Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2522/10.06TBBCL-C.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
REQUERIMENTO EXECUTIVO
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- No âmbito do processo executivo, o recurso de revista está circunscrito às hipóteses previstas no artº 854º do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível recurso.

II- O caso dos autos, em que se recorre de revista do acórdão da Relação que ordena o prosseguimento da execução, revogando a decisão de 1ª instância que havia indeferido liminarmente o requerimento executivo, não se enquadra nas situações previstas no citado artº 854º do CPC.

III- Admitindo-se recurso na parte relativa à invocada violação do caso julgado, o recurso fica limitado à apreciação desta questão.

IV- Não se verificando a alegada violação do caso julgado, terá de ser negada a revista.

Decisão Texto Integral:

          

          

Processo 2522/10.06TBBCL-C.G1.S1- 6ª Secção.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
          

I- Relatório

Banco Santander Totta, S.A., exequente na execução que instaurou contra AA e BB, veio instaurar execução ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC, contra a sociedade Irmãos Ferreira, Lda., na qualidade de entidade patronal da executada BB.

Sobre esse requerimento foi proferido, pela 1ª instância, o seguinte despacho, em 19/10/2017:

“A exequente veio requerer o prosseguimento da presente execução contra a sociedade Irmãos Ferreira, L.da, devedora (entidade patronal) da executada BB.

Sobre tal matéria, dispõe o artigo 777º, nº 3, do Código de Processo Civil, que não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente exigir, nos próprios autos de execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.

Quer isto dizer que é necessária nova execução, agora contra o devedor do executado, que corre nos próprios autos.

Trata-se, por isso, de uma cumulação de execuções.

Contudo, do compulso dos autos verifica-se que, já em 17-09-2013, a exequente veio requerer a penhora de bens pertencentes à sociedade Irmãos Ferreira, L.da, uma vez que tendo nomeado à penhora a parte penhorável do vencimento mensal da executada BB, enquanto funcionária da referida entidade patronal, aquela, alegadamente, não terá respondido à notificação que, para tanto, lhe foi dirigida pelo AE, nos termos do artº773º, nº1 do C.P.C..

Penhorados bens à referida entidade patronal da executada BB, veio àquela deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, que correu termos sob o apenso B, onde foi proferida decisão, há muito transitada em julgado, que julgou procedentes os embargos e, em consequência, declarou extinta a execução a que os mesmos respeitam, relativamente à ali embargante “Irmãos Ferreira, Lda”.

Assim, atenta a extinção da execução anteriormente ordenada, por decisão transitada em julgado, não pode o exequente vir agora apresentar um novo pedido, ainda que seja na forma que anteriormente não utilizou.

Pelo exposto, indefere-se liminarmente o requerido prosseguimento da presente execução contra “Irmãos Ferreira, Lda..

Custas do incidente pela exequente.

Notifique e dê conhecimento do presente despacho ao Sr. Agente de Execução.”

O exequente não se conformou e interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação procedente e, em consequência, revogou o despacho recorrido, determinando “que deve ser substituído por outro que admita a execução, se nenhuma outra circunstância obstar a essa admissão”.

A executada Irmãos Ferreira, Ldª, não se conformando veio interpor recurso para o STJ, formulando extensas conclusões das alegações (122 artigos), que resumidamente incidem sobre a nulidade do acórdão por falta de valor quanto à admissão de recurso, pelo incumprimento do artº 655º, nº 1 do CPC, e pela violação do caso julgado.

O exequente Banco Santander Totta, Sa, veio responder pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Por despacho proferido pelo ora Relator, foram os autos devolvidos ao Tribunal da Relação para se pronunciar sobre a alegada nulidade do acórdão e para fixação do valor da causa.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 5 de Março de 2020, desatendeu a arguida nulidade e fixou à execução o valor de 38.387,80€.

II- Fundamentação:

Matéria de facto provada

“Em 3 de Julho de 2015 foi proferida decisão julgando procedentes os embargos deduzidos pela sociedade Irmãos Ferreira, Lda. e declarada extinta a execução.

Como fundamento da decisão foi feito constar o seguinte:

Ora, prescrutado o processo principal, nele não se vislumbra que a exequente, aqui embargada, tenha cumprido tal imposição legal.

Estamos, pois, no âmbito de uma ação executiva, sem requerimento executivo, o que, a nosso ver, representa a inexistência da própria execução.

Daí que, salvo melhor opinião contrária, e sem necessidade de mais considerações, deve, consequentemente, ser julgada extinta a execução (inexistente juridicamente) a que os mesmos respeitam, com todas as legais consequências.”.

A entidade patronal da executada, a Sociedade Irmãos Ferreira, Lda. foi notificada por carta registada com aviso de receção, recebida em 23.09.2010, nos termos do artº 856º, nº 1 do CPC ao tempo em vigor (CPC de 1961, actual artº 773º, nº 1 do CPC aprovado pela Lei 41/2013) da penhora do vencimento da executada BB, no que excedesse um salário mínimo nacional  e que o crédito que constitui o vencimento da executada ficava à ordem do agente de execução, devendo ser depositado na conta identificada e de que lhe cumpria declarar se o crédito existia e qual a data do vencimento do salário, juntando o último recibo do trabalhador.

Na notificação constava a expressa advertência de que na falta de declaração se entendia que reconhecia a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora, conforme preceituava o artº 856º do CPC.

Em 6.10.2010 foi expedida nova notificação para a entidade patronal da executada juntar no prazo de 10 dias comprovativo dos depósitos efectuados, repetindo-se a advertência feita, nada tendo junto.

Por requerimento datado de 30 de Setembro de 2010, mas recebida pelo solicitador de execução após a 2ª notificação de 6.10.2010, veio a Sociedade Irmãos Ferreira, Lda. informar o solicitador de execução que a executada auferia a quantia de 488,00 euros mensais, acrescida de subsídio de almoço e juntou cópia do recibo relativo ao mês de Agosto de 2010, nada tendo depositado.

Por notificação por carta registada com aviso de receção recebida em 22.03.2013, a Sociedade Irmãos, Lda, foi de novo notificada da penhora no vencimento da executada nos termos constantes de fls 24 destes autos em separado.

Por notificação de 6.04.2014, o solicitador de execução voltou a notificar a Sociedade Irmãos Ferreira, Lda. para juntar comprovativo dos depósitos efectuados, nos termos constantes do artº 860º, nº 1 do CPC, com a advertência constante do nº 3 do mesmo preceito legal, a qual não obteve resposta”.

III- Questão prévia sobre a admissibilidade do recurso

A executada nas longas conclusões vem pedir a revogação do acórdão relativamente a diversos pontos, que se resumem às seguintes questões:

- Nulidade do acórdão por falta de indicação do valor da causa.

- Incumprimento do artº 655º, nº 1 do CPC.

- Violação do caso julgado.

No que respeita ao processo executivo, decorre do artº 854º do CPC que “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos, gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

No caso dos autos estamos perante um processo executivo, no qual a executada vem interpor revista da decisão da Relação que, revogando a sentença da 1ª instância, que havia indeferido liminarmente o requerimento executivo, ordenou o prosseguimento dos autos. Deste modo, o caso em apreço não se enquadra em nenhumas das situações previstas no citado artº 854º do CPC, que admitem a revista no âmbito do processo executivo, pelo que o recurso não será admissível.

Todavia, a executada vem suscitar que o acórdão da Relação violou o caso julgado que se formou sobre a decisão de 03.07.2015.

Decorre do artº 629º, nº 2 al. a) que independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência, é sempre admissível recurso nos diversos graus de jurisdição quando este vise a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada pelo recorrente a ofensa do caso julgado.

A ampliação da recorribilidade da decisão justifica-se, aqui, pela necessidade de preservar os efeitos que decorrem de decisões já transitadas em julgado ou cobertas pela eficácia ou autoridade do caso julgado, evitando a sua contradição ou a sua inútil confirmação (art. 580º, nº 2 do CPC).

Sublinhe-se, porém, que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça fica limitada à apreciação da alegada ofensa de caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida às regras gerais.

Com efeito, refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., p. 51, que “a norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o Tribunal Superior com a discussão da alegada ofensa de caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida regras gerais”. 

Assim, a admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa do caso julgado é restrita ao conhecimento dessa questão, não podendo o recorrente envolver no recurso, a expensas da ofensa do caso julgado, outras questões sujeitas às regras gerais da admissibilidade do recurso.

Deste modo, o recurso está delimitado à apreciação da alegada violação do caso julgado. Isto é, se deve ser admitida a execução instaurada pela exequente contra a entidade patronal da executada, ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC ou, se o caso julgado que se formou sobre a decisão de 3.07.2015, que julgou procedentes os embargos deduzidos pela executada Irmãos Ferreira, Lda., por falta de requerimento executivo, obsta à propositura de nova execução.

IV- Cumpre decidir

Relativamente à questão da alegada violação do caso julgado, o acórdão recorrido considerou que o despacho proferido em 03.07.2015, não formou caso julgado, pelo que não obstava a que a exequente viesse apresentar novo pedido, ainda que seja na forma que anteriormente não utilizou, ou seja, mediante recurso a requerimento executivo. O acórdão usou a seguinte fundamentação:

“À data, a executada auferia vencimento superior ao ordenado mínimo nacional, fixado em 475,00, pelo que era penhorável a quantia que excedesse aquele salário mínimo.

Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.

A Mma Juíza entendeu que inexistia execução por falta de requerimento executivo e julgou extinta a execução.

Sendo instaurada execução com requerimento executivo que não obedeça ao modelo aprovado, a secretaria recusa receber o requerimento (artº 725º, nº 1, alínea a) do actual CPC).

Se a lei estabelece o dever de recusar o requerimento executivo quando este este exista, mas não obedeça ao modelo aprovado, poder-se-á que considerar que, por maioria de razão, também será caso de recusa se a execução não for sequer acompanhada de requerimento executivo, nos casos em que ele é exigível. Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz (artº 725º, nº 2 do CPC).

No caso, embora sem requerimento executivo, o processo seguiu e só depois de ter sido deduzida oposição pela devedora/entidade patronal da executada é que foi proferido despacho a julgar extinta a execução por falta de requerimento executivo.

A lei distingue nos art.º 671º, nº 1, e 672º, do C. P. Civil (aqui existe lapso, pois em causa estão os artigos 619º e 620º do CPC) entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.

A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos art.ºs 580º e 581º  do C. P. Civil – (art.º 619º, n.º 1, do C. P. Civil).

 Os limites a que se reporta o mencionado artigo têm a ver com a propositura de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, em termos da decisão da segunda implicar o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão da primeira – art.º 580º, nº 2 e 581º, n.º 1, do C. P. Civil.

No que respeita ao alcance do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 621º do C. P. Civil. Se o tribunal recorrido entendeu que era necessário requerimento executivo na execução ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC, tendo tal decisão transitado em julgado, a questão da necessidade de requerimento executivo fica definitivamente decidida no processo. Mas a isso se reduz o alcance do caso julgado, à necessidade de apresentação de requerimento executivo quando o exequente pretende socorrer-se do disposto no artº 777º, nº 3 do CPC.

A decisão que declarou a inexistência da execução, não se pronunciou sobre o mérito da mesma, pelo que não estava a exequente impedida de, posteriormente, agora mediante requerimento executivo, instaurar nova execução, o que não atenta contra o caso julgado.

Deve assim ser revogado o despacho recorrido, de 19.10.2017 e admitir-se a execução, a qual deverá seguir os ulteriores termos”.

A decisão ora relatada não merece reparo.

Com efeito, nos termos do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, têm força obrigatória dentro do processo.

Esta norma refere-se às situações de caso julgado formal, como é precisamente o caso da sentença de 03.07.2015, uma vez que a mesma apenas se pronunciou sobre a relação processual, ou seja, sobre a falta de cumprimento das formalidades previstas na lei, e a exigência de apresentação de requerimento executivo autónomo, de cumulação de execuções quanto à entidade patronal incumpridora.

O alcance do caso julgado está previsto no artigo 621.º do CPC: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”

No caso dos autos, a sentença, de 03/07/2015, não se pronunciou quanto ao mérito da causa, mas apenas quanto a exigência de uma questão formal, ou seja, a necessidade de apresentação de requerimento executivo, ao abrigo do artigo 777.º n.º 3 do CPC.

 Apenas a esta questão formal de reconduz o caso julgado.

 Por isso nada obstava a que a exequente viesse apresentar requerimento executivo contra a sociedade Irmãos Ferreira, Lda., como fez em 29/09/2016, assim praticando o facto exigido pela decisão judicial anterior.

Deste modo, não merece reparo o acórdão ao decidir que a existência de caso julgado se circunscrevia à exigência da referida formalidade, e que, tendo sido esta cumprida, ordenou o prosseguimento da execução.

V- Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento à revista.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Outubro de 2020.

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Ana Paula Boularot

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).