Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1181/12.6JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FINS DAS PENAS
FUNDAMENTAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PENA ÚNICA
REQUISITOS DA SENTENÇA
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
Data do Acordão: 11/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / DIREITOS DE PERSONALIDADE - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA DA PENA - INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS.
Doutrina:
- CESARE BECARIA, Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38.
- EDUARDO CORREIA, “Para Uma Nova Justiça Penal”, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, § 56, § 278, pp. 211, 215, 290-292; Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, pp. 84, 117, 118, 121; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss..
- MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 18ª ed, p. 295, nota 5.
- PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, “Código Civil”, Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p. 501.
- VAZ SERRA, in RLJ, 113º-96.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 483.º, N.º1, 494.º, 496.º, 562.º, 564.º, 566.º, N.ºS 1 E 2, 569.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º E SS., 400.º, N.º1, AL. B).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N,ºS 1, 2, E 3, 129.º, 171.º, N.ºS 1 E 2,
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º2, 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
-DE 13-03-1986, CJ, 1986, TOMO II, P.233.
-*-
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
- 16/12/2009, PROCESSO Nº. 48/07.4GAAMM.P1.
-*-
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-4-1991, AJ, 18º, 6
-DE 16-12-1993, CJ (STJ), 1993, TOMO III, P. 181
-DE 11-09-1994, CJ (STJ), ANO II, TOMO III,1994 P. 92
-DE 01.04.1998, CJ (STJ), ANO VI, TOMO II, P. 175
-DE 29-11-2001, PROC. N.º 3434/01; DE 08-05-2003, PROC. N.º 4520/02; DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04 E DE 24-11-2005, PROC. N.º 2831/05, TODOS DA 5.ª SECÇÃO.
-DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04, RESPECTIVAMENTE, AMBOS DA 3ª SECÇÃO
-DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04 E DE 3-7-2008, PROC. N.º 1226/08 , AMBOS DA 5ª SECÇÃO
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 2555/06, 3ª SECÇÃO
-DE 07-12- 2006, PROC. N.º 3053/06 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 18-12-2007, IN WWW.DGSI.PT
-DE 09-01-2008, PROC. N.º 3177/07, 3ª SECÇÃO
-DE 06-02-2008, PROC. N.º 4454/07
-DE 05-11-2008, PROC. N.º 3266/08, 3.ª SECÇÃO
-DE 14-01-2010, CJ (STJ), 2010, TOMO I, P. 189.
Sumário :

I - A concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, de modo a evitar que a medida da pena do concurso surja como um acto intuitivo, da ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário.
II - Aliás, estabelece o n.º 3 do art. 71.º do CP que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
III -A determinação da pena do cúmulo exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
IV -O arguido foi condenado como autor material de 6 crimes de abuso sexual de crianças (3 do n.º 2 e outros 3 do n.º 1 do art. 171.º do CP), em 2 penas parcelares de 4 anos e 6 meses de prisão, em 2 penas parcelares de 3 anos e 6 meses de prisão, em 1 pena parcelar de 4 anos e 3 meses de prisão e em 1 pena parcelar de 4 anos de prisão.
V - A actividade criminosa expressa pelo número de infracções não revela permanência habitual no tempo, nem dependência de vida em relação àquela actividade, que terá resultado de mera pluriocasionalidade, favorecida pelas circunstâncias, mas denota necessidade de um processo de socialização e de inserção, na dissuasão da violação das normas constitutivas do bem jurídico ofendido.
VI - Tendo também em consideração que o arguido tem 85 anos e não tem antecedentes criminais, considera-se adequada a pena única de 9 anos de prisão.
VII - A indemnização por danos não patrimoniais, para responder ao comando do art. 496.º do CC e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de compensação.
VIII - Tendo em conta a idade dos menores aquando do início dos abusos sexuais (7 e 6 anos), a natureza destes e o tempo em que perduraram (cerca de 1 ano e cerca de 1 mês) e as consequências havidas e sentidas (o primeiro menor demonstra isolamento, apresenta-se muito passivo e tem dificuldades em se concentrar, em memorizar, não tem capacidade de iniciativa e é hesitante; o segundo menor apresenta grande agressividade, faz ameaças de morte e de fuga, urina na cama e é uma criança revoltada e conflituosa;), mostram-se adequadas as indemnizações arbitradas de € 50 000 e de € 40 000.


Decisão Texto Integral:

                                       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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Nos autos de processo comum nº 1181/12.6.JAPR da Comarca de São João da Pesqueira:, foi submetido a julgamento em tribunal colectivo, o arguido: AA, viúvo, agricultor (reformado), filho de ..., nascido em ..., natural da freguesia de ..., concelho de ..., aí residente, na Rua ..., actualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no E.P.R. de Lamego, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público que lhe imputava a prática, em autoria material e em concurso real de:

            - 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, na pessoa do menor BB, p. e p. pelo art. 171º, sendo dois dos crimes pelo n.º 2 e dezoito pelo nº. 1, do Código Penal;

            - 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, na pessoa do menor DD, p. e p. pelo art. 171º, n.º 1 do Código Penal.


CC, viúva, residente na Rua ..., em ..., mãe dos ofendidos BB e DD, constituiu-se assistente, aderindo à acusação pública e deduziu, por si e na qualidade de legal representante daqueles seus filhos, pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência da actuação do arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento das seguintes quantias:
            a) €200,00 (duzentos euros), à demandante, por si, a título de danos patrimoniais;
            b) €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ao menor BB e de €100.000,00 (cem mil euros) ao menor DD, em ambos os casos, a título de danos não patrimoniais;
            c) €50.000,00 (cinquenta mil euros), à demandante, a título de danos não patrimoniais, por si sofridos,
Quantias essas acrescidas de juros de mora, a contar da notificação para contestar o pedido ou do trânsito em julgado do acórdão a proferir;
E, ainda, a pagar os demais danos que se verificarem e provarem atenta a prova a produzir, mormente danos futuros, a fixar equitativamente ou em liquidação de sentença.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, tendo, ao abrigo do disposto no artigo 358º, nºs. 1 e 3, do C.P.P., sido comunicada ao arguido a alteração não substancial e da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação,  tudo conforme consta das actas da audiência.

Por acórdão de 22 de Julho de 2013, o  tribunal colectivo proferiu a seguinte:

“III - Decisão

            Por todo o exposto e em conformidade, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar parcialmente procedentes, por provados, a acusação e o pedido cível e, em consequência:

a) Absolver o arguido AA de dezassete dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo nº. 1 do artigo 171º do C.P. [em virtude dos actos praticados pelo arguido subsumíveis à previsão desse normativo e no que concerne ao menor BB terem sido unificados e reconduzidos à figura do crime de trato sucessivo];

b) Condenar o arguido AA como autor material e em concurso real de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças, sendo três p. e p. pelo nº. 2 do artº. 171º do C.P. e três p. e p. pelo nº. 1 do artigo 171º do C.P., nas penas parcelares respectivas de:

         . 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

            . 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

            . 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;

            . 4 (quatro) anos de prisão;

            . 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; e

            . 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

            c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares mencionadas na al. b), condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) Condenar, ainda, o arguido/demandado a pagar:

- Á demandante CC, a quantia de €200,00 (duzentos euros), a título de indemnização por danos patrimoniais;

- Aos ofendidos/menores BB e DD, representados por sua mãe, as quantias, respectivamente, de €50.000,00 (cinquenta mil euros) e de €40.000,00 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento;

- O montante que se vier a fixar em decisão ulterior, a título de indemnização por danos futuros, nos termos do disposto no artº. 564º, nº, 2, parte final, do C. Civil, designadamente, com os gastos que venham a ser suportados decorrentes da necessidade de acompanhamento especializado, psicológico e/ou psiquiátrico, que os menores/ofendidos venham a ter.

e) Absolver o arguido/demandado do demais peticionado pela demandante;

f) Mais, condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s (cf. artºs. 513º, nºs. 1 e 2, 514º, nº. 1, ambos do C.P.P. e artº. 8º, nºs. 4 e 5 e Tabela III do R.C.P.);

            g) Custas cíveis pelo arguido/demandado e pela demandante, na proporção do decaimento (cfr. artº. 446º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., aplicável ex vi do artº. 523º, nº. 2, do C.P.P.), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

Após trânsito em julgado da presente acórdão:

- Remetam-se boletins à DSIC;
         - Comunique-se ao TEP e ao EP onde o arguido se encontra preso, para os competentes efeitos.

- Caso se mantenha a aplicação ao arguido de prisão igual ou superior a 3 anos, deverá proceder-se à recolha de ADN, nos termos do disposto na Lei nº. 5/2008, de 12 de Fevereiro (diploma que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).”

-

Inconformado. Recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

“1.º Com este recurso o recorrente apenas pretende pôr em causa o teor do acórdão condenatório na decisão da matéria de direito, no tocante à determinação da medida concreta da pena e também ao montante indemnizatório fixado.

2.º Na verdade a moldura penal aplicada ao recorrente e que reconduz a uma pena de prisão efectiva de dez anos e seis meses, afigura-se desajustada e elevada.

3.º Na prática, não foram devidamente atendidas as condições pessoais do agente e a sua situação económica e não revestiram uma importância eficaz na determinação concreta da pena.

4.º A perspectiva de ressocialização e regeneração do recorrente, finalidade também fulcral da aplicação de uma pena, exige um cuidado extremo no seu doseamento.

5.° O tribunal " a quo" não valorizou em justa medida as circunstâncias com valor atenuante que se verificam no caso, nomeadamente:

- a confissão do Arguido, as circunstâncias de vida, a pouca instrução, o arrependimento, o facto de ser primário, o comportamento anterior e posterior aos factos e a idade actual do Arguido - 85 anos. 

6.° A confissão dos factos pelo Arguido deveria ter sido considerada atenuante não só por contribuir para a descoberta da verdade, como ainda por representar a assumpção do acto e a correspondente atitude de arrependimento.

7.° Pelo que conjugando as circunstâncias com valor agravante com aquelas que têm um efeito atenuante, verifica-se que a pena a que foi condenado o Arguido é demasiado severa.

8.° Pelo que deve ser fixada a medida da pena em obediência ao plasmado nos artigos 71° e 77° do C. P.. tendo-se em devida atenção as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do Arguido.

9,° Fixando-se então a pena junto dos limites mínimos, da respectiva moldura abstracta, e com isso, reduzir-se a pena única resultante, igualmente para junto dos limites mínimos da respectiva moldura abstracta, o que ora se peticiona.

10. ° Caso assim não se entenda, ainda assim deverá, igualmente, ser reduzida a concreta pena única a aplicar em cúmulo ao Arguido, porque a que lhe foi fixada de dez anos e seis meses de prisão é manifestamente exagerada.

11.° Os factos dados como provados justificam a diminuição da necessidade da pena, impondo, assim a aplicação de uma pena de duração, substancialmente mais curta do que aquela que lhe foi decretada.

12.º A determinação da pena é feita essencialmente atendendo à culpa do agente, o que impõe uma retribuição justa, sem esquecer a ilicitude, as exigências de prevenção geral, as exigências do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente, e demais circunstâncias que deponham a favor e contra o mesmo.

13.ª Ponderando as circunstâncias concretas de vida e personalidade do Arguido e a sua idade avançada de 85 anos, não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa do arguido in casu, nunca justificariam a concreta pena de prisão que lhe foi aplicada.

14º Ao não decidir assim, violou o douto Acórdão recorrido, o disposto nos artigos 40°, 71° e 77° do C.P., impondo-se a revogação do douto Acórdão recorrido quanto à medida da pena de prisão aplicada, reduzindo-se esta, que se roga seja fixada próximo do limite mínimo da moldura abstracta.

15.º Por outro lado, o Tribunal " a quo" ao fixar o montante indemnizatório a pagar aos menores não teve em consideração as circunstâncias referidas no art. 494° do Código Civil.

16.° E desta forma, violou o disposto no artigo 496 n.º 3 do C.C.

17.º Assim, na formação do juízo de equidade, deve o Tribunal ter em conta as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida e ainda as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.

18.º No caso concreto, não resulta com clareza a formação desse juízo de equidade pelo Tribunal "a quo", não restando dúvidas de que o valor arbitrado é manifestamente exagerado.

19.º Até porque a situação económica e pessoal do Arguido (vertida nas alínea hh)f jj), kk) e nn) dos facto provados) não lhe permite pagar tal montante.

20.º Pelo que o valor arbitrado pelo Tribunal lia quo" deve ser revalidado, pedindo-se a formação do juízo de equidade que tenha em consideração as regras impostas. devendo V. Ex.cia arbitrar aos menores uma indemnização ajustada aos factos e à condição económica do Arguido vertida na alínea nn) da matéria de facto dada como provada.

 

No provimento do recurso interposto pelo recorrente, deve pois, por violação do disposto nos artigos 40°, 71°e 77° do C.P., e ainda nos artigos 496 a 494 do C. Civil, o Couto Acórdão ser revogado e substituído por outro nos termos sobreditos, alterando-se a medida concreta das penas parcelares e o cúmulo jurídico operado, bem como a medida do• montante indemnizatório aos menores, assim se cumprindo a lei e promovendo a tão acostumada JUSTICA


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Respondeu a Exma Procuradora da República à motivação de recurso, no sentido de que “Face à matéria de facto dada como provada, a qual se encontra devidamente fundamentada e justificada a prova que lhe serviu de suporte, entendemos que o Tribunal «a quo» não podia deixar de condenar o recorrente, como condenou.

Termos em que, Vossas Excelências, como decidirem, farão Justiça.”


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Também a assistente respondeu à motivação do recurso, no sentido de não provimento deste, “dada a inabalável fundamentação do acórdão em crise em face do caso concreto.”

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Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde refere:
2 - Do mérito do recurso:

Emitindo parecer[1], como nos cumpre, cabe dizer que nos louvamos na resposta apresentada pela magistrada do Ministério Público junto da 1.ª Instância[2], posto que nos permitamos, não obstante, o aditamento das observações complementares seguintes:

2.1 – Quanto às penas parcelares:

Liminarmente, e tendo em conta que, mesmo não sendo objecto de controvérsia, sempre a questão caberia, nesta sede, nos poderes, oficiosos, de cognição deste Tribunal, cabe sublinhar que, tal como o recorrente, também a nós se nos afigura não merecer reparos a qualificação jurídica dos factos operada pela 1.ª Instância: A nosso ver, e aqui sem qualquer dissídio, o acervo factual apurado, aqui já insusceptível de reexame, preenche com efeito, com o decidido, a prática, em concurso efectivo, de 6 crimes de abuso sexual de crianças, três deles da previsão do n.º 2 do art. 171.º do Código Penal, e os outro três da previsão do n.º 1 do mesmo normativo.

No apontado quadro, e não ignorando a clivagem[3] da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão, cumpre começar por evidenciar que acompanhamos também a orientação firmada, entre outros, no Acórdão de 18-11-09, publicado na CJ (STJ), 2009, Tomo III, pág. 228, no sentido de que, citamos, «o STJ tem competência para conhecer dos recursos relativamente a condenações de penas unitárias superiores a 5 anos, mesmo que cada uma das respectivas penas parcelares sejam inferiores a esse limite. Ainda que essas penas parcelares não excedam os 5 anos de prisão, os mesmos podem ser objecto de recurso para o STJ, desde que a pena única aplicada e daí resultante seja superior a esse limite».

A ser acolhida, pois, esta dimensão normativa, e a sindicar-se assim, nesta Instância, a medida concreta das penas parcelares aplicadas, dir-se-á então que, a nosso ver, não assiste qualquer razão ao recorrente. Atentos os fundamentos aduzidos na decisão impugnada, e tendo em atenção quer os critérios legais ao caso convocáveis (arts. 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal), quer a moldura penal abstracta correspondente a cada um desses crimes, nenhuma censura nos merece a dosimetria concreta de qualquer uma das reacções criminais fixadas.

Sustenta o recorrente que a decisão impugnada não teria valorado suficientemente, entre outras circunstâncias, a sua confissão, as circunstâncias da sua vida, a pouca instrução, o arrependimento demonstrado, o facto de ser primário e a sua idade actual – 85 anos.

Tal crítica é, porém, de todo infundada. Isto desde logo porque, por um lado não está provada nem a confissão, que foi apenas parcial, nem o arrependimento, porque não revelou ter interiorizado a gravidade e censurabilidade da sua conduta, contextualizando os acontecimentos no âmbito do que apelida de “brincadeiras de crianças”, e por outro lado, bem ao contrário do que sustenta, o tribunal não deixou de sopesar, nesta sede, todas as circunstâncias que ora convoca, sendo que, como se disse na decisão, a ausência de antecedentes criminais tem aqui diminuto significado, atento o tipo de crime, e a idade do arguido, apesar de provecta, não o coibiu de satisfazer os seus instintos libidinosos com a adopção de um comportamento desrespeitador dos mais elementares direitos de autodeterminação sexual de cada um dos ofendidos, crianças de 6 e 7 anos de idade. E convirá não esquecer ainda, como parece querer fazer o recorrente, o peso concreto, muito significativamente elevado, das circunstâncias, apuradas na decisão, que depõem contra si.

            Ora, nos termos do art. 71.º do Código Penal, a pena concreta é de fixar em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.

            Por sua vez, o art. 40.º do mesmo corpo normativo estabelece que as penas visam assegurar a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

            As penas têm, pois, uma finalidade essencialmente preventiva, geral e especial, visando satisfazer as exigências comunitárias de repressão do crime, posto que, bem entendido, sem prejuízo dos interesses da reintegração social do delinquente. Mas essas exigências têm um limite, estabelecido pela culpa do agente, que deriva da necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa desse agente do crime.

            Dentro destes pressupostos de carácter geral, a pena terá de fixar-se de acordo com os factores indicados no n.º 2 do citado art. 71.º do CP, os quais são de classificar em três grupos: referentes à execução do facto — [alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo] –; relativos a personalidade do agente — [alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta licita] –; e finalmente factores relativos a conduta anterior ou posterior ao crime — [alínea e)].

            Analisando, neste quadro, os factos provados, sobressai imediatamente a elevada ilicitude e culpa do arguido. Na verdade, os comportamentos ilícitos perduraram ao longo de cerca de 11 meses, em relação ao ofendido BB, e de cerca de 1 mês, em relação ao seu irmão DD, aproveitando o arguido o ascendente que lhe adveio da relação de proximidade e confiança estabelecida com a mãe dos menores e come estes, que eram órfãos e carecidos de meios de subsistência, e da proximidade daí adveniente. O grau de desrespeito pelos deveres de protecção e até de guarda dos menores, que ficavam sozinhos consigo enquanto a mãe ia trabalhar, é muito intenso, como o é igualmente o dolo com que agiu.

            Sendo, por outro lado, pouco relevantes as circunstâncias que convoca a seu favor, a verdade é que, como vimos, elas não deixaram de ser devidamente sopesadas pelo Tribunal, só por via delas se podendo compreender até que, dentro da moldura abstracta correspondente a cada um dos crimes cometidos – prisão de 3 a 10 anos e de 1 a 8 anos, respectivamente – tenha fixado as penas claramente na metade inferior de cada uma das respectivas molduras penais abstractas, no primeiro caso mais próximo até do seu limiar mínimo [3 anos] do que do ponto médio [6 anos e 6 meses de prisão]; e no segundo num ponto equidistante entre o limiar mínimo [1 ano] e o ponto médio [4 anos e 6 meses].

            Acresce que, como bem concluiu o aresto recorrido, mesmo a total falta de antecedentes criminais não tem, no domínio da criminalidade sexual, um valor especialmente relevante.

Por outro lado, e noutra perspectiva, permitimo-nos enfatizar ainda, quanto à questão da idade do arguido, que esta não configura, como é evidente, qualquer circunstância modificativa da moldura penal nem confere ao agente um estatuto de impunidade, ou semi-imputabilidade, pela prática de qualquer facto ilícito típico, mormente de crimes tão graves como são os de abuso sexual de crianças, onde está em causa a ofensa de um bem jurídico de grande valor e cuja preservação muito reclama a sociedade portuguesa actual. E se é certo que o “factor idade”, associada à esperança de vida, é de considerar como um dos elementos a atender para a graduação da pena concreta, ele não constitui no entanto, de todo, nem o único, nem o mais importante factor para tanto relevante, havendo que atender a todos os demais, que a 1.ª instância sobejamente apreciou e dilucidou, como decorre, aliás, da respectiva fundamentação de direito.      

            Por ultimo, há que dizer que, quer por razões de prevenção especial, decorrentes desde logo do perfil psicológico do arguido, mormente nos segmentos espelhados na decisão de facto proferida, quer de prevenção geral, estas decorrentes por um lado do inequívoco sentimento de repulsa da comunidade perante os abusos sexuais praticados dentro do ambiente familiar e/ou equiparado, e por outro também da forte incidência da criminalidade de índole sexual com crianças na sociedade portuguesa actual e do alarme social que lhe está hoje associado [tudo a impor especiais necessidades de defesa do ordenamento jurídico e de tutela dos sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, que urge assegurar e satisfazer], estamos em crer não se justificar qualquer intervenção correctiva nesta sede, sendo que, como o Supremo Tribunal vem dizendo – no acolhimento aliás dos ensinamentos de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197] –, em recurso de revista não é de sindicar o quantum exacto das penas, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção manifesta da quantificação efectuada. Não sendo, a nosso ver e nos termos supra expostos, este o caso, não cremos que se justifique aqui qualquer intervenção correctiva da medida da pena aplicada.

*

2. 2 – Medida da pena do concurso:

Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstracta aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

O que vale por dizer, pois, que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente. Isto é, e como ensina Figueiredo Dias[4], «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique».

A esta luz, e descendo agora ao caso dos autos, há que começar por evidenciar que o arguido foi condenado pelos seis crimes aqui em equação no âmbito do mesmo processo, tendo a pena única sido determinada logo em seguida à fixação de todas as pena singulares. E como meridianamente decorre da fundamentação da decisão recorrida em sede de determinação da medida da pena, o tribunal “a quo”, depois de ter desenvolvido uma fundamentação adequada para a determinação das várias penas concretas aplicadas, expendeu também logo de seguida, para efeitos de cúmulo, e posto que de forma muito sucinta, articuladas e ponderadas considerações sobre a totalidade dos factos perpetrados e sobre a idade e personalidade do arguido – [ponto “2.4.2. Da opção e medida de pena”], o que tudo redunda em fundamentação da pena conjunta.

Nesta última sede, e como bem ponderou o tribunal, há que considerar que o “ilícito global” – constituído por seis crimes de abuso sexual de crianças, três da previsão do n.º 1 do art. 171.º do CP e outros tês da previsão do n.º 2 do mesmo preceito, cometidos num período de quase um ano quanto a um dos ofendidos, e cerca de 1 mês quanto ao outro, e no interior da residência do arguido, onde facilmente conseguiu ter os ofendidos à sua disposição devido à relação de proximidade e confiança que conseguiu antes granjear junto da respectiva progenitora, não pode deixar de assumir uma gravidade acentuada, denotando um considerável desvio em relação aos valores fundamentais da vida comunitária e revelando por parte do arguido uma personalidade potencialmente perigosa para a ordem jurídica, indiciadora de alguma falta de assimilação dos valores fundamentais da comunidade, especialmente na área dos bens jurídicos de carácter pessoal.

Não pode ignorar-se a confissão, mas apenas parcial e, como se provou, sem interiorização nem da gravidade nem da censurabilidade da sua conduta [o mesmo é dizer sem arrependimento]; o facto de ser delinquente primário e a idade do arguido, tal como ainda o seu actual enquadramento social e económico[5]. Mas tudo isso foi levado em conta na determinação das penas singulares que, como vimos, foram genericamente fixadas entre o limiar mínimo e médio de cada uma das respectivas molduras penais abstractas.

Neste quadro, tendo em conta que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 24 anos e 3 meses de prisão [soma de todas as penas parcelares], estamos em crer que a pena fixada – 10 anos e 6 meses – se mostra ajustada à gravidade do ilícito global, já devidamente salientada, e à personalidade revelada pelo arguido na sua referência à totalidade dos crimes, não se nos afigurando muito elevada em face quer daqueles limites e das exigências de prevenção, quer da medida da culpa, enquanto englobadas naquele totalidade.

2.2.1 – Admitimos no entanto[6], sopesando ainda nesta sede – aliás na esteira da própria decisão recorrida –, como atenuante de carácter geral, bem entendido, a idade do arguido – ao tempo dos crimes com 84 anos, e hoje com 85 –, que possa ser ponderada uma ligeira redução da pena unitária do concurso, de todo o modo, e neste eventual exercício, na nossa óptica para medida a fixar entre os 8 anos e 6 meses e o 9 anos de prisão

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3 – TERMOS EM QUE, e sem prejuízo da ponderação, acima proposta em 2.2.1, sobre a pequena redução da pena única do concurso, se emite parecer no sentido de que, na improcedência do recurso, é de confirmar, quanto ao mais, o veredicto condenatório proferido. “

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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP

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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

Consta do acórdão recorrido:


II - Fundamentação

2.1. Factos provados
Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:
a) Os menores BB, nascido 06/08/2004 e DD, nascido a 03/06/2006, são filhos da ora assistente CC e de EE, o qual faleceu em 29/05/2009.
b) Após o falecimento do progenitor dos menores, estes foram sinalizados pela CPCJ de ..., em 04/11/2009, tendo sido aberto um processo de promoção e protecção e nesse âmbito aplicada a medida de apoio junto da mãe e acompanhamento pela CPCJ, que se manteve até 28/7/2011, por cessação da medida e o perigo já não subsistir.
c) Desde, pelo menos, 2008 até 06/07/2012, o arguido mantinha com a mãe dos menores BB e DD, uma relação de amizade, que se iniciou, em virtude daquela ter passado a residir com os filhos, relativamente próximo da residência do arguido, tendo inclusive este sido padrinho de casamento da sua filha mais velha e devido.
d) Durante o período temporal mencionado na al. c), o arguido foi ganhando a confiança de CC, mantendo uma relação muito próxima com a mesma, sobretudo após o falecimento do pai dos menores, chegando a emprestar-lhe dinheiro, para que a mesma fizesse face a despesas que tinha, sendo a sua situação económica débil, e, sabendo o arguido que a mesma tinha de trabalhar, por conta doutrem, até tarde, disponibilizou-se para, na sua ausência, tomar conta dos menores BB e DD, o que foi aceite por aquela.

            e) Nessa sequência, passou a ser frequente o arguido, a quem os referidos menores chamavam de “padrinho”, ir buscá-los, em dias da semana, à Escola, e aos fins-de-semana, à residência dos mesmos, e levá-los para a sua casa, sita na Rua ...., em ..., onde os menores passavam algum tempo sozinhos com o arguido e tomavam algumas refeições, vindo depois o arguido a entregá-los, conforme o caso, na Escola ou na residência dos mesmos, ao cuidado da mãe, CC.
f) No período compreendido entre 06/08/2011 – data em que o menor BB completou 7 anos de idade – até 06/07/2012, o arguido aproveitando-se da relação de proximidade estabelecida com a mãe dos menores e com estes, praticou com o menor BB, por várias vezes, em ocasiões em que o mesmo se encontrava na sua (do arguido) residência, actos de natureza sexual e conforme infra se explicitará;
  g) E data não concretamente apurada mas situada entre o dia 03/06/2012 – data em que o menor DD fez seis anos – e 06/07/2012, o arguido praticou com o menor DD, numa ocasião e nas circunstâncias que infra se descreverão, actos de natureza sexual, conforme infra se concretizará, o que reiterou no dia 07/07/2012, nos termos que abaixo se descreverão.
Concretizando:
Em relação ao menor BB:
 h) Nalgumas das ocasiões mencionadas na al. f), após dar a refeição ao menor BB, o arguido conduzia-o ao seu quarto, com o pretexto de irem ver televisão e mais concretamente “os bonecos” – querendo significar os filmes de animação – e uma vez aí, pelo menos, por três vezes, em datas distintas, o arguido introduziu o seu pénis erecto na boca do menor BB, aí o friccionando, sendo que, numa delas o menor BB vomitou, e, em duas dessas ocasiões, o arguido introduziu também, pelo menos, parcialmente, o seu pénis no ânus do menor BB, aí (no interior do ânus) o friccionando.
i) Noutras das ocasiões aludidas na al. f), por diversas vezes, em número não concretamente determinado, nas circunstâncias de lugar e com o pretexto aludidos na al. h) e em datas distintas, o arguido, estando sentado num sofá individual que tinha no quarto e estando o menor BB junto de si, baixava-lhe ou dizia ao menor que baixasse, as calças e as cuecas que vestia e após tendo o arguido o seu pénis desnudado e erecto, encostava-o no ânus do BB, friccionando-o nessa zona.
j) Ainda em outras das ocasiões mencionadas na al. f), por várias vezes, em número não concretamente apurado, nas circunstâncias de lugar e com o pretexto descritos na al. h) e em datas distintas, o arguido mexia e acariciava os órgãos genitais do menor BB e segurando o pénis deste na suas mãos fazia movimentos de cima para baixo, característicos da masturbação, fazendo o menor BB tal tipo de actos relativamente ao arguido, a pedido deste.
k) Aquando da prática dos actos sexuais descritos nas als. h) e i) com o menor BB, o arguido não usou preservativo, tendo o arguido ejaculado, nos actos sexuais descritos na al. h) e, em algumas das vezes, em que praticou os actos sexuais mencionados nas als. i) e j), fazendo-o, quando tal acontecia, isto é quando ejaculava, consoante os casos, nas nádegas do menor, nas cuecas que o mesmo usava ou nas suas (do arguido) mãos, tendo, pelo menos, na situação enunciada na al. h), em que provocou o vómito ao menor BB, o arguido ejaculado, pelo menos, em parte, na boca deste, depositando o restante esperma na sua (do arguido) mão.

            l) Após a prática dos actos descritos nas als. h) a j), e de forma a assegurar continuar a manter para com o menor BB a descrita actuação, o arguido pedia-lhe que não contasse a ninguém o sucedido, e uma das vezes, em data não apurada, ofereceu-lhe aguardente, tendo o referido menor se recusado a bebê-la.
No tocante ao menor DD:

            m) Na primeira das situações mencionadas na al. g), o arguido foi buscar o menor DD à escola e levou-o para a sua residência e, uma vez aí conduziu-o para o seu (do arguido) quarto e, a dada altura, estando o arguido sentado no sofá aludido na al. i), baixou os calções e as cuecas que o menor DD vestia e disse-lhe que virasse o “rabo” para si e que se inclinasse para a frente, o que o menor DD fez e acto contínuo o arguido encostou o seu pénis, erecto, no ânus do menor DD, aí o mantendo durante alguns instantes, até ejacular, o que fez nas cuecas que o menor DD vestia.    

            n) No dia 07/07/2012, pelas 10h50m, o arguido telefonou à ora assistente CC, convidando o menor BB para ir a sua casa almoçar, e como este recusou tal convite, o menor DD ofereceu-se para ir, na vez do irmão, o que o arguido aceitou.

            o) Assim, nesse mesmo dia, por volta das 12h00, o arguido foi buscar o menor DD à casa onde vivia com a mãe, trouxe-o para a sua residência, e após terem ambos almoçado, conduziu-o ao seu quarto, e uma vez aí, o arguido sentou-se no sofá e pediu ao menor para se aproximar de si, “se virar de rabo para ele” e inclinar-se para a frente, o que o menor fez. De seguida, o arguido baixou as calças e as cuecas ao menor e encostou o seu pénis, erecto, no ânus do menor, aí o friccionando, até ejacular, o que fez nas cuecas que o menor DD vestia.

            q) Posteriormente, por volta das 17h:30m, o arguido levou o menor DD à residência deste, e entregou-o à sua mãe.

            r) Também nas duas ocasiões, referidas em m) e o), o arguido não usou preservativo.

            s) No dia 07/07/2012, após chegar a casa, vindo da casa do arguido, ao ser questionado pela mãe, ora assistente CC, sobre o que tinha comido na casa do “padrinho”, ora arguido e sobre o que tinham feito, o menor DD contou à mãe o que o arguido tinha tido para consigo a actuação descrita na al. o), o que deixou a assistente em estado de grande perturbação emocional, questionando, de imediato, o menor BB sobre se o “padrinho lhe tinha feito alguma coisa”, acabando o menor BB por contar à mãe, os actos que o arguido praticara para consigo.

             t) Em consequência da introdução, pelo menos, parcial, do pénis do arguido no ânus do menor BB, nas situações descritas na al. h) e da fricção do pénis do arguido no interior do ânus e nas situações referenciadas na al. i) na zona do ânus, o menor BB ficou com essa região do corpo inflamada, sentindo o menor prurido e dor, nesse local.  

            u) O arguido sabia que os menores BB e DD tinham, na altura, respectivamente, 7 (sete) e 6 (seis) anos de idade,

            v) E sabia o arguido que ao actuar da forma que acima se descreveu, na pessoa dos referidos menores, perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento das respectivas personalidades.
w) Com efeito, introduzir o seu pénis, erecto, na boca e, pelo menos, parcialmente, no ânus do menor BB, nas circunstâncias descritas na al. h), ao encostar e friccionar o seu pénis, erecto, no ânus do menor BB e ao mexer nos órgãos genitais deste, acariciando-os, segurado no pénis do menor, fazendo movimentos de cima para baixo, típicos da masturbação, levando a que o menor BB praticasse o mesmo tipo de actos no arguido, nos termos referenciados na als. i) e j), bem como ao encostar o seu pénis, erecto, no ânus do menor DD, aí o mantendo durante alguns instantes, nas duas ocasiões mencionadas nas als. n) e o), o arguido estava perfeitamente ciente que comprometia, de forma séria, o normal e desejável desenvolvimento da consciência sexual e da personalidade de cada uma dessas crianças.
x) Sabia igualmente o arguido que em função da idade dos menores BB e DD os mesmos não tinham suficiente discernimento para avaliar se os comportamentos do arguido eram ou não adequados

y) Ao agir da forma descrita, o arguido actuou com a intenção que, concretizou, de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, utilizando, para tanto, os dois identificados menores, indiferente à sua idade e às consequências de tal actuação sobre os mesmos.

z) E agiu o arguido de forma voluntária, livre e consciente, ciente de que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.  
Do pedido civil provou-se ainda:

aa) Em consequência dos actos praticados pelo arguido, os menores BB e DD apresentam alterações de comportamento, sendo que:

1. O menor BB demonstra isolamento, apresenta-se muito passivo, fala pouco, tem dificuldade em exprimir o que sente, nomeadamente em casa; tem dificuldades em se concentrar, em memorizar, não tem capacidade de iniciativa e é deveras hesitante;

2. O menor DD apresenta uma grande agressividade, principalmente para com os familiares, nomeadamente, irmãos e mãe, fazendo ameaças de morte e de fuga, urina (faz “chichi”) na cama, é uma criança revoltada e conflituosa, sentindo-se posto de parte pelos colegas.

bb) Os menores BB e DD nutriam grande afeição pelo arguido/demandado, confiando no mesmo, tratando-o por “padrinho”, e os actos praticados pelo arguido/demandado, causou-lhe grande sofrimento e perturbação emocional,  que se mantém, manifestando-se, designadamente, nas alterações de comportamento aludidas supra, na al. aa), que têm vindo a agravar-se;

cc) Atento o quando psíquico emocional que os menores apresentam, em consequência dos actos praticados pelo arguido/demandado, os menores BB e DD têm vindo a ter acompanhamento psicológico, que necessitam de manter no futuro, sendo previsível que venham a necessitar também de acompanhamento psiquiátrico;

dd)  A mãe dos menores BB e DD, ora demandante, sente tristeza, mágoa, sofrimento, angústia, revolta, com os factos de que os seus filhos foram vítimas, cometidos pelo arguido/demandado, em quem depositava confiança, caindo a demandante em depressão, tendo chegado a ficar de baixa médica;

ee) Em consequência da conduta do arguido/demandado e no âmbito dos presentes autos, a demandante efectuou deslocações, com os seus filhos BB e DD, desde a sua residência ao INML, Gabinete Médico-Legal de Viseu e ao Hospital de S. Teotónio, em Viseu, para que os menores fossem sujeitos a exames médico-legais, o que causou aos mesmos desconforto e sofrimento emocional, tendo a demandante, levado, ainda os filhos, ao médico de família, em Penedono.

ff) A própria demandante recebeu tratamento médico no Hospital de Viseu, no Centro de Saúde de Moimenta da Beira e no médico de família em Penedono, onde se deslocou. 

            gg) As deslocações referidas na al. ee) foram feitas pela demandante em veículo próprio, tendo despendido, em combustível, quantia exacta não apurada, mas na ordem dos €200,00 (duzentos euros).

Factos atinentes à personalidade e às condições pessoais do arguido:

hh) O arguido é originário de uma família humilde e numerosa, que sempre vivenciou dificuldades económicas porque o pai trabalhava à jorna na agricultura e os rendimentos eram escassos para tão numerosa prole.

ii) Apesar das dificuldades o ambiente na família de origem era equilibrado e estruturado e os pais sempre se preocuparam com a educação dos filhos.

jj) O arguido nunca frequentou a escola e não saber ler nem escrever.

 kk) Ingressou precocemente no mercado de trabalho, primeiro ajudando os pais nas lides agrícolas e depois trabalhando para terceiros, à jorna, tendo trabalhado largos anos na agricultura e depois na construção da Barragem do Vilar, chegando a estar vários anos emigrado em França, onde organizou a sua vida.

ll) O arguido casou cedo e do seu matrimónio nasceram oito filhos, tendo um deles já falecido e encontrando-se os outros sete emigrados.

mm) O arguido enviuvou, há 12 anos, após o que ficou a residir sozinho, na casa onde ocorreram os factos referenciados nos autos, a qual, o arguido, em data e circunstâncias não apuradas, veio a “passar para a propriedade dos filhos”, dispondo a mesma de boas condições de habitabilidade.

nn) O arguido aufere uma pensão de reforma, da segurança social portuguesa, no montante de €195,00 mensais e uma outra pensão de reforma, de França, de montante não apurado, mas não inferior a €500,00 mensais, beneficiando de uma situação económica equilibrada.

oo) No Estabelecimento Prisional Regional de Lamego, onde se encontra preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, desde 13/07/2012, o arguido vem mantendo um comportamento aceitável.

pp) O arguido não tem antecedentes criminais.

qq) Confessou parcialmente os factos, não revelando contudo ter interiorizado a gravidade e censurabilidade da sua conduta para com os menores BB e DD, contextualizado os acontecimentos no âmbito de “brincadeiras” com as crianças.

2.2. Factos não provados
            Não resultaram provados os factos que não se compaginam com os que foram dados por provados [sendo que, no atinente ao pedido cível o tribunal expurgou dos factos a matéria alegada, de cariz conclusivo e as considerações genéricas acerca do quadro ou das consequências associadas às situações de abuso sexual infantil, descritas no ponto 17º do PIC, na parte em que não foram concretizadas como revelando-se nos menores BB e DD [ainda que não se possa excluir que venham a manifestar-se no futuro] e, nomeadamente, com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
            - Tivessem sido cerca de vinte as vezes que o arguido praticou com o menor BB actos sexuais da natureza daqueles que resultaram apurados.”


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Cumpre apreciar e decidir:

O recorrente questiona a medida concreta das penas, e o montante indemnizatório atribuído aos menores

Analisando:

            A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º  do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

            As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a  pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118)

            Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

            O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

            Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados..


Foi considerado – e não vem impugnado - que “a actuação do arguido integra a prática, em autoria material e, em concurso real:
- Tendo como ofendido o menor BB, quatro crimes de abuso sexual de crianças, sendo três p. e p. pelo nº. 2 do artigo 171º e um p. e p. pelo nº. 1 do mesmo artigo.

- Tendo como ofendido o menor DD dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artº. 171º, nº.1, do C.P.”

Refere o acórdão recorrido:
2.4.2. Da opção e medida pena
Os crimes de abuso sexual de crianças perpetrados pelo arguido são abstractamente puníveis:
 - O crime p. e p. pelo nº. 2 do artigo 171º, com pena de prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos;
- O crime p. e p. pelo nº. 1 do artigo 171º, com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos.

Importa agora determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P..

            Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se há-de construir a medida da pena.

            A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215), sendo tal princípio expressamente afirmado no nº. 2 do artº. 40º do Código Penal.

            Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.

            Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.

            Dando concretização aos mencionados vectores, o nº. 2 do artº. 71º enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

            Com vista à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa, assim, valorar as seguintes circunstâncias:

O grau de ilicitude dos factos, dentro do pressuposto pelas especificas incriminações, é, em qualquer dos casos, muito elevado, tendo em conta a persistência e a variedade dos actos executórios perpetrados, a tenra idade dos menores/ofendidos – com apenas 7 anos e 6 anos, respectivamente –, com a natural inocência e ingenuidade, aproveitando o arguido a relação de proximidade e de confiança estabelecida com a mãe dos menores e com estes, sendo os menores órfãos de pai, debatendo-se com carências de ordem financeira e aceitando a mãe dos menores, a ajuda que o arguido lhe ofereceu de a ajudar com as crianças, em alturas em que a estava a trabalhar e tendo o arguido a provecta idade de 84 anos, nutrindo os menores grande afeição pelo mesmo, tratando-o por “padrinho”, surge como normal que a mãe dos menores depositasse total confiança no arguido, não tendo quaisquer reservas em deixar os filhos aos seus cuidados, circunstâncias estas que impunham o dever acrescido ao arguido de “proteger, zelar e cuidar dos menores” e de não praticar para com os mesmos os actos que praticou, tendo os menores, em consequência da actuação do arguido ficado profundamente afectados, psicológica e emocionalmente, carecendo de acompanhamento psicológico e, previsivelmente também, psiquiátrico;

De referir que, no tocante aos factos subsumíveis à incriminação do nº. 2 do artigo 171º, tendo como ofendido o menor BB, a ilicitude revela-se um pouco mais acentuada, no que tange a dois dos ilícitos, tendo em conta, que, em cada um deles, foram praticados actos de coito anal e oral, enquanto que no outro o arguido praticou “somente” «coito oral» e em relação às condutas do arguido subsumíveis à incriminação do nº. 1 do artigo 171º, tendo como ofendidos os menores DD e BB, a ilicitude dos factos é mais acentuada, no que tange aos factos de que o BB foi vítima, tendo em conta a reiteração da conduta do arguido, para com o menor, consubstanciada numa pluralidade de actos, que se prolongaram no tempo.

 O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo cuja intensidade, se revela, em qualquer dos casos, elevada, pelo crescendo e gravidade de tais actos, agindo o arguido, em qualquer das situações, com o fim, censurável, de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais com os menores; 

 As condições pessoais do arguido e a sua situação económica que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas. 
A ausência de antecedentes criminais do arguido, tem diminuto significado, atento o tipo de crime. 

Os factos praticados pelo arguido revelam uma personalidade mal formada que se manifesta no seu modo de actuar, na crescente lascívia e consequente perturbação da autodeterminação sexual dos menores, com quem mantinha uma relação de grande proximidade, nutrindo os mesmos pelo arguido sentimentos de afeição, tratando-o por padrinho, não revelando o arguido ter interiorizado a gravidade e censurabilidade da sua conduta para com os menores BB e DD, contextualizado os acontecimentos no âmbito de “brincadeiras” com as crianças.

 Por último, há que ponderar as exigências de prevenção, sendo que as de prevenção especial, revelam-se, à partida, medianamente acentuadas, tendo em conta a natureza e gravidade dos actos praticados e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido, que apesar de ter 85 anos, apresenta a libido exacerbada, não se coibindo de a satisfazer com crianças; e as prevenção geral, são prementes, atenta a objectiva gravidade jurídica do tipo de crime praticado e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de crianças associados ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto-satisfação sexual do agente, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos.
            Ponderando todos estes elementos julgamos adequadas a aplicar ao arguido, as penas parcelares de prisão:

                    . 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, por cada um dos dois crimes cometidos, em que o arguido praticou, em cada umas das ocasiões, «coito oral» e «coito anal», tendo como ofendido o menor BB;

            . 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, pelo crime cometido, em que o arguido praticou «coito oral», tendo como ofendido o menor BB;

            . 4 (quatro) pelo crime de trato sucessivo praticado pelo arguido, tendo como ofendido o menor BB;

            . 3 (três) anos e 6 (seis) meses por cada um dos dois crimes perpetrados pelo arguido, tendo como ofendido o menor DD.”

Na verdade. pelas razões aduzidas, a ilicitude do facto é bastante elevada, tendo em conta a natureza do bem jurídico ofendido.

          A intensidade do dolo, bem como a gravidade das consequências são deveras bastante acentuadas: O arguido sabia que os menores BB e DD tinham, na altura, respectivamente, 7 (sete) e 6 (seis) anos de idade, E sabia o arguido que ao actuar da forma que acima se descreveu, na pessoa dos referidos menores, perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento das respectivas personalidades.
 Com efeito, introduzir o seu pénis, erecto, na boca e, pelo menos, parcialmente, no ânus do menor BB, nas circunstâncias descritas na al. h), ao encostar e friccionar o seu pénis, erecto, no ânus do menor BB e ao mexer nos órgãos genitais deste, acariciando-os, segurado no pénis do menor, fazendo movimentos de cima para baixo, típicos da masturbação, levando a que o menor BB praticasse o mesmo tipo de actos no arguido, nos termos referenciados na als. i) e j), bem como ao encostar o seu pénis, erecto, no ânus do menor DD, aí o mantendo durante alguns instantes, nas duas ocasiões mencionadas nas als. n) e o), o arguido estava perfeitamente ciente que comprometia, de forma séria, o normal e desejável desenvolvimento da consciência sexual e da personalidade de cada uma dessas crianças.
Sabia igualmente o arguido que em função da idade dos menores BB e DD os mesmos não tinham suficiente discernimento para avaliar se os comportamentos do arguido eram ou não adequados

. E agiu o arguido de forma voluntária, livre e consciente, ciente de que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.  

Sobre a gravidade das consequências:
            “Ficou provado que:
            - Em consequência dos actos praticados pelo arguido, os menores BB e DD apresentam alterações de comportamento, sendo que:

. O menor BB demonstra isolamento, apresenta-se muito passivo, fala pouco, tem dificuldade em exprimir o que sente, nomeadamente em casa; tem dificuldades em se concentrar, em memorizar, não tem capacidade de iniciativa e é deveras hesitante;

. O menor DD apresenta uma grande agressividade, principalmente para com os familiares, nomeadamente, irmãos e mãe, fazendo ameaças de morte e de fuga, urina (faz “chichi”) na cama, é uma criança revoltada e conflituosa, sentindo-se posto de parte pelos colegas.

- Os menores BB e DD nutriam grande afeição pelo arguido/demandado, confiando no mesmo, tratando-o por “padrinho”, e os actos praticados pelo arguido/demandado, causou-lhe grande sofrimento e perturbação emocional, que se mantém, manifestando-se, designadamente, nas alterações de comportamento aludidas supra, no parágrafo anterior, que têm vindo a agravar-se;

- Atento o quando psíquico emocional que os menores apresentam, em consequência dos actos praticados pelo arguido/demandado, os menores BB e DD têm vindo a ter acompanhamento psicológico, que necessitam de manter no futuro.

- A sujeição aos exames médico-legais que tiveram de ser realizados no âmbito dos presentes autos, em virtude dos factos ilícitos perpetrados pelo arguido, foram causa de desconforto e de sofrimento para os menores/ofendidos.

 Em consequência da introdução, pelo menos, parcial, do pénis do arguido no ânus do menor BB, nas situações descritas na al. h) e da fricção do pénis do arguido no interior do ânus e nas situações referenciadas na al. i) na zona do ânus, o menor BB ficou com essa região do corpo inflamada, sentindo o menor prurido e dor, nesse local.

 

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos determinantes

Ao agir da forma descrita, o arguido actuou com a intenção que, concretizou, de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, utilizando, para tanto, os dois identificados menores, indiferente à sua idade e às consequências de tal actuação sobre os mesmos

As condições pessoais do agente e a sua situação

O arguido é originário de uma família humilde e numerosa, que sempre vivenciou dificuldades económicas porque o pai trabalhava à jorna na agricultura e os rendimentos eram escassos para tão numerosa prole. Apesar das dificuldades o ambiente na família de origem era equilibrado e estruturado e os pais sempre se preocuparam com a educação dos filhos.

O arguido nunca frequentou a escola e não saber ler nem escrever. Ingressou precocemente no mercado de trabalho, primeiro ajudando os pais nas lides agrícolas e depois trabalhando para terceiros, à jorna, tendo trabalhado largos anos na agricultura e depois na construção da Barragem do Vilar, chegando a estar vários anos emigrado em França, onde organizou a sua vida.

O arguido casou cedo e do seu matrimónio nasceram oito filhos, tendo um deles já falecido e encontrando-se os outros sete emigrados.

Enviuvou, há 12 anos, após o que ficou a residir sozinho, na casa onde ocorreram os factos referenciados nos autos, a qual, o arguido, em data e circunstâncias não apuradas, veio a “passar para a propriedade dos filhos”, dispondo a mesma de boas condições de habitabilidade.

Aufere uma pensão de reforma, da segurança social portuguesa, no montante de €195,00 mensais e uma outra pensão de reforma, de França, de montante não apurado, mas não inferior a €500,00 mensais, beneficiando de uma situação económica equilibrada.

No Estabelecimento Prisional Regional de Lamego, onde se encontra preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, desde 13/07/2012, o arguido vem mantendo um comportamento aceitável.

           

A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime: O arguido não tem antecedentes criminais. Confessou parcialmente os factos, não revelando contudo ter interiorizado a gravidade e censurabilidade da sua conduta para com os menores BB e DD, contextualizado os acontecimentos no âmbito de “brincadeiras” com as crianças.

A prevenção geral é especialmente exigente na violação do bem jurídico em causa, pela necessidade de reposição contrafáctica da normas violadas.

A prevenção especial, pelo contrário, atenta a idade do arguido e a inexistência de antecedentes criminais, não se revela acutilante, correspondendo à normal socialização do arguido, orientada pela dissuasão de comportamentos violadores de n«bens jurídicos, nomeadamente do bem jurídico atingido.

A culpa limite da pena é bastante intensa

Como se refere no sumário do Acórdão  de 01.04.98, deste Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

 

            Tendo em conta os limites legais das penas parcelares aplicáveis, não se revelam desadequadas as penas parcelares aplicadas:


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Relativamente á pena resultante do cúmulo, ou pena conjunta:

O nº 1 (segunda parte) do referido artº 77º impõe que "na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

            Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.     Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07

Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo  e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

     Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º.

Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)

A determinação da pena do cúmulo, exige pois um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.

            Aliás salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.

Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”

O acórdão recorrido é parco na fundamentação do cúmulo a raiar a nulidade quanto à respectiva fundamentação, pois apenas assinala: “Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso a de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses a 24 (vinte quatro) anos e 3 (três) meses e, ponderando, em conjunto, os factos – que revestem acentuada gravidade – e a personalidade do arguido – mal formada – (cf. artº. 77º, nºs. 1 e 2, do C.P.), não podendo deixar de se ponderar que o arguido tem já 85 anos de idade, decidem as juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo na pena unitária de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

Porém tal nulidade pode ser suprida em recurso, uma vez que, sem margem para dúvidas, todos os elementos fácticos relevantes constam da decisão recorrida.

Assim, valorando a ilicitude global perpetrada, tendo em conta o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados, verifica-se que apesar da intensidade da ofensa e dimensão do bens jurídicos ofendidos, a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, não revela permanência habitual no tempo, nem dependência de vida em relação àquela actividade, que terá resultado de mera pluriocasionalidade, favorecida pelas circunstâncias, revelando contudo os factos e a personalidade do arguido neles manifestada e por eles projectada a necessidade de um processo de socialização e de inserção, na dissuasão da violação das normas constitutivas do bem jurídico ofendido, devendo ter-se em consideração os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do arguido, com 85 anos de idade, e sem antecedentes criminais.

Em consequência, considera-se adequada a pena única de nove anos de prisão.


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Relativamente ao montante indemnizatório a pagar aos menores

Considerou a decisão recorrida:

“           Já no que concerne à pretensão indemnizatória, por danos não patrimoniais, deduzida pela demandante, em representação de seus filhos, menores, ora ofendidos BB e DD, dúvidas não existem de que, se mostram preenchidos todos os enunciados pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, impendendo sobre o arguido/demandados a obrigação de indemnizar os danos morais por aqueles sofridos.

            É peticionada, a esse título, a quantia de €150.000,00 (cinquenta mil euros) a arbitrar ao menor BB e de €100.000,00 (cem mil euros), a arbitrar ao menor DD.
            Ficou provado que:
            - Em consequência dos actos praticados pelo arguido, os menores BB e DD apresentam alterações de comportamento, sendo que:

. O menor BB demonstra isolamento, apresenta-se muito passivo, fala pouco, tem dificuldade em exprimir o que sente, nomeadamente em casa; tem dificuldades em se concentrar, em memorizar, não tem capacidade de iniciativa e é deveras hesitante;

. O menor DD apresenta uma grande agressividade, principalmente para com os familiares, nomeadamente, irmãos e mãe, fazendo ameaças de morte e de fuga, urina (faz “chichi”) na cama, é uma criança revoltada e conflituosa, sentindo-se posto de parte pelos colegas.

- Os menores BB e DD nutriam grande afeição pelo arguido/demandado, confiando no mesmo, tratando-o por “padrinho”, e os actos praticados pelo arguido/demandado, causou-lhe grande sofrimento e perturbação emocional, que se mantém, manifestando-se, designadamente, nas alterações de comportamento aludidas supra, no parágrafo anterior, que têm vindo a agravar-se;

- Atento o quando psíquico emocional que os menores apresentam, em consequência dos actos praticados pelo arguido/demandado, os menores BB e DD têm vindo a ter acompanhamento psicológico, que necessitam de manter no futuro.

- A sujeição aos exames médico-legais que tiveram de ser realizados no âmbito dos presentes autos, em virtude dos factos ilícitos perpetrados pelo arguido, foram causa de desconforto e de sofrimento para os menores/ofendidos.
Tal como se refere no Ac. da R.P. de 16/12/2009, proferido no processo nº. 48/07.4GAAMM.P1, a propósito de um caso de abuso sexual de crianças «a conduta do arguido, levando-a à prática de actos atentatórios da sua liberdade de crescer em relativa inocência, violou o direito da ofendida alcançar um desenvolvimento livre da sua personalidade do ponto de vista sexual que, só por si, constitui um dano já merecedor de protecção no âmbito da tutela geral da personalidade, consagrada no art. 70º, do Cód. Civil e constitucionalmente garantida no art. 26º, da nossa lei fundamental (CRP).
Afigura-se-nos incontroverso que os danos sofridos pelos menores BB e DD, em consequência dos factos ilícitos praticados pelo arguido/demandado, pela sua gravidade merecem a tutela do direito, sendo, por isso, de harmonia com o disposto no artº. 496º, nº 1, do Código Civil, indemnizáveis. 

É sabido que é impossível indemnizar os danos morais em toda a sua extensão, tanto mais que os mesmos, pela sua própria natureza, não são dimensionáveis, sendo que, decerto, e infelizmente, os ofendidos BB e DD, hoje ainda crianças, num futuro próximo adolescentes e mais tarde adultos, ficarão psicológica e emocionalmente marcados para toda a vida. Todavia, há que procurar compensar, de algum modo, pecuniariamente, os danos não patrimoniais sofridos pelos menores ofendidos e resultantes da conduta do arguido/demandado, não devendo por isso ser atribuído valor meramente simbólico.

Nos termos do citado artº. 496º, nº 3, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o julgador deve nortear-se por critérios de equidade, tendo em conta, as circunstâncias referidas no artº. 494º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente – que é elevadíssimo –, a situação económica deste e do lesado – tendo o arguido uma situação económica equilibrada e sendo os ofendidos crianças cuja mãe se debate com dificuldades económicas – e as demais circunstâncias do caso, bem como aos critérios usualmente adoptados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.

Assim, tendo presentes as considerações expostas e os factos que, neste âmbito ficaram provados, têm-se por ajustado arbitrar, os seguintes montantes indemnizatórios:

- Ao menor BB: €50.000,00 (cinquenta mil euros);

- Ao menor DD: €40.000,00 (quarenta mil euros), a cujo pagamento vai o arguido/demandado condenado.

            Peticiona, ainda, a demandante, a condenação de demandado a pagar indemnização pelos demais danos que se verificarem, mormente danos futuros.

            Resultou provado que atento o quadro psíquico e emocional que os menores apresentam, em consequência dos actos praticados pelo arguido/demandado e que tem vindo a agravar-se, os mesmos têm vindo a ter acompanhamento psicológico, que necessitam de manter no futuro, sendo previsível que venham a necessitar também de acompanhamento psiquiátrico.

Evidentemente que, designadamente, o acompanhamento especializado de que os menores necessitam, acarretará despesas, que terão de ser suportadas, tratando-se de um dano futuro previsível, indemnizável nos termos do disposto no artº. 564º, nº. 2, do Cód. Civil.

Todavia, tais danos futuros, ainda que seguramente previsíveis não são, neste momento, determináveis.

Assim sendo, ao abrigo do disposto no artº. 564º, nº. 1, parte final, do C. Civil decide-se relegar a fixação da indemnização correspondente aos enunciados danos futuros para decisão ulterior.

As quantias indemnizatórias já liquidas são acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados sobre o montante arbitrado, por danos patrimoniais, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido cível e sobre os montantes arbitrados, por danos não patrimoniais, e considerando que se mostram actualizados com referência ao presente, desde a data da prolação do presente acórdão e, em qualquer dos casos, até integral e efectivo pagamento.”

Não vem impugnada a decisão quanto a danos futuros, que remeteu a “fixação da indemnização correspondente aos enunciados danos futuros para decisão ulterior”, pois que decidiu condenar, ainda, o arguido/demandado a pagar: “O montante que se vier a fixar em decisão ulterior, a título de indemnização por danos futuros, nos termos do disposto no artº. 564º, nº, 2, parte final, do C. Civil, designadamente, com os gastos que venham a ser suportados decorrentes da necessidade de acompanhamento especializado, psicológico e/ou psiquiátrico, que os menores/ofendidos venham a ter.”

Apenas está em causa o montante de danos não patrimoniais devidos aos menores.

 A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. – artº 129º do C.Penal.

Embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (artºs 71º e segs do CPP), subordina-se, porém, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.

Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. - artº 483º nº 1 do Código Civil. (C.C.)

            Como se sabe, a indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do C.C.)

            A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor - artº 566º nºs 1 e 2 do C.C.

            Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

            Quanto a danos não patrimoniais

 Dispõe o artigo 496º nº 1 do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;.

O artº 494º do C.C. alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.

A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, da ofensa imerecida, ao bom nome e dignidade

            Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

            A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele (v. Ac. do S.T.J. de 19-4-91 in A.J. 18º, 6)

Na atribuição dessa indemnização deve respeitar-se «todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501 e, entre outros, Ac. deste Supremo de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta 3ª Secção)

 Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito, tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e, não de harmonia com percepções subjectivas, ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano, justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.(em sentido idêntico – Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt)

         Essa indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”.(v. por ex,  Acórdão do S.T.J. de 11 de Setembro de 1994 (in Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92),

A expressão “em qualquer caso”, constante do artº 496º do CC, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96).

Por sua vez, “demais circunstâncias do caso” é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.

         Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». (v.v.g. Acórdão do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04, e de 3-7-2008 in prc. 122&708 , ambos da 5ª secção)-

Tem-se feito jurisprudência no sentido de que tal como escapam à admissibilidade de recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (arts. 400., n.1, al. b), do CPP e 679. do C PC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras – cf., entre outros, Acs. de 29-11-01, Proc. n. 3434/0º1; de 08-05-03, Proc. n. 4520/02; de 17-06-04, Proc. n, 2364/04 e de 24-11-05, Proc. n. 2831/05, todos da 5.ª Secção. Ac. do STJ de 07.12. 2006 , Processo n.  3053/06 - 5.ª Secção.

Sobre a actualidade da indemnização já o acórdão deste Supremo, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 referia «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.”

O aumento do custo de vida e as exigências da dignidade humana e de realização comunitária assim o exigem.

            Tendo em conta a idade dos menores, 7 anos, o menor BB, e 6 anos, o menor DD, aquando do início dos abusos sexuais, pelo arguido, a natureza destes e o tempo em que estes perduraram – cerca de um ano quanto ao menor BB e cerca de um mês quanto ao menor DD, as consequências havidas e sentidas. para os menores:

O menor BB demonstra isolamento, apresenta-se muito passivo, fala pouco, tem dificuldade em exprimir o que sente, nomeadamente em casa; tem dificuldades em se concentrar, em memorizar, não tem capacidade de iniciativa e é deveras hesitante;

O menor DD apresenta uma grande agressividade, principalmente para com os familiares, nomeadamente, irmãos e mãe, fazendo ameaças de morte e de fuga, urina (faz “chichi”) na cama, é uma criança revoltada e conflituosa, sentindo-se posto de parte pelos colegas.

Os menores BB e DD nutriam grande afeição pelo arguido/demandado, confiando no mesmo, tratando-o por “padrinho”, e os actos praticados pelo arguido/demandado, causou-lhe grande sofrimento e perturbação emocional,  que se mantém, manifestando-se, designadamente, nas alterações de comportamento aludidas supra, na al. aa), que têm vindo a agravar-se;

Atento o quando psíquico emocional que os menores apresentam, em consequência dos actos praticados pelo arguido/demandado, os menores BB e DD têm vindo a ter acompanhamento psicológico, que necessitam de manter no futuro, sendo previsível que venham a necessitar também de acompanhamento psiquiátrico;

Tendo em conta ainda forte intensidade do dolo, e que o arguido aufere uma pensão de reforma, da segurança social portuguesa, no montante de €195,00 mensais e uma outra pensão de reforma, de França, de montante não apurado, mas não inferior a €500,00 mensais, beneficiando de uma situação económica equilibrada, não se mostram desajustadas as indemnizações arbitradas, que, por isso, são de manter,


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª secção. em dar parcial provimento ao recurso, quanto à pena única aplicada, que ora reduzem para nove anos de prisão

No mais confirmam o acórdão recorrido

            Custas pelo recorrente quanto ao decaimento na parte cível

            Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Novembro de 2013

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges

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[1] - Obviamente que apenas no que diz respeito ao seu segmento penal. Na parte cível, e porque nessa sede se dirimem direitos disponíveis, apenas às partes – que o Ministério Público não representa – cabe decidir da disposição ou não dos mesmos, bem como do exercício dos meios de tutela que a lei lhes faculta. Donde, e por carecer para tanto da necessária legitimidade, não cumpra ao Ministério Público pronunciar-se, motivo pelo qual não podemos deixar de abster-nos de, nesta parte, emitir parecer sobre o mérito do recurso.
[2] - Que consta da peça processual exarada a fls. 840 e segs., e que pela clareza e pertinência da argumentação desenvolvida, bem como dos fundamentos e elementos (nomeadamente factuais e normativos) aduzidos, nos poderia até dispensar do aditamento de mais desenvolvidos considerandos em defesa do decidido.
[3] - Ver por exemplo, em sentido divergente, o Acórdão de 14-01-10, publicado na CJ (STJ), 2010, Tomo I, pág. 189.
[4] - In “Direito Penal Português – As Consequência Jurídicas do Crime”, pág. 291.
[5] - Sendo que, como já verificámos, parte das demais (poucas) circunstâncias que vêm invocadas pelo recorrente não constam da materialidade provada.
[6] - Opção que, a ser tomada, de todo nos não repugnaria.