento de filho em comum, ou adotado em comum; e) certidão/declaração de casamento religioso; f) comprovação de residência em comum; g) comprovação de financiamento de imóvel em conjunto; h) comprovação de conta bancária conjunta; i) apólice de seguro em que conste o(a) companheiro(a) como beneficiário(a); j) procuração ou fiança reciprocamente outorgada; k) encargos domésticos evidentes; l) registro de associação de qualquer natureza em que conste o (a) companheiro (a) como dependente; m) qualquer outro elemento que, a critério da Administração, se revele hábil para firmar convicção quanto à existência de união de fato e sua estabilidade”.

[30] Cf. designadamente, na doutrina, Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, Saraiva, São Paulo, 2002, págs. 190-191, ou Rolf Madaleno, “Escritura pública como prova relativa de união estável”, in: Revista brasileira de direito de família, 2004, págs. 80-88 (n.º 2) — disponível in: WWW. https://www.rolfmadaleno.com.br/web/artigo/escritura-publica-como-prova-relativa-de-uniao-estavel > — e, na jurisprudência, os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça brasileiro de 25 de Fevereiro de 2014 — proferido no recurso especial 1299866 DF 2011/0312256-8 — consultado in. WWW: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25015878/recurso-especial-resp-1299866-df-2011-0312256-8-stj/inteiro-teor-25015879 > — e de 30 de Março de 2020 — proferido no recurso especial n.º 1845753-MG e consultado in: WWW: < https://processo.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201903235262&dt_publicacao=01/04/2020 >, em que se confirma uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais dizendo que “a simples existência de uma escritura pública de declaração de união estável é insuficiente para provar que esse tipo de relacionamento ocorreu na realidade”.

[31] O facto de a escritura pública ser admitida como título para o registo da união estável em nada altera a afirmação de que a escritura pública não era e não é nem necessária, nem suficiente para que se constitua a situação jurídica familiar — como explicam Flávio Tartuce / Carlos E. Elias de Oliveira, “esse registro não desfrutava de eficácia constitutiva, porque a constituição da união estável dá-se com a mera presença dos requisitos fáticos do art. 1.723 do CC. A eficácia do registro era apenas declaratória e prestava-se, na prática, a reduzir as dificuldades operacionais dos companheiros em provar a união estável perante terceiros” (“Registro facultativo da união estável no registro civil das pessoas naturais: como ficou após a Lei n. 14.382/2022”, in: WWW: < https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/1640494111/registro-facultativo-da-uniao-estavel-no-registro-civil-das-pessoas-naturais-como-ficou-apos-a-lei-n-14382-2022 >).

[32] O problema pôs-se recentemente a propósito do requisito de que a convivência seja duradoura. O acórdão do Superior Tribunal de Justiça de 6 de Agosto de 2019, proferido no recurso especial n.º 1781887 , pronunciou-se no sentido de que, “apesar de não haver previsão de um prazo mínimo, [o art. 1723.º do Código Civil brasileiro] exige […] que a convivência seja duradoura, em período suficiente a demonstrar a intenção de constituir família, permitindo que se dividam alegrias e tristezas, que se compartilhem dificuldades e projetos de vida, sendo necessário um tempo razoável de relacionamento”. Em concreto, “o relacionamento do casal [tinha tido] um tempo muito exíguo de duração — apenas dois meses de namoro, sendo duas semanas em coabitação —, que não permite a configuração da estabilidade necessária para o reconhecimento da união estável” — com a consequência de que “não há falar em comunhão de vidas entre duas pessoas, no sentido material e imaterial, numa relação de apenas duas semanas”. Embora não houvesse escritura pública, os termos em que está redigido o acórdão sugerem que a declaração dos alegados companheiros, ainda que feita perante tabelião, seria insuficiente para que a convivência se convolasse em duradoura, no sentido do art. 1723. do Código Civil brasileiro.

[33] Paulo Martins de Carvalho Filho — apud Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, cit., pág. 144, ou Rolf Madaleno, “Escritura pública como prova relativa de união estável”, cit., n.º 2.

[34] A recentíssima Lei (brasileira) n.º 14382, de 27 de Junho de 2022, esclarece que a escritura pública não é hoje nem condição necessária nem condição suficiente para o registo da situação jurídica familiar designada de união estável: não é condição necessária, porque pode ser substituída por termo declaratório formalizado perante o oficial de registo civil, e não é condição suficiente, porque o registo da união estável titulada por escritura pública pode ser recusado, p. ex., por não ter sido dissolvido o casamento anterior de algum dos companheiros (cf. art. 94.º-A da Lei n.º 6015, de 31 de Dezembro de 1973, na redacção da Lei n.º 14382, de 27 de Junho de 2022).

[35] Entre as cláusulas típicas do contrato de convivência está a adopção pelos conviventes do regime de comunhão parcial de bens, “não cabendo qualquer outra forma de administração ou entendimento legal que contraria esta mútua declaração”, a determinação do “regime dos bens móveis e imóveis adquiridos pelos conviventes na constância da união”; “a nomeação mútua dos conviventes como responsáveis pela administração de quaisquer bens existentes em seus nomes, em caso de falecimento ou [de] impossibilidade física e mental […] para gerir o património comum”; a “obrigação reciprocamente assumida de se manterem como dependentes junto [de] quaisquer órgãos assistenciais e de seguridade”; ou a obrigação reciprocamente assumida de alimentos, “para a hipótese de dissolução da entidade familiar” [cf., na doutrina, Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, vol. V — Direito de família, cit., págs. 431-432 (nota n.º 32-A); na jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2019 — processo n.º 2032/19.6YRLSB-7 —caracterizando o contrato de convivência em concreto concluído como um “cuidadoso e especificado clausulado que contém em pormenor as regras jurídicas que regulam esta nova célula familiar em múltiplos e bem concretizados aspectos”].

[36] Rolf Madaleno, Direito de família, cit., n,º 17.11.

[37] Rolf Madaleno, Direito de família, cit., n,º 17.11.

[38] Sobre a interpretação do art. 978.º do Código de Processo Civil, vide por todos José Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982 (reimpressão), págs. 156 ss:; António Ferrer Correia, “O reconhecimento das sentenças estrangeiras no direito brasileiro e no direito português”, in: Temas de direito comercial, arbitragem comercial internacional, reconhecimento de sentenças estrangeiras e conflitos de leis, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, págs. 255-295; António Marques dos Santos, “Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior)”, in: Aspectos do novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 105-154; Luís de Lima Pinheiro, “Regime interno de reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 61.º (2001), págs. 561-628; Luís de Lima Pinheiro, Direito internacional privado, vol. III — tomo II — Reconhecimento de decisões estrangeiras, 3.ª ed., AAFDUL, Lisboa, 2019, ou António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 978.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Processo de execução, processos especiais e processo de inventário judicial (arts. 703.º a 1139.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 420-426.

[39] Cf. designadamente António Marques dos Santos, “Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior)”, cit., pág. 105.

[40] Em termos em tudo semelhantes, vide na doutrina Luís de Lima Pinheiro, “Regime interno de reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras”, cit., pág. 567 — “O efeito específico da sentença enquanto acto jurisdicional é o caso julgado” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2019 — processo n.º 559/18.6YRLSB.S1 —, de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 249/18.0YRPRT.S2 — ou de 12 de Novembro de 2020 — processo n.º 95/20.0YRPRT.S1.

[41] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2019, de 21 de Março de 2019, de 9 de Maio de 2019, de 10 de Dezembro de 2019 e de 12 de Novembro de 2020 — processos n.º 106/18.0YRCBR.S1, n.º 559/18.6YRLSB.S1, n.º 828/18.5YRLSB-A.S1, n.º 249/18.0YRPRT.S2 e n.º 95/20.0YRPRT.S1, respectivamente.

[42] O regime da Lei (brasileira) n.º 14382, de 27 de Junho de 2022, confirma-o, ao equiparar a escritura pública ao termo declaratório de união estável perante o oficial de registo civil — como diz, p. ex., Carlos Magno Alves de Sousa, desde a entrada em vigor da Lei de 27 de Junho de 2022, “os companheiros passaram a poder optar pela formalização de termo declaratório de união estável perante o oficial do registro civil ou pela lavratura de escritura pública declaratória de união estável perante o tabelião de notas, ambos os documentos possuindo a mesma natureza jurídica e com a finalidade de tomar a termo as declarações dos interessados acerca da união estável e as suas circunstâncias, tais como data de início da convivência, regime de bens e eventual alteração de nome dos companheiros” (“A disciplina da união estável na lei nº 14.382-2022”, in: WWW: < https://ibdfam.org.br/artigos/1854/A+disciplina+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+na+lei+n%C2%BA+14.382-2022#_ednref2 >).

[43] Cf. Rui Manuel Moura Ramos, “Reconhecimento em Portugal de acto (escritura pública) declaratório de união estável de direito brasileiro”, in. Lex Familiæ. Revista portuguesa de direito da família, ano 18.º (2021), págs. 105-123 (119): “[a] escritura pública [declaratória de união estável] visa […] objectivos a um tempo probatórios e de regulação, mas não envolve qualquer elemento de hetero-determinação, diferentemente do que acontecera na situação sobre que se pronunciou o acórdão de 2013 do mesmo Supremo”.

[44] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2019 — processo n.º 896/18.0YRLSB.S1 —, de 8 de Setembro de 2020 — processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1 — e de 13 de Outubro de 2020 — processo n.º 47/20.0YRGMR.S1.

[45] Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2013 — processo n.º 687/12.1YRLSB.S1 —, de 25 de Junho de 2013 — processo n.º 623/12.5YRLSB.S1 — ou de 9 de Março de 2021 — processo n.º 241/20.4YRPRT.S1 —, em cujo sumário se diz que, “[p]or provir de autoridade administrativa (tabelião ou substituto), a escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo 2º do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal”.

[46] Em termos em tudo semelhantes, para uma escritura público de divórcio prevista no direito brasileiro, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 2020 — processo n.º 136/20.1YRCBR — e, para uma escritura pública de divórcio prevista pelo direito colombiano, a decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2009 — processo n.º 1072/09.8YRLSB-7. [47] Cf. designadamente acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 2403/19.8YRLSB.L1-2 — ou de 21 de Novembro de 2019 — processo n.º 1899/19.2YRLSB-6.

[48] Expressão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 2403/19.8YRLSB.L1-2.

[49] Expressão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 2403/19.8YRLSB.L1-2.

[50] Em termos semelhantes, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2019 — processo n.º 1899/19.2YRLSB-6 —, com a afirmação de que “… a jurisprudência cunhada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto às escrituras de divórcio consensual implica o seu alargamento às escrituras declaratórias de união estável”.

[51] Cf. designadamente Paulo Luiz Netto Lôbo, “A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais”, cit., n.º 5.

[52] Expressão da diferença fundamental entre a escritura pública declaratória da união estável e a escritura pública de dissolução do casamento ou da união estável é o facto de o art. 94.º-A da Lei n.º 6015, de 31 de Dezembro de 1973, na redacção da Lei n.º 14382, de 27 de Junho de 2022, permitir o registo de uma união estável com base em termo declaratório formalizado perante o oficial do registo civil e só permitir o registo da dissolução de uma união estável a partir de uma escritura pública.

[53] Cf. designadamente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2019 — processo n.º 1899/19.2YRLSB-6 —, em cuja fundamentação se escreve que “a evolução do entendimento do que seja decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro, implica já a ultrapassagem da dicotomia intervenção constativa ou performativa do oficial público para exigir uma outra ordem de classificação: — intervenção de oficial público com ou sem repercussão performativa na ordem jurídica em que é prevista e praticada”.

[54] Luís de Lima Pinheiro, “Regime interno de reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras”, cit., págs. 567-568.

[55] Cf. Maria Helena Diniz, anotação ao art. 219.º, in: Código Civil anotado, cit., págs. 288-289.

[56] Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, cit., págs. 190-191.

[57] Rolf Madaleno, Direito de família, cit., n.º 17.11.

[58] Rolf Madaleno, “Escritura pública como prova relativa de união estável”, cit., n.º 2.

[59] Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias,10.ª ed., Revista dos tribunais, São Paulo, 2015, pág. 258.

[60] Em termos em tudo semelhantes, vide Ronan Cardoso Naves, A união estável nas serventias extrajudiciais (dissertação de pós-graduação), Belo Horizonte, 2017, pág. 73, ou Camila Caixeta Cardoso / Marina Araújo Campos Cardoso / Ronan Cardoso Naves, “O tratamento da união estável nos ofícios registrais: características e efeitos”, in: Revista de direito de família e sucessão, vol. 6 (2020), págs. 1-17 (13) — “a escritura pública declaratória de união estável, apesar de não possuir presunção absoluta de veracidade, tem a finalidade de pré constituir prova da existência da união estável, incidindo fé pública sobre a declaração dos companheiros no tocante à convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família”.

[61] Rolf Madaleno, Direito de família, cit., n.º 17.11.

[62] Consultado in. WWW: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25015878/recurso-especial-resp-1299866-df-2011-0312256-8-stj/inteiro-teor-25015879 >.

[63] Luís de Lima Pinheiro, “Regime interno de reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras”, cit., pág. 568.

[64] Cf. acórdão do Superior Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2014 — recurso especial 1299866 DF 2011/0312256-8.

[65] Cf. Rui Manuel Moura Ramos, “Reconhecimento em Portugal de acto (escritura pública) declaratório de união estável de direito brasileiro”, cit., pág. 122 — anotação em que, depois de se exprimir concordância com a decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2019, se explica que “o reconhecimento processual deste documento [da escritura pública declaratória de união estável] se encontra entre nós excluído, não podendo por isso ser considerado, para estes efeitos, equiparável a uma sentença estrangeira”.

[66] O regime da Lei (brasileira) n.º 14382, de 27 de Junho de 2022, reforça-o, ao distinguir o valor de uma escritura pública e o valor de uma sentença transitada em julgado. O § 1.º do art. 94-A da Lei n.º 6015, de 31 de Dezembro de 1973, na redacção da Lei n.º 14382, de 27 de Junho de 2022, determina que “[n]ão poderá ser promovido o registro, no Livro E, de união estável de pessoas casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado”. Ou seja: se a declaração da união estável de pessoas casadas decorrer de sentença judicial transitada em julgado, pode ser inscrita no registo; se a declaração da união estável de pessoas casadas decorrer de escritura pública, não pode ser inscrita. Explicando a distinção entre o valor de uma escritura pública e o valor de uma sentença transitada em julgado, diz-se que a razão para o menor valor da primeira e para o maior valor da segunda está em que a primeira, a escritura pública, não tem e em que a segunda, a sentença, tem a autoridade de coisa julgada: “[não] obstante a existência de algum impedimento matrimonial, pode ocorrer de um juiz reconhecer a união estável. Por exemplo, um juiz reconhece a união estável entre um genro e uma sogra, apesar de tal situação ser considerada um impedimento matrimonial à luz de uma interpretação literal do art. 1.521, inc. II, CC. Nessa ilustração hipotética, o juiz pode ter adotado alguma interpretação teleológica ou ter seguido outro caminho argumentativo no caso concreto. Nessa situação, é forçoso respeitar a autoridade jurisdicional. Nenhum impedimento matrimonial eventualmente existente antes da data da sentença pode ser invocado como obstáculo à união estável, em respeito à autoridade da coisa julgada” (Flávio Tartuce / Carlos E. Elias de Oliveira, “Registro facultativo da união estável no registro civil das pessoas naturais: como ficou após a Lei n. 14.382/2022”, cit., n.º 3).

[67] António Ferrer Correia, “O reconhecimento das sentenças estrangeiras no direito brasileiro e no direito português”, cit., pág. 274.

[68] Em termos em tudo semelhantes, vide Rui Manuel Moura Ramos, “Reconhecimento em Portugal de acto (escritura pública) declaratório de união estável de direito brasileiro”, cit., pág. 119 (nota n.º 54).