Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028728
Nº Convencional: JSTJ00004329
Relator: HORTA E VALE
Descritores: DIFAMAÇÃO
CALUNIA
INJURIA
PROCESSO
RECURSO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195406300287283
Data do Acordão: 06/30/1954
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS DE 10-07-1954; BMJ 43, 350
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 6/1954
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 410 ARTIGO 412.
CPP29 ARTIGO 397 ARTIGO 587 ARTIGO 588 ARTIGO 593 ARTIGO 594 ARTIGO 645 ARTIGO 647 N2 ARTIGO 669.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP PROC4515 DE 1952/03/22.
ASSENTO STJ DE 1950/05/17 IN DG IS 1950/05/25.
Sumário :
No processo regulado nos artigos 587 a 594 do Codigo de Processo Penal não tem aplicação o disposto no artigo 397 do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

Nos presentes autos, o assistente, A, acusou B, ambos identificados, de, por escrito e em cartas particulares, o haver injuriado bem como a outros membros de sua familia, cometendo, sem publicidade, o crime previsto e punivel pelos artigos 410 e 412 do Codigo Penal (folhas 23 e 103).
O digno agente do Ministerio Publico acompanhou a acusação, como se ve de folhas 27 e 115 verso.


O meretissimo Juiz ( folhas 116), apos a deduzida instrução contraditoria, continuou a receber a acusação, mandando cumprir o disposto no artigo 588 do Codigo de Processo Penal para que o arguido contestasse e apresentasse o seu rol de testemunhas.


De tal despacho, por equivalente ao de pronuncia, recorreu o dito arguido para a Relação do Porto com o fundamento de não haver indicios de as expressões incriminadas serem objectivamente injuriosas e de terem sido escritas com "animus injuriandi".


Na Relação e com o fundamento de que a estes processos por difamação, calunia e injuria, como processos especiais e não processos de policia, não e aplicavel o disposto no artigo 397 do Codigo de Processo Penal, foi proferido o douto acordão de folhas 152 que, por tais razões, entrou no conhecimento da materia de fundo do recurso, negando-lhe provimento e mantendo o despacho que recebera a acusação.


Do acordão recorre o excelentissimo Procurador da Republica, nos termos e para os fins do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, com o fundamento de haver oposição entre esse acordão de folhas 155 com outros acordãos proferidos por aquele Tribunal e, nomeadamente, com o de 22 de Março de 1952 respeitante ao recurso n. 4 515 da primeira Secção e de que juntou copia.


E, doutamente minutado a folhas 176, formula as seguintes conclusões: a) O acordão recorrido, acatando a jurisprudencia dos Tribunais Superiores, decidiu, e bem, que o artigo 397 do Codigo de Processo Penal, não e aplicavel no processo especial por difamação, calunia e injuria; b) Esta em flagrante oposição com outro acordão proferido no mesmo Tribunal; c) Deve fixar-se jurisprudencia no sentido de que, realmente, a tais processos, não e aplicavel o citado artigo 397.


Ingressando o recurso neste Tribunal para seguir os termos do recurso para Tribunal Pleno, o ilustre Ajudante do Procurador-Geral pronuncia-se no sentido de que ha oposição entre os dois enunciados acordãos, sobre a mesma questão de direito.


Para verificação do conflito jurisprudencial, reuniu a Secção Criminal, proferindo o seu acordão de folhas 204 onde se decidiu que, na verdade, a oposição existia, pois os dois acordãos, diferentemente e contraditoriamente, decidiram a mesma questão de direito.


Seguindo o recurso seus termos, pelo magistrado referido foi apresentado o douto e proficiente parecer de folhas 208 onde conclui que: a) Nos processos especiais por difamação, calunia e injuria, o recurso para a Relação do despacho equivalente ao de pronuncia, não sofre as limitações do artigo 397 do Codigo de Processo Penal; por isso, b) O acordão recorrido, julgado nessa conformidade, deve ser confirmado e c) Deve proferir-se assento donde conste a materia decisoria e conclusiva do referido acordão.


Tudo visto:


Como facilmente se ve dos autos e do relato feito, suscita-se a questão de saber se, no processo especial por difamação, calunia e injuria, regulado nos artigos 587 a 594 do Codigo de Processo Penal, e ou não aplicavel a limitação preceituada no artigo 397 do citado Codigo, no que respeita ao recurso para a Relação do despacho equivalente ao da pronuncia, que e o do artigo 588 do mesmo Codigo.


Segundo decorre do acordão, que reconheceu a oposição, duas teses se apresentam.
Uma, que e a do referenciado acordão de 22 de Março de 1952, trasladado por copia a folhas 166, sustentando a aplicabilidade do artigo 397 com os fundamentos de que, sendo o processo de policia a forma processual que mais se aproxima e mais se adapta aquele processo especial, aplicando-se ate expressamente, as suas normas, na fase do julgamento, deverão as restantes normas peculiares daquele processo de policia observar-se nos casos omissos e que no dito processo especial dos artigos 587 e seguintes não tiverem especial tratamento e regulamentação.


Outra tese, que e a do acordão recorrido, opta pela inaplicabilidade do referido artigo 397, sustentando que no processo especial do artigo 587 so ao julgamento e termos ulteriores se aplicam as normas do processo de policia em tudo o que não estiver expressamente regulado ( artigo 593).
Por isso, respeitando o artigo 397 não a fase do julgamento mas a fase da acusação, não deve aplicar-se para limitar um recurso que, segundo as regras gerais, e normalmente amplo.


Acresce, alem disso, que havendo lacunas na lei devem ser supridas com disposições de caracter geral e não com preceitos de ordem excepcional como e o citado artigo 397.


E manifesta a oposição entre as duas teses e patente o conflito doutrinal entre os dois acordãos, sobre a mesma questão de direito e no dominio da mesma legislação, sendo de presumir o transito do acordão apresentado para documentar tal oposição.


Verificam-se os pressupostos legais para se decidir o conflito e alcançar uma decisão unitaria sobre materia de vasta projecção e grande importancia visto respeitar a uma maior ou menor amplitude dum recurso em que a regra geral e a da impugnabilidade da decisão.


Lavrou fundo a divergencia não so naquela Relação como nas outras.
Uma e outra tese são defensaveis; mas revendo a materia a luz do velho principio de hermeneutica juridica de que, em caso de duvida, os recursos são de ampliar e não de restringir, e de entender que tem melhor amparo legal a tese da inaplicabilidade do artigo 397.


Criou o Codigo de Processo Penal (Titulo VII) varios processos especiais e, entre eles, o dos artigos 587 a 594 para os crimes de difamação, calunia e injura.


Regulamentando esse processo, não definiu norma especial o caso de recurso do despacho do artigo 588 equivalente ao despacho de pronuncia por força do assento de 17 de Maio de 1950.


Por outro, so manda aplicar as disposições peculiares do processo de policia ao "julgamento e termos ulteriores e em tudo o que não for especialmente regulado neste capitulo" conforme reza o artigo 593.
Ora e inegavel que o despacho do artigo 588, que recebe a acusação, não respeita ao julgamento e seus termos.


Se tal despacho não respeita a actos de julgamento, não são de aplicar aos seus efeitos, em materia de recursos, preceitos especiais do processo de policia e muito menos preceitos excepcionais e restritivos da regra geral que e a impugnabilidade das decisões proferidas.


Portanto, ha que extrair daqui dois argumentos relevantes para reforçar a tese da não aplicação do artigo 397:


1 - E patente que a sua aplicação estaria deslocada desde que a lei so manda observar as normas do processo de policia na fase do julgamento e não na fase da acusação.


2 - E sempre arriscado e contrario aos principios, aplicar uma disposição de caracter excepcional e de natureza restritiva a um caso omisso ou pretensamente omisso que bem pode encontrar o seu tratamento nas disposições de caracter geral que bem poderão ser as dos artigos 645 e 647, n. 2, do Codigo de Processo Penal.


Por esta forma se alcança o dominio dos mais razoaveis principios de direito.
Em materia de recursos e em casos de duvida, deve a interposição facilitar-se e não restringir-se.


Na falta de disposição expressamente reguladora de um recurso, devem ser aplicadas as normas gerais e não as normas especiais e muito menos as normas excepcionais e restritivas.


Pelas expostas razões e invocados fundamentos se mantem a jurisprudencia do acordão recorrido, nestes autos proferido, lavrando-se o seguinte Assento:


" No processo regulado nos artigos 587 a 594 do Codigo de Processo Penal, não tem aplicação o disposto no artigo 397 do mesmo diploma".
Sem imposto de justiça.


Lisboa, 30 de Junho de 1954

Horta e Vale (Relator) - Jaime Tome - A. Bartolo - Manuel Malgueiro - Roberto Martins - Jaime de Almeida Ribeiro -
A. Baltasar Pereira - Lencastre da Veiga - Sousa Carvalho
- Beça de Aragão - Filipe Sequeira - Campelo de Andrade
- Jose de Abreu Coutinho - Julio M. de Lemos - Piedade Rebelo.